Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

30 abril 2025

O direito à informação


Dispõe o art. 573 do CC que: "A obrigação de informação existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias". 

Por vezes, a lei estabelece em preceitos especiais a obrigação de prestar informações. Por exemplo, quando obriga a informar sobre o estado de um objecto ou quando obriga o mandatário, o gestor de negócios ou o tutor à prestação de contas.

Uma tal obrigação pode também ser fixada convencionalmente pelas partes. No entanto, para além dessas disposições ou estatuições casuísticas, entendeu-se conveniente formular em termos gerais uma regra expressa, aliás de acordo com o princípio da boa fé.

"Assim, está obrigado a prestar informações sobre a existência ou o conteúdo de um direito todo aquele que se encontre em situação de o fazer, contanto que as dúvidas do respectivo titular sejam legítimas" (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed, pág. 669).

Também Rodrigues Bastos ( Notas ao Código Civil, vol. III, 1993, em anotação ao citado art. 573º do CC, refere que o dever de dar uma informação existe não só nos numerosos casos em que a lei o menciona, mas também em conformidade com a boa fé, sempre que, de um modo desculpável, o titular não tenha a certeza sobre a existência e o alcance do direito, podendo o obrigado dar facilmente informação oportuna.

Sinde Monteiro (Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, 1989, págs 407/429), depois de distinguir entre deveres de esclarecimento (especialmente importantes numa fase pré-contratual e que dizem respeito a uma comunicação a fazer espontaneamente) e os deveres de informação (que pressupõem uma pergunta prévia, cujo cumprimento pode ser objecto de uma acção), sustenta que a lei apenas coloca dois pressupostos à existência do direito:

- que o titular de um direito tenha fundada dúvida acerca da sua existência ou do seu conteúdo;
- que outrem esteja em condições de poder prestar as informações necessárias

No mesmo sentido se orienta a jurisprudência deste Supremo Tribunal (Ac. S.T.J. de 16-12-93, Bol. 432-375).

Podemos assim dizer que a situação tipificada no art. 573º do CC (obrigação de informação) integra uma causa de pedir composta ou complexa que se desdobra nos seguintes postulados:

- que o autor da acção para prestação de informação seja titular de um direito.
- que esse titular tenha dúvida fundada acerca da existência desse direito ou do seu conteúdo;
- que outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias.

Torna-se assim, pois necessário - para que possa dar-se como efectivamente existente a obrigação de informação - que aquele que se arroga na titularidade de um dado direito possua justificada dúvida acerca da sua «existência» (o «se») ou do seu «conteúdo» (o «an» ou o «quantum») - neste último requisito se incluindo os reais contornos do âmago ou cerne desse direito - e uma outra qualquer entidade terceira esteja em condições de prestar as informações necessárias à concretização prática desse direito. Tudo, é claro, dentro de um princípio da boa-fé que sempre deve presidir ao exercício de direitos substantivos e processuais .

O direito em causa pode ser de qualquer natureza: obrigacional, real, familiar ou sucessória.

No plano da ponderação dos interesses que caracteriza a actuação do princípio da boa fé, deverá também exigir-se que o interesse legítimo do titular em obter a informação não possa ser satisfeito por outro processo e que a onerosidade da prestação para a obrigação não seja demasiada.

O princípio geral da boa fé e os deveres acessórios que ele gera no quadro de uma relação contratual desta natureza só permite o entendimento de que, se uma das partes está em condições de fornecer a informação que a outra pretende, relativa a qualquer aspecto do contrato, existe, dentro do razoável, a obrigação de prestar tal informação - art. 762, nº 2, do CC.

Pode, assim, concluir-se que se mostra verificado, à luz dos princípios da boa fé, da razoabilidade e da proporcionalidade, que os condóminos que tenham dúvida fundadas sobre o conteúdo dos seus direitos, relativamente às operações financeiras que tiveram lugar, ao longo do tempo, têm o direito de exigir, ficando o administrador obrigado a prestar, gratuitamente, as informações necessárias, constantes do legítimo pedido, contanto, obviamente, que não correspondam aquelas a um mero capricho ou impertinência daqueles - cfr. art. 573º do CC.

