Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

16 maio 2024

Violação art. 1424º, nº 3 e 4 - 4ª parte


Do regime da invalidade

Com alguma frequência encontramos informação no sentido de a violação de uma norma imperativa gerar necessariamente nulidade do negócio. É o que parece ser sugerido, por exemplo, pelo trecho de Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 447, quando, em anotação ao art. 1433º do CC (que determina que as deliberações da assembleia contrárias à lei são anuláveis), escrevem: «no âmbito desta disposição não estão compreendidas, nem as deliberações que violam preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos». 

Se assim fosse, as deliberações contrárias à lei a que o art. 143º se reporta e que comina com a anulabilidade não seriam imperativas, seriam dispositivas e, nomeadamente, supletivas. Mas não pode ser assim (também reparando na incongruência, Jorge Morais Carvalho, Os limites…, cit., p. 151, nota 442). Normas supletivas são aquelas cujo conteúdo pode ser validamente afastado pelas partes, pelo que o negócio que as afasta é válido, logo, não anulável.

As normas imperativas não geram necessariamente nulidade do acto praticado em violação delas. A prática negocial em desrespeito de uma norma imperativa pode ter diversos tipos de consequências, parte das quais não passam sequer pela invalidade do negócio (sanções penais ou contraordenacionais, resolução do contrato, inexistência, mera ineficácia) – a propósito, Jorge Morais Carvalho, Os limites…, cit., pp. 167-216. 

A sanção da nulidade está definitivamente excluída nos casos em que está prevista outra sanção do campo da eficácia do negócio (anulabilidade, mera ineficácia, invalidade atípica); havendo estatuição de uma sanção estranha ao domínio da eficácia do negócio – como, por ex., quando a infração da norma imperativa constitui contraordenação –, teremos de ponderar a adequação da nulidade ao negócio (já assim o defendemos em Regime jurídico da actividade de mediação imobiliária anotado, Almedina, 2015, pp. 70-3 e em Contrato de mediação, Almedina, 2014, pp. 389-93).

Por facilidade de exposição, passamos a reproduzir o artigo 1433º do Código Civil, justamente epigrafado «impugnação das deliberações»:

«1.- As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2.- No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3.- No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4.- O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
5.- Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
6.- A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.»

Neste sentido, decidiu o TRG, em Ac. datado de 31/10/2019, relator José Cravo (proc. nº 393/14.2T8VNF-A.G1):

"As deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º/1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência."

Por via do transcrito artigo, a lei afasta a consequência da nulidade para deliberações da assembleia de condóminos que lhe sejam contrárias, consagrando a da anulabilidade. Mas será assim para todos os casos de deliberações contrárias à lei?

Usando palavras alheias que a propósito vêm, «antes de mais, há a notar que é opinião comum que, pese a letra da lei, certos tipos de ilegalidade geram a nulidade das deliberações – e não mera a anulabilidade. (…) O CC seguiu, em matéria de deliberações da assembleia de condóminos, como no tocante às deliberações das assembleias gerais das associações (art. 177º), a orientação de diplomas anteriores (designadamente do Código Comercial, no seu art. 146º) de só prever a anulação de deliberações, mas ao longo do tempo gerou-se consenso sobre que certas violações de normas imperativas (mormente a desconformidade do conteúdo das deliberações com tais normas) acarretam a nulidade das deliberações em causa» – Rui Pinto Duarte, anotação ao art. 1433º, in Código Civil Anotado, cit., p. 285. 

O Autor exemplifica com M. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra (policopiado), 1967, pp. 292 e ss., e «A Propriedade Horizontal no Código Civil Português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, janeiro/dezembro 1976, pp. 140 a 142; e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 447 e 448, e, ainda, com o Ac. do STJ de 8.2.2001 (CJ-STJ ano IX, tomo I, 2001, pp. 105 e ss., em especial p. 107). Podemos acrescentar ainda, também exemplificativamente, Sandra Passinhas, cit., pp. 251-3.

