Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

25 maio 2024

ACTRL 26/09/06: Administrador designado pelo construtor


Tribunal: TRL
Processo nº: 6324/2006-7
Relator: Diana Monteiro
Data: 26/09/2006

Acórdão:

I- É ineficaz, salvo ratificação, em relação ao representado (condomínio), nos termos dos artigos 268º, 1430º e 1435º do Código Civil, o contrato de conservação de elevadores em imóvel sujeito ao regime de propriedade horizontal que foi outorgado em representação do condomínio, depois de constituída a propriedade horizontal mas antes da eleição da administração do condomínio, por quem, a mando da construtora do imóvel exercia as funções de responsável pela manutenção do edifício.
II- Não é administrador provisório, nos termos e para os efeitos do artigo 1435º-A do Código Civil, a pessoa que a empresa construtora designou para exercer as funções de responsável pela manutenção do edifício.

Texto integral: Vide aqui

20 maio 2024

Os números por extenso na acta


No acto de lavramento de uma acta, os nomes numerais devem ter-se exarados por extenso?


Em Portugal, no domínio da legislação em vigor, e no que diz respeito ao Direito Privado, não existe qualquer disposição que imponha a obrigatoriedade de se escrever por extenso os números que ocorram no texto de uma acta.

Nesta conformidade, importa observar que, a regra é a da liberdade de forma. As únicas normas legais que impõem que nas actas os números devam ser escritos por extenso, são notariais.

Nesta tessitura, serão dois os motivos que justificam o acto de ser prática vulgar (muito embora não uniforme) de se escrever, nas actas, os números por extenso.

O primeiro motivo tem-se atinente ao espírito da cautela. Para se prevenirem eventuais erros ou lapsus calamis, recorre-se à grafia por extenso, na convicção de que, com este cuidado, a probabilidade de incorrer em erros ou lapsus é mais reduzida.

O segundo pode-se explicar pela vulgaridade deste recurso é a influência da escrita dos actos notariais, que funciona como paradigma para muitos instrumentos da vida jurídica. Em bom rigor, nestes, em regra, é obrigatório recorrer ao extenso – pese embora seja permitido o uso de algarismo em vários casos, nomeadamente nas menções aos números de polícia dos prédios, às inscrições matriciais e aos valores patrimoniais, na numeração de artigos e bem assim, nos parágrafos de actos redigidos sob forma articulada e nas referências a diplomas legais.'

Assim, com efeito, se, em várias áreas de actividade ou administração, os números continuam a escrever-se por extenso, é porque tal prática parece decorrer de normas internas decorrentes do que se julga poder aportar uma maior segurança que é dáda pela escrita por extenso e, por outro, a referida tradição notarial.

Acresce sublinhar que a publicação do novo Código do Procedimento Administrativo em 2015, conforme o Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro, não trouxe quaisquer alterações ao preceituado no art. 34º, que, no que concerne às actas de reunião, não inclui nenhuma indicação quanto à necessidade de escrever os números por extenso.
 
O que diz o Código de Redacção Inter-institucional?

No entanto, segundo o Código de Redacção Inter-institucional, que contém as regras e as convenções de escrita harmonizada que devem ser utilizadas pelo conjunto das instituições, órgãos e organismos da União Europeia, na sua regra 10.9, dispõe que:

Geralmente, os nomes numerais (números) que se encontram num texto são considerados palavras e escrevem-se por extenso. Indicam certo número de pessoas, coisas, animais, acções, qualidades e estados:

faltam três dias para que a conferência tenha lugar; a semana tem sete dias; os quatro da vida airada

Escrevem-se por extenso os números que representam quantidades, percentagens, etc., quando aparecem no início de uma frase:

vinte e duas medidas foram votadas em assembleia

Nos quadros e enumerações, ou quando se comparam resultados estatísticos, os números escrevem-se com algarismos.

As percentagens, pesos e medidas escrevem-se numericamente:

7 % do volume de negócios; 3 litros

As centenas e milhares escrevem-se quer por extenso quer numericamente:

100 000 ou cem mil

Se os números citados forem superiores ao milhão, podem escrever-se as centenas numericamente e os milhares ou milhões por extenso:

250 milhões de toneladas; 34 mil milhões de euros

Os números fraccionários escrevem-se geralmente por extenso. Para as fracções a partir de onze (inclusive), emprega-se o sufixo avos:

um sexto; três quinze avos

Dos números multiplicativos apenas dobro, duplo, triplo e quádruplo são de uso corrente. A partir de cinco, usa-se o cardinal correspondente seguido da palavra vezes:

sete vezes maior

Deve evitar-se a colocação do ponto na separação dos milhares das centenas; é preferível deixar um espaço:

123 456 789

Os nomes numerais dividem-se em:

a) Cardinais: os que exprimem o número:

três, quinze, vinte e cinco

b) Ordinais: os que exprimem série ou ordem:

primeiro, sexto, milésimo

c) Multiplicativos ou proporcionais: os que indicam multiplicidade de pessoas, coisas ou animais:

— aumentativos:

duplo, triplo, etc.

— diminutivos ou fraccionários:

meio, um terço, etc.

d) Colectivos: os que designam no singular um grupo de seres:

a dezena, uma quinzena

N.B.: Todos os multiplicativos são esdrúxulos, excepto duplo, dobro e triplo.

No entanto, se no texto houver muitos dados numéricos, os números escrevem-se com algarismos, normalmente árabes, às vezes romanos, para facilitar a leitura e compreensão ou para realçar as diferenças.
 
Que conclusão?
 
Pese embora não exista a obrigatoriedade legal de, no lavramento do texto de uma acta, se exararem os nomes numerais por extenso, nada obsta a que o relator lance mão do Código de Redacção da UE (aqui replicado na parte que nos aproveita), atento o facto de que, com este expediente tem-se menos propensa a susceptibilidade para se incorrer em involuntários lapsos.
 
Nesta conformidade, na redacção da acta, pode o presidente da mesa da assembleia de condóminos utilizar tanto os nomes numerais por extenso como os algarismos, utilizar uns ou outros, consoante os casos, ou ainda. utilizá-los cumulativamente, isto é, usa os algarismos e entre parenteais, os números por extenso.


16 maio 2024

Violação art. 1424º, nº 3 e 4 - 4ª parte


Do regime da invalidade

Com alguma frequência encontramos informação no sentido de a violação de uma norma imperativa gerar necessariamente nulidade do negócio. É o que parece ser sugerido, por exemplo, pelo trecho de Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 447, quando, em anotação ao art. 1433º do CC (que determina que as deliberações da assembleia contrárias à lei são anuláveis), escrevem: «no âmbito desta disposição não estão compreendidas, nem as deliberações que violam preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos». 

Se assim fosse, as deliberações contrárias à lei a que o art. 143º se reporta e que comina com a anulabilidade não seriam imperativas, seriam dispositivas e, nomeadamente, supletivas. Mas não pode ser assim (também reparando na incongruência, Jorge Morais Carvalho, Os limites…, cit., p. 151, nota 442). Normas supletivas são aquelas cujo conteúdo pode ser validamente afastado pelas partes, pelo que o negócio que as afasta é válido, logo, não anulável.

As normas imperativas não geram necessariamente nulidade do acto praticado em violação delas. A prática negocial em desrespeito de uma norma imperativa pode ter diversos tipos de consequências, parte das quais não passam sequer pela invalidade do negócio (sanções penais ou contraordenacionais, resolução do contrato, inexistência, mera ineficácia) – a propósito, Jorge Morais Carvalho, Os limites…, cit., pp. 167-216. 

