Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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9/26/2023

Impugnação para Julgado de Paz


4.1.3 Impugnação para Julgado de Paz
 
A Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31 de Julho, veio instituir os julgados de paz que, em termos gerais, e de acordo com o nº 1 do seu art. 2º existem para “permitir a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes”.
 
Com efeito,à semelhança dos tribunais arbitrais,os julgados de paz surgem como verdadeiros tribunais, sendo órgãos de soberania cujo exercício vem previsto no art. 209º, nº 2, CRP. (149)
 
Ora, as “acções resultantes de direitos e deveres dos condóminos” integram a competência material dos julgados de paz, tal como previsto nos arts. 9º, nº 1, c) e 2º da Lei nº 78/2001, pelo que os condóminos com legitimidade para tal poderão impugnar, junto daqueles órgãos, as deliberações que entendam padecer de algum vício.(150)
 
A alteração do valor limite para decisão de litígios emergentes das relações de condomínio, introduzida pela Lei nº 54/2013, permite agora litígios com valor até 15 000€ (art. 8º daquele diploma), o que compreende quase todos os litígios. 
 
De destacar ainda que está expressamente prevista, desde aquela alteração legislativa, a possibilidade de interposição de providências cautelares junto de Julgados de Paz (cfr. art. 41º-A).

Notas

149. A este propósito, França Mariana Gouveia, ibidem, p. 318.
150. Tratando-se de acção de anulação, aplicam-se aqui as regras previstas no nº 4 do art. 1433º, maxime as relativas aos prazos de que os demandantes dispõem. Vide, a este respeito, sentença de julgado de paz de Coimbra de 28/04/2006

9/25/2023

Recurso à arbitragem


4.1.2 Recurso à arbitragem
 
A arbitragem é um meio de resolução alternativa de litígios, sendo que a decisão, por força da vontade das partes, é confiada a terceiros e é vinculativa para as mesmas. 
 
Nos termos do n. 3 do art. 1433º, os condóminos presentes e os condóminos ausentes na assembleia da sua aprovação dispõem de um prazo de 30 dias, contados da data da deliberação ou da data da sua comunicação, respectivamente, para sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.(141)
 
Note-se que quando a lei concede esta faculdade aos condóminos, o recurso é feito para um centro de arbitragem, enquanto instituição com carácter de permanência, sujeita a um regulamento próprio, pelo que a deliberação será reapreciada por árbitros institucionais, “estabelecidos numa certa estrutura arbitral”, e não por árbitros “meramente organizados pontualmente” para o efeito como, de resto, acontece na arbitragem ad hoc (art. 62º, Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro [LAV], regulamentada pelo DL nº 425/86, de 27 de Dezembro). (142)(143)
 
Com efeito, os condóminos podem sujeitar qualquer litígio a arbitragem, institucional ou não, mas no que concerne a impugnação de deliberações, a sujeição a arbitragem tem de ser, necessariamente, perante um centro de arbitragem com competência nesta matéria.

Existindo um compromisso arbitral (art. 1434º) ou uma cláusula compromissória, os condóminos têm um direito potestativo de constituição do tribunal arbitral e, consequentemente, os tribunais judiciais têm incompetência absoluta para dirimirem tal conflito (art. 96º, b) do CPC).
 
A exceçpão da incompetência absoluta não é, porém, de conhecimento oficioso (cfr. art. 5º, LAV). “Assim, se não for invocadaa exceçpão de preterição do tribunal arbitral, o tribunal estadual nada pode fazer. Estamos no âmbito da autonomia privada das partes - a não invocação da excepção equivale à revogação da convenção.(144)
 
”Pode acontecer que o(s) condómino(s) legitimado(s) decida(m)recorrer tanto à convocação de uma assembleia extraordinária como a um tribunal arbitral. Deste modo, caso a deliberação seja revogada em assembleia extraordinária ao tempo em que corre o processo arbitral, esta instância extinguir-se-à por inexistência (superveniente) do objecto do processo.
 
Por outro lado, “se o condómino ausente optar pelo recurso ao centro de arbitragem, precludirá o seu direito à acção anulatória, pois que a decisão arbitral tem, nos termos do artigo 26º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, a mesma força e os mesmos efeitos jurídicos que uma sentença judicial”.(145)
 
Significa isto quea decisão arbitral constitui caso julgado e tema mesma força executiva que uma sentença de um tribunal estadual (art. 42º, nº 7, LAV). Para Rui Vieira Miller (146), porém, o recurso a esta via de resolução alternativa de litígios não impede que, concomitantemente, se desenrole uma acção de anulação da mesma deliberação, caso o interessado receie que numa das vias não seja dado provimento à sua pretensão.
 
Em sentido contrário, Mariana França Gouveia (147) defende que - entendimento que, a nós, nos parece o mais correcto e concordante com a realidade prática - caso, na pendência de uma acção arbitral seja proposta, em paralelo, uma acção de anulação num tribunal estadual  na qual o réu não invoque a excepção de incompetência absoluta, a convenção de arbitragem será, como já foi referido, revogada. 
 
Nesse sentido, qualquer decisão do tribunal arbitral será tida como inválida por ser proferida por tribunal incompetente. Contudo,também a excepção de incompetência do tribunal arbitral  terá de ser invocada junto deste, sendo que a sua não alegação resulta na existência de uma convenção tácita. Deste modo, e só deste modo, seria possível a concomitância das duas vias, defendida por Rui Vieira Miller.

Porém, deparando-nos com uma situação em que, aparentemente, os dois tribunais têm competência, a solução prática apontada por Mariana França Gouveia é a de se privilegiar a jurisdição onde a acção foi primeiramente proposta.
 
Consideramos que muito dificilmente este quadro ocorrerá–a referida autora entendo-o mesmo como uma “actuação esquizofrénica de ambas as partes” -, uma vez que mesmo que o demandante proponha acções nos dois tribunais, o demandado irá, em princípio, invocar a incompetência do tribunal estadual ou, como vimos supra, do tribunal arbitral, não nos parecendo provável que mantenha uma postura completamente passiva quando ambas as acções decorrem contra si.
 
Por fim, a decisão do tribunal arbitral apenas pode ser impugnada através de acção de anulação proposta nos tribunais estaduais competentes (art. 46º, nº 1 da LAV) e, em princípio, só haverá recurso de tal decisão se as partes, no início do processo, expressamente convencionarem essa possibilidade (art. 39º, nº 4, LAV).(148)

Notas

141. Novamente aqui, a expressão “qualquer condómino” não deve ser lida indiferenciadamente, já que perante uma deliberação anulável existe um outro requisito: que não tenha aprovado a deliberação (nº 1 do art 1433º).
142. João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 61.
143. A título exemplificativo, pense-se no Centro de Arbitragem de Litígios Civis, Comerciais e Administrativos, da Ordem dos Advogados, de âmbito nacional; o Centro de Arbitragem da Universidade Católica Portuguesa, de âmbito nacional e carácter geral; o Centro de Arbitragens Voluntárias da Propriedade e do Inquilinato, da Associação Lisbonense de Proprietários, restrita à área metropolitana de Lisboa; o CEMEAR ÓBIDOS — Centro de Mediação e Arbitragem,de âmbito nacional e carácter geral,

144. Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, reimpressão da 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 182.
145. Ac. STJ de 17/03/2005.
146. Op. cit., p. 280.
147. Op. cit., pp. 182 a 183.


148Neste sentidoGOUVEIA, Mariana França, op. cit., pp. 119 e ss. e VASCONCELOS, João Raposo, op. cit., p. 61

9/22/2023

Impugnação não judicial - Convocação AGE


4.1.1 Impugnação não judicial - Convocação AGE
 
As principais vantagens do recurso a esta via são evitar a litigiosidade entre os condóminos que, mais do que membros de um órgão da administração são vizinhos, partilhando o mesmo edifício (ou conjunto de edifícios) e, por outro lado, a possibilidade de obter uma regulamentação estável e num curto espaço de tempo sobre a questão que os levou a deliberar.
 
Para alguns autores, a redacção do nº 2 do art. 1433º não é clara.(133) Com efeito, é importante fazer uma leitura articulada com as restantes normas da Secção IV do Capítulo VI do Livro III do Código Civil, para entender o seu verdadeiro alcance.
 
Relativamente à legitimidade para convocar nova assembleia para revogação de deliberação inválida ou ineficaz, esta é indirecta,cabendo aos condóminos presentes que não aprovaram a deliberação e aos ausentes (134) exigir ao administrador tal convocação.(135) Caso os condóminos legitimados pretendam convocá-la directamente, estes terão de representar 25% do capital investido no prédio, nos termos gerais do art. 1431º.
 
Se o condómino legitimado optar por esta via, ele dispõe de 10 dias para a executar, sendo que o início da contagem deste prazo dependerá do facto de ele ter estado, ou não, presente na assembleia em que se aprovou a deliberação. Se esteve presente ou representado, o prazo conta-se desde a data da deliberação, independentemente da data em que a ata seja elaborada; se esteve ausente e não designou representante, o prazo conta-se da data em que tal deliberação lhe foi comunicada pelo administrador, por carta registada com aviso de recepção (nos termos do art. 1432.º, nº 6),(136) pelo que poderá beneficiar de um acréscimo de até 30 dias.(137)
 
Este prazo dever-se-à estender também às situações em que os condóminos convoquem directamente, de acordo com o supra exposto. A assembleia deverá ter lugar no prazo máximo de 20 dias, sendo que o início deste prazo será distinto consoante a situação em causa. 
 