Concordamos: há deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei que são anuláveis, às quais se aplica o regime do art. 1433º, e há deliberações contrárias à lei que são nulas, às quais se aplica o regime geral da nulidade.

Como aferir, então, se estamos perante norma cuja infração gera nulidade, se perante norma cuja infração gera mera anulabilidade nos termos do art. 1433º?

Na resposta seguiremos de perto o raciocínio já expendido nas citadas páginas dos nossos "O contrato de mediação e Regime jurídico"… A apreciação da questão envolve a interpretação dos artigos 280º e 294º do CC. Nos termos do primeiro, o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável (n.º 1), bem como o negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes (n.º 2) são nulos. Nos termos do segundo, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei. Como harmonizar os dois preceitos?

Segundo a doutrina comum, o art. 280º contempla o objecto negocial com os seus dois significados: objeto imediato – conteúdo, efeitos jurídicos do negócio, considerando as declarações das partes e o direito aplicável –, e objeto mediato – objecto stricto sensu, quid sobre que incidem os efeitos do negócio (assim Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, II, Conteúdo, contratos de troca, Almedina, 2007, p. 14, Jorge Morais Carvalho, Os contratos de consumo: reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, 2012, pp. 44 e 60, Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil português, I, Parte geral, t. I, Introdução, doutrina geral, negócio jurídico, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 674, Carvalho Fernandes, Teoria geral do direito civil, II, Fontes, conteúdo e garantia da relação jurídica, 5.ª ed. ..., Universidade Católica Editora, 2010, p. 159, Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2005, pp. 553-9, Pais de Vasconcelos, Teoria geral do direito civil, 6.ª ed. Almedina, 2010, pp. 581-2, Heinrich Hörster, A parte geral do Código Civil português, Coimbra, Almedina, 1992, pp. 522-3.).

Embora a propósito da possibilidade física e da determinabilidade do objecto normalmente se expresse que é o objecto mediato que está em causa, no que respeita à possibilidade legal e à não contrariedade à lei já não é feita essa restrição (Mota Pinto, Teoria geral…, cit., pp. 554-7; Heinrich Hörster, A parte geral…, cit., pp. 522-3) – repare-se que estamos ainda no âmbito do n.º 1, que alude expressamente ao objeto, alusão que não é feita no n.º 2. No art. 280º estão, pois, previstas causas de invalidade do objecto do negócio, em qualquer dos seus sentidos.

O art. 294º tem um âmbito mais abrangente, cominando com a nulidade a violação de normas imperativas, mesmo quando estas normas não contêm essa directa cominação, desde que, nestes casos, não resulte da lei outra solução.

A norma do art. 280º é (a par das normas dos artigos 281º, 220º, e de outras espalhadas pela legislação do país) uma concretização da norma do art. 294º (neste sentido também Heinrich Hörster, A parte geral…, cit., p. 522). Jorge Morais Carvalho reserva o art. 280º para o objecto ou elementos internos do negócio e o 294º para os elementos exteriores (Os contratos de consumo, cit., pp. 50-6, 60-1, e Os limites…, cit., pp. 141-67). 

Na prática, assim sucede, porque o art. 280º rege especialmente sobre os negócios celebrados contra disposição imperativa respeitante a elementos internos do negócio. Em consequência, o art. 294º – apesar de não distinguir, nem pelo elemento literal nem pela sua inserção sistemática, o objecto das disposições legais a que se reporta –, fica com o seu âmbito comprimido pela norma do art. 280º, e outras (220º, 281º), que regem sobre situações particulares que, de outro modo, estariam nele previstas.

Assim, a resposta à nossa última questão é: se a norma violada pela deliberação da assembleia for uma daquelas cuja infração a lei comina com a nulidade, como sucede se a infração se reconduzir ao disposto no art. 280º, a consequência é a nulidade; se, pelo contrário, se trata de uma norma para a qual a lei não prevê expressamente a nulidade, caímos no âmbito do art. 294º, havendo então que atender a outras consequências que a lei preveja. Se a violação cair no âmbito residual do art. 294º, só gerará nulidade na falta de diferente solução da lei.

As normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 1424º do CC respeitam ao conteúdo negocial, ao seu objeto imediato, aos direitos e deveres dos condóminos no que respeita à sua participação nas despesas relativas a partes comuns.

Cremos, ainda assim, que nada impedia que a norma do art. 1433º, ou outra, cominasse com a anulabilidade deliberação da assembleia de condóminos que violasse, pelo seu conteúdo, disposição legal; mas teria de o dizer expressamente. Não o dizendo de forma expressa, cremos que uma deliberação que pelo seu objecto imediato ou conteúdo viola norma expressa é nula por via do disposto no art. 280º do CC.

A sanção da anulabilidade prevista no art. 1433º do CC aplica-se a deliberações contrárias a normas legais que não respeitem ao conteúdo negocial, nomeadamente normas relativas a elementos externos, ou a deliberações contrárias a normas do regulamento de condomínio.

Não se desconhecem decisões no sentido de as normas do art. 1424º serem supletivas, pretendendo-se retirar essa supletividade da locução «salvo disposição em contrário» e/ou de trechos doutrinários anteriores à versão de 1994 (que introduziu a norma do atual n.º 2 que veio dar alguma abertura à intervenção dos condóminos na repartição de certas despesas, mas apenas quando resultante de regulamento deliberado em condições muito especiais e com específicos conteúdos que o mesmo n.º 2 prevê). 

Também não se desconhecem decisões que aplicam às deliberações que impõem repartição de despesas contrária às normas do art. 1424º o regime de anulabilidade previsto no art. 1433º. Porquanto expusemos em III.C., entendemos que tal contrariedade gera nulidade. Diga-se a latere que, se as normas do art. 1424º fossem supletivas, as deliberações da assembleia de conteúdo diverso dos nelas previstos, seriam válidas e não anuláveis; se as deliberações que contrariam a repartição de despesas estabelecida nessas normas fossem anuláveis nos termos do art. 1433º, então as normas seriam imperativas (como são, ainda que por outra via) e não supletivas.

Em suma e por tudo o exposto, concluímos serem nulas (não meramente anuláveis) as deliberações em causa nos autos, tomadas em assembleias gerais que decorreram com a presença de condóminos representativos de 23% a 51% do valor total do prédio, pelas quais foi deliberado que a recorrente, locatária financeira de fracção autónoma com entrada independente e que não tem ao seu serviço as áreas (nomeadamente escadas e ascensores) da parte habitacional do prédio participaria em todas as despesas (incluindo as da área habitacional) de acordo com a sua permilagem, por tais deliberações violarem as normas dos nº 3 e 4 do art. 1424º do CC.

Com efeito, não só não era exigível que a aprovação da deliberação tivesse que ocorrer por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem oposição – “a deliberação de aprovação de comparticipações condominiais em função da permilagem ou até a alteração do regulamento do condomínio que, nessa medida, se justifique, está apenas dependente do voto da maioria do capital, no caso de reunião em primeira convocatória, ou do voto da maioria dos condóminos presentes, no caso de reunião em segunda convocatória, desde que, neste caso, representem um quarto do valor total do prédio (art. 1432.º, n.ºs 3 e 4, do CC), tanto mais que tal imputação/proporção da responsabilidade dos condóminos corresponde ao regime legal regra, nos termos do art. 1424.º, n.º 1, do CC. 