A sanção da nulidade está definitivamente excluída nos casos em que está prevista outra sanção do campo da eficácia do negócio (anulabilidade, mera ineficácia, invalidade atípica); havendo estatuição de uma sanção estranha ao domínio da eficácia do negócio – como, por ex., quando a infração da norma imperativa constitui contraordenação –, teremos de ponderar a adequação da nulidade ao negócio (já assim o defendemos em Regime jurídico da actividade de mediação imobiliária anotado, Almedina, 2015, pp. 70-3 e em Contrato de mediação, Almedina, 2014, pp. 389-93).

Por facilidade de exposição, passamos a reproduzir o artigo 1433º do Código Civil, justamente epigrafado «impugnação das deliberações»:

«1.- As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2.- No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3.- No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4.- O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
5.- Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
6.- A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.»

Neste sentido, decidiu o TRG, em Ac. datado de 31/10/2019, relator José Cravo (proc. nº 393/14.2T8VNF-A.G1):

"As deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º/1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência."

Por via do transcrito artigo, a lei afasta a consequência da nulidade para deliberações da assembleia de condóminos que lhe sejam contrárias, consagrando a da anulabilidade. Mas será assim para todos os casos de deliberações contrárias à lei?

Usando palavras alheias que a propósito vêm, «antes de mais, há a notar que é opinião comum que, pese a letra da lei, certos tipos de ilegalidade geram a nulidade das deliberações – e não mera a anulabilidade. (…) O CC seguiu, em matéria de deliberações da assembleia de condóminos, como no tocante às deliberações das assembleias gerais das associações (art. 177º), a orientação de diplomas anteriores (designadamente do Código Comercial, no seu art. 146º) de só prever a anulação de deliberações, mas ao longo do tempo gerou-se consenso sobre que certas violações de normas imperativas (mormente a desconformidade do conteúdo das deliberações com tais normas) acarretam a nulidade das deliberações em causa» – Rui Pinto Duarte, anotação ao art. 1433º, in Código Civil Anotado, cit., p. 285. 

O Autor exemplifica com M. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra (policopiado), 1967, pp. 292 e ss., e «A Propriedade Horizontal no Código Civil Português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, janeiro/dezembro 1976, pp. 140 a 142; e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 447 e 448, e, ainda, com o Ac. do STJ de 8.2.2001 (CJ-STJ ano IX, tomo I, 2001, pp. 105 e ss., em especial p. 107). Podemos acrescentar ainda, também exemplificativamente, Sandra Passinhas, cit., pp. 251-3.

Concordamos: há deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei que são anuláveis, às quais se aplica o regime do art. 1433º, e há deliberações contrárias à lei que são nulas, às quais se aplica o regime geral da nulidade.

Como aferir, então, se estamos perante norma cuja infração gera nulidade, se perante norma cuja infração gera mera anulabilidade nos termos do art. 1433º?

Na resposta seguiremos de perto o raciocínio já expendido nas citadas páginas dos nossos "O contrato de mediação e Regime jurídico"… A apreciação da questão envolve a interpretação dos artigos 280º e 294º do CC. Nos termos do primeiro, o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável (n.º 1), bem como o negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes (n.º 2) são nulos. Nos termos do segundo, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei. Como harmonizar os dois preceitos?

Segundo a doutrina comum, o art. 280º contempla o objecto negocial com os seus dois significados: objeto imediato – conteúdo, efeitos jurídicos do negócio, considerando as declarações das partes e o direito aplicável –, e objeto mediato – objecto stricto sensu, quid sobre que incidem os efeitos do negócio (assim Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, II, Conteúdo, contratos de troca, Almedina, 2007, p. 14, Jorge Morais Carvalho, Os contratos de consumo: reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, 2012, pp. 44 e 60, Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil português, I, Parte geral, t. I, Introdução, doutrina geral, negócio jurídico, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 674, Carvalho Fernandes, Teoria geral do direito civil, II, Fontes, conteúdo e garantia da relação jurídica, 5.ª ed. ..., Universidade Católica Editora, 2010, p. 159, Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2005, pp. 553-9, Pais de Vasconcelos, Teoria geral do direito civil, 6.ª ed. Almedina, 2010, pp. 581-2, Heinrich Hörster, A parte geral do Código Civil português, Coimbra, Almedina, 1992, pp. 522-3.).

Embora a propósito da possibilidade física e da determinabilidade do objecto normalmente se expresse que é o objecto mediato que está em causa, no que respeita à possibilidade legal e à não contrariedade à lei já não é feita essa restrição (Mota Pinto, Teoria geral…, cit., pp. 554-7; Heinrich Hörster, A parte geral…, cit., pp. 522-3) – repare-se que estamos ainda no âmbito do n.º 1, que alude expressamente ao objeto, alusão que não é feita no n.º 2. No art. 280º estão, pois, previstas causas de invalidade do objecto do negócio, em qualquer dos seus sentidos.

O art. 294º tem um âmbito mais abrangente, cominando com a nulidade a violação de normas imperativas, mesmo quando estas normas não contêm essa directa cominação, desde que, nestes casos, não resulte da lei outra solução.

A norma do art. 280º é (a par das normas dos artigos 281º, 220º, e de outras espalhadas pela legislação do país) uma concretização da norma do art. 294º (neste sentido também Heinrich Hörster, A parte geral…, cit., p. 522). Jorge Morais Carvalho reserva o art. 280º para o objecto ou elementos internos do negócio e o 294º para os elementos exteriores (Os contratos de consumo, cit., pp. 50-6, 60-1, e Os limites…, cit., pp. 141-67). 

Na prática, assim sucede, porque o art. 280º rege especialmente sobre os negócios celebrados contra disposição imperativa respeitante a elementos internos do negócio. Em consequência, o art. 294º – apesar de não distinguir, nem pelo elemento literal nem pela sua inserção sistemática, o objecto das disposições legais a que se reporta –, fica com o seu âmbito comprimido pela norma do art. 280º, e outras (220º, 281º), que regem sobre situações particulares que, de outro modo, estariam nele previstas.

Assim, a resposta à nossa última questão é: se a norma violada pela deliberação da assembleia for uma daquelas cuja infração a lei comina com a nulidade, como sucede se a infração se reconduzir ao disposto no art. 280º, a consequência é a nulidade; se, pelo contrário, se trata de uma norma para a qual a lei não prevê expressamente a nulidade, caímos no âmbito do art. 294º, havendo então que atender a outras consequências que a lei preveja. Se a violação cair no âmbito residual do art. 294º, só gerará nulidade na falta de diferente solução da lei.

As normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 1424º do CC respeitam ao conteúdo negocial, ao seu objeto imediato, aos direitos e deveres dos condóminos no que respeita à sua participação nas despesas relativas a partes comuns.

Cremos, ainda assim, que nada impedia que a norma do art. 1433º, ou outra, cominasse com a anulabilidade deliberação da assembleia de condóminos que violasse, pelo seu conteúdo, disposição legal; mas teria de o dizer expressamente. Não o dizendo de forma expressa, cremos que uma deliberação que pelo seu objecto imediato ou conteúdo viola norma expressa é nula por via do disposto no art. 280º do CC.

A sanção da anulabilidade prevista no art. 1433º do CC aplica-se a deliberações contrárias a normas legais que não respeitem ao conteúdo negocial, nomeadamente normas relativas a elementos externos, ou a deliberações contrárias a normas do regulamento de condomínio.

Não se desconhecem decisões no sentido de as normas do art. 1424º serem supletivas, pretendendo-se retirar essa supletividade da locução «salvo disposição em contrário» e/ou de trechos doutrinários anteriores à versão de 1994 (que introduziu a norma do atual n.º 2 que veio dar alguma abertura à intervenção dos condóminos na repartição de certas despesas, mas apenas quando resultante de regulamento deliberado em condições muito especiais e com específicos conteúdos que o mesmo n.º 2 prevê). 