Assim, quando seja exigida ao administradora convocação da assembleia, dever-se-ão contar os 20 dias a partir da data em que este receba o pedido.(138) ficando ao critério dos condóminos que a solicitem definir a data ou deixar tal tarefa a cargo do administrador. No caso de convocação directa pelos condóminos, dispõem estes de um prazo máximo  de 30 dias para executar a sua pretensão(10 dias para convocar e 20 para a sua efectiva realização). Também aqui se aplica a exigência prevista no nº 1 do art. 1432º, referente à convocação da assembleia com uma antecedência mínima de 10 dias. 
 
Caso o administrador, depois de receber o pedido, não convoque a assembleia extraordinária no prazo legalmente estabelecido, (139) pode o condómino legitimado, ao abrigo do disposto no art. 1438º, convocar, ele próprio, tal assembleia (140) – nesta situação, entendemos que deixam de ser aplicáveis as exigências do nº 2 do art. 1433º relativamente aos prazos, porquanto apesar de se visar discutir e votar novamente a deliberação considerada inválida ou ineficaz, tratar-se-à de uma assembleia convocada ao abrigo do art. 1438º e, portanto, para recorrer de um acto (no caso, omissão) do administrador. Parece-nos, contudo, imprescindível que o condómino que recorra do acto seja o mesmo (ou um dos) que requereu a convocação da assembleia.
 
Numa última nota, não podemos deixar de mencionar o ac. TRP de 09/05/2013, pela perplexidade que nos causou. Com efeito, vem o referido aresto defender que os condóminos “não se podem prevalecer da ausência de convocação válida para a assembleia (...) num contexto em que não quiseram convocar nova assembleia extraordinária em que iriam ter, pessoalmente, oportunidade de reeditarem a deliberação e votação no sentido que entendiam correto, particularmente para revogação da deliberação que entendiam inválida ou ineficaz”.
 
Prossegue o referido aresto no sentido de a preterição dos requisitos de convocação previstos no nº 1 do art. 1432º ser“vulgaríssima” e que “desde a alteração introduzida no subsequente art. 1433º pelo art. 1º do Decreto-Lei 267/94, de 25/10 ”que“o único direito – para o condómino que efectivamente faltou e que pode invocar aquela preterição na sua convocação – é o de requerer nova assembleia, conforme nº 2 do dito art. 1433º”.
 
Dado oexposto,não nos parece demais reiterar que as vias de impugnação das deliberações das assembleias de condóminos são, todas elas, alternativas umas às outras (sem prejuízo de se poderem cumular, como iremos ver). Como tão bem se retira da leitura do art. 1433º, a repetição do vocábulo “pode” demonstra, desde logo, que inexiste qualquer obrigação (ou ónus, como aquele acórdão refere) de os condóminos legitimados recorrerem a uma via como condição de recurso a outra(s). 
 
Com efeito, o condómino discordante tem ao seu dispor diversos procedimentos, pelo que não se pode fazer depender o recurso a um tribunal judicial da prévia convocação de uma assembleia extraordinária.

Notas

133. Neste sentido, João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 59.
134. A leitura do nº 2 não pode ser feita indiferenciadamente: tratando-se de deliberação anulável, só terá legitimidade para requerer a assembleia extraordinária o condómino que a não tenha aprovado. Tratando-se de deliberação nula/ineficaz/inexistente, a legitimidade para exercer tal faculdade é concedida a qualquer condómino, bastando que ele invoque tal qualidade (vide, neste sentido, ac. TRP de 16/11/2010).
135. Note-se que não é exigível, aqui, qualquer mínimo de representatividade do capital investido.
136. Vide ac. TRC de 06/12/2016.
137. Neste último caso, a data a tomar em linha de conta é a “da entrega e recebimento da carta, exarada naquele «aviso»(de recepção)”, Rui Vieira Miller, op. cit., p. 279.

138. Neste sentido, Rui Vieira Miller, op. cit., p. 279, João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 60, Abílio Neto, op. cit., p. 723 e Menezes, Leitão op. cit., p. 302.
139. “A lei não refere qualquer penalidade para o administrador que não cumpre os seus deveres (...). Tal falta tem de ser apreciada pela assembleia, bastando o requerimento de qualquer condómino (art. 1438º), uma vez que está em causa acção ou omissão do administrador”: Francisco Rodrigues Pardal / Manuel Baptista Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal: no Código Civil e Legislação Complementar, 6.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 277.
140. Abílio neto, ibidem, p. 724

9/21/2023

Impugnação das deliberações


4. Impugnação das deliberações
 
“Interessa ao condomínio a obtenção de segurança quanto à produção dos efeitos das deliberações da assembleia e à estabilidade de tais efeitos."(127)
 
Dada a primazia destes interesses, o legislador teve a preocupação de garantir que os interessados ficassem, num curto espaço de tempo, seguros da eficácia da deliberação ou, pelo menos, da possibilidade de a mesma ser suprimida.(128)
 
Todavia, tal como teremos oportunidade de ver, as disposições legais que regulam o regime das impugnações das deliberações condominiais “estão longe da clareza exigível em qualquer texto legal e não valoram adequadamente a realidade subjacente a tal regulação, o que as torna não raro profundamente iníquas”.(129)
 
Numa breve nota sobre a evolução do regime, refira-se que o DL nº 267/94, de 25 de Outubro, veio alterar a redacção dada pelo DL nº 40333, de 14 de Outubro, ao art. 1433º, referente à impugnação de deliberações da assembleia.(130)
 
Assim, foram introduzidos o atual nº 2, em substituição do anterior §1º, bem como os nºs 3 e 4. Por seu turno, mantiveram-se, em traços gerais, os antigos §2º e §3º, tendo passado a nºs 5 e 6, respectivamente.O s nºs 2 e 3, abriram portas a uma maior celeridade do que aquela que caracteriza a tramitação de uma acção judicial de anulação de deliberações, admitindo a convocação de uma reunião extraordinária, com o objectivo de revogar as deliberações  inquinadas, e o recurso a um centro de arbitragem.(131)
 
É do nosso entendimento que tão importante quanto a celeridade na satisfação dos interesses dos condóminos é a libertação judiciária de questões, não raras as vezes, de reduzida complexidade, que acabam por “entupir” os tribunais portugueses, contribuindo para a tão afamada morosidade da justiça. Deste modo, a consagração destes meios alternativos permite fazer face a duas realidades distintas, mas que se influenciam reciprocamente. Não obstante, o legislador não deixou de conceder aos condóminos vias judiciais, designadamente a faculdade de propositura de uma acção de anulação, e ainda a possibilidade de requerer a suspensão das deliberações,nos termos gerais. 
 
Qualquer destas vias está sujeita a prazos, cujo desrespeito implica a caducidade do respectivo direito.(132)
 
Notas

127. Lobo Xavier, Anulação..., p. 301.
128. Neste sentido, ac. TRE de 28/06/2018.
129. Abílio Neto, op. cit., pp. 725 e 726.
130. Art. 32º, DL 40333, de 14 de Outubro: “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou ao regulamento aprovado pelos interessados poderão ser anuladas a requerimento de qualquer dos condóminos. §1.º A acção será proposta dentro do prazo de vinte dias, a contar da deliberação, quanto aos que a não aprovaram, ou da comunicação da deliberação, quanto aos condóminos ausentes à sessão. §2.º Pode ser requerida a suspensão das deliberações da assembleia, nos termos dos artigos 403.º e 404.º do Código de Processo Civil. §3.º A representação judiciária dos outros condóminos competirá ao administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito.”

131. “A actual redacção do art. 1433º, nº 4 do CC inscreve-se no escopo de obstar ao recurso a tribunal, evitando o inconveniente de gerar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão, e privilegia o recurso aos meios extrajudiciais ou para-judiciais de resolução de litígios (respectivamente, a assembleia extraordinária de condóminos e o centro de arbitragem) (...).” - ac. TRL de 22/11/2012.
132. “O artigo 1433º do CC não contém quaisquer normas específicas (...) fixando, tão somente, prazos limites para o exercício do direito de acção e as vias, prévias e extrajudiciais, de reacção a deliberações inválidas.” - ac. TRL de 27/11/2008 e Aragão Seia, op. cit., pp. 185 e 186.

9/20/2023

Deliberações inexistentes


3.4 Deliberações inexistentes
 
Há quem admita, além da invalidade (nulidade e anulabilidade)e da ineficácia em sentido estrito, a figurada inexistência do negócio ou do negócio inexistente (que, de acordo com a doutrina maioritária–que a aceita (118) -, se integra no quadro da ineficácia lato sensu, juntamente com os outros vícios.(119)) 
 
Quanto a nós, o seu reconhecimento parece-nos imprescindível, porquanto nenhuma invalidade (120) dará devida resposta às situações em que não se verifica sequer a aparência da materialidade ou do corpus correspondentes à noção de um determinado acto ou em que, verificando-se tal aparência, ela não corresponde a tal noção.(121)(122)
 
Feito este enquadramento, facilmente se depreende que a inexistência corresponde à falta mais grave e radical no âmbito dos vícios do negócio jurídico e que, por isso, não pode produzir quaisquer efeitos.(123)

Dado o exposto, estaremos perante uma deliberação inexistente quando os condóminos, em assembleia, não tenham tomado expressa posição sobre um qualquer assunto, apesar de, aparentemente, resultar da assembleia uma deliberação sobre a questão.(124)
 
A inexistência está excluída do âmbito de previsão do art. 1433º, pelo que pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer condómino, podendo ser declarada por uma mera acção de simples apreciação, produzindo efeitos idênticos à acção de declaração de nulidade. Como exemplos de deliberações inexistentes, imagine-se a aprovação de uma “pseudo deliberação”, constante de acta, que na realidade não foi submetida à apreciação, discussão e votação dos condóminos na assembleia.(125)
 
Abílio Neto e Sandra Passinhas (126)  apontam ainda como exemplo uma deliberação em que se constata que nela teria participado alguém que se disse representante de um ou mais condóminos, não tendo, para isso, quaisquer poderes (falsus procutaror). 
 