Assim é, mesmo que a assembleia pretenda, neste âmbito, alterar anterior deliberação aprovada por maioria qualificada, pois as deliberações da assembleia de condóminos não “determinam um vínculo contratual permanente, e são sempre suscetíveis de revogação e de modificação, ainda que tomadas por unanimidade. A decisão da assembleia em sede de gestão é sempre contingente e transitória, e não pode precludir novas e diversas deliberações que possam surgir no decurso da vida do condomínio” (cfr. Sandra Passinhas, em “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, 2ª ed., p. 246 a 247)”, isto é, não era aqui exigida a maioria qualificada, sendo incomparável a situação de a lei exigir uma maioria qualificada para a imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra (em função da permilagem, de acordo com o art. 1424º/2 do CC), e exigi-la para o regresso ao regime regra –, como, as deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º/1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos como pretende a recorrente, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência – como vem sendo maioritariamente sustentado na doutrina e jurisprudência e foi assertivamente demonstrado  –.

1ª parte - vide aqui
2ª parte - vide aqui
3ª parte - vide aqui

Violação art. 1424º, nº 3 e 4 - 3ª parte


No seguimento da análise efectuada nos dois artigos anteriores, relativamente ao facto de as deliberações das assembleias de condóminos que imponham uma repartição diferente da determinada pelos nº 3 e 4 do art. 1424 º do CC para as despesas neles previstas, por se terem deliberações com conteúdo negocial contrário à lei são, como tal, nulas, por via do disposto no art. 280º do CC, porquanto, a sanção da anulabilidade prevista no art. 1433º do CC aplica-se apenas às deliberações que violem normas legais imperativas que não digam respeito ao conteúdo negocial ou normas do regulamento de condomínio, importa agora atentar numa excepção a esta regra.

O STJ, em Ac. datado de 09/06/2016 (proc. nº 211/12.6TVLSB.L2.S1), decidiu que:
"I - O art. 1424.º, n.º 1, do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação de os condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.
II - O n.º 3 do art. 1424.º do CC contém uma excepção ao referido princípio ao estabelecer que as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem, i.e., dos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns (como sucede com um terraço que serve de cobertura a parte do prédio).
III - Há, porém, que distinguir, dentro dessas despesas, as chamadas despesas de manutenção das despesas de reparação resultantes, não do uso normal das partes comuns do edifício pelos condóminos que delas se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção de espaços exteriores a essas partes comuns que não são utilizados por aqueles condóminos: as primeiras são a cargo dos condóminos que usam e fruem do terraço por serem eles os beneficiários exclusivos do mesmo e, em princípio, terem sido eles que deram origem ao desgaste ou deterioração dos materiais desse terraço; já as segundas são a cargo de todos os condóminos por as reparações a realizar constituírem um benefício comum de todos eles."

O art.1424º nº1 do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação dos condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.

O disposto neste nº 1 – relativo às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum – apenas pode ser afastado por disposição em contrário. Tratando-se, porém, de despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, o nº 2 do art. 1424 permite o afastamento da regra da proporcionalidade por disposição do regulamento de condomínio aprovada pela maioria explicitada na norma e com um dos dois conteúdos nela estabelecidos

As obrigações referidas neste artigo quanto às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, constituem um exemplo típico de obrigações “propter rem”, isto é, de obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem for titular desta. Dada a conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa: é obrigado quem for titular do direito real.

As normas dos nºs 3 e 4 do art. 1424 do Código Civil – que dispõem sobre a repartição das despesas relativas a partes comuns que servem exclusivamente alguns condóminos ou a ascensores que apenas servem determinadas frações – constituem disposições especiais que afastam a regra geral da proporcionalidade estabelecida pelo nº 1 e não podem ser afastadas por deliberação da assembleia de condóminos.

Ora o nº3 do art.1424º estabelece uma excepção ao princípio geral dizendo que: “As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”. Quando a lei fala em escadas ou partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos quer referir-se, ao mencionar estes, às respectivas fracções autónomas, atribuindo a responsabilidade das despesas aos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns.

O art. 1424 do CC tem, presentemente e desde a Lei 32/2012, de 14 de agosto, o seguinte teor: «Encargos de conservação e fruição:
1- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.
5- Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.»

