Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

06 setembro 2023

Deliberações que requerem unanimidade


2.2.1 Unanimidade em sentido estrito

Encontramos aqui deliberações que tenham por objecto a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal (cfr. art. 1419º, nº 1),(22) cuja aprovação exige o acordo de todos os condóminos, tendo de estar todos eles presentes na assembleia.
 
Às deliberações que visem tal modificação não se aplica o procedimento previsto no art. 1432º, nº 5 a 8, (23), que visa suprimir a aprovação dos condóminos ausentes, como veremos a propósito da unanimidade mitigada.
 
Ao exigir-se uma “acta assinada por todos os condóminos” (art 1419º, nº 2, in fine) não se admite sequer qualquer abstenção.
 
Uma outra matéria que exige unanimidade em sentido restrito é a referente à colocação de material de videov-igilância no condomínio, de acordo com um entendimento da CNPD (24) que exige que a acta seja assinada não só pelos condóminos, mas também por eventuais arrendatários.
 
Notas:

22. A título exemplificativo: alteração das percentagens ou permilagens das fracções; modificação do fim a que se destina uma fracção autónoma ou uma parte comum; criação de novas fracções autónomas resultantes da divisão de frcação já existente; alteração na composição das fracções.
 
23. Vide, neste sentido, ac. TRP de 16/12/2009 e ac. TRL de 17/10/2006.
 
24. “Admitimos que, em face dos perigos que envolve para a privacidade e intimidade da vida privada dos habitantes de um imóvel (v.g. condomínio fechado), a única condição que pode legitimar a colocação de sistemas de video-vigilância será o consentimento das pessoas aí residentes (condóminos e arrendatários).” Deliberação n.º 61/ 2004, Princípios sobre o Tratamento de Dados por Video-vigilância, ponto I. 4, nota 9.

Regime das deliberações

 
2.2 Regime das deliberações

As deliberações da assembleia dos condóminos estão sujeitas a diferentes regimes, a saber, unanimidade em sentido estrito, unanimidade "mitigada", diversas maiorias qualificada de capital e por vezes, cumulativamente, de condóminos, e a maioria simples de votos representativos do capital investido no prédio que, de resto, é a regra geral nas assembleias constituídas em primeira convocatória.

Antes de passarmos à análise de todos eles, importa salientar que a lei, quando exige maiorias qualificadas ou unanimidade, fá-lo apenas em relação a determinadas matérias que, pela sua especial gravidade e importância, o justificam.

NDR: Para aferir que tipo de vencimento requerem as deliberações da assembleia, vide aqui.


Regime dos votos


2. Aprovação de Deliberações na Assembleia de Condóminos

2.1. Dos Votos

O nosso regime exige, regra geral, (18) maiorias aferidas em função do capital que cada condómino detém em relação ao condomínio, e não com base no número de condóminos, o que significa que a tomada de deliberações em sede de assembleia de condóminos apresenta um cariz patrimonialista.(19) 
 
Aqui chegados, importa saber como se procede à contagem dos votos. Com efeito, o nº 2 do art. 1430º do CC estabelece que cada condómino tem tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que se refere o art. 1418º do CC.
 
Assim, e para facilitar todo o processo, o número de votos a que cada condómino tem direito,em função do capital por si investido no prédio, consta do título constitutivo e está fixado, para cada condómino, em percentagem ou permilagem do valor total do prédio (cfr. citado art. 1418º, nº 1, in fine).
 
Esta solução recebeu, à luz da lei anterior (cuja redação se manteve, neste aspecto), críticas por parte de Cunha Gonçalves que dizia não se entender “como pode(m) haver várias unidades inteiras numa percentagem ou permilagem”.(20)
 
De facto, uma percentagem ou uma permilagem dizem respeito a uma parte de um todo, de uma unidade, dividida em cem ou em mil partes, respectivamente. Assim, de forma a interpretar devidamente o nº 2 do art. 1430º do CC, importa atender “às unidades inteiras que cabem no número que indica aquela percentagem ou permilagem”.(21)
 
Deste modo, se, por hipótese, o valor de uma fracção autónoma é de 900 000€, em relação ao valor total de 5 500 000€, então a percentagem que esta frcação representa será de 16,363%. Exigindo o legislador que se atenda às “unidades inteiras que couberem na percentagem”, o seu titular terá direito a 16 votos – ignorando-se, deste modo, a parte decimal.
 