Diferentemente, é do nosso entendimento que a aprovação de uma deliberação perante a referida situação fáctica não pode ser inexistente, mas meramente anulável. Com efeito, entendemos que o voto de um não-condómino ou de alguém não mandatado por nenhum condómino deve ser considerado irrelevante, tanto quanto a contagem dos votos o permita. Assim, se uma determinada deliberação exige uma maioria (seja ela simples ou qualificada) e, mesmo retirando os “votos” da referida pessoa, a deliberação reúne votos suficientes para ser aprovada, não nos parece que se possa falar em inexistência da deliberação. Mesmo quanto às deliberações que carecem de unanimidade é possível que os pseudo votos não interfiram com a validade da deliberação – pense-se na diminuição de quórum exigido em segunda  convocatória.
 
Deste modo, a única consequência que pode resultar da participação de um estranho na votação é a ausência do necessário quórum deliberativo, pelo que estará em causa apenas um vício respeitante à formação do processo deliberativo – o que, como vimos supra, se comina, em princípio, com a anulabilidade.

Notas

118. Apesar de a inexistência jurídica estar legalmente prevista no art. 1628º, relativo a casamentos inexistentes, ela é negada enquanto categoria jurídica autónoma por alguns autores, que a incluem na modalidade de rigorosa nulidade (vide Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Código Civil Português: Teoria Geral do Direito Civil, reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2017, p. 518 e Menezes Cordeiro, op. cit., p. 90), sendo, todavia, reconhecida por outros autores que a admitem para actos afectados com um vício mais grave do que a nulidade (Mota Pinto, op. cit.,pp. 617 a 619 e Pais Vasconcelosde, op. cit., pp. 642 e 643). Para estes últimos, a inexistência pode ser invocada por qualquer pessoa e a todo o tempo, uma vez que não se trata de um negócio jurídico viciado, mas antes de um “não negócio”. Nesse sentido, o negócio não chega sequer a existir no mundo jurídico, representando um nada, em consequência dos vícios de que enferma.
119. Contra: Rui Nogueira Lobo de Alarcão e
Silva, “Sobre a Invalidade do Negócio Jurídico”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro,in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,III, Iuridica,1983 (impr. 1984), p. 610, para o qual se trata de categoria autónoma.
120. Note-se que mesmo nos casos de nulidade, embora excepcionalmente, não se pode excluir a possibilidade de esta ser sanada (cfr. Pinto Furtado, op. cit., pp. 548 e ss.) ou de, não o sendo, produzir efeitos indirectos ou laterais (como, p. ex., o negócio nulo valer como justo título para efeito de usucapião).
121. Mota Pinto, op. cit., p.617e ac. TRP de 07/03/2016.
122. A inexistência “não é a problemática do nada, mas de um certo quid de facto que, tendo a aparência de uma deliberação, não preenche todavia a facti specieslegal do conceito” – Pinto Furtado, op. cit., p. 503.
123. Note-se que, naturalmente, “mesmo que um acto seja juridicamente inexistente o seu agente pode, em termos práticos, executá-lo e dele retirar efeitos materiais enquanto tal inexistência não for jurisdicionalmente verificada e declarada”. Vide ac. TRC de 21/06/2011.

124. Ac.TRP de 07/03/2016.
125. Abílio Neto, op. cit., p. 721 e Sandra Passinhas, op. cit., p. 250 e ac. TRP de 16/11/2010.
126. Idem, ibidem.

9/19/2023

Deliberações ineficazes

 
3.3 Deliberações ineficazes
 
A ineficácia em sentido estrito é uma das consequências jurídicas aplicáveis às deliberações das assembleias de condóminos, ainda que em todo o regime jurídico da propriedade horizontal só encontremos uma única referência a este vício, designadamente no nº 2 do art. 1433º do CC, reconhecendo-se assim a sua dignidade jurídica no âmbito desta matéria. 
 
A deliberação ineficaz é, então, uma deliberação válida à qual, “todavia, faltará um elemento especificamente indispensável para que realize a sua função – o seu requisito de eficácia”, carecendo, portanto, de “idoneidade funcional”.(110)
 
O conceito de ineficácia diz respeito a “alguma circunstância extrínseca”, sendo que em matéria de deliberações estaremos perante uma ineficácia relativa, e não absoluta, na medida em que se verificará em relação a certos condóminos, só por eles podendo ser invocada (a deliberação, “embora ineficaz noutras direcções, é inoponível a certas pessoas”).(111)
 
Em suma, a ineficácia impede que os efeitos de uma deliberação afectem determinados condóminos.(112)
 
Dentro das deliberações ineficazes encontramos aquelas que se reconduzem a matérias que não competem à assembleia de condóminos, i.e., que não dizem respeito à administração das partes comuns (art. 1430º) como, por exemplo, a afectação de uma fracção autónoma ao regime das partes comuns, sem consentimento do condómino proprietário, podendo este optar entre a ratificação da deliberação e a arguição, a todo o tempo,do vício de que a mesma enferma, seja por via de excepção, seja através de açcão meramente declarativa de ineficácia da deliberação.(113)
 
Não podemos deixar de concordar com Pires de Lima e Antunes Varela quando afirmam que é este o regime mais aconselhável, porquanto “seria violento (...) obrigar o condómino afcetado a propor em curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia”.(114)
 
Além disso, os mesmos autores (115) chamam à atenção para as semelhanças existentes entre esta situação e aquela que vem prevista no art. 268º, nº 1, em que um representante sem poderes exerce um comportamento negocial que interfere com a esfera jurídica de outrem, sem que para isso tenha os poderes necessários. Estamos, pois, perante situações análogas que a lei comina, como não poderia deixar de ser, com a ineficácia, não havendo vinculação ao negócio ou deliberação por parte da pessoa afectada, salvo se esta aceitar expressamente o sacrifício que (indevidamente) lhe é imposto.(116)
 
Em síntese, qualquer deliberação da assembleia (ou decisão do administrador) que recaia sobre os direitos individuais dos condóminos ou represente uma ingerência no domínio e/ou administração exclusiva que qualquer proprietário tem sobre a sua fracção deve ser considerada ineficaz.(117).
 
Caso constem da ordem de trabalhos estabelecida no aviso convocatório matérias que extravasem a esfera de competência da assembleia, elas não podem ser discutidas por esse órgão deliberativo, pelo que qualquer condómino tem o poder-dever de suscitar tal questão, de preferência antes do início da assembleia ou da discussão sobre as mesmas. 
 
Em jeito de nota prática, importa referir que há partes do prédio imperativamente comuns, previstas no nº 1 do art. 1421º e há outras que apenas são comuns quando os condóminos nada declarem em contrário (nº 2 do mesmo preceito legal). Assim, perante deliberações atinentes às partes previstas no nº 1, não há qualquer hipótese de se cominarem com ineficácia. Por outro lado, quanto às partes que constam do nº 2, os condóminos deverão ter a diligência de saber, em concreto, quais se referem a partes comuns e quais, eventualmente, passaram a fracções autónomas, de modo a poderem suscitar a referida questão com conhecimento de causa.

Notas

110. Pinto Furtado, op.cit., p. 508.
111. Vide Mota Pinto, op. cit., p. 616.
112. A ineficácia a que aqui nos referimos, enquanto vício da deliberação propriamente dia, não se confunde com a ineficácia decorrente da não comunicação aos condóminos ausentes da deliberação validamente aprovada, referida supra. Neste sentido, vide «Aprovação pelos Condóminos Ausentes».
113. Neste sentido, Abílio Neto, op. cit., p. 721, Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit., p. 448 e Aragão Seia, op. cit., pp. 176 e 177. Na jurisprudência, vide Ac. TRE de 03/11/2016.
114. Pires de Lima / Antunes Varela, ibidem.
115. Idem, ibidem.

116. Abílio Neto, op. cit., p. 642.
117. Vide, ainda neste sentido, Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit., p. 442, Menezes Leitão, op. cit., p. 300 e Abílio Neto, ibidem. Na jurisprudência, ac. TRP de 07/03/2016 e ac. TRL de 01/03/201: “Compreende-se que assim tenha de ser; para lá das restrições gerais impostas ao direito do condómino (art. 1422º/1 do CC), apenas aquelas que a lei expressamente estabeleça devem ser permitidas;não sendo facultado à autonomia da vontade privada, mesmo que formada em maioria, condicionar o alcance do exercício das faculdades jurídicas de índole real".

Deliberações anuláveis - casos especiais


3.2.1 Deliberações anuláveis - casos especiais
 
A assembleia pode, por mera deliberação tomada por maioria simples, modificar ou revogar o regulamento vigente no condomínio,(101) mesmo que tal regulamento tenha sido aprovado por unanimidade. Estas deliberações não se confundem com as deliberações que violem, directa e concretamente, normas gerais e abstractas contidas no regulamento, cuja cominação é algo controversa na doutrina. 
 
Com efeito, para João Vasconcelos Raposo,(102) se o regulamento do condomínio integrar o título constitutivo, a sua modificação exige unanimidade (art. 1419º, nº 1).(103) pelo que serão “inválidas”as deliberações que desrespeitem as suas cláusulas,mesmo que aprovadas por todos os condóminos – salvo, claro, se antes da tomada de tal deliberação se modificar o regulamento de modo concordante com a deliberação que se pretende aprovar. Não obstante, o autor chama a atenção para o facto de, naquele caso, tal invalidade ser insindicável, pois se todos os condóminos a aprovaram, não existirá ninguém com legitimidade para a impugnar.
 