Também não se desconhecem decisões que aplicam às deliberações que impõem repartição de despesas contrária às normas do art. 1424º o regime de anulabilidade previsto no art. 1433º. Porquanto expusemos em III.C., entendemos que tal contrariedade gera nulidade. Diga-se a latere que, se as normas do art. 1424º fossem supletivas, as deliberações da assembleia de conteúdo diverso dos nelas previstos, seriam válidas e não anuláveis; se as deliberações que contrariam a repartição de despesas estabelecida nessas normas fossem anuláveis nos termos do art. 1433º, então as normas seriam imperativas (como são, ainda que por outra via) e não supletivas.

Em suma e por tudo o exposto, concluímos serem nulas (não meramente anuláveis) as deliberações em causa nos autos, tomadas em assembleias gerais que decorreram com a presença de condóminos representativos de 23% a 51% do valor total do prédio, pelas quais foi deliberado que a recorrente, locatária financeira de fracção autónoma com entrada independente e que não tem ao seu serviço as áreas (nomeadamente escadas e ascensores) da parte habitacional do prédio participaria em todas as despesas (incluindo as da área habitacional) de acordo com a sua permilagem, por tais deliberações violarem as normas dos nº 3 e 4 do art. 1424º do CC.

Com efeito, não só não era exigível que a aprovação da deliberação tivesse que ocorrer por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem oposição – “a deliberação de aprovação de comparticipações condominiais em função da permilagem ou até a alteração do regulamento do condomínio que, nessa medida, se justifique, está apenas dependente do voto da maioria do capital, no caso de reunião em primeira convocatória, ou do voto da maioria dos condóminos presentes, no caso de reunião em segunda convocatória, desde que, neste caso, representem um quarto do valor total do prédio (art. 1432.º, n.ºs 3 e 4, do CC), tanto mais que tal imputação/proporção da responsabilidade dos condóminos corresponde ao regime legal regra, nos termos do art. 1424.º, n.º 1, do CC. 

Assim é, mesmo que a assembleia pretenda, neste âmbito, alterar anterior deliberação aprovada por maioria qualificada, pois as deliberações da assembleia de condóminos não “determinam um vínculo contratual permanente, e são sempre suscetíveis de revogação e de modificação, ainda que tomadas por unanimidade. A decisão da assembleia em sede de gestão é sempre contingente e transitória, e não pode precludir novas e diversas deliberações que possam surgir no decurso da vida do condomínio” (cfr. Sandra Passinhas, em “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, 2ª ed., p. 246 a 247)”, isto é, não era aqui exigida a maioria qualificada, sendo incomparável a situação de a lei exigir uma maioria qualificada para a imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra (em função da permilagem, de acordo com o art. 1424º/2 do CC), e exigi-la para o regresso ao regime regra –, como, as deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º/1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos como pretende a recorrente, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência – como vem sendo maioritariamente sustentado na doutrina e jurisprudência e foi assertivamente demonstrado  –.

1ª parte - vide aqui
2ª parte - vide aqui
3ª parte - vide aqui

Violação art. 1424º, nº 3 e 4 - 3ª parte


No seguimento da análise efectuada nos dois artigos anteriores, relativamente ao facto de as deliberações das assembleias de condóminos que imponham uma repartição diferente da determinada pelos nº 3 e 4 do art. 1424 º do CC para as despesas neles previstas, por se terem deliberações com conteúdo negocial contrário à lei são, como tal, nulas, por via do disposto no art. 280º do CC, porquanto, a sanção da anulabilidade prevista no art. 1433º do CC aplica-se apenas às deliberações que violem normas legais imperativas que não digam respeito ao conteúdo negocial ou normas do regulamento de condomínio, importa agora atentar numa excepção a esta regra.

O STJ, em Ac. datado de 09/06/2016 (proc. nº 211/12.6TVLSB.L2.S1), decidiu que:
"I - O art. 1424.º, n.º 1, do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação de os condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.
II - O n.º 3 do art. 1424.º do CC contém uma excepção ao referido princípio ao estabelecer que as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem, i.e., dos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns (como sucede com um terraço que serve de cobertura a parte do prédio).
III - Há, porém, que distinguir, dentro dessas despesas, as chamadas despesas de manutenção das despesas de reparação resultantes, não do uso normal das partes comuns do edifício pelos condóminos que delas se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção de espaços exteriores a essas partes comuns que não são utilizados por aqueles condóminos: as primeiras são a cargo dos condóminos que usam e fruem do terraço por serem eles os beneficiários exclusivos do mesmo e, em princípio, terem sido eles que deram origem ao desgaste ou deterioração dos materiais desse terraço; já as segundas são a cargo de todos os condóminos por as reparações a realizar constituírem um benefício comum de todos eles."

O art.1424º nº1 do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação dos condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.

O disposto neste nº 1 – relativo às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum – apenas pode ser afastado por disposição em contrário. Tratando-se, porém, de despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, o nº 2 do art. 1424 permite o afastamento da regra da proporcionalidade por disposição do regulamento de condomínio aprovada pela maioria explicitada na norma e com um dos dois conteúdos nela estabelecidos

As obrigações referidas neste artigo quanto às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, constituem um exemplo típico de obrigações “propter rem”, isto é, de obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem for titular desta. Dada a conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa: é obrigado quem for titular do direito real.

As normas dos nºs 3 e 4 do art. 1424 do Código Civil – que dispõem sobre a repartição das despesas relativas a partes comuns que servem exclusivamente alguns condóminos ou a ascensores que apenas servem determinadas frações – constituem disposições especiais que afastam a regra geral da proporcionalidade estabelecida pelo nº 1 e não podem ser afastadas por deliberação da assembleia de condóminos.

Ora o nº3 do art.1424º estabelece uma excepção ao princípio geral dizendo que: “As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”. Quando a lei fala em escadas ou partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos quer referir-se, ao mencionar estes, às respectivas fracções autónomas, atribuindo a responsabilidade das despesas aos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns.

O art. 1424 do CC tem, presentemente e desde a Lei 32/2012, de 14 de agosto, o seguinte teor: «Encargos de conservação e fruição:
1- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.
5- Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.»

A primitiva redação apresentava-se como segue: «Encargos de conservação e fruição:
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2.- Porém, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
3.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.»

Em 1994, o artigo foi alterado pelo DL 267/94, de 25 de outubro, passando a ter o seguinte conteúdo: «Encargos de conservação e fruição:
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2.- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3.- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que dela se servem.
4.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.»

A grande alteração de 1994 foi o acrescento da norma que recebeu o nº 2, passando os anteriores nº 2 e 3 a nº 3 e 4. As regras dos actuais nº 3 e 4 vêm, portanto, da redacção primitiva, correspondendo aos nº 2 e 3 dela, tendo-se apenas, na regra relativa aos lanços de escadas, suprimido a conjunção «porém». A alteração de 2012 limitou-se a acrescentar o nº 5, relativo a despesas com rampas de acesso e plataformas elevatórias, colocadas por condómino que tenha no seu agregado familiar pessoa com mobilidade condicionada.

O art. 1424º/1 confere-nos a regra geral em matéria de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns: proporcionalidade, com referência ao valor das frações. As escadas são, entre outras, partes comuns, e os ascensores também assim se presumem (art. 1421º/1, al. c), e nº 2, al. b), do CC). No entanto, no que respeita ao pagamento das despesas inerentes, os nº 3 e 4 do art. 1424º excecionam a regra do nº 1. Se as escadas servirem apenas um grupo de condóminos, continuam a ser partes comuns a todos os condóminos, mas as despesas relativas a lanços que sirvam exclusivamente alguns condóminos ficam a cargo dos que deles se servem (1424º/3) - «não se trata de um serviço efetivo, de um gozo subjectivo da parte dos condóminos, mas sim de uma possibilidade objectiva de utilização» (Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, p. 38 e nota 59, no mesmo sentido M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, p. 130, nota 117). Os ascensores presumem-se comuns, embora nas despesas só participem os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas (1424º/4) – Sandra Passinhas, cit., p. 40.

