Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/11/2022

Relatório de contas com irregularidades

No regime condominial, o legislador não cuidou de estabelecer quaisquer formalidades atinentes à prestação de contas, ressalvando apenas a obrigatoriedade da sua apresentação e aprovação em sede plenária, deixando à arbitrariedade dos condóminos a forma de o fazer. No entanto, é do senso comum que as contas devem transmitir sempre uma imagem fiel e verdadeira na informação prestada.

No entanto, a obrigação de prestação de contas, isto é, a necessidade de dar a conhecer a situação económica e financeira do condomínio, já não é nos dias de hoje, uma mera actividade de carácter meramente informativo, passando a ser uma necessidade de carácter formal, com o máximo de transparência, uma vez que o conhecimento do estado financeiro do condomínio, que nos é facultado pela prestação de contas, revela-se cada vez mais elementar para que todos os condóminos, quer numa perspectiva de avaliação do regular da forma como feita a gestão dos dinheiros, quer numa perspectiva da saúde económica e financeira do condomínio.

Seria de facto importante que existissem regras que facultasse aos condóminos um mecanismo que garantisse a clareza e a exactidão quer dos documentos contabilísticos quer dos relatórios realizados pelo Administrador, tornando assim possível, impugnar situações não detectadas aquando a prestação das contas e que não correspondam à realidade patrimonial versada nesses documentos, e assim, responsabilizar o administrador pelo incumprimento das regras em matéria de prestação de contas, até porque, existe uma total omissão sobre a invalidade das deliberações sociais relativamente à existência de irregularidades no relatório de contas. 

Nesta factualidade, por força do art. 10º do CC, podemos analisar esta matéria à luz do regime plasmado no art. 69º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), onde, de forma a solidificar a citada ideia de transparência e verdade na apresentação dos documentos de prestação de contas, o legislador traçou um regime para a invalidade das deliberações sociais de prestação de contas.

Ora, o regime geral da invalidade das deliberações dos sócios, em particular o regime para anulidade e anulabilidade, vem elencado nos arts. 56º e 58º do CSC, respectivamente. No entanto, no que diz respeito à matéria das deliberações sobre a prestação de contas, o legislador optou por criar um regime especial no art. 69º do CSC, o que gerou um grande impacto ao nível da interpretação desta nova norma face ao regime geral já existente. 

Importa reter o que enuncia a norma prevista no art. 69º do CSC, sob a epígrafe “regime especial de invalidade das deliberações”, relativamente à nulidade e à anulabilidade. De acordo com o preceito legal, temos que:

“ 1. A violação dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas torna anuláveis as deliberações tomadas pelos sócios. 

2. É igualmente anulável a deliberação que aprove contas em si mesmas irregulares, mas o juiz, em casos de pouca gravidade ou fácil correcção, só decretará a anulação se as contas não forem reformadas no prazo que fixar. 

3. Produz, contudo, nulidade a violação dos preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização da reserva legal, bem como de preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público.” 

Face ao exposto, apreendemos que, estando em causa desconformidades (contas - ou documentos que lhes sirvam de suporte - imprecisas ou fictícias) por violação dos critérios de apresentação e mensuração previstos na lei, a deliberação que aprovou tais contas deve ser considerada, em regra, anulável (cfr. art. 1433º do CC), salvo quando são postos em causa interesses de terceiros ou de ordem pública, em que funciona excepcionalmente o regime da nulidade (cfr. art. 286º do CC)

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