Por outro lado, entende que perante o desrespeito pelo regulamento do condomínio que não integre o título constitutivo, e uma vez que a lei não exige qualquer maioria especial para o modificar, não parece justificável considerar a existência de qualquer invalidade na deliberação tomada com respeito por todas as formalidades. “Nesse caso, a deliberação traduzirá ou uma alteração do regulamento de condomínio ou uma derrogação pontual do mesmo, o que, em qualquer dos casos, nada terá, a (seu) ver, de ilícito. ”Em sentido diferente, Pires de Lima e Antunes Varela (104) defendem que o legislador visa, aqui, impedir a tomada de deliberações concretas contrárias à regulamentação geral contida no regulamento, pelo que é necessário que assembleia proceda, em primeiro lugar, à devida modificação do regulamento e, só depois, à aprovação da solução pretendida.
 
Para Lobo Xavier e Sandra Passinhas,(105) independentemente de o regulamento estar ou não inserido no título constitutivo,as deliberações que o contrariem (desde que estas não consistam na mera reprodução daquilo que vem na lei) nunca serão nulas, mas tão-só anuláveis (em certos casos meramente ineficazes até ao assentimento de determinado condómino). Entendem estes autores que se os condóminos acordam livremente na elaboração de um regulamento do condomínio, então devem também poder suprimir ou alteraras suas cláusulas, bem como, por maioria de razão, decidir pela sua não observância num caso concreto. Estão aqui em jogo, apenas e só os interesses dos condóminos, pelo que a deliberação que ameace tais interesses não deve ser considerada imediatamente excluída, devendo antes deixar-se nas mãos daqueles a decisão quanto aos efeitos do acto. 
 
No nosso entendimento, parece-nos que a ideia da inexistência de qualquer invalidade perante a violação do regulamento do condomínio não pode ser aceite, porquanto o “regulamento do condomínio é um conjunto de regras gerais e abstractas, destinado a disciplinar a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício e, tal como o título constitutivo, vincula quer os condóminos, quer todos aqueles que exerçam ou venham a exercer poderes de facto sobre uma fracção autónoma, v.g., arrendatários, promitentes-compradores, comodatários”.(106)
 
Assim, a possibilidade de derrogação, a todo o tempo, do regulamento geraria insegurança e incerteza e desprovê-lo-ia de qualquer força vinculativa quando este não integrasse o título constitutivo. Posto isto, consideramos que qualquer deliberação que viole cláusulas do regulamento do condomínio, seja ele parte ou não do título constitutivo, deve ser anulável, existindo, por isso, a possibilidade de se vir a tornar definitiva, cabendo aos titulares do direito de voto a última palavra.(107)
 
Para não incorrer no risco de ver a deliberação anulada, a assembleia deverá alterar previamente o regulamento, em concordância com a deliberação que se pretende aprovar posteriormente. Imaginemos, agora por hipótese,(108) que a aprovação de uma deliberação tem por base uma outra que anteriormente se aprovou e que vem mais tarde a ser anulada. Por exemplo, um regulamento que disciplina o modo de convocação da assembleia, dispondo de uma cláusula que exige o envio aos condóminos de documentação detalhada sobre todos os assuntos a discutir na ordem do dia. Entretanto, tal cláusula é suprimida em assembleia geral. Posteriormente, é realizada uma nova reunião, não se verificando o envio da documentação na convocação dos condóminos. 
 
Ora, vindo a deliberação que suprimiu aquela exigência a ser anulada, o que acontece às deliberações resultantes da última assembleia? Por outras palavras, “qual a influência sobre a validade do último acto, da sentença que vem depois anular a deliberação de alteração do regulamento? ”Pergunta-se, assim, se fará sentido anular tudo o que venha a ser deliberado numa assembleia na qual não se cumpriu o envio da documentação. 
 
O caminho apontado pelos autores – e que entendemos ser o mais equilibrado – é o seguinte: o condómino que requeira a impugnação da deliberação que revogou a cláusula regulamentar que exigia o envio da documentação deve ter o cuidado de impugnar também, “à medida que forem tendo lugar e dentro do prazo legalmente previsto”, todas as deliberações que venham a ser tomadas de acordo com a primeira.(109)
 
Não existe, portanto, uma eliminação automática e indiscriminada de todas as deliberações, pelo que impenderá sobre o autor da acção de anulação o ónus de escolher quais os actos que devem ser, de facto, anulados. Note-se que, diferentemente, na hipótese de ser tomada uma deliberação que se conclua que seria nulas e uma anterior deliberação não tivesse sido tomada ou se já tivesse sido anulada, todos os efeitos produzidos pela deliberação posterior em análise, por ser nula, deverão ser excluídos – eficácia ex tunc-, caindo ipso iure, porquanto não se trata de um vício superveniente, mas de uma verdadeira nulidade. 
 
Concretizando, pense-se na hipótese de a primeira deliberação exonerar o administrador do condomínio e a segunda nomear um outro administrador, sendo a primeira, posteriormente, anulada. Caso a validade da segunda deliberação (da nomeação do novo administrador) ficasse ao critério dos condóminos, permitindo-lhes impugná-la ou não, num determinado prazo, poder-nos-íamos deparar com uma situação que a lei não permite: a existência de duas administrações para o mesmo condomínio (cfr. nº 5 do art. 1435º).

Notas

101. Vide, a este propósito, «Vício nas deliberações», referente às nossas considerações sobre a natureza do regulamento do condomínio inserido no título constitutivo. Contra: Aragão Seia, op. cit., p. 49.
102. Op. cit., pp. 58 e 59.
103. No mesmo sentido, ac. TRL de 21/10/2008.
104. Op. cit., p. 448.
105. Lobo Xavier, Anulação..., p. 148 e Sandra Pass,op. inhascit., pp. 257 e ss. (esta última, novamente, estribada na doutrina daquele autor, adaptando-a à problemática do condomínio)

106. Ac. TRL de 25/06/2013.
107. Em consonância com o que foi dito supra, ressalvam-se as deliberações que ofendam cláusulas regulamentares que concedam direitos especiais aos condóminos ou que restrinjam alguns dos seus direitos.
108. Os exemplos avançados constam de Sandra Passinhas, op. cit., pp. 253 e ss. e de Lobo Xavier, Anulação..., pp. 268 e ss

109. Tomadas duas deliberações relativas à mesma matéria, quando a segunda deliberação possa surgir como inválida por força da superveniente sentença anulatória da primeira, pode-se afirmar que aquela se encontra num estado de (in)validade pendente ou suspensa. Significa isto que a eventual sentença anulatória da primeira deliberação resulta, não numa causa de invalidade da segunda, mas num evento resolutivo do estado de pendência em que se encontra a última, que – havendo impugnação – será também anulada

9/18/2023

Deliberações anuláveis


3.2 Deliberações anuláveis
 
A anulabilidade está relacionada com interesses de índole particular, o que justifica que os negócios anuláveis possam consolidar-se com o decorrer do tempo. Um negócio anulável nasce, portanto, válido, ainda que precário, produzindo efeitos desde a sua celebração e só se tornando inválido se for posteriormente anulado,(89) sendo que a arguição da anulabilidade (90) terá de ser feita tempestivamente e por quem tenha legitimidade para tal, não sendo, portanto, de conhecimento oficioso.(91). 
 
A sentença de anulação tem efeitos retroactivos (art. 289º, nº 1), pelo que se “considera que os efeitos visados não se produziram desde o início, como nunca tendo tido lugar”.(92). Enquanto não existir sentença de anulação, os condóminos e o administrador estão, deste modo, vinculados às deliberações que hajam sido tomadas pela assembleia. 
 
As deliberações anuláveis distinguem-se das restantes em aspectos relevantes: podem estas ser sujeitas a renovação, i.e., ser substituídas por outras que tenham o mesmo conteúdo, masque estejam já em conformidade com a lei, o título constitutivo ou o regulamento, deixando a deliberação anterior de ser anulável,(93) e podem ainda ser alvo de confirmação desde que o vício já tenha cessado e o interessado tenha conhecimento do vício e do direito de anulação (art. 288º)(94)
 
Diferentemente, as deliberações nulas e inexistentes não podem ser confirmadas, mas apenas “repetidas ex novo”.(95) Deliberações tomadas com vícios formais são anuláveis quando violem prescrições legais ou regulamentares relativas à convocação da assembleia: “quando se verificou a falta de convocação de algum dos condóminos, ou de terceiros com direito a participarem na assembleia (usufrutuário, usuário, locatário, nos contratos de leasing para habitação, depositário judicial e fiduciário), ou quando a convocação foi efetcuada com prazo inferior a dez dias”.(96)
 
Também a convocação realizada por pessoa diferente do administrador ou por condóminos que representem menos de 25% do capital investido no prédio se traduz em falta de convocação (excetpo, como já foi referido, quando se trate de convocação de assembleia para recorrer de acto do administrador), o que implica que as deliberações que resultem de tal reunião sejam anuláveis. O mesmo se verifica quando do aviso convocatório não conste o dia, a hora e/ou o local da reunião e, ainda, quando a assembleia reúna em local distinto do indicado ou antes da hora prevista na convocação. São ainda anuláveis as deliberações tomadas sobre matérias que não constem da ordem do dia (97) ou quando estejam presentes terceiros não autorizados na reunião. 
 