Na vigência da primitiva versão do art. 1424º (anterior ao DL 267/94), houve quem se pronunciasse no sentido de as normas do art. 1424º do CC terem natureza supletiva, devendo permitir-se que o TCPH ou deliberação de todos os interessados mediante escritura pública afastassem as regras ditadas pelo artigo. Assim, Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., de 1987, em anotação ao artigo em causa, p. 431, escreveram: «O princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é o do recurso à estipulação das partes. Valerá para o efeito o critério que tiver sido estabelecido pelos interessados, no título constitutivo ou em estipulação adequada. Na falta de disposição negocial, vigora como primeira regra supletiva o critério da proporcionalidade (…).

A segunda regra supletiva, aplicável às partes comuns do prédio que apenas sirvam um ou alguns dos condóminos, é a que restringe a repartição dos respetivos encargos aos utentes dessas partes. Este segundo critério (da redução dos condóminos obrigados) é completado pelo primeiro, quanto à forma como se dividem os encargos entre condóminos onerados» - as ênfases em título constitutivo e estipulação adequada são nossas.

Henrique Mesquita previa a possibilidade de uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º resultar do título constitutivo (não de uma qualquer deliberação em assembleia): «Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações. A obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio. (…) «Mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do TCPH (e não diretamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um acto de aceitação por parte daqueles» (M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, pp. 129-130 e nota 119).

Na jurisprudência encontrava-se idêntico sentido, como se alcança, exemplificativamente, do sumário do Ac. do STJ de 02/04/1975, BMJ 246, p. 157: «I – No silêncio do título, é nula a deliberação dos condóminos que estabeleça a possibilidade de alteração da comparticipação das despesas por decisão da assembleia geral; a modificação do regime fixado no art. 1424.º do Cód. Civil só é possível por acordo de todos os interessados e mediante escritura pública».

Ao encontro do entendimento espelhado na doutrina e na decisão acabadas de referir, o DL 267/94 introduziu no art. 1424º norma permitindo que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum possam, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificada se justificados os critérios que determinam a sua imputação. Esta norma do nº 2 introduzida em 1994 veio permitir de forma expressa que os condóminos conformem de modo diferente do estabelecido no nº 1 a sua participação no pagamento de despesas relativas a serviços de interesse comum. Este nº 2 passou a possibilitar o afastamento da regra do nº 1 no que respeita ao pagamento daquelas despesas, desde que tal afastamento seja feito por disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio. Ainda assim, a disciplina do regulamento apenas poderá ter uma de duas soluções: ou as despesas ficam a cargo dos condóminos em partes iguais ou ficam a cargo dos condóminos na proporção da respetiva fruição. Acresce ainda um requisito: que as despesas fiquem devidamente especificadas e que sejam justificados os critérios que determinam a sua imputação.

Com a alteração de 1994, a lei passou a admitir que a regra da proporcionalidade fosse afastada – ainda que apenas em relação ao pagamento de serviços de interesse comum (não quanto às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns que o nº 1 também prevê) –, não apenas por disposição (legal) em contrário, mas também mediante disposição do regulamento nos termos apertados previstos no novo nº 2 do mesmo art. 1424.

«Disposição», como tantos outros termos, é uma palavra polissémica, mesmo considerando o estrito léxico jurídico. No CC, encontramo-la essencialmente com dois significados que simplisticamente se podem reconduzir a «alienação» e «preceito», como passamos a justificar. Por um lado, encontramos a palavra associada aos poderes de usar e de prescindir da coisa por parte de quem tem o domínio sobre ela, nomeadamente com o significado de alienação ou oneração de bens ou direitos, como no âmbito dos art. 28º/2, 39º/4, 109º, 127º, 153º/1, 197º/1, 226º/2, 274º/1, 622º/1, 764º/1, 819º. Trata-se nestes casos de exercer sobre bens e direitos atos que vão além da mera administração, designadamente dando-lhes destino que implica a mudança de titularidade. Não é este o significado que procuramos.

Por outro lado, encontramos «disposição» como preceito e, neste sentido, quase sempre como preceito ou norma legal. É de disposição legal que se trata, e de forma expressa – com a menção «legal» imediatamente a seguir a «disposição» – nos art.4º, al. a), 14º/1, 67º, 171º/2, 262º/2, 294º, 331º/2, 375º/3, 393º/1, 483º/1, 606º, etc. É também de disposição legal que se trata em casos como os dos art. 285º («as disposições dos artigos subsequentes»), 509º/3 («nos termos desta disposição»), 773º/2 («disposição do número anterior»). Por vezes refere-se «disposição especial», claramente com o sentido de norma especial, por confronto com a regra geral (art. 239º, 296º, 433º).

Ainda com o sentido de preceito, regra, por definição, disciplina abstratamente estatuída para situações futuras que se preveem de forma genérica, encontramos a palavra disposição por referência à estatutária ou regulamentar de pessoas coletivas (em geral, associações, fundações – nos art. 163º/1, 171º/2, 180º, 188º/5), e afins (no caso do regulamento do condomínio – nos art. 1424º/2, 1432º/3, e 1435º/4). O condomínio, enquanto entidade a que o direito reconhece uma parcela de personalidade, sem lhe atribuir personalidade jurídica, pertence ao conjunto das quase-pessoas colectivas, que a doutrina trata com designações várias – «pessoas rudimentares» (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo III, Coimbra, Almedina, 2004, p. 521), «figura afim da pessoa coletiva» (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., Universidade Católica Editora, 2001, p. 536), «ente não personalizado» (Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., ULFD, 1984/85, p. 274).

A expressão «salvo disposição em contrário» surge, claramente com o significado de «salvo norma legal em contrário», nos seguintes artigos do CC: no art. 123º, «salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos»; no art. 298º/3, «os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos caos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade»; no art. 570º/2, «se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar»; no art. 750º, «salvo disposição em contrário, no caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido»; no art. 1287º, «a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação»; no art. 1588º, «o casamento católico rege‐se, quando aos efeitos civis, pelas normas comuns deste código, salvo disposição em contrário».

Os significados de «disposição» que encontramos no CC são alguns daqueles que encontramos nos dicionários gerais. Não encontramos nestes nem no Código «disposição» como parte do conteúdo de um acordo contratual. Quando o CC se refere a tal, fala em «cláusula» ou em «estipulação». Em abono da nossa conclusão, repare-se: i) quando o CC ressalva acordo das partes, a expressão utilizada é «salvo estipulação em contrário», como, entre outros, sucede nos art. 274º/1, 420º, 448º/1, 550º, 852º/1, 862º, 882º/2, 921º/3, 1046º, 1073º/2, 1074º/1 e 5, 1096,º 1138º/2, 1183º; ii) o CC distingue claramente «disposição» e «estipulação» no sentido que expusemos, como sucede nos artigos 393º/1 («por disposição da lei ou estipulação das partes»), 772º/1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei») ou 777º/1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei»). Exercício análogo ao que acabámos de fazer nas últimas páginas encontra-se em Rui Pinto Duarte, anotação ao art. 1424º, in Código Civil Anotado, II, Art. 1251º a 2334º, Ana Prata (coord.), Almedina, 2017, pp. 258-9, com conclusão no sentido de a «disposição» referida no art. 1424º/1 ser disposição legal ou disposição do TCPH, incluindo do regulamento constante do título constitutivo: «A conjugação do nº 1 do art. 1424 com o nº 2 do mesmo artigo e com o art. 1418º/1 e 2, leva-nos a pensar que, no caso em apreço, a expressão “salvo disposição em contrário” abrange tanto disposições legais como disposições do título constitutivo, incluindo do regulamento do condomínio que aquele título contenha. Não julgamos que se deva entender que a expressão abrange também disposições de regulamentos de condomínio não constantes do TCPH (resultantes de deliberação dos condóminos ou de ato do administrador) ou de (outras) deliberações dos condóminos».