29 abril 2025

ACTRP 21-02-2022: Condomínios autónomos


Tribunal: TRP
Processo: 575/21.0T8OVR-A.P1
Relatora: Fernanda Almeida
Data: 21-02-2022

Descritores:

Propriedade horizontal
Condomínio autónomo

Sumário:

Ainda que se trate de um só edifício, mas cuja configuração integre uma estrutura que se possa autonomizar em relação às demais estruturas, é possível constituírem-se condomínios autónomos, tendo cada uma deles personalidade judiciária para intervir nos assuntos que respeitam às partes comuns das frações que os integram.

Texto integral: vide aqui


ACTRP 19-12-2023: Procuração

Tribunal: TRP
Processo: 448/23.2T8PVZ.P1
Relator: Carlos Portela
Data: 19-12-2023

Descritores:

Assembleia de condóminos
Procuração
Falta de poderes de representação
Anulabilidade de deliberações

Sumário:

I - É um direito dos condóminos fazerem-se representar por procurador na assembleia (art.º 1431º do CPC), sendo que a procuração revestirá a forma exigida para negócio que o procurador deva realizar (art.º 262º, n.º 1 do Código Civil), ou seja, a forma escrita.

II - A falta de poderes de representação em assembleia de condóminos corresponderá a sanção de anulabilidade das deliberações tomadas nas assembleias de condóminos impugnadas, pois que não configura a violação de normas legais de natureza imperativa, atento o disposto nos artigos 1421.º n.º 1, 1427.º, 1428.º n.º 1, 1429.º n.º 1 e 1438.º do Código Civil.

III - O vício da ineficácia das deliberações que se prende com a ineficácia decorrente da alegada falta de poderes representativos, a qual se circunscreve, em princípio, à relação entre suposto representante e o suposto representado e à declaração de voto emitida por aquele em nome desta, a existir e a demonstrar só poderia afectar a deliberação em si mesma se, por exemplo, fosse esse condómino alegadamente representado quem completava o quórum necessário à deliberação em questão.

Texto integral: vide aqui

25 abril 2025

Prazo de 60 dias para impugnar


O Tribunal Constitucional, através do Acórdão nº 482/2010, decidiu que "não julga inconstitucional a norma do artigo 1433º, nº 4, do Código Civil, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar acção de anulação da deliberação do condomínio é de 60 dias quer para condóminos presentes quer para os ausentes, contados a partir da data da deliberação".

Em crise, uma decisão julgada pelo STJ na sua apreciação da norma do art. 1433º, nº 4, do CC, na interpretação segundo a qual «o prazo para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio é de 60 dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente, comunicação essa, aliás, obrigatória nos termos do artigo 1432º, nº 6, do mesmo diploma».

Texto integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente Joaquim Dourado Portela e recorrida a Administração do Condomínio do prédio sito na Praceta do Serrado da Vinha, n.º 6, na Amadora, foi interposto recurso de constitucionalidade da sentença daquele Tribunal, para apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, na interpretação segundo a qual «o prazo para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio é de sessenta dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente, comunicação essa, aliás, obrigatória nos termos do artigo 1432.º, n.º 6, do mesmo diploma», por violação dos artigos 2.º, 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

2 - O recorrente apresentou alegações onde conclui o seguinte:

«1 - O acórdão recorrido faz uma interpretação desconforme com a Constituição do normativo inserto na parte final do artigo 1433.º, n.º 4, do CC, ao afirmar que o prazo para e condómino ausente impugnar deliberação da assembleia de condóminos se conta a partir da data da deliberação, mesmo para os condóminos ausentes e independentemente do conhecimento das deliberações.

2 - A obrigatoriedade de comunicação acta da assembleia ao condómino ausente, que impende sobre o administrador do condomínio, destina-se a dar conhecimento das deliberações ao condómino ausente para que possa exercer os direitos que a lei consagra, designadamente o direito de impugnar as deliberações ilegais não havendo fundamento material bastante para estabelecer uma distinção entre o direito a impugnar a deliberação, por um lado, e os direitos de exigir a convocação de assembleia extraordinária, recorrer a centro de arbitragem ou manifestar a estar sua discordância ou assentimento relativamente a deliberações que exijam unanimidade.