O regime da anulabilidade assume, porém, uma função residual ou mesmo de regra geral da invalidade, porquanto todas as deliberações contrárias à lei, estatuto e regulamentos que não sejam nulas, ineficazes ou – se assim se aceitar – inexistentes, serão anuláveis, aplicando-se-lhes o disposto no art. 1433º, nºs 2 a 4. 
 
Não obstante, a inexistência de uma base legislativa que dê segurança e certeza à delimitação entre aquelas que são deliberações anuláveis e aquelas que são nulas torna a tarefa do intérprete, maxime, condómino, difícil, “porquanto um eventual erro na qualificação pode levar à perda do direito de impugnação, pelo decurso dos prazos fixados nos nºs 2 a 4 do art. 1433º”(98)
 
Assim, embora a doutrina e a jurisprudência venham tomando entendimentos uniformes quanto ao regime a aplicar, afigura-se insuficiente o seu contributo, verificando-se, uma vez mais, falhas no regime legislativo da PH. Com efeito, melhor seria que o legislador tivesse seguido aquela que foi a opção tomada no CSC, designadamente no seu art. 58º, pois que mesmo não fazendo uma enumeração taxativa das situações cominadas com anulabilidade (nem tal se pediria), este preceito estabelece um “quadro objectivo e circunstanciado das hipóteses gerais de anulabilidade, ajudando assim o intérprete a caracterizar a figura com mais nitidez e precisão”.(99)
 
Posto isto, Aníbal Neto (100) entendeque, por uma razão de cautela, o disposto no art. 1433º, nomeadamente no que concerne aos prazos, deve ser aplicável a todos os casos de invalidade das deliberações, já que só assim se garante uma “arguição tempestiva, sem incorrer no risco da respectiva consolidação, por efeito da inobservância dos prazos ali estabelecidos”. Porém, esta solução gera um problema maioritariamente teórico: ao ser dado o mesmo tratamento às invalidades, a distinção existente entre ambos os vícios deixa de fazer sentido, tratando-se uma deliberação anulável como nula e vice-versa. 
 
Apesar de ser neste sentido que a própria lei parece ir, quando se refere, indiferenciadamente, a “deliberações inválidas ou ineficazes”, mandando aplicar a todas elas o mesmo regime impugnatório (art. 1433º, nº 2), entendemos que aquele raciocínio só poderá ser tomado em consideração como “nota meramente prática” para as partes (e seus mandatários), não podendo nunca – como, de resto, é evidente - uma decisão judicial indeferir uma determinada petição que alegue a nulidade de uma deliberação com base na intempestividade da sua propositura.

Numa última nota, importa destacar que a legitimidade para impugnar as deliberações compete a “qualquer condómino que as não tenha aprovado” (art. 1433º, nº 1, in fine). Abílio Neto entende que apenas o condómino que já o seja no momento em que a deliberação é tomada é que tem legitimidade para a impugnar. Tal interpretação significa, no nosso entendimento, que quem venha a tornar-se condómino depois da aprovação da deliberação anulável, não obstante saber que aquela deliberação está inquinada com determinado vício – e não obstante a deliberação o vincular tal como vincula todos os condóminos que já o eram no momento da sua aprovação -, tem de se conformar com a mesma, mesmo que ainda esteja dentro do prazo para a impugnar. Ainda que se trate de uma conjectura pouco provável, não é isto que, a nosso ver, resulta da lei, podendo tal entendimento dar cobertura a situaçõesde incumprimento da mesma.

Notas

89. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, reimpressão da 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, pp. 648 e ss.
90. Apesar da existência de uma acção especialmente destinada a esse efeito, a anulabilidade pode ser arguida por via de excepção (cfr. art. 287º, n. 2, in fine).
91. Pinto Furtado, op. cit., p. 706.
92. Mota Pinto, op. cit., p. 621.

93. Acs. TRL de 06/11/2008 e de 03/11/2011 e Sandra Passinhas, op. cit., p. 251.
94. “A razão de ser da consagração da possibilidade de confirmação também está relacionada com o eventual interesse daquele que tem legitimidade para arguir o vício em colocar um ponto final na situação de indefinição da sorte do negócio jurídico” – António Menezes Cordeiro, Da Confirmação no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2008, p. 13.
95. Neste sentido, Abílio neto, op. cit., p. 721.
96. Sandra Passinhas, op. cit., p. 258.

97. Tem vindo a tornar-se costume a inclusão de um ponto tão genérico quanto abrangente, prevendo a possibilidade de se “tratar de quaisquer outros assuntos com interesse para o condomínio”. Deste modo – defende João Vasconcelos Raposo (op. cit., p. 25) -, permite-se que “numa assembleia reunida para a discussão de certo ou certos assuntos seja dada a oportunidade aos condóminos de se expressarem sobre outras matérias, aproveitando o facto de já estarem cumpridas as formalidades necessárias a tal reunião. Não o permitir levaria a uma diminuição da possibilidade de discussão e participação dos condóminos ou à necessidade de convocação de múltiplas assembleias sempre que alguém visse necessidade de discutir algum assunto”. Abílio Neto (op. cit., pp. 686 e 687), por seu turno,entende que estão vedadas, por lei, deliberações sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos, expressas de forma clara e inequívoca na convocatória, “salvo se estiverem presentes todos os condóminos e concordarem que se delibere sobre o assunto”. Veja-se, também neste sentido o ac. TRP de 04/05/2010 e o ac. STJ de 04/10/2011. Entendem aquele autor e a citada jurisprudência que o art. 1432º/2, ao exigir a indicação da ordem de trabalhos visa evitar deliberações-surpresa, principalmente quando estas impliquem encargos patrimoniais para os condóminos ausentes ou alterações do estatuto. “Assim, se um ou vários condóminos, no decurso da assembleia, tomarem a iniciativa de requerer a inclusão na ordem de trabalhos de novos assuntos, esse requerimento deve ser recusado desde que haja condóminos ausentes; se for admitido e houver votação sobre a matéria, as deliberações tomadas incorrem no vício da anulabilidade.”
98. Abílio Neto, ibidem, p. 722.

99. Pinto Furtado, op. cit., p. 633.
100. Op. cit., p. 721.

Deliberações nulas III

 

3.1.2 Alguns exemplos

Nos termos do nº 1 do art. 1432º, uma assembleia não pode deliberar sem que estejam presentes condóminos que representem, pelo menos, 51% dos votos representativos do capital investido. Este preceito legal é imperativo, visando proteger os interesses dos condóminos e regula elementos exteriores da deliberação (a forma como pode ser obtida), pelo que a deliberação tomada com desrespeito pelo mesmo cabe no âmbito do art. 294º.
 
Contudo, esta deliberação não deverá ser cominada com nulidade, mas com mera anulação, porquanto não se trata de irregularidade permanente que afecte interesses de condóminos futuros.(84) Os nºs 3 e 4 do art. 1424º são disposições especiais que afastam a regra geral da proporcionalidade prevista no nº 1 (que se apresenta como supletiva), não podendo ser derrogadas. Com efeito, estas regras acautelam “interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito”. São, pois, normas imperativas, não estando na disponibilidade das partes.(85)
 
Assim, deliberações aprovadas em sentido contrário àquelas são deliberações cujo conteúdo negocial é contrário à lei e, por isso, são abrangidas pelo nº 1 do art. 280º. Não existindo outra solução legal, e tendo em conta que a aprovação de tais deliberações é suscetível de afectar pessoas que só em momento futuro farão parte do condomínio, estas deliberações deverão ser cominadas com anulidade, por força do disposto no art. 280º. O mesmo raciocínio se aplica para deliberações que regulem os encargos com inovações de forma diferente da consignada no art. 1426º. 
 
O art. 1419º/1 surge, igualmente, como norma imperativa, visando, novamente, a protecção dos interesses dos condóminos e, bem assim, o interesse geral, na medida em que “o título constitutivo é um acto modelador do estatuto da PH e as suas determinações têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes,”(86) oponíveis a terceiros. Assim, “a liberdade de modelação do regime da PH está fortemente condicionada não apenas pelo facto de se tratar de um direito real, subordinado ao princípio da tipicidade, mas também por razões de interesse público, designadamente decorrentes dos direitos de edificação e do ambiente, sem esquecer a necessária salvaguarda da solidariedade exigida a todos os que integram a micro comunidade interdependente”.(87)
 
Posto isto,qualquer alteração ao título constitutivo exige o acordo de todos os condóminos e a sua consignação em escritura pública. Não se abdicando do acordo de todos os condóminos, a deliberação aprovada sem o mesmo é nula, recaindo novamente no âmbito do art. 294º (forma de obtenção da deliberação)(88). As deliberações que autorizem a divisão entre condóminos das partes do edifício consideradas imperativamente comuns pelo nº 1 do art. 1421º são deliberações cujo conteúdo negocial contende com a lei e, nesse sentido, subsumem-se ao art. 280º/1. 
 
Também aqui estão em causa interesses dos condóminos cujo único desvio já vem previsto na própria lei (admitindo-se, apenas, a afectação das partes comuns ao uso exclusivo de um dos condóminos [nº 3] e nunca a sua divisão entre eles). Por isso, e por estarem em causa também interesses de condóminos futuros, estas deliberações deverão ser consideradas nulas.
 
Também as deliberações que suprimam a faculdade de qualquer condómino proceder a reparações necessárias e urgentes nas partes comuns do edifício (art. 1427º) são nulas por força do art. 280º/1, por contrariedade à lei, pondo em causa o interesse geral, na medida em que a omissão de determinadas reparações pode por em causa bens jurídicos como a integridade física de qualquer transeunte ou visitante do condomínio. 
 