As normas dos nº 1, 3, 4 e 5 do art. 1424º do CC são normas jurídicas precetivas, que contêm preceitos, regras de proceder, formas de agir nas circunstâncias que elas próprias preveem (sobre as classificações das regras, v. sobretudo José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e teoria geral, 3.ª ed., ..., Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 433-55). As normas precetivas têm, por defeito, caráter imperativo. E assim sucede com estas, pois o nº 1 apenas permite o seu afastamento por disposição em contrário, sendo os nº 3, 4 e 5 as tais disposições que excecionam a regra do nº 1. O nº 2, que se inicia com a adversativa «porém», dando assim indicação de que também vai excecionar a regra do nº 1, autoriza que, dentro de certos limites de quórum e requisitos de conteúdo, parte das despesas a que o nº 1 se reporta, tenham diferente disciplina.

O elemento literal das normas do art. 1424º dá-nos a indicação clara, por tudo quanto fomos dizendo, que as regras dos nº 3 e 4 (que são as relevantes no nosso caso) não podem ser afastadas por decisão de condóminos. Também avançámos com razões históricas que nos permitem perceber o nº 2; a simples existência deste enfatiza que qualquer afastamento das demais regras do art. 1424º, que não por via de disposição legal, apenas pode acontecer nos estritos parâmetros definidos pelo nº 2.

Há razões fortes para que assim seja, entrando agora noutros elementos da interpretação das normas, nomeadamente no lógico e no teleológico. Na PH estão em permanente tensão interesses individuais de cada condómino e interesses comuns a todos ou a grupos de condóminos. Idealmente, cada condómino está interessado na melhor (já de si discutível) preservação das partes comuns, mas tanto não significa que todos partilhem a mesma ideia sobre a melhor forma se atingir essa preservação e, nomeadamente, que todos concordem com a medida em que cada um deve contribuir para as despesas referentes a partes comuns. É sobretudo a respeito destas que se defrontam interesses financeiros individuais e interesses coletivos de pagamento das despesas necessárias ao bom estado das partes comuns. Não podia o legislador deixar (como não deixou) nas mãos da maioria dos condóminos a atribuição das despesas a cada um, sob pena de os condóminos minoritários serem esmagados por interesses estritamente económicos da maioria. O que teria nefastas consequências sociais, quer ao nível de cada núcleo habitacional (conflitos entre condóminos, com inerentes perdas na qualidade de vida dos mesmos), quer ao nível social mais alargado, com necessários reflexos na litigiosidade, na conservação do património construído, e na atração e valorização dos imóveis em PH.

No campo estritamente contratual, graças ao princípio de ampla liberdade, positivado no art. 405º do CC, as regras que disciplinam os tipos são, em geral, supletivas, ou seja, aplicam-se quando as partes nada estipulem em contrário e haja necessidade de regular aspectos que não previram (para a distinção entre normas imperativas e supletivas, v., além de Oliveira Ascensão, cit., pp. 441-6, Jorge Morais Carvalho, Os limites à liberdade contratual, Almedina, 2016, pp. 174-9). As deliberações das assembleias de condóminos estão num nível regulatório diferente dos contratos na medida em que podem ser tomadas sem intervenção de todos os interessados e, especialmente quando digam respeito ao regulamento do condomínio, mesmo que tomadas por todos os condóminos, podem afectar terceiros, futuros condóminos, que sobre elas não puderam pronunciar-se. Como tal, a lei não pode deixar ao acaso, nas mãos de parte dos condóminos existentes em dado momento, uma regulação que afectará outros, inclusivamente pessoas que só em momento futuro farão parte do condomínio.

Aqui chegados, concluímos que a norma do nº 1 do art. 1424 (proporcionalidade do valor das fracções no pagamento das despesas) apenas pode ser afastada nos termos do nº 2 é excepcionada pelas regras dos nº 3 e 4. Uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º/1, só é possível mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Não basta uma mera deliberação da assembleia (assim também, Sandra Passinhas, cit., p. 284).

As regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º excepcionam a regra da proporcionalidade para certas despesas, acautelando interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito. São, pois, normas imperativas cujo afastamento não é possível, nem sequer dentro apertados requisitos estabelecidos pelo nº 2.

A norma do nº 2 do art. 1424º possibilita o afastamento da regra da proporcionalidade, por disposição do regulamento do condomínio aprovada nos moldes já referidos, no que respeita a algumas despesas englobadas no nº 1, mais concretamente às «despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum». Pela sua inserção sistemática e pelo seu conteúdo, a norma do nº 2 não possibilita o afastamento da disciplina dos nº 3 e 4, que não respeitam ao pagamento de serviços de interesse comum, mas de serviços de interesse exclusivo de parte dos condóminos.

Ainda que tivéssemos outro entendimento – ou seja, ainda que entendêssemos que as regras dos nº 3 e 4 podiam ser afastadas nos termos do nº 2. Nem se compreenderia, repetimos, que as normas sobre repartição de despesas relativas a partes comuns dos prédios em PH pudessem estar na disponibilidade dos condóminos (além do estritamente regulado no art. 1424º/2), pois o condomínio corresponde a um conjunto de interesses individuais potencialmente conflituantes, alguns minoritários, que ficariam constantemente prejudicados pela imposição de repartições de despesas favoráveis às maiorias, conduzindo a situações de necessário conflito, com repercussões importantes no bem-estar social, além de prováveis consequências ao nível da própria conservação do património construído que a todos interessa.

Aqui chegados importa averiguar qual é a sanção prevista para a violação das regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º do CC.

1ª parte - vide aqui
2ª parte - vide aqui
4ª parte - vide aqui

15 maio 2024

Futuro Código da Construção


O Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), datado de 1952, tem a “morte” anunciada para 2026, quando entrará em vigor o futuro Código da Construção. São 11 ministérios e mais de 50 entidades envolvidas. Este trabalho colaborativo irá contribuir para a transparência, celeridade e garantia da segurança e qualidade no sector da construção.

Prevê-se que o futuro Código da Construção poderá revogar entre 150 e 200 diplomas legais que regulamentam a actividade, afirmou Fernando Batista, presidente do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) ao Expresso. Esta estimativa tem por base um primeiro levantamento feito no SILUC – Sistema de Informação da Legislação de Urbanismo e Construção, uma plataforma electrónica oficial que disponibiliza informação sobre os diplomas legais e regulamentares aplicáveis ao projecto e à execução das obras.

De facto, a regulamentação aplicável ao sector da construção encontra-se dispersa em centenas de diplomas legais, alguns com mais de 60 anos, havendo a necessidade da sua uniformização, harmonização e almejada simplificação, tendo em conta a evolução tecnológica dos materiais, das técnicas de construção, dos sistemas de certificação e da digitalização dos processos, ao longo do ciclo de vida de qualquer edificação, para, de forma sustentada, contribuir para a fiabilidade do sector.

A agilidade que se pretende incutir com a codificação das normas da construção irá contribuir para uma maior atractividade e competitividade do sector, ao promover a celeridade dos processos, nomeadamente através da facilidade de interpretação da aplicação da lei. 

Segundo os promotores deste Código, para potenciar os benefícios da digitalização do sector da construção, nomeadamente no aumento da respectiva produtividade, na simplificação de procedimentos urbanísticos e na garantia da qualidade é necessária a actualização e codificação das regras da construção, permitindo diminuir a sua extensão, dispersão, fragmentação e complexidade.