De notar ainda que se algum condómino detiver mais do que uma fracção, caber-lhe-ão os votos resultantes da soma dos valores relativos de cada uma das fracções.
 
Por fim, no que concerne à colocação sistemática do preceito legal em análise, é do nosso entendimento que o mesmo deveria constar do art. 1432º, referente à convocação e funcionamento da assembleia, e não do normativo respeitante à assembleia de condóminos (enquanto órgão de administração).

Notas:

18. Cfr. nº 3 do art. 1432º. Apenas os arts. 1425º e 1428º, nº 2 prevêem hipóteses em que se exige, além da maioria do capital investido, a maioria numérica dos condóminos.
 
19. “O que a lei quis garantir foi um mínimo de representatividade a nível patrimonial, não relevando, por si só, o elemento pessoal”, Sandra Passinhas, op.cit., p. 205. Assim, podemos deparar-nos com situações em que a maioria de capital investido decorre de uma minoria de condóminos, bastando, para isso, que a primeira “resulte do voto dos proprietários das fracções mais valiosas”- Rui Vieira Miller, op.cit., p. 270.
 
20. Luís da Cunha gonçalves, Da Propriedade Horizontal ou Por Andares: Breve Estudo e Comentário do Decreto n.º 40333, de 14 de oOtubro de 1955, Edições Ática, Lisboa, 1956, p. 52.

21. Rui Vieira Miller, op. cit., p. 251. 

05 setembro 2023

A Assembleia de Condóminos


1.1 A Assembleia de Condóminos

Como temos vindo a referir, para formar e manifestar a vontade própria do condomínio quanto às partes comuns e aos “serviços de interesse comum” é necessário um órgão deliberativo. Assim, a competência de tal órgão está restrita às “relações respeitantes ao uso, ao gozo e à conservação das coisas e serviços comuns, estando-lhe vedado invadir a esfera da propriedade individual e exclusiva de cada condómino”.(8) 
 
À assembleia compete, portanto, tomar posição sobre todas as questões relativas às partes comuns, encarregar o administrador de executar as suas deliberações (art. 1436º, al. l) do CC), bem como controlar a sua actividade, seja através da aprovação das suas contas (art. 1431º do CC), seja revogando os seus actos por via de recurso (art. 1438º do CC).
 
Os DL nº 268/94 e 269/94, ambos de 25 de Outubro, surgiram em complemento do DL nº 267/94, também de 25 de Outubro, e das alterações que este introduziu no regime da PH e vieram estabelecer regras “sobre matérias estranhas à natureza de um diploma como o CC ou com carácter regulamentar”, alargando a competência da assembleia de condóminos.(9)

A Administração do Condomínio


Universidade: Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Autora: Rita Gomes Faria Leitão
Título: Um olhar sobre o regime das deliberações das assembleias de condóminos
Orientador: Prof. Dr. Pedro Caetano Nunes
Data: Março 2019

1. A administração do condomínio

Nos termos do art. 1430º, o condomínio possui dois órgãos administrativos, necessários à organização do exercício administrativo e, por isso, obrigatórios: a assembleia de condóminos, órgão colegial deliberativo, e um administrador do condomínio, órgão executivo e representativo, que tem como principal função executar as deliberações tomadas pelo primeiro.(1)

Ambos se destinam à administração das partes comuns do edifício (art. 1430º do CC), subtraindo-se tal responsabilidade da esfera individual de cada condómino.(2)

Assim, a assembleia de condóminos exerce a actividade principal, uma vez que o administrador é, no essencial, um executor das deliberações tomadas por aquela, não dispondo de qualquer poder de decisão, (3) mas apenas, como se disse, de um poder representativo (4) que tem como limite o necessário para realizar o interesse colectivo, vertido pela primeira.(5)