As deliberações que retirem aos condóminos, no caso de destruição do edifício ou de uma parte que represente pelo menos 3/4 do seu valor,o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais (nº 1 do art. 1428.º) ou que suprimam a possibilidade de recorrer dos actos do administrador (faculdade permitida pelo art. 1438º) são nulas por força do art. 280º/1, por afcetarem interesses dos condóminos actuais e futuros.
 
Por fim, o nº 1 do art. 1429. constitui também uma norma imperativa, ao determinar que é “obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do edifício (...)”. Assim, deliberações que dispensem o seguro do edifício contra risco de incêndio são nulas (art. 280º/1) por porem em causa interesses gerais.

Notas:

84. Situação semelhante se verifica a propósito das assembleias das associações, verificando-se uma solução expressa no art. 177º que determina diretamente a anulabilidade de deliberações tomadas com irregularidades no funcionamento da AG. Apesar de esta previsão não existir no regime das assembleias de condóminos, a ratio legis é a mesma e, portanto, aquele art. 177º vem reforçar a cominação com anulabilidade para a situação apresentada.
85. Neste sentido, ac. TRL de 14/11/2017. Contra: Ac. STJ de 12/11/2009, referindo que “Na verdade, a norma do art. 1424º (...) é uma norma de conteúdo dispositivo e não uma norma de interesse e ordem pública que estabeleça direitos inderrogáveis entre os condóminos.”
86. Manuel Henrique Mesquita, op. cit.,p. 94.
87. Ac. TRP de 06/04/2017.

88. Neste sentido, acs. STJ de 20/12/2017 e de 22/02/2017. Contra: ac. TRL de 17/12/2015, referindo que a ofensa daquele "preceito imperativo, só afecta interesses (e interesses disponíveis) daqueles que no momentoda aprovação da deliberação eram condóminos, interesses, portanto, que, por via de regra (...) tais condóminos perfeitamente podem defender através de acção anulatória".

9/14/2023

Deliberações nulas II


Feito este enquadramento geral, e antes de atentarmos a casos concretos de deliberações das assembleias de condóminos, importa aferir critérios que permitam aquilatar se uma determinada norma tem, ou não, conteúdo imperativo.

Em primeiro lugar, o critério-base resulta da letra do próprio preceito. Assim, quando a norma indique expressamente que não pode ser afastada pelas partes ou preveja a invalidade do negócio quando não seja respeitada, tal indicia, desde logo, que o seu conteúdo é imperativo. “Não havendo referência expressa nesse sentido, o elemento essencial para determinar se uma norma tem conteúdo imperativo está relacionado com a identificação da natureza dos interesses protegidos. (77)”

Assim, a principal tarefa do intérprete consiste em aferir qual o interesse que determinada norma pretende proteger, podendo identificar interesses gerais – em que a norma procura defender todas as pessoas contra uma prática que as possa afectar -, interesses de terceiros–em que o objectivo é proteger todas as pessoas que integram um determinado grupo -, interesses de ambas as partes – visando a lei proteger as partes contra si próprias – ou interesses de uma das partes – em que o carácter imperativo visa a protecção da pessoa contra ela própria.(78)

Note-se que determinadas normas podem visar proteger, em simultâneo, dois ou mais destes interesses. Sandra Passinhas (79) sugere, a este propósito, a necessidade de uma interpretação sistemático-normativa, pelo que o primeiro critério a ter em consideração deverá ser atentar às normas que tutelam directamente o interesse público/geral ou que tutelam os interesses de terceiros.

Naturalmente, a verificação destes interesses em determinadas normas são fortes indicadores de que se tratam de normas imperativas e, nesse sentido, não haverá grande dificuldade na sua qualificação.

A tarefa mais complexa virá depois, quando seja necessário interpretar a deliberação de modo a concluir se o interesse protegido pela norma é afectado,(80) algo que só poderá ser feito em concreto.

Note-se, porém, que as deliberações que efectivamente ponham em causa a protecção daqueles interesses serão necessariamente nulas já que, se assim não fosse, i.e., se se cominassem tais vícios com a mera anulabilidade, o legislador estaria a deixar ao critério dos condóminos a derrogação de tais preceitos, com a não impugnação, em certo prazo, das deliberações viciadas.(81)

Por outro lado, existem preceitos legais destinados a proteger directamente os condóminos (interesses de ambas as partes ou apenas de uma delas) e é aí que se levantam alguns problemas delicados, uma vez que nem todos os condóminos ou administradores têm conhecimento suficientemente vasto da lei para conhecer todos os preceitos cuja violação dá origem à nulidade.

Sandra Passinhas defende que só serão cominadas com nulidade as deliberações cujo conteúdo fixe uma disciplina contrária àqueles, pois só nestes casos pode a posição de futuros condóminos ser afectada. Entende a autora que são os interesses destes que a lei pretende proteger (82) e, por isso, a deliberação deverá ainda ter um carácter permanente.(83)

Para nós, faz sentido que se pense de tal forma, já que os interesses dos próprios condóminos, actuais e presentes, representados, ou a quem as deliberações e o respectivo processo de formação deverão ser comunicados se encontram salvaguardados com os mecanismos de impugnação previstos no art. 1433º do CC.

Assim, em caso de dúvida, o intérprete dever-se-à questionar se uma determinada deliberação que infrinja uma norma imperativa afecta apenas os condóminos actuais ou se, pelo contrário, poderá atingir condóminos futuros, caso em que se cominará com a nulidade.

Notas:

77. Jorge Morais Carvalho, ibidem, p. 175.
78. Idem, ibidem, pp. 175 a 192.
79. Op. cit., pp. 252 e ss. Entendimento partilhado pelo ac. TRP de 27/09/2012.
80. Neste sentido, Jorge Carvalho Morais, op. cit., pp. 183 e 185.
81. Pires de Lima/Antunes Varela, op. cit., p. 448, António Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 344, Sandra Passinhas, op. cit., pp. 251 a 253 e João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 64. Cfr. ainda, para as sociedades, XAVIER, Lobo, Anulação..., p. 123.
82. Na esteira da doutrina de Lobo Xavier, ibidem, p. 162: “É que não pode razoavelmente contar-se com a diligência dos adquirentes das (fracções) em se informarem das cláusulas (do título constitutivo) e das deliberações em geral.”
83. No mesmo sentido, Ac. TRL de 17/12/2015.

Deliberações nulas - I


3.1 Deliberações nulas
 
3.1.1 Enquadramento geral
 
Ao contrário do que acontece às deliberações anuláveis, as deliberações nulas nascem inválidas “por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo”, nunca chegando a produzir efeitos,(57) podendo ser impugnadas a todo o tempo, de acordo com o regime geral do art. 286º, mas relativamente à legitimidade há um desvio à regra geral, na medida em que o legislador fixou, “em termos precisos, quais os interessados a quem é conferida legitimidade para a sua arguição: os condóminos”.(58).
 
Apesar de a nulidade operar ipso iuree, por isso, não ser necessário intentar uma acção nesse sentido nem tão-pouco obter uma sentença judicial prévia, “em qualquer tempo e sem jamais haver prescrição ou prazo de caducidade para o efeito, será admissível, por quem, pelo prejuízo que lhe cause a deliberação, para tal esteja legitimado, o recurso a uma acção de declaração de nulidade (...), a considerá-la sem valor, com alcance assertório – e não apenas para o futuro, mas retroactivamente (...); o próprio tribunal poderá afirmá-la oficiosamente, ainda que se lhe depare o tema só como simples questão prejudicial”.(59)
 
No âmbito das deliberações da assembleia de condóminos, o CC seguiu,“como no tocante às deliberações das assembleias gerais das associações (art. 177º), a orientação de diplomas anteriores (designadamente do Cód. Comercial, no seu art. 146º) de só prever a anulação de deliberações, mas ao longo do tempo gerou-se consenso sobre que certas violações de normas imperativas (mormente a desconformidade do conteúdo das deliberações com tais normas) acarretam a nulidade das deliberações em causa”.(60) Por outro lado, importa adiantar desde já que, ao contrário da informação que frequentemente encontramos,(61) a violação de uma norma imperativa não gera, necessariamente, nulidade,(62) daí que, como referimos supra, tendamos a abranger no alcance do nº 1 do art. 1433º também a violação de normas cogentes.

Ora, perante o regime lacunoso da PH, importa chamar à colação os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência no que a esta matéria diz respeito.(63) Em primeiro lugar, e apesar de a generalidade da doutrina e da jurisprudência não distinguirem as situações previstas nos arts. 280º/1 e 294º, aplicando-os de forma pouco rigorosa,(64) os dois preceitos têm âmbitos de aplicação distintos. Com efeito, tanto um como outro existem para estabelecer as consequências jurídicas decorrentes da violação de normas injuntivas,(65) mas a sua coexistência permite antever, desde logo, que o legislador não os criou para regularem as mesmas situações.
 
Neste sentido, é importante saber harmonizá-los. Resulta da leitura do art. 280º/1 que este se aplica aos casos em que o objecto do negócio é contrário à lei, pelo que oart .294º se destina a regular situações em que a contrariedade à lei resulte de outro elemento relacionado com o negócio, “nomeadamente as circunstâncias da sua celebração”.(66) Por outras palavras, o art. 280º/1 refere-se aos elementos internos do negócio e o art. 294º aos elementos  exteriores.
 