14 maio 2024

A figura do administrador provisório


A figura do administrador provisório é-nos dada por um preceito inteiramente novo, cuja redacção aditada ao Código Civil através do DL 267/94 de 25 de Outubro, sendo de reconhecida utilidade porquanto veio colmatar uma lacuna susceptível de criar situações de vazio na administração executiva do condomínio decorrente da falta de eleição (em assembleia) ou de nomeação (judicial) de um administrador efectivo e que, por circunstâncias várias, seriam susceptíveis de se prolongar indefenidamente.

Numa primeira análise, este preceito afigura-se estar em colisão com o disposto no art. 1427º do CC, o qual, faculta uma ferramenta para que qualquer condómino, em casos de falta (ou de impedimento) do administrador, possa tomar a iniciativa de levar a efeito reparações, contanto consideradas indispensáveis e urgentes.

Porém, tal não ocorre, porquanto, cada um destes preceitos tem um campo de aplicação próprio.

Com efeito, este art. 1427º funciona em casos de existência de uma administração devidamente instituída para acudir a uma falta de actuação do administrador relativamente a reparações consideradas indispensáveis e uegentes, conferindo ao condómino actuante tão só o poder de levar a efeito essas mesmas reparações e não o de assumir qualquer das outras funções do administrador.

Não assim no caso do preceituado no art. 1435º-A que, perante uma situação de carência de administração por esta não ter sido encabeçada em qualquer pessoa, comete o cargo de administrador, ainda que provisoriamente, a determinado condómino que assume todas as funções que lhe são próprias.

Além de que, procede ainda a legitimação de procedimento ad hoc de um qualquer condómino, que mais diligente, se preste a suprir a falta de eleição ou nomeação do administrador (não confundir com o suprir casional de actuação do administrador, porquanto, aqui vale a figura do administrador suplente).

Aqui, a investidura opera ope legis e com todos os poderes atribuídos a um condómino devidamente especificado como administrador para cobrir a inexistência deste por inoperância do meio próprio para a sua designação (seja por via da realização de uma assembleia electiva, seja por via de uma nomeação judicial) e enquanto esta não ocorrer.

Como situação provisória que é, interessa que não se prolongue demasiado, devendo a assembleia resolver o problema a curto prazo com a eleição do administrador, ou qualquer condómino tomar a iniciativa de promover a nomeação judicial deste.
 
Com efeito, “seja qual for o número de condóminos, é sempre obrigatória a designação de um administrador, cabendo à respectiva assembleia a sua eleição e exoneração” – Abílio Neto, Direitos e Deveres dos Condóminos na Propriedade Horizontal, Lisboa, 1988, pág. 123). 

Importa ainda atentar àquelas situações em que o construtor designa uma pessoa para exercer as funções de administração. Neste caso, o TRL em Ac. datado de 26/09/2006 (proc. nº 6324/2006-7) decidiu que, «Não é administrador provisório, nos termos e para os efeitos do artigo 1435º-A do CC, a pessoa que a empresa construtora designou para exercer as funções de responsável pela manutenção do edifício».
 
Destarte, é ineficaz, salvo ratificação, em relação ao representado (condomínio), nos termos dos art. 268º, 1430º e 1435º do CC, qualquer contrato (por exemplo, o de conservação de elevadores em imóvel sujeito ao regime de PH que foi outorgado em representação do condomínio, depois de constituída a PH mas antes da eleição da administração do condomínio), por quem, a mando da construtora do imóvel exercia as funções de responsável pela manutenção do edifício. 

13 maio 2024

O art. 1435º-A do Código Civil


Redacção actual

Aditada por Decreto-Lei nº 267/94 de 25-10-1994, Artigo 2.º

 

Artigo 1435.º-A
Administrador provisório)

1. Se a assembleia de condóminos não eleger administrador e este não houver sido nomeado judicialmente, as correspondentes funções são obrigatoriamente desempenhadas, a título provisório, pelo condómino cuja fracção ou fracções representem a maior percentagem do capital investido, salvo se outro condómino houver manifestado vontade de exercer o cargo e houver comunicado tal propósito aos demais condóminos.
2. Quando, nos termos do número anterior, houver mais de um condómino em igualdade de circunstâncias, as funções recaem sobre aquele a que corresponda a primeira letra na ordem alfabética utilizada na descrição das fracções constante do registo predial.
3. Logo que seja eleito ou judicialmente nomeado um administrador, o condómino que nos termos do presente artigo se encontre provido na administração cessa funções, devendo entregar àquele todos os documentos respeitantes ao condomínio que estejam confiados à sua guarda.

Nomeação judicial do administrador


Dimana do nº 1 do art. 1435º do CC que "O administrador é eleito e exonerado pela assembleia" e do nº 2 que "Se a assembleia não eleger administrador, será este nomeado pelo tribunal a requerimento de qualquer dos condóminos".

O art. 1435º-A, na 1ª parte do seu nº 1 determina que se a assembleia dos condóminos não eleger o administrador e e enquanto não houver uma nomeação judicial, as correspondentes funções são obrigatoriamente desempenhadas, e a título provisório, pelo condómino cuja fracção ou fracções representem a maior percentagem ou permilagem do capital investido.

Importa pois daqui, ressalvar:

i) se o administrador não for eleito (pela assembleia) ou nomeado (pelo tribunal) não existe uma vacatura do cargo executivo;

ii) porquanto, as funções executivas serão obrigatoriamente desempenhadas por um administrador, porém, a título provisório;

iii) sendo exercido pelo condómino cuja fracção ou fracções detenha(m) maior % ou ‰. Se um condómino (ou o construtor, promotor, investidor, etc.) possuir mais de uma fracção, somam-se as respectivas percentagens ou permilagens.

Contudo, atenta a 2º parte do citado preceito, só assim não será se outro condómino houver manifestado a vontade de exercer o cargo (também provisoriamente, sublinhe-se) e contanto comunique esse desiderato aos demais condóminos.

No entanto, se ninguém se voluntariar e se houver mais do que um condómino em igualdade de circunstâncias, isto é, com as mesmas percentagens ou permilagens, dimana do nº 2 que as funções executivas recaem sobre o condómino a que corresponder a primeira letra na ordem alfabética utilizada na descrição das fracções constante na CRP.

Para que este administrador provisório deixe de o ser, terá que convocar uma assembleia electiva e se não lograr melhor fortuna, seja porque não houve quórum, seja porque ninguém quis, terá que recorrer à via judicial para obter a nomeação de um administrador.

Importa ressalvar que o pedido de nomeação judicial de um administrador em propriedade horizontal tem como causa de pedir a inexistência de um administrador eleito, seja porque o condómino requerente não conseguiu reunir a assembleia, por manifesta falta de quórum, seja porque, tendo reunido, não foi possível eleger o administrador.

Nesta factualidade, não sendo alegados tais factos essenciais, a petição inicial é considerada inepta quanto a esse pedido. E nada indicando que ocorre uma tal situação de facto, sempre faltará o interesse em agir.
 
O processo

O processo adequado a tal nomeação judicial de administrador de condomínio é o previsto no art. 1428º do CPC. Trata-se de um processo de jurisdição voluntária, cuja tramitação é completamente distinta da do procedimento cautelar comum (cfr. art. 384º a 388º do CPC), pelo que não será possível aproveitar a tramitação desta providência para obter a nomeação de administrador tida em vista no art. 1435º nº 2 do CC (cfr. art. 199º do CPC).
 
Porém, eventualmente um ou mais condóminos podem julgar necessária a nomeação de um administrador do condomínio com fundamentos e nos termos próprios do procedimento cautelar comum, ou seja, a nomeação urgente e provisória de um administrador tendo em vista proteger um direito que seja alvo de ameaça susceptível de lhes causar lesão grave e dificilmente reparável (art. 381º nº s 1 e 2 e 387º n. 1 do CPC).

O art. 381º, nº 1, do CPC dispõe que «sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória do efeito daquela decisão, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado».
 
O nº 1 do art. 387.º explicita que «a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão».
 