A primitiva redação apresentava-se como segue: «Encargos de conservação e fruição:
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2.- Porém, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
3.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.»

Em 1994, o artigo foi alterado pelo DL 267/94, de 25 de outubro, passando a ter o seguinte conteúdo: «Encargos de conservação e fruição:
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2.- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3.- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que dela se servem.
4.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.»

A grande alteração de 1994 foi o acrescento da norma que recebeu o nº 2, passando os anteriores nº 2 e 3 a nº 3 e 4. As regras dos actuais nº 3 e 4 vêm, portanto, da redacção primitiva, correspondendo aos nº 2 e 3 dela, tendo-se apenas, na regra relativa aos lanços de escadas, suprimido a conjunção «porém». A alteração de 2012 limitou-se a acrescentar o nº 5, relativo a despesas com rampas de acesso e plataformas elevatórias, colocadas por condómino que tenha no seu agregado familiar pessoa com mobilidade condicionada.

O art. 1424º/1 confere-nos a regra geral em matéria de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns: proporcionalidade, com referência ao valor das frações. As escadas são, entre outras, partes comuns, e os ascensores também assim se presumem (art. 1421º/1, al. c), e nº 2, al. b), do CC). No entanto, no que respeita ao pagamento das despesas inerentes, os nº 3 e 4 do art. 1424º excecionam a regra do nº 1. Se as escadas servirem apenas um grupo de condóminos, continuam a ser partes comuns a todos os condóminos, mas as despesas relativas a lanços que sirvam exclusivamente alguns condóminos ficam a cargo dos que deles se servem (1424º/3) - «não se trata de um serviço efetivo, de um gozo subjectivo da parte dos condóminos, mas sim de uma possibilidade objectiva de utilização» (Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, p. 38 e nota 59, no mesmo sentido M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, p. 130, nota 117). Os ascensores presumem-se comuns, embora nas despesas só participem os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas (1424º/4) – Sandra Passinhas, cit., p. 40.

Na vigência da primitiva versão do art. 1424º (anterior ao DL 267/94), houve quem se pronunciasse no sentido de as normas do art. 1424º do CC terem natureza supletiva, devendo permitir-se que o TCPH ou deliberação de todos os interessados mediante escritura pública afastassem as regras ditadas pelo artigo. Assim, Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., de 1987, em anotação ao artigo em causa, p. 431, escreveram: «O princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é o do recurso à estipulação das partes. Valerá para o efeito o critério que tiver sido estabelecido pelos interessados, no título constitutivo ou em estipulação adequada. Na falta de disposição negocial, vigora como primeira regra supletiva o critério da proporcionalidade (…).

A segunda regra supletiva, aplicável às partes comuns do prédio que apenas sirvam um ou alguns dos condóminos, é a que restringe a repartição dos respetivos encargos aos utentes dessas partes. Este segundo critério (da redução dos condóminos obrigados) é completado pelo primeiro, quanto à forma como se dividem os encargos entre condóminos onerados» - as ênfases em título constitutivo e estipulação adequada são nossas.

Henrique Mesquita previa a possibilidade de uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º resultar do título constitutivo (não de uma qualquer deliberação em assembleia): «Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações. A obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio. (…) «Mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do TCPH (e não diretamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um acto de aceitação por parte daqueles» (M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, pp. 129-130 e nota 119).

Na jurisprudência encontrava-se idêntico sentido, como se alcança, exemplificativamente, do sumário do Ac. do STJ de 02/04/1975, BMJ 246, p. 157: «I – No silêncio do título, é nula a deliberação dos condóminos que estabeleça a possibilidade de alteração da comparticipação das despesas por decisão da assembleia geral; a modificação do regime fixado no art. 1424.º do Cód. Civil só é possível por acordo de todos os interessados e mediante escritura pública».