3 - Entendimento diverso, ao impor sobre o condómino ausente um ónus de se informar, pelos seus próprios meios, do teor da deliberação da assembleia de condóminos, deixando-o na dependência de terceiros, e criando um regime menos favorável do que vigora para os condóminos presentes, com risco de, sem culpa sua ficar impossibilitado de impugnar uma deliberação ilegal, viola os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da confiança e do acesso aos tribunais, princípios ínsitos na ideia de Estado de Direito Democrático.

4 - O prazo de sessenta dias para o condómino ausente impugnar a deliberação da assembleia de condóminos deve ser contado a partir da notificação da deliberação ao condómino ausente.

Normas violadas: artigos 2.º, 13.º e 20.º da Constituição da República.

Termos em que o artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, deve ser julgado materialmente inconstitucional na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido ao dispensar o conhecimento da deliberação para o início da ontem do prazo para instauração da acção de impugnação, assim se fazendo a costumada justiça!»

3 - O recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte:

«Em resumo, dir-se-á que:

Basta estar atento - como atento terá que estar no caso de haver lugar à 2.ª reunião da assembleia, a qual se considera convocada para uma semana depois, na mesma hora e local (n.º 4 do artigo 1432.º do C.C.) - para não deixar esgotar o prazo de 60 dias a contar da data da deliberação que pretende impugnar [...]" - reitera-se.

Porquanto, em relação à caducidade do direito de propor a acção anulatória, deixou de haver distinção entre condóminos presentes e condóminos ausentes" (reitera-se).

Pois, entendimento diverso - no sentido de a contagem do prazo de caducidade da acção anulatória se iniciar só com a comunicação nos termos do n.º 6 do artigo 1432.º do C. C. - que trata de situações diferentes, propiciará o laxismo, absentismo e a indefinição das questões condóminas, ao contrário do que, naturalmente, é pretendido pela lei e que o legislador pretendeu abolir com a reformulação introduzida em 1994.

O Acórdão recorrido, seguiu na esteira da jurisprudência e doutrina maioritárias, que os condóminos têm de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação. Não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava, regime alterado e reformulado pelo Decreto-Lei n.º 256/4, de 24.10.

O objectivo é claro, e jurisprudencialmente aceite, que a aspiração é:

«[...] de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou parajudiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o n.º 1 do artigo 1433.º, do C.C».

Ao assegurar a defesa dos seus direitos aos condóminos, através quer de meios judiciais, extrajudiciais e parajudiciais, não se observa como pode estar a ser violado o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Os condóminos faltosos terão de cuidar diligentemente de se informar sobre se teve ou não lugar a assembleia e se novo dia foi efectivamente designado e terão, de igual modo, de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-lo no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação e, não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava, mas regime de prazo que foi revogado e sublinhado por outro.

É manifesto, assim, que a impossibilidade de recurso a juízo, com êxito, surgiu como resultado da negligência do recorrente em propor a acção, se bem que por escassos dias, o que se presume que este da lei tinha conhecimento...

Entende o recorrido que deve ser mantida a interpretação, dada ao artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil, no sentido de que o prazo de caducidade para interpor a acção de anulação é de 6 dias para todos os condóminos, sendo o prazo a quo, contado da data da deliberação da assembleia de condóminos, não só porque foi este o teor literal dado pelo legislador ordinário, com pelo facto de esta interpretação não violar nenhum dos preceitos com consagração constitucional e invocados pelo recorrente, nomeadamente os artigos 2.º, 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, sufragando in totum a interpretação da lei feita pelo STJ e constante do aresto.

Nestes temos, há que concluir pela não inconstitucionalidade:

a) Da parte final do n2 4, do artigo 1433. do Código Civil; ou,

b) Do referido artigo 1433.2, n9 4, por não ser materialmente inconstitucional na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido, quando consagra que a contagem do prazo para a instauração da acção de anulação, se conta da data da deliberação, negando-se assim provimento ao recurso, com o que se fará como sempre a costumada

Justiça!»