A decretação da providência pressupõe, pois, que se verifique a “probabilidade séria da existência do direito invocado” e “fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito”. Além disso, a providência requerida deverá ser adequada à salvaguarda do direito invocado.
 
O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado (nº 1 do art.o 383º do CPC). 
 
O objecto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando o pedido e a causa de pedir, esta não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objeto do processo com a fundamentação do objecto da sentença

A causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo.

Nesta, o condómino, ou condóminos devem indicar a pessoa a nomear. Ou seja, não compete ao juiz procurar e nomear um administrador. Este ónus impende sobre quem pretende a nomeação judicial do administrador. Nesta conformidade, devem os interessados indicar o nome ou identificação social da pessoa (singular ou colectiva) que reputem idónea (e que previamente contactada, haja aceite a sua indicação), competindo então ao juiz efectuar a nomeação, a qual, almofadada em competente sentença, vinculará todos os demais condóminos.

10 maio 2024

Responsabilidade do administrador na realização de obras


O órgão «assembleia dos condomínios» (cfr. art. 1430º nº 1 CC), entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos administrativos relativos às partes comuns do edifício, responde concomitantemente pelas obrigações relativas a essas mesmas partes.

Sucede, no entanto, que não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo relativamente às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio ou do administrador de reparar as partes comuns.

Com efeito, a al. a) do nº 2 do art. 1422º do CC apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não emerge da factualidade provada, sem sequer está em causa na presente acção.

Por outro lado, a al. f) do art. 1436º do CC define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns. Em tal perspectiva, diga-se que, salvo deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, o administrador, enquanto órgão executivo do condomínio - que não pode invadir a esfera de competência deliberativa do condomínio através da respectiva assembleia -, não está directamente obrigado perante o condómino cuja fracção seja afectada por vícios ou patologias existentes nas partes comuns a realizar as obras de reparação necessárias à sua eliminação.

Na verdade, se é indiscutido que o administrador incorre em responsabilidade civil perante os condóminos ou perante terceiros, quando excede os limites das suas atribuições, quando faz mau uso dos poderes-deveres que a lei lhe confere, quando deixa de fazer o que a lei ou o regulamento do condomínio lhe impõem que faça ou, ainda, quando não dá cumprimento às deliberações da assembleia – e que lhe incumbe executar nos termos do art. 1436º, al. h) do CC -, já não incorre em responsabilidade civil se não providencia ele próprio pelas reparações urgentes nas partes comuns que causem danos em bens de terceiro ou na própria fracção autónoma de cada um dos condóminos. (1)

O administrador, a esse nível, pode fazer essas obras, mas não está obrigado a substituir-se ao condomínio e à respectiva assembleia e a executá-las, ainda que perante si sejam reclamadas; Ao invés, a responsabilidade pela execução de tais obras nas partes comuns, cabendo ao condomínio no seu conjunto, através da respectiva assembleia, a administração das partes comuns (art. 1430º, nº 1 do CC), e cabendo ao mesmo conjunto de todos os condóminos, na proporção do valor das suas respectivas fracções, suportarem as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício (art. 1424º, nº 1 do CC), recairá, pois, sobre o condomínio, entendido este como o conjunto de todos os condóminos. 

Aliás, um tal princípio decorre do preceituado no art. 1411º do CC, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir, na proporção das respectivas quotas, [no caso da propriedade horizontal, em função do valor relativo das suas fracções no valor do conjunto do edifício], para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum.

Destarte, como se salienta no Ac. do TRP de 16.01.2014, se é certo que inexiste norma legal expressa que consagre esta obrigação do condomínio quanto à reparação das partes comuns, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns, encetando as diligências necessárias a tal fim, designadamente deliberando sobre a sua realização e consequente adjudicação, incumbindo, depois, por seu turno, à administração, enquanto órgão executivo, providenciar pelo efectivo cumprimento de tal deliberação e consequente execução das obras de reparação ou conservação aprovadas.

Ora, se o condomínio, através da sua administração, toma conhecimento de que ocorreram infiltrações de águas e humidades no interior de uma fracção, provenientes, por exemplo, do respectivo terraço de cobertura, é evidente que terá de se considerar que sobre o condomínio impendia, por força da lei, o dever de actuar no sentido de proceder às obras de reparação no dito terraço comum que se mostrassem necessárias para pôr termo às aludidas infiltrações de águas e humidade nessa fracção, bem como, ainda, o dever de proceder à reparação dos danos já existentes no interior da fracção e que, conforme também informado, punham em causa a utilização da fracção para o fim a que a sua proprietária a destinava, ou seja o respectivo arrendamento, sob pena de responder pelos prejuízos decorrentes dessa sua omissão ilícita.

Por conseguinte, é de concluir que o condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo e cuidado que lhe eram exigíveis e possíveis na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família (art. 487º, nº 2 do CC), e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino dos danos que lhe sobrevieram como consequência directa da sua omissão ilícita e culposa quanto à realização das obras em causa.

No que se refere já aos administradores, e como resulta do que já antes se expôs, a sua responsabilidade perante o condómino, não decorre da não realização das reclamadas obras de reparação, pois que a tal não está obrigado, mas antes de não terem os mesmo, como deviam, segundo o mesmo critério do bom pai de família, ou seja de um administrador normalmente cuidadoso e diligente, nas circunstâncias do caso, na sequência da comunicação das infiltrações de águas existentes na fracção a partir do terraço comum e dos seus efeitos quanto à inviabilidade de uso da fracção atingida, providenciado, pelo menos, pela marcação, no mais curto espaço de tempo possível, pela realização de uma assembleia geral extraordinária de condóminos onde a reclamação fosse exposta e submetida à competente apreciação deliberativa dos condóminos.

Na verdade, não podia a administração do condomínio à data deixar de saber que é sua incumbência convocar a assembleia de condóminos sempre que tal se mostre conveniente (como era, manifestamente, o caso, perante a reclamação por patologias nas partes comuns do edifício que lhe causavam danos significativos na fracção autónoma de sua propriedade – cfr. arts. 1431º, nº 2 e 1436º, al. a) do CC), sendo certo que à própria autora, por si só, não seria possível provocar a realização dessa assembleia, pois que para tanto seria necessário que a convocatória fosse subscrita por, um mínimo, de condóminos que representassem 25% do valor do prédio – cfr. art. 1431º, nº 2 do CC.

Por consequência, nestas circunstâncias, não convocando a administração a aludida assembleia extraordinária de condóminos como lhe foi solicitado e não estando o condómino em condições de o fazer por si só e declinando o administrador a possibilidade de o condomínio realizar essas obras – remetendo a sua realização para a iniciativa e responsabilidade do próprio condómino -, a esta última apenas lhe restava – para além da opção de ser ela própria a realizar as obras em causa e a suportar o risco quanto ao retorno de tal investimento, a que não estava, a nosso ver, manifestamente, obrigada (2) – a alternativa de aguardar a paulatina degradação da sua fracção pela continuação das infiltrações de águas na mesma e provindas das fachadas e do terraço comum de cobertura, com o consequente avolumar dos consequentes prejuízos.

Ora, com o devido respeito, uma tal posição não pode ser por nós sufragada.

O administrador pode responder civilmente perante os condóminos, nos termos gerais da responsabilidade civil (arts. 483°, 562° e 563º do CC). Deste modo a significar - e sempre no horizonte legal do que se consagra, em particular, também, nos art. 1436º (Funções do Administrador) e 1437º (Legitimidade do Administrador) do CC - que o administrador responde quando exceder os limites das suas atribuições, quando usa mal os poderes-deveres conferidos pela lei, ou quando não realiza aquilo que a lei ou regulamento impõem.

Pouco importa que os danos tenham sido causados pelo administrador directamente ou por terceiros encarregados por ele de efectuarem certas tarefas, quer provenham de actos positivos quer de omissões.