Ao encontro do entendimento espelhado na doutrina e na decisão acabadas de referir, o DL 267/94 introduziu no art. 1424º norma permitindo que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum possam, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificada se justificados os critérios que determinam a sua imputação. Esta norma do nº 2 introduzida em 1994 veio permitir de forma expressa que os condóminos conformem de modo diferente do estabelecido no nº 1 a sua participação no pagamento de despesas relativas a serviços de interesse comum. Este nº 2 passou a possibilitar o afastamento da regra do nº 1 no que respeita ao pagamento daquelas despesas, desde que tal afastamento seja feito por disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio. Ainda assim, a disciplina do regulamento apenas poderá ter uma de duas soluções: ou as despesas ficam a cargo dos condóminos em partes iguais ou ficam a cargo dos condóminos na proporção da respetiva fruição. Acresce ainda um requisito: que as despesas fiquem devidamente especificadas e que sejam justificados os critérios que determinam a sua imputação.

Com a alteração de 1994, a lei passou a admitir que a regra da proporcionalidade fosse afastada – ainda que apenas em relação ao pagamento de serviços de interesse comum (não quanto às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns que o nº 1 também prevê) –, não apenas por disposição (legal) em contrário, mas também mediante disposição do regulamento nos termos apertados previstos no novo nº 2 do mesmo art. 1424.

«Disposição», como tantos outros termos, é uma palavra polissémica, mesmo considerando o estrito léxico jurídico. No CC, encontramo-la essencialmente com dois significados que simplisticamente se podem reconduzir a «alienação» e «preceito», como passamos a justificar. Por um lado, encontramos a palavra associada aos poderes de usar e de prescindir da coisa por parte de quem tem o domínio sobre ela, nomeadamente com o significado de alienação ou oneração de bens ou direitos, como no âmbito dos art. 28º/2, 39º/4, 109º, 127º, 153º/1, 197º/1, 226º/2, 274º/1, 622º/1, 764º/1, 819º. Trata-se nestes casos de exercer sobre bens e direitos atos que vão além da mera administração, designadamente dando-lhes destino que implica a mudança de titularidade. Não é este o significado que procuramos.

Por outro lado, encontramos «disposição» como preceito e, neste sentido, quase sempre como preceito ou norma legal. É de disposição legal que se trata, e de forma expressa – com a menção «legal» imediatamente a seguir a «disposição» – nos art.4º, al. a), 14º/1, 67º, 171º/2, 262º/2, 294º, 331º/2, 375º/3, 393º/1, 483º/1, 606º, etc. É também de disposição legal que se trata em casos como os dos art. 285º («as disposições dos artigos subsequentes»), 509º/3 («nos termos desta disposição»), 773º/2 («disposição do número anterior»). Por vezes refere-se «disposição especial», claramente com o sentido de norma especial, por confronto com a regra geral (art. 239º, 296º, 433º).

Ainda com o sentido de preceito, regra, por definição, disciplina abstratamente estatuída para situações futuras que se preveem de forma genérica, encontramos a palavra disposição por referência à estatutária ou regulamentar de pessoas coletivas (em geral, associações, fundações – nos art. 163º/1, 171º/2, 180º, 188º/5), e afins (no caso do regulamento do condomínio – nos art. 1424º/2, 1432º/3, e 1435º/4). O condomínio, enquanto entidade a que o direito reconhece uma parcela de personalidade, sem lhe atribuir personalidade jurídica, pertence ao conjunto das quase-pessoas colectivas, que a doutrina trata com designações várias – «pessoas rudimentares» (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo III, Coimbra, Almedina, 2004, p. 521), «figura afim da pessoa coletiva» (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., Universidade Católica Editora, 2001, p. 536), «ente não personalizado» (Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., ULFD, 1984/85, p. 274).