II - Fundamentação

4 - O artigo 1433.º do Código Civil, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, estabelece o seguinte:

«Artigo 1433.º

(Impugnação das deliberações)

1 - As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.

2 - No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.

3 - No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.

4 - O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.

5 - Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.

6 - A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.»

Constitui objecto do presente recurso a norma do n.º 4 deste preceito legal, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar a acção de anulação de deliberação da assembleia do condomínio é de 60 dias, tanto para a os condóminos presentes como para os ausentes, contando-se o prazo a partir da data da deliberação e não da data da comunicação ao condómino ausente.

Alega o recorrente que fazer coincidir o termo inicial do prazo para o exercício do direito de anulação com a data da deliberação tem como consequência que ao condómino ausente seja coarctado «o direito de impugnar judicialmente a deliberação da assembleia, criando um regime menos favorável ao que vigora para os condóminos presentes».

O tratamento uniforme, quanto a este ponto, de acordo com a interpretação impugnada, de condóminos presentes e ausentes na assembleia de condomínio corresponde ao teor literal do actual n.º 4 do artigo 1433.º do Código Civil, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro. Esta norma veio afastar o anteriormente disposto - desde a redacção inicial do Código Civil - no n.º 2 do mesmo artigo, nos termos do qual «o direito de propor a acção caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de vinte dias a contar da deliberação e, quanto aos proprietários ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação.» Isto é, se, quanto à duração do prazo de caducidade, a nova lei o alongou para 60 dias, no que se refere ao início da sua contagem, fê-lo coincidir com a data da deliberação, sem qualquer distinção entre condóminos presentes e condóminos ausentes.

Este último aspecto, e não obstante a enunciação expressa desse termo inicial, suscitou controvérsia interpretativa, sustentando parte da doutrina - cf. Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, págs. 249-250, n. 626, e Aragão Seia, Propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, pág. 179 - e da jurisprudência - cf., por exemplo, o acórdão do STJ, de 21 de Janeiro de 2003 - que, para os condóminos ausentes, releva a data da comunicação, e não a da deliberação.

Excede a competência do Tribunal Constitucional - restrita, no domínio da fiscalização concreta, a decidir, em último recurso, questões de constitucionalidade - pronunciar-se sobre a interpretação que melhor cabe ao segmento normativo em causa, em face dos elementos hermenêuticos disponíveis. O Tribunal é apenas chamado a ajuizar da conformidade constitucional da interpretação efectivamente seguida e aplicada na decisão recorrida. O que, no caso, implica decidir se a contagem do prazo de caducidade de propositura da acção de anulação a partir da data da deliberação e não da sua comunicação aos condóminos ausentes viola ou não algum princípio constitucional ou algum direito constitucionalmente garantido.

5 - Para a formulação de um tal juízo, importa ter presente que o Decreto-Lei n.º 267/94 não se limitou, em matéria de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, à alteração assinalada. Na verdade, para além da já anteriormente admitida impugnação judicial, através da competente acção de anulação, aquele diploma consagrou novas vias alternativas de reacção a deliberações inválidas ou ineficazes, por qualquer condómino que não as tenha aprovado. Elas constam, na redacção actual, dos n.os 2 e 3 do artigo 1433.º do Código Civil, conferindo, o primeiro, a faculdade de exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação de tais deliberações, e outorgando, o último, o poder de «sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem».

Para além disso, o artigo 1432.º passou a integrar, entre outras alterações, uma norma, dispondo que «as deliberações têm que ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias» (n.º 6).

