Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/16/2022

Obras sem contrato

De acordo com a noção que nos é dada pelo art. 1207º do CC: "Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço", sendo que este (o contrato de empreitada de obras particulares) pode (mas não deve) ser apenas verbal. Assim, quando, por exemplo, o administrador do condomínio contrata um profissional para efectuar obras de conservação, manutenção ou inovações, ou quando um condómino contrata um profissional para remodelar ou pintar a casa, está este a celebrar com ele um contrato de empreitada, tal como quando vai a uma oficina para reparar o seu automóvel ou contrata com uma engomadoria para passar a sua roupa a ferro.

Importa contudo observar que, independentemente da forma do contrato, age com culpa, por violação de disposições legais que se destinam a tutelar interesses públicos (que protegem também certos interesses particulares), o empreiteiro que executa uma obra sem projecto e sem licença, e sem observância das melhores normas da arte de construir, e sem os requisitos necessários para lhe garantir as necessárias condições de segurança e solidez.

Acresce também sublinhar que, não afasta a culpa do empreiteiro a circunstância de este argumentar que se limitou a executar a obra de acordo com a vontade do dono da obra (condómino ou condomínio). De lembrar que, em termos jurídicos o consumidor que celebra um contrato de empreitada é denominado dono da obra e o profissional que executa essa mesma obra é o empreiteiro.

Após escolher o profissional, o condómino (se se tratar de obras no interior da sua fracção autónoma) ou o administrador (se se tratar de obras nas partes comuns), deve pedir ao profissional para que, no orçamento, o modo de execução da obra seja o mais discriminado possível, designadamente quanto aos materiais utilizados, prazo da execução da obra ,o preço da prestação do serviço e as condições de pagamento.

E de modo a ficarem mais salvaguardados quanto a possíveis incumprimentos, o condómino/administrador não deverá aceitar pagar todo o serviço em adiantado. Atente-se que nos termos do nº 2 do art. 1211º do CC, o preço deve ser pago no acto da aceitação da obra, pese embora seja usual o empreiteiro solicitar que seja adiantado parte do pagamento para compra de materiais.

No entanto, não basta confiar o trabalho a um qualquer profissional só porque conhecem-se terceiros que já contrataram com aquele a realização de trabalhos semelhantes, se bem que as referências são importantes. O mais avisado é pedir informações de outros trabalhos já realizados pelo empreiteiro e telefones de contacto para poderem falar com esses clientes é um modo de se evitar em dissabores futuros.

Por outro lado, o conhecimento da sede física do profissional é de particular importância, caso seja necessário responsabilizar o empreiteiro por qualquer incumprimento do contrato ou pelo seu cumprimento defeituoso, porquanto, o meio de contactar com o profissional deverá ser por via de carta registada com aviso de recepção enviada para a morada do escritório do empreiteiro.

Não menos importante é optar-se por profissionais idóneos e não por "biscateiros". Assim, quando as obras a executar têm um valor considerável, pode-se e deve-se optar por um empreiteiro detentos de Alvará. Saber se o empreiteiro tem alvará activo (o alvará é válido por um período máximo de 12 meses) significa que têm pelo menos os impostos do ano anterior regularizados, o que dá mais garantias de que a sua actividade profissional está devidamente legalizada. A situação do alvará do empreiteiro está acessível em:
http://www.inci.pt/Portugues/Construcao/consultaemp/Paginas/Alvara.aspx

Ora, não havendo contrato escrito e enfermando a obra de vícios, é extra-contratual, a definir nos parâmetros do art. 483º do CC, a responsabilidade de empreiteiros pelos defeitos e/ou danos sofridospelo condómino/condomínio.

Caso a obra apresente defeitos cabe ao condómino/administrador o dever de os denunciar, dentro dos trinta dias seguintes ao seu conhecimento (nos termos do nº 1 do art.1220º do CC), por carta registada c/aviso de recepção. Se os defeitos puderem ser suprimidos o consumidor tem direito de exigir a sua eliminação. Se não puderem ser eliminados, o consdómino/administrador pode exigir a reparação. Não sendo nem eliminados ou feita nova instalação, pode -se exigir a redução do preço ou a resolução (rescisão) do contrato, caso os defeitos impossibilitem o funcionamento do bem em causa.

De salientar que, desde a entrada em vigor do DL 84/2008, de 21/5, que os bens fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada passam a estar sujeitos ao regime das garantias da venda de bens de consumo, significando que, se os bens, fornecidos pelo empreiteiro, apresentarem defeitos conferem ao consumidor o direito de exigir que a conformidade seja reposta, sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, redução adequada do preço, ou resolução do contrato.

Caso se manifestem defeitos nos materiais ou utensílios utilizados para a execução da obra, o condómino/administrador tem 2 ou 5 anos, a contar do seu fornecimento, para exercer o direito de reclamação, consoante se trate respectivamente de bens móveis ou imóveis, designadamente por estarem integrados em bens imóveis. Havendo substituição dos materiais/utensílios pelo empreiteiro, os novos materiais/utensílios que substituíram os primeiros gozam também de um prazo de garantia de 2 ou 5 anos, consoante se trate respectivamente de coisa móvel ou imóvel.

Assim, desde a entrada em vigor do DL 84/2008, um condómino que contrate um profissional para pintar a sua fracção ou um administrador para pintar o prédio, a tinta que o empreiteiro usa para pintar a fracção/prédio confere ao condómino/administrador 5 anos de garantia sobre este material, desde que fornecido pelo empreiteiro, sublinhe-se.

Portanto, ressalva-se que, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar a falta de conformidade dos bens de consumo fornecidos pelo empreiteiro num prazo de 2 meses, caso se trate de bem móvel, ou de 1 ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data que tenha detectado esse defeito.

Finalmente, importa referir que o não cumprimento do prazo estipulado no contrato, ou se não o houver, no orçamento, não determina automaticamente o incumprimento do contrato (seja ele escrito ou verbal) por culpa do empreiteiro.

Neste cenário, o condómino/administrador deverá previamente interpelar o empreiteiro, notificando-o para que cumpra o contrato em atraso, devendo esta competente notificação ser feita por carta registada c/aviso de recepção para o seu domicílio profissional, e na qual, dever-se-à estabelecer um novo prazo (tido por razoável) para que o empreiteiro cumpra com o acordado, sendo que só a partir do não cumprimento deste último prazo será possível responsabilizar o empreiteiro e por termo ao contrato de empreitada, exigindo-se-lhe subsequentemente tudo quanto se houver pago injustificadamente.

Não cumprindo voluntariamente, ou não havendo acordo nas verbas (o que normalmente ocorre nestes casos), o diferendo terá que ser resolvido através de um Julgado de Paz (se o montante da causa não ultrapassar o limite fixado pela competência dis mesmos - 15 000€) ou em tribunal.

Nota: Quando não haja Julgado de Paz no concelho que seria territorialmente competente, os interessados podem utilizar qualquer Julgado de Paz, embora só para mediação, e se as partes não a recusarem

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