A expressão «salvo disposição em contrário» surge, claramente com o significado de «salvo norma legal em contrário», nos seguintes artigos do CC: no art. 123º, «salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos»; no art. 298º/3, «os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos caos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade»; no art. 570º/2, «se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar»; no art. 750º, «salvo disposição em contrário, no caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido»; no art. 1287º, «a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação»; no art. 1588º, «o casamento católico rege‐se, quando aos efeitos civis, pelas normas comuns deste código, salvo disposição em contrário».

Os significados de «disposição» que encontramos no CC são alguns daqueles que encontramos nos dicionários gerais. Não encontramos nestes nem no Código «disposição» como parte do conteúdo de um acordo contratual. Quando o CC se refere a tal, fala em «cláusula» ou em «estipulação». Em abono da nossa conclusão, repare-se: i) quando o CC ressalva acordo das partes, a expressão utilizada é «salvo estipulação em contrário», como, entre outros, sucede nos art. 274º/1, 420º, 448º/1, 550º, 852º/1, 862º, 882º/2, 921º/3, 1046º, 1073º/2, 1074º/1 e 5, 1096,º 1138º/2, 1183º; ii) o CC distingue claramente «disposição» e «estipulação» no sentido que expusemos, como sucede nos artigos 393º/1 («por disposição da lei ou estipulação das partes»), 772º/1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei») ou 777º/1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei»). Exercício análogo ao que acabámos de fazer nas últimas páginas encontra-se em Rui Pinto Duarte, anotação ao art. 1424º, in Código Civil Anotado, II, Art. 1251º a 2334º, Ana Prata (coord.), Almedina, 2017, pp. 258-9, com conclusão no sentido de a «disposição» referida no art. 1424º/1 ser disposição legal ou disposição do TCPH, incluindo do regulamento constante do título constitutivo: «A conjugação do nº 1 do art. 1424 com o nº 2 do mesmo artigo e com o art. 1418º/1 e 2, leva-nos a pensar que, no caso em apreço, a expressão “salvo disposição em contrário” abrange tanto disposições legais como disposições do título constitutivo, incluindo do regulamento do condomínio que aquele título contenha. Não julgamos que se deva entender que a expressão abrange também disposições de regulamentos de condomínio não constantes do TCPH (resultantes de deliberação dos condóminos ou de ato do administrador) ou de (outras) deliberações dos condóminos».

As normas dos nº 1, 3, 4 e 5 do art. 1424º do CC são normas jurídicas precetivas, que contêm preceitos, regras de proceder, formas de agir nas circunstâncias que elas próprias preveem (sobre as classificações das regras, v. sobretudo José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e teoria geral, 3.ª ed., ..., Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 433-55). As normas precetivas têm, por defeito, caráter imperativo. E assim sucede com estas, pois o nº 1 apenas permite o seu afastamento por disposição em contrário, sendo os nº 3, 4 e 5 as tais disposições que excecionam a regra do nº 1. O nº 2, que se inicia com a adversativa «porém», dando assim indicação de que também vai excecionar a regra do nº 1, autoriza que, dentro de certos limites de quórum e requisitos de conteúdo, parte das despesas a que o nº 1 se reporta, tenham diferente disciplina.

O elemento literal das normas do art. 1424º dá-nos a indicação clara, por tudo quanto fomos dizendo, que as regras dos nº 3 e 4 (que são as relevantes no nosso caso) não podem ser afastadas por decisão de condóminos. Também avançámos com razões históricas que nos permitem perceber o nº 2; a simples existência deste enfatiza que qualquer afastamento das demais regras do art. 1424º, que não por via de disposição legal, apenas pode acontecer nos estritos parâmetros definidos pelo nº 2.