O art. 280º/1 respeita ao objecto negocial nas suas duas vertentes: por um lado, ao conteúdo, i.e., aos efeitos jurídicos do negócio, considerando as declarações das partes e o direito aplicável (objecto imediato), por outro, ao objecto stricto sensu, ao quid sobre o qual recaem os efeitos do negócio (objecto mediato).(67) “O conceito (de objecto) integra, ainda, a causa, como função económico-social” do negócio, bem como questões relacionadas com os sujeitos que celebram o negócio, por se “considerar que se trata de um elemento ligado ao próprio negócio jurídico”.(68)  Ora, os tribunais portugueses, não raro,têm vindo a cominar com nulidade negócios jurídicos cujo objecto é contrário à lei ou legalmente impossível, recorrendo ao art. 294º e não ao 280º/1.(69)
 
Assim, torna-se relevante para a questão em análise perceber quais os verdadeiros significados daquelas expressões. A impossibilidade jurídica do objecto verifica-se quando “a prestação consiste num acto que a lei não permite que seja realizado, podendo impedi- lo”,(70) ou seja, trata-se de um objecto de um negócio que o Direito não prevê nem consente. A título exemplificativo, não pode ser celebrada uma escritura pública de compra e venda de uma fracção autónoma de um prédio urbano sem que a respectiva construção e constituição em PH estejam legalizadas.(71)
 
Por seu turno, está em causa a contrariedade à lei quando existe uma norma injuntiva e proibitiva, tornando “indisponível para uma ou ambas as partes determinada situação jurídica”.(72) Na sua interpretação, dever-se-ão ter em conta não só diplomas legais ditados por órgãos com poder legislativo, mas qualquer comando imposto pelo Direito, desde que seja dotado de imperatividade. Assim, a título de exemplo, pense-se no título constitutivo que atribui a uma parte comum ou a uma fracção autónoma destino ou utilização diferentes dos constantes do respectivo projecto aprovado pela CM.(73)
 
Quanto ao art. 294º, já vimos que este diz respeito aos elementos externos do negócio jurídico. Diz a sua letra que “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”. Significa isto – doutrina defendida por Jorge Morais Carvalho, que subscrevemos – que a leitura deste preceito deve ser feita de forma “invertida”. Estão, portanto, em causa aspectos que, ainda que relacionados com o negócio jurídico, estão fora do seu âmbito, pelo que não justificam a invariável nulidade do mesmo. 
 
Deste modo, a lei consagra a possibilidade de, mesmo contrariando disposição imperativa, o negócio jurídico poder padecer de vícios mais adequados, como a anulabilidade ou a ineficácia. Assim, perante a violação de norma innjuntiva atinente a elementos exteriores do negócio jurídico, parte-se da consequência expressa ou tacitamente prevista na lei, só sendo nulos no caso de esta não apresentar outra solução.(74)(75) 
 
Por sua vez, o art. 280º não faz qualquer ressalva à possibilidade de outra solução estar consagrada na lei. Porém, caso exista uma norma especial que afaste o seu regime, ela deve ser aplicada. Assim, por hipótese, se uma determinada norma versar sobre o objecto do negócio, prescrevendo que a sua violação será cominada com a anulabilidade, o negócio que a viole será anulável e já não nulo, prevalecendo a norma especial sobre a geral. Significa isto que, apesar de a letra do art. 280º/1 ser distinta da do art. 294º, o raciocínio deverá ser o mesmo, “só sendo nulo o contrato nos casos em que outra solução não resulte da lei”.(76)
 
Note-se ainda que, como iremos ver adiante, a diferente “solução” não tem de estar, necessariamente, expressa na lei. Com efeito, mesmo que as normas imperativas sejam omissas nesse aspecto, é importante interpretá-las no sentido de aferir se é a nulidade a cominação mais adequada à violação de uma determinada norma ou se, pelo contrário–e atendendo aos interesses por ela protegidos -, o legislador teria em mente outra solução.
 
Notas:
 
57. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geraldo Direito Civil, 2.ª reimpressão da 4.ª ed., por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 619.
58. Rui Vieira Miller (op. cit., p. 281) e ac. TRP de 16/11/2010. Em sentido diverso, Pires de Lima/Antunes Varela , op. cit., p. 448 e ac. TRL de 02/05/2013, para quem a legitimidade é aferida com base no art. 286º. 
59. Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Dissertação de Doutoramento em Direito Privado - Universidade Lusíada de Lisboa, Almedina, 2005, p. 554
60. Rui Pinto Duarte, Código Civil Anotado, Vol. II, Arts. 1251º a 2334º, obra colectiva com a coordenação de Ana Prata, Almedina, Coimbra, 2017, p. 285.
61. Vide, a título de exemplo, acs. STJ de 12/11/2009: “é nulo, manifestamente, o negócio jurídico que viola disposição legal de natureza imperativa”e de 20/12/2017.
62. Ac. TRL de 17/12/2015:“Foquemo-nos apenas nas imperativas, para dizer que a sua derrogação é cominada com a nulidade -já à mera violação de uma norma, ainda que imperativa, corresponde apenas anulabilidade.”
63. Maxime, Jorge Morais Carvalho, op. cit., pp. 140 e ss. e ac. TRL de 14/11/2017.
64. “Em alguns casos, os dois preceitos são referidos em conjunto, sem distinção, como base do regime da contrariedade à lei; noutros refere-se apenas, em termos genéricos e sem distinguir em função do elemento do contrato, ora o art. 280º ora o art. 294º.” Jorge Morais Carvalho, op. cit., p. 146
65. Contra: ac. STJ de 12/11/2009: “O negócio jurídico pode ser contrário a uma disposição legal de carácter imperativo, hipótese em que rege o estipulado pelo art. 294º, que comina o vício, em princípio, com a sanção da nulidade, ou, tão-só, contrário à lei, hipótese em que se aplica o art. 280º/1, ambos do CC, que estatui para o vício, igualmente a sanção da nulidade.”
66. Jorge Morais Carvalho, op. cit., p. 147.
67. Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II – Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, 9.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2003, p. 327 e Mota Pinto, op. cit., p. 553.
68. Jorge Morais Carvalho, op. cit., p. 160.
69. Quanto à impossibilidade física e à indeterminabilidade,que recaem apenas sobre o objecto mediato, não se verifica essa confusão.
70. Ac. STJ de 14/05/2002.
71. Cfr. ac. STJ de 24/01/2012.
72. Jorge Morais Carvalho, op. cit., p. 158.
73. Idem, ibidem, p. 148.
74. Idem, ibidem, pp. 150 e 165.
75. “(N)o domínio de actuação do art. 294º (...) pode ou não a nulidade ser a figura estatisticamente mais frequente, mas já não se poderá considerar modalidade privilegiada de invalidade.” José de Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 317.
76. Jorge Morais Carvalho, op. cit., p. 164 e, no mesmo sentido, José de Oliveira Ascensão, ibidem.

9/12/2023

Vícios nas Deliberações



3. Vícios nas deliberações

O art. 1433º, nº 1 do CC, estabelece como anuláveis “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados”. Parte da doutrina e da jurisprudência (50) vem defendendo uma interpretação restritiva deste preceito, excluindo do seu âmbito deliberações que violem normas imperativas, pelo que a anulabilidade seria aplicável apenas às deliberações que violassem normas supletivas. 
 
Sucede que, tal como assinala Jorge Morais Carvalho, as normas supletivas ou dispositivas são, por definição, normas que podem ser afastadas pelas partes e que, portanto, não se aplicam quando as partes acordem no sentido da sua não aplicação. Desse modo, só fará sentido falar de contrariedade à lei quando estejam em causa normas injuntivas, ou seja, normas que se aplicam mesmo que as partes acordem no sentido da sua não aplicação.(51)
 
Por outro lado, entendemos que deve existir uma interpretação restritiva relativamente a deliberações que tenham por objecto assuntos que extravasam a esfera de competência da assembleia de condóminos (que, reitera-se, consiste na administração das partes comuns do edifício), porquanto estas serão, em princípio, ineficazes e não anuláveis.(52).
 
Quanto às deliberações contrárias a regulamentos, incluem-se aqui deliberações que contendam com disposições previstas no título constitutivo ou no regulamento do condomínio (que pode, ou não, integrar o título constitutivo – cfr. arts. 1418º, nº 2, al. b) e 1429º-A, a contrario).

O art. 1429º-A refere-se ao regulamento propriamente dito, ou seja, ao instrumento que “disciplina o uso, a fruição e conservação das partes comuns do edifício”.(53) Assim, mesmo que o regulamento esteja inserido no título constitutivo, é do nosso entendimento (54) que a sua natureza não muda, não adquire a mesma força vinculativa que o título constitutivo nem fica sujeito à regra do art. 1419º, nº 1, sobre a sua (difícil) modificabilidade. 
 
É que “a disciplina das partes comuns satisfaz necessidades que variam continuamente” (55) e, por isso, a sua alteração tem de ser mais facilitada, bastando-se com a aprovação por maioria simples. Pelo contrário, consideramos também que cláusulas do regulamento inserido no título que confiram direitos especiais aos condóminos ou que restrinjam os seus direitos adquirem a mesma natureza que o título constitutivo,porquanto ultrapassam o âmbito do art. 1429º-A, só podendo assim ser alteradas com o acordo de todos os condóminos, através de escritura pública ou documento particular autenticado.(56)
 
Por fim, sabendo que a parte final do n.º 2 do art. 1433.ºfaz uma breve referência a deliberações “inválidas” e “ineficazes” e que a invalidade se consubstancia tanto em anulabilidade como em nulidade, conclui-se que, desde as alterações introduzidas pelo DL nº 268/94, de 25 de Outubro (diploma que fixou o regime do actual nº 2), existem quatro categorias de vícios que inquinam deliberações tomadas em assembleia de condóminos, cada uma com pressupostos e efeitos próprios, a saber, a nulidade, a anulabilidade, a ineficácia em sentido estrito e, para alguns, a inexistência.

