Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

26 janeiro 2022

Prazo caducidade AG sem convocação

O pressuposto do início da contagem do prazo de caducidade da acção de anulação de deliberações sociais é a de que a mesma tenha sido tomada mediante convocatória regular e válida do impugnante. Não existindo convocatória para a assembleia nem posterior comunicação da deliberação, o prazo de caducidade só começa a correr a partir do conhecimento da deliberação por parte do sócio ausente (cfr. Ac. Relação de Lisboa de 20/9/2012).
 
Vamos supor que a assembleia de condomínio reune, sem se ter convocada nos termos fixados nos nºs 1 e 2 do art. 1432º do CC (foi convocada, por exemplo, com um papel afixado na parede da entrada do edifício). Nestas circunstâncias ocorre perguntar. Será que se aplica, mesmo assim, o dito prazo de 60 dias? Certamente que não.

O pressuposto do início da contagem do prazo de caducidade é, como já se disse, que a deliberação tenha sido tomada mediante convocatória regular e válida do condómino impugnante (de sublinhar que - como já fui de abordar em um outro meu escrito -, só pode impugnar quem não comparecer na reunião, sob pena de, não obstante a irregularidade, aquele se considerar, para todos os efeitos, convocado). 
 
A convocação da assembleia necessita de obedecer aos requisitos explicitamente discriminados no nº 1 e 2 do art. 1432º do CC e deve, além disso, ser dirigida a todos os condóminos, caso contrário a reunião será irregular e as suas deliberações susceptíveis de impugnação, nos termos do art. 1433º (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III, págs. 380/381). A falta de envio da convocatória a todos os condóminos é causa de anulação das deliberações que a assembleia vier a tomar (cfr. Giuseppe Branca, “Comentário del Códice Civile, págs. 548 e 549, citado por Moitinho de Almeida, “Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais”, 2ª edição, pág. 81).
 
Portanto, não existindo uma formal convocatória para a assembleia de condóminos nem uma posterior comunicação da deliberação, nos precisos termos fixados no art. 1432º, nº 6 do CC, o prazo de caducidade previsto no art. 1433º, nº 4, do CC (no caso, 60 dias) só começa a correr a partir do conhecimento da deliberação por parte do condómino ausente. É o que resulta da aplicação, por analogia (cfr. art. 10º do CC), do disposto no art. 396º, nº 3, do CPC, segundo o qual o prazo para requerer a suspensão de deliberação social só começa a contar a partir da data em que o requerente, não regularmente convocado para a assembleia, teve conhecimento da deliberação.

Como referido, é este o entendimento que se considera mais adequado à harmonia do sistema, pois que as finalidades supra elencadas, resultantes da alteração legislativa introduzida pelo DL 267/94, de 25/10 (designadamente a que pretende responsabilizar os condóminos menos atentos ou negligentes) só têm verdadeiro sentido se existe a prévia certeza de que foram validamente convocados para a assembleia, não se vendo qualquer incompatibilidade entre o disposto nos art. 1432º e 1433º do CC..

21 janeiro 2022

Impugnações fora da alçada dos Julgado de Paz

Os condóminos podem recorrer aos Julgados de Paz para impugnarem as deliberações contrárias à lei porquanto o requerimento enquadra-se no diploma das atribuições dos mesmos, desde que o conteúdo das deliberações não exceda o valor da competência que lhes é atribuída.

Importa ressalvar que o valor da causa é fixado nos Julgados de Paz nos precisos termos do CPC aplicável por remissão do art. 63º da Lei dos Julgados de Paz. Assim, dispõe o art. 296º nº 1 do CPC que “a toda causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.

Resulta assim do citado preceito que a “utilidade económica” imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa. Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 543) escreve que há, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e o delimita. Dela – conclui aquele Mestre – não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para apuramento do valor da causa…Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da acção, também a causa de pedir, por si, não o determina…”(sublinhado nosso)  

Acresce que o art. 301º também do CPC preceitua que “quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atender-se-à ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”. Por outro lado, o art. 303º do mesmo código estabelece que “as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01”.

Nesta conformidade, caso a deliberação a anular tenha como base a validade da deliberação (por exemplo deliberação estranha à convocatória ou tomada com falta de quórum) ou um interesse não quantificável não nos parece possível fazer intervir o Julgado de Paz. Na verdade, as acções sobre interesses imateriais compreendem as acções cujo objecto não tem expressão pecuniária, as acções cujo benefício não pode traduzir-se em dinheiro (cfr. Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª edição, pág. 414»).

Cumpre sublinhar que na nossa jurisprudência verifica-se uma unanimidade no sentido de se considerar que “numa acção em que é pedida a anulação de todas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, onde, entre outras, estão em causa questões inerentes à validade da sua convocatória, terá de se entender, para efeitos de atribuição do valor à acção, estarmos face a situação que visa a salvaguarda de valores imateriais, correspondendo-lhe, por isso, o valor de 30.000,01€" (cfr. Ac. da Relação de Lisboa 20-09-2013).

Encontramos na nossa jurisprudência uma situação algo idêntica, reportada a uma acção em que se pedia a anulação de deliberações sociais: «Estando em causa a anulação de deliberações sociais, tomadas em assembleia geral de uma sociedade, com fundamento na falta de qualidade de sócio de um dos presentes nessa assembleia geral, o valor da respectiva acção deve ser fixado de acordo com o disposto no art. 312º do CPC, pois estamos perante uma acção que visa sobre interesses imateriais.» (cfr. Ac. da Relação do Porto de 04-10-2001, Proc. nº 0130793, em que foi Relator o Desembargador, Dr. Camilo Camilo, disponível em www.dgsi.pt ).