Há razões fortes para que assim seja, entrando agora noutros elementos da interpretação das normas, nomeadamente no lógico e no teleológico. Na PH estão em permanente tensão interesses individuais de cada condómino e interesses comuns a todos ou a grupos de condóminos. Idealmente, cada condómino está interessado na melhor (já de si discutível) preservação das partes comuns, mas tanto não significa que todos partilhem a mesma ideia sobre a melhor forma se atingir essa preservação e, nomeadamente, que todos concordem com a medida em que cada um deve contribuir para as despesas referentes a partes comuns. É sobretudo a respeito destas que se defrontam interesses financeiros individuais e interesses coletivos de pagamento das despesas necessárias ao bom estado das partes comuns. Não podia o legislador deixar (como não deixou) nas mãos da maioria dos condóminos a atribuição das despesas a cada um, sob pena de os condóminos minoritários serem esmagados por interesses estritamente económicos da maioria. O que teria nefastas consequências sociais, quer ao nível de cada núcleo habitacional (conflitos entre condóminos, com inerentes perdas na qualidade de vida dos mesmos), quer ao nível social mais alargado, com necessários reflexos na litigiosidade, na conservação do património construído, e na atração e valorização dos imóveis em PH.

No campo estritamente contratual, graças ao princípio de ampla liberdade, positivado no art. 405º do CC, as regras que disciplinam os tipos são, em geral, supletivas, ou seja, aplicam-se quando as partes nada estipulem em contrário e haja necessidade de regular aspectos que não previram (para a distinção entre normas imperativas e supletivas, v., além de Oliveira Ascensão, cit., pp. 441-6, Jorge Morais Carvalho, Os limites à liberdade contratual, Almedina, 2016, pp. 174-9). As deliberações das assembleias de condóminos estão num nível regulatório diferente dos contratos na medida em que podem ser tomadas sem intervenção de todos os interessados e, especialmente quando digam respeito ao regulamento do condomínio, mesmo que tomadas por todos os condóminos, podem afectar terceiros, futuros condóminos, que sobre elas não puderam pronunciar-se. Como tal, a lei não pode deixar ao acaso, nas mãos de parte dos condóminos existentes em dado momento, uma regulação que afectará outros, inclusivamente pessoas que só em momento futuro farão parte do condomínio.

Aqui chegados, concluímos que a norma do nº 1 do art. 1424 (proporcionalidade do valor das fracções no pagamento das despesas) apenas pode ser afastada nos termos do nº 2 é excepcionada pelas regras dos nº 3 e 4. Uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º/1, só é possível mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Não basta uma mera deliberação da assembleia (assim também, Sandra Passinhas, cit., p. 284).

As regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º excepcionam a regra da proporcionalidade para certas despesas, acautelando interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito. São, pois, normas imperativas cujo afastamento não é possível, nem sequer dentro apertados requisitos estabelecidos pelo nº 2.

A norma do nº 2 do art. 1424º possibilita o afastamento da regra da proporcionalidade, por disposição do regulamento do condomínio aprovada nos moldes já referidos, no que respeita a algumas despesas englobadas no nº 1, mais concretamente às «despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum». Pela sua inserção sistemática e pelo seu conteúdo, a norma do nº 2 não possibilita o afastamento da disciplina dos nº 3 e 4, que não respeitam ao pagamento de serviços de interesse comum, mas de serviços de interesse exclusivo de parte dos condóminos.

Ainda que tivéssemos outro entendimento – ou seja, ainda que entendêssemos que as regras dos nº 3 e 4 podiam ser afastadas nos termos do nº 2. Nem se compreenderia, repetimos, que as normas sobre repartição de despesas relativas a partes comuns dos prédios em PH pudessem estar na disponibilidade dos condóminos (além do estritamente regulado no art. 1424º/2), pois o condomínio corresponde a um conjunto de interesses individuais potencialmente conflituantes, alguns minoritários, que ficariam constantemente prejudicados pela imposição de repartições de despesas favoráveis às maiorias, conduzindo a situações de necessário conflito, com repercussões importantes no bem-estar social, além de prováveis consequências ao nível da própria conservação do património construído que a todos interessa.

Aqui chegados importa averiguar qual é a sanção prevista para a violação das regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º do CC.

1ª parte - vide aqui
2ª parte - vide aqui
4ª parte - vide aqui