Notas:

50. Pires de Lima/Antunes Varela, op. cit., p. 447, João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 57, ac. TRP de 16/11/2010 e ac. TRL de 02/05/2013.
51. Cfr. Jorge Morais Carvalho, Os Limites à Liberdade Contratual, Almedina, Coimbra, 2016, nota de rodapé 442, pp. 151 e 170. Vide, ainda, p. 169, a propósito das formas de designação destas normas: “normas injuntivas, também designadas imperativas, cogentes, necessárias, de interesse e ordem pública ou de direito inderrogável (...)”.
52. Vide ac. TRE de 03/11/2016.
53. A título de exemplo, as cláusulas que regulam a utilização do churrasco do condomínio.
54. Seguindo Sandra Passinhas (op. cit., pp. 69 a 72) e a sua interpretação restritiva do art. 1419º, nº 1.
55. Idem, ibidem, p. 72.
56. Pense-se, por hipótese, na cláusula que estabelece que os proprietários da fracção autónoma do último piso têm um direito de utilização exclusiva do sótão. Pense-se, por outro lado, na cláusula que não permite animais de estimação no prédio, ou na cláusula que determina que a roupa só pode ser estendida nas varandas viradas para as traseiras do prédio

Regras Gerais Aplicáveis às Deliberações – Maioria Simples


2.2.4 Regras Gerais Aplicáveis às Deliberações – Maioria Simples

Analisadas as excepções, atentemos agora às regras gerais aplicáveis às deliberações. Em primeira convocação, a assembleia pode deliberar, desde que esteja presente/representada a maioria simples do capital investido –quórum constitutivo (art. 1432º, nº 3). Quanto ao quórum deliberativo, a regra geral é que se reúna a maioria dos votospresentes.(40)
 
A título exemplificativo, num condomínio com vinte condóminos, em que todos eles têm igual capital investido e, por isso, igual percentagem de votos, uma deliberação, pode ser aprovada em primeira reunião se comparecerem, pelo menos, onze condóminos e todos eles votarem favoravelmente, porquanto, o princípio regra consagrado no nº 5 do art. 1432º, é o de que, as deliberações são tomadas, salvo disposição especial (as que careçam de uma maioria qualificada), por maioria dos votos representativos do capital investido (e não do presente). Não se verificando este quórum inicial, ter-se-à que avançar para uma segunda convocação.
 
Nesta factualidade, o já referido nº 4 vem estabelecer um quórum subsidiário, a respeitar numa segunda reunião: condóminos que representem, pelo menos, 1/4 do capital. A data da segunda reunião poderá constar, desde logo, da convocatória para a primeira41.Na sua falta, o legislador estabeleceu que deveria ocorrer uma semana depois, à mesma hora e local, o que deverá ficar a constar da ata da assembleia que se frustrou.A lei não prevê nenhum intervalo mínimo obrigatório entre as duasreuniões, pretendendo-se assim evitar “que a segunda convocação, em lugar de ser uma novachamada, se converta num mero prolongamento da primeira”42.Estamos perante uma matéria em que são os interesses dos condóminos que relevam e, portanto, deverão ser eles adecidir o melhor critério a aplicar perante tal situação. Não obstante, entendemos, subscrevendo o ac. STJ de 26/05/2015 (Gregório Silva Jesus),que“esse espaço de tempo não poderá ser tão curto, de algumas horas ou meia hora (...), por claramente afrontador dos limites da boa fé, uma vez que pelo conhecimento advindo da experiência do quotidiano social se sabe que, se não sempre pelo menos quase sempre, tal reduzido espaço de intervalo na prática inviabiliza a presença de quem pouco antes esteve ausente, assim como não lhe permite a reponderação da conveniência de estar presente na assembleia, e mesmo a sua preparação para nelaparticipar e assumir uma correta tomada de posição”.Asformalidadespara a convocação da segundareunião são, assim,as mesmas que as da primeira(com respeito pelo que vem previsto no n.º 1 do art. 1432.º) –com exceção da antecedência de 10dias, que neste caso não tem de ser observada.

Em segundaconvocatória, como se disse, altera-se aexigência quanto ao quorum constitutivo, passando de “maioria simples do capital investido” para “14⁄do valor total do prédio” (1432.º, n.º 4), mantendo-se o quorumdeliberativoenquanto “maioria de votosdos condóminos presentes”4344.Deste modo, recorrendo ao exemploavançado supra, uma deliberação poderia ser aprovada em segundareunião se comparecessem apenas cincocondóminos, bastando que três deles votassem favoravelmente.Coloca-se a questão de saber se é necessária a unanimidade, em segundaconvocatória,quando estejam presentes apenas doiscondóminos, representando um deles mais de 14⁄do valor total do prédio.Aragão Seia45entende que, em tal situação,estando presentes condóminos que representem, pelo menos, 14⁄do valor total do prédio, a deliberação só pode ser aprovada com o voto favorável da maioria dos condóminos presentes. Assim, não podem os votos de um só condómino formar a maioria necessária, já que ele representa apenas50% dos condóminos presentes. Significa isto que, para o autor, será necessária a unanimidade.Éda nossa opinião que existe, em torno desta questão, uma confusão quanto àquilo que é exigido em segundareuniãopara aprovação de uma deliberação. Com efeito, Aragão Seia interpreta o n.º 4 do art. 1432.º no sentido de ser necessário, como quorumdeliberativo, o voto favorável da maioria dos condóminos presenteso que, de resto, nos pareceir contrao “princípio da prevalência do voto maioritário”46.Com efeito, não é isso que a lei nos diz. É exigido, sim, reunir a maioria de votosdos condóminos presentes, o que significa que se o condómino que votou favoravelmente é proprietário de uma fração que representa mais capital investido do que a fração do outro, a deliberação haverá de ser aprovada47.Mais uma vez, o legisladortoma em consideração o elemento patrimoniale não o elemento pessoal, pelo que há que respeitar a sua opção.Importa, por último, questionar oque acontece se, mesmo numa segunda reunião, não comparecem condóminos suficientes para representar 14⁄do capital. Já sabemos que aassembleia não pode deliberar. Como resolver, então, tal situação?Aassembleia de condóminos é,antes de mais, uma assembleia de comproprietários,é o órgão de administração das partes comunsem propriedade horizontalàs quais se aplica, subsidiariamentee com as devidas adaptações, o regimeda compropriedade48.Deste modo,admite-se queo intérprete, não encontrando solução especial no regime da propriedade horizontal, possaaquirecorrer ao art. 1407.º, n.º 2, de acordo com o qual“quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade”49.

Notas

40Não se exigem os votos favoráveis correspondentes à maioria simples do capital investido (que constitui o quorum constitutivo), “porquanto isso equivaleria a exigir uma unanimidade que a lei não impõe”. De resto, “aregra da colegialidade na formação da vontade do grupo, que constitui um princípio típico das formações coletivas, tem associado o princípio da gestão –digamos
democrática –que reclama, não a unanimidade das decisões internas, mas sim a correspondente maioria”. NETO, Abílio, op. cit., p. 698.41A ordem de trabalhos das duas reuniões haverá de ser a mesma.42LIMA, Pires de /VARELA, Antunes, op. cit., p. 446. No mesmo sentido, SEIA, Aragão, op. cit., pp. 172 e 173, defendendo, porém, que adata da segunda reunião deve respeitar um intervalo mínimo de uma semana em relação à primeira. Também o ac. TRP de 04/05/2010 (Anabela Dias da Silva) defende que a segunda reunião não pode ter lugar na data da primeira, não esclarecendo, todavia, qual o intervalo mínimo que considera justificável.Diferentemente, JOSÉ, Rosendo Dias, A Propriedade Horizontal: Comentários e Notas aos arts. 1414.º a 1436.º do C. Civil, Livraria Petrony, Lisboa, 1982,pp. 107 e 108, considerando que a lei não exige que a segunda reunião se realize em dia diferente. Ainda numa outra linha de pensamento, PASSINHAS, Sandra, op. cit., pp. 224 a 226 e ac. TRL de 31/03/2011(Márcia Portela), defendendo que não existe uma obrigação de que a segunda reunião se realize sempre com respeito pelo intervalo de uma semana, supletivamente fixado na lei, mas que também não é aceitável que a segunda assembleia esteja convocada para meia hora após a primeira.

43Abílio Neto (op. cit., p. 699) entende que a entidade convocante deverá informar os condóminos ausentes desta diminuição de exigência, contribuindo assim para o êxito da segunda reunião.44Excluem-se das exigências do n.º 4 do art. 1432.º: situações de adiamento da data primitiva por motivos de força maior ou de novo agendamento da assembleia, por necessidade de suspensão dos trabalhos que estejam a decorrer ou, ainda, por decisão unânime dos condóminos presentes e com maioria do capital, de reunir em nova data. Neste sentido, RAPOSO, João Vasconcelos, op. cit., p. 48.45Op. cit.,p. 177


46NETO, Abílio, op. cit., p. 699.47Em sentido concordante, RAPOSO, João Vasconcelos, op. cit., p. 47.48MESQUITA, Manuel Henrique, op. cit., p. 84 e acs. STJ de 09/05/1991 (Tato Marinho), 22/02/2017 (Tomé Gomes) e de 19/03/2009 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).

49Neste sentido, LIMA, Pires de / VARELA, Antunes, op. cit., p. 447 e MILLER, Rui Vieira, op. cit., p. 273.