Quanto a saber, por exemplo, se o administrador é responsável se não realiza as reparações extraordinárias urgentes, o Ac. do TRC de 24/3/2015 decidiu que haverá de referir que estas reparações excedem a administração ordinária e, por isso, não entram na competência normal do administrador. É certo que o administrador tem o poder de intervir quando há uma reparação urgente e indispensável, mas não tem a obrigação. Tal significa que, se tal reparação não é ordinária, a actuação correcta é levar a sua matéria à primeira assembleia ou, se houver necessidade, convocar extraordinariamente a assembleia.

A sua obrigação é avisar e expor a necessidade urgente da reparação. Só no caso de ver e não avisar, haverá má administração, tornando-se, portanto, culpado (cfr. Rodrigues Pardal Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Código Civil e Legislação Complementar, 6ª Edição Revista e Actualizada, 1993, pp. 301-302 e 305-306).

Tal tessitura de apreciação pressuponente, significa que ao não realizar quaisquer obras que se hajam necessárias, implica uma omissão da responsabilidade do condomínio, mas não por parte do administrador que é apenas o órgão executivo do condomínio.

Ou seja, o administrador não pode, por si só, executar obras nas partes comuns do condomínio se para tal não for mandatado pela assembleia uma vez que tal constituiu um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe atribui. Conclusão que se retira da interpretação conjunta dos arts. 1436º e 1437º do CC.

No caso vertente, decidiu o RTP em Ac. de 23.4.2018 (972/14.8T8GDM.P1) que o administrador de condomínio, como consagrado, nunca poderia ser responsabilizado pela não realização de obras, para o efeito claramente urgentes, mas em referencial classificatório, manifestamente extraordinárias, mais ainda quando estejam dependentes da proacção actuante do condomínio, depois de ordenar o seu empreendimento.

Notas

(1) Vide, neste sentido, por todos, L. P. Moitinho de Almeira, “ Propriedade Horizontal ”, 2ª edição, pág. 118 e Abílio Neto, op. cit., pág. 363.

(2) Como referem em comentário ao art. 1427º do CC P. LIMA, A. VARELA, III volume, cit., pág. 437, «Quando, porém, não haja administrador, ou este se encontre impedido, e se mostre necessário proceder, com urgência, a reparações indispensáveis, qualquer dos condóminos pode tomar, por si, a iniciativa das obras, cujas despesas serão repartidas segundo os critérios estabelecidos no art. 1424º.» [sublinhado e negrito nossos]O que vale, pois por dizer, que, como já antes se salientou e ao contrário do sufragado na decisão recorrida, a iniciativa quanto à realização de obras urgentes terá de ficar na estrita disponibilidade e critério do próprio condómino [que pode entender que a situação de urgência justifica essa sua intervenção imediata, sem prévia autorização ou deliberação da assembleia ou do administrador], mas não lhe pode ser imposta ou exigida, nomeadamente por parte do condomínio ou da respectiva administração e para escusa da sua obrigação legal quanto à realização das mesmas.

09 maio 2024

Piscinas em terraços


Quais são as condicionantes a observar para a montagem de uma piscina no terraço de uma fracção autónoma num edifício constituído em regime de propriedade horizontal?

Autorização da assembleia dos condóminos

A PH caracteriza-se pela co-existência em simultâneo da propriedade singular – sobre a fracção autónoma e a compropriedade – sobre as partes comuns, constituindo assim uma figura distinta da compropriedade, sendo por isso alvo de tratamento pela lei em capítulo à parte. Resulta do nº1 do art. 1420º do CC que: “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns.

Em matéria jurídica dos direitos e encargos dos condóminos está especialmente vedado a estes prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício – art. 1422º, nº 2, al. a), do CC.

Por sua vez, em matéria de inovações, estabelece o art. 1425º do citado código que: “As obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio” – seu nº 1.“Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns” – cf. seu nº 2. Ou seja, o campo de aplicação de cada norma varia em função do tipo e natureza de obras realizadas.

No que respeita às que integram a qualificação de “inovações”, constata-se que as obras aqui previstas são aquelas que dizem respeito às partes comuns – cf. seu nº 2, conjugado com o nº 1, onde se exige a aprovação da maioria dos condóminos, devendo representar dois terços do valor total do prédio. Já se se tratar de obras nas fracções pertença exclusiva de um ou cada um dos condóminos rege o art. 1422º, nº 2, al. a).
 
Contudo, tratando-se de uma piscina insuflável (infantil) ou desmontável (portanto, sem partes fixas ao pavimento), não carecerá da autorização condominial.

Sustentabilidade

Antes de se projectar e instalar a piscina num terraço e antes de se considerar aspectos como os sistemas construtivos, os materiais a usar e custos envolvidos, é essencial avaliar a viabilidade da instalação e a capacidade de suportar o peso necessário. Importa, pois, primeiramente, aferir quais as cargas que a laje portante do terraço está dimensionada a suportar. Esta informação pode ser obtida junto do construtor, de um engenheiro de estruturas que consiga avaliar a qualidade dos materiais e o estado da habitação no tempo e no espaço, ou de instituições como o Laboratório Nacional de Engenharia Civil ou o Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

A cada 10 cm de altura da água, a carga no piso aumenta em 100 kg/m². Portanto, para uma altura de água de:
  • 20 cm, a carga será de 200 kg/m²;
  • 50 cm, a carga será de 500 kg/m²;
  • 100 cm, a carga será de 1000 kg/m².
Depois de conhecer a carga por metro quadrado transmitida pela piscina, é possível fazer uma primeira avaliação, comparando-a com as cargas acidentais de projecto dos pisos. Se a altura da água exceder 20 cm, a carga acidental de projecto (geralmente estimada em cerca de 200 kg/m²) pode ser excedida. No entanto, é importante notar que a carga acidental de projecto é geralmente considerada distribuída em toda a superfície do piso, enquanto a carga da piscina está localizada em uma área específica do telhado.

Alguns projectistas, para aumentar a segurança, podem considerar uma carga acidental de 400 kg/m² para terraços, pois são locais potencialmente lotados. No entanto, essa prática não é uma regra universal. Na ausência de documentação específica, por precaução, pode-se presumir que o piso do terraço foi projectado para suportar uma carga acidental de 200 kg/m².

Além do peso da água, é importante considerar o peso da estrutura da própria piscina. Enquanto para piscinas insufláveis esse peso pode ser negligenciado, para piscinas com estrutura fixa, como aquelas com sistemas de hidro-massagem, o peso estrutural pode variar em torno de 100 kg/m², a ser somado ao peso da água.

O aumento das tensões no piso também depende da superfície da piscina e da sua posição em relação às vigas e pilares da estrutura. A carga linear transmitida pela piscina ao piso também depende da forma da piscina em planta. No caso de uma piscina rectangular, a carga por unidade de comprimento que actua na faixa de piso considerada será constante. No caso de uma piscina circular, a carga linear será variável.

Em tese, e no caso de edifícios construídos mais recentemente, a capacidade de carga do terraço, geralmente corresponde a um mínimo de 200 kg por metro quadrado e pode atingir um máximo de 400 kg por metro quadrado. Nesta conformidade, caso os valores apurados fossem superiores, ter-se-ia de efectuar trabalhos estruturais, ou distribuir o peso por uma área maior.

Assim, para descobrir a capacidade de carga de um terraço, temos de multiplicar o valor fixo determinado pelo engenheiro de estruturas pelo tamanho total do terraço. Por exemplo, teríamos de multiplicar a capacidade de carga por metro quadrado de 200 kg x 20 metros quadrados de dimensão de terraço, resultando num peso total sustentável de 4 000 kg.

Legislação

Existe um vazio legal para as piscinas de lazer em condomínios, alojamentos locais ou espaços particulares para utilização doméstica.