Do conjunto destas disposições resulta que, perante uma deliberação anulável, um condómino, para tal habilitado pela não aprovação dessa deliberação, tem, hoje, ao seu dispor, para além da propositura da acção de anulação, outros dois meios de atacar a deliberação: a exigência de convocação de uma assembleia extraordinária e a possibilidade de accionar uma decisão arbitral. E, no caso de um condómino ausente, qualquer dos prazos estabelecidos para estas duas iniciativas - 10 dias, quanto à primeira; 30 dias, quanto à segunda - se conta a partir da comunicação da deliberação - comunicação que, já vimos, deve ser feita por carta registada com aviso de recepção, portanto, com sólida garantia de cognoscibilidade do seu conteúdo, por parte do destinatário. Acresce que, se a deliberação da assembleia extraordinária não for no sentido da revogação da deliberação impugnada, ela pode ser objecto de uma acção de anulação, a propor no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária (1.ª parte do n.º 4 do artigo 1433.º). Sublinhe-se, ainda, que a eventual não convocação, pelo administrador, da assembleia extraordinária, é suprível pelo mecanismo geral de recurso, predisposto no artigo 1438.º do Código Civil, de convocação directa e individual pelo próprio condómino.

Feita a necessária articulação da 2.ª parte deste preceito com essas outras disposições do bloco normativo em que está integrada, também relevantes do ponto de vista da satisfação do interesse em impugnar uma deliberação anulável, apura-se um resultado não coincidente com o que obteríamos mediante a leitura isolada daquele segmento normativo. De facto, dado que os prazos de caducidade dos meios alternativos de impugnação só começam a contar da data da comunicação da deliberação, está excluído que o prazo de 60 dias se esgote sem que o interessado já tenha tido, ou venha a ter, uma possibilidade efectiva de reagir judicialmente contra a decisão anulável.

Explicitando melhor. Dado que a comunicação deve ser feita no prazo de 30 dias e os prazos de caducidade previstos no n.os 2 e 3 do artigo 1433.º são substancialmente mais curtos do que o do n.º 4, corresponderá à normalidade, se a gestão do condomínio se processar com regularidade, que, no termo daquele período, já tenham também decorrido os prazos de 10 e de 30 dias, a contar da comunicação. Se assim for, já não é exercitável o direito de impugnar, por qualquer das vias previstas. Mas esse resultado não pode ser imputado à falta de garantias de cognoscibilidade da deliberação.

Na hipótese contrária, de, no termo final do prazo de 60 dias, ainda não terem começado a contar ou não terem ainda findado aqueles prazos, devido a omissão de comunicação ou comunicação tardia da deliberação ao condómino ausente, a situação não importa a definitiva preclusão da satisfação do interesse em impugnar, pois subsiste a possibilidade de recurso aos meios alternativos. Na realidade, esse prazo de 60 dias - em face dos termos da estatuição do n.º 4 e da sua inequívoca adstrição unicamente ao direito nele previsto - não pode valer, independentemente do que possa ter sido a intenção legislativa, como um prazo-limite objectivo para todas as vias de impugnação, mas apenas o prazo especificamente aplicável à propositura directa da acção de anulação, pelo que o seu decurso total em nada prejudica o exercício do direito de impugnação, pelos meios previstos no n.º 2 ou n.º 3 do artigo 1433.º, dentro dos respectivos prazos. E nem sequer importa o afastamento do recurso à via judicial, pois, se o condómino optar pela convocação de uma assembleia extraordinária, a deliberação desta (que, obviamente, recaiu sobre a deliberação primitiva) é anulável judicialmente; se optar pelo recurso a um centro de arbitragem, a decisão arbitral terá, sem mais, a força e produzirá os efeitos de uma decisão judicial (artigo 26.º, n.º 2, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto).

Significa isto que o não aproveitamento do prazo de 60 dias, por eventual desconhecimento da deliberação e do seu teor, resultante de não ter sido efectuada comunicação tempestiva dela, não tem como consequência a extinção do direito de impugnar, em juízo, essa deliberação (ou, o que vem dar ao mesmo, a deliberação que não a revogou). Esse direito fica sempre salvaguardado, ainda que já não se possa suscitar directamente a intervenção de uma instância judicial estadual.

Num plano infraconstitucional, é legítimo questionar o bem fundado da indiferenciação de tratamento de condóminos presentes e ausentes, quanto ao início de contagem do prazo de 60 dias para propor a acção de anulação da deliberação, contrariamente ao estabelecido na redacção anterior e ao consagrado nos actuais n.os 2 e 3 do artigo 1433.º, quanto aos prazos aí previstos. Pode, até, suscitar-se dúvidas quanto à coerência interna do sistema, tendo particularmente em conta a obrigatoriedade de comunicação das deliberações aos ausentes. Mas a interpretação normativa contestada não acarreta a perda irremediável do direito dos condóminos ausentes à tutela jurisdicional efectiva do seu interesse em impugnar, nem sequer, a dificultação excessiva do seu exercício.

6 - É certo que estes condóminos podem efectivamente vir a dispor de um período de tempo mais curto do que o utilizável pelos condóminos presentes para ponderarem e tomarem uma decisão quanto à impugnação judicial, no caso de só terem tido conhecimento da deliberação, através da comunicação, quando decorrido parte do período de 60 dias. Ou, se não quiserem recorrer a um centro de arbitragem, podem, mesmo, verem-se obrigados, contra a sua vontade, a lançar mão previamente da exigência de convocação de uma assembleia extraordinária, no caso (anómalo, há-de convir-se, e configurando um incumprimento grosseiro do prazo legal) de a comunicação não ser efectuada em tempo útil, antes de extinto aquele prazo.

Mas nenhuma destas desvantagens comparativas é de molde a sobrecarregar o condómino ausente com ónus gravosamente desproporcionados. A convocação obedece à forma de carta registada (n.º 1 do artigo 1432.º) e, pelo menos quando a impossibilidade de comparência pessoal é antecipadamente previsível, o condómino pode fazer-se representar, preservando, assim, as vantagens da participação na assembleia e do conhecimento imediato das deliberações. Se não o fizer, pode ainda diligenciar para obter informações sobre o resultado da assembleia, antes de receber a comunicação na forma legal.

Reconhece-se que o exercício do direito de impugnar com recurso directo a uma acção de anulação pode exigir do condómino ausente uma diligência acrescida, quer na recolha de dados quanto à tomada e ao teor das deliberações, quer, sobretudo, na rapidez das iniciativas a desenvolver com vista à propositura dessa acção. Em casos-limite, pode, até, ver inviabilizado, pelo decurso do prazo, o acesso directo a um tribunal judicial. Mas, resultando a ausência de uma factor da esfera pessoal, e mesmo quando ela não proceda de desinteresse ou incúria, mas antes de uma razão objectivamente justificativa, não se afigura que o princípio da igualdade imponha ao legislador medidas legais compensatórias, de forma a colocar o ausente, em todos os planos e para todos os efeitos, exactamente na mesma posição do condómino presente.

Em último termo, o condómino ausente tem sempre garantido, em qualquer circunstância, o que é essencial: uma oportunidade efectiva em exercitar o seu direito de impugnar, com garantia de intervenção, ainda que em via de recurso, de uma instância judicial.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio é de sessenta dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente;

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.

9 de Dezembro de 2010. - Joaquim de Sousa Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - João Cura Mariano - Rui Manuel Moura Ramos.

17 abril 2025

EMA - cláusulas abusicas


Dispõe o DL nº 446/85, de 25 de Outubro que Institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (contendo as alterações dos seguintes diplomas: DL nº 220/95, de 31/08 e DL nº 108/2021, de 07/12), no seu art. 19º, sob a epígrafe "Cláusulas relativamente proibidas" que:

São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
a) (...)
b) (...)
c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir;
(...)

Jurisprudência:

Ac. STJ,
Data: 09-12-2014,
Proc. 1004/12.6TJLSB.L1.S1,
Relator Martins de Sousa:
Acórdãos do STJ:

-De 26-04-2007, Proc. nº 07B1070;
-De 12-02-2009, Proc. nº 08B4052;
-De 21-10-2010, Proc. nº 1285/07.7TJVNF.P1.S1;
-De 31-05-2011, Proc. nº 854/10.2TJPRT.S1;
-De 15-12-2011, Proc. nº 1807/08.6TVLSB.L1.S1;
-De 24-01-2012, Proc. nº 343/04.4TBMTJ.P1.S1;
-De 30-10-2012, Proc. nº 3313/06.4TVLSB.L1.S1;
-De 11-04-2013, Proc. nº 403/09.5TJLSB.L1.S1;
-De 14-11-2013, Proc. nº 122/09.2TJLSB.L1.S1;
-De 29-01-2014, Proc. nº 8339/11.3TBOER.L1.S1.

Sumário:

I - Os contratos de assistência técnica, manutenção e reparação de ascensores, devem obedecer a determinados requisitos legais, consubstanciando contratos-tipo, celebrados entre os proprietários dessas instalações e as empresas de manutenção de ascensores (EMA), por regra, com recurso a cláusulas contratuais gerais.

II - Uma cláusula contratual geral, inserta em contratos daquela espécie, com durações de 2 e 5 anos, respectivamente, que confere à EMA, em caso de rescisão antecipada do contrato pelo cliente, o direito a obter o pagamento imediato dos meses em falta até ao termo do contrato, multiplicado pelo valor mensal do serviço de manutenção em vigor à data da rescisão, reveste, manifestamente, o carácter de cláusula penal indemnizatória e compulsória.

III - Considerando as diversas figuras jurídicas extintivas das relações obrigacionais complexas – denúncia, revogação e resolução –, e ponderando que a rescisão não tem um sentido unívoco, deve considerar-se que aquela cláusula tem em vista as situações de resolução não justificada ou sem justa causa.

IV - Dentro do quadro negocial padronizado, é de considerar desproporcionada aos danos que visa ressarcir, e como tal nula, por violação do art. 19.º, al. c), da LCCG, a cláusula penal convencionada, pois dela resultará o pagamento pelo cliente/aderente da totalidade das prestações correspondentes aos meses do contrato em que este já cessou, sem a contraprestação do serviço da EMA que, para além disso, ficaria beneficiada por receber de uma só vez e em antecipação ao que estava previsto.

V - No que tange à denúncia, a LCCG pretende a proibição de cláusulas de exclusão da possibilidade de extinção, por declaração unilateral do contraente, da obrigação contratual duradoura, devendo aferir-se a excessividade do prazo de denúncia tendo como parâmetro de comparação o prazo de duração do contrato.

VI - O estabelecimento, naqueles contratos, com durações de 2 e 5 anos, de uma cláusula contratual geral que preveja um prazo de denúncia de 90 dias, afigura-se idóneo e adequado, dentro do quadro contratual padronizado, por representar, respectivamente, 12,5% e 5% do período total daqueles contratos, e não viola o art. 22.º, n.º 1, al. a), da LCCG.

VII - Exercendo a EMA, que utiliza aqueles clausulados nos seus contratos-tipo, a sua actividade em municípios situados na área metropolitana de Lisboa, apenas será necessária a publicitação da proibição, nos termos do art. 30.º da LCCG, num jornal diário, de maior tiragem, na respectiva área, pelo período de 3 dias consecutivos, sendo injustificado determinar tal publicitação noutras áreas geográficas do país.

Texto integral, vide aqui

14 abril 2025

Glossário de latinismos - B


Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no domínio jurídico, o presente glossário alfabético foi projectado para apresentar as definições das principais expressões latinas usadas no domínio do Direito.

beneficium abstinendi

Benefício de se abster.

beneficium juris

Dar o benefício do Direito. O mesmo que beneficium legis.

bis idem exigatur

A boa fé não tolera que a mesma coisa seja exigida duas vezes.

bis in idem

Do latim bis, «repetição» + in idem, «sobre o mesmo». No Direito, a expressão é utilizada para caracterizar a repetição de uma sanção sobre um mesmo facto.

bona est lex si quis ea legitime utatur

A lei é boa se alguém a usar legitimamente.

bona fide

De boa fé. Ex.: «Proceder bona fide».

bona gratia discere

Separar-se, divorciar-se amigavelmente, por acordo de ambas as partes.

bona publica

Bens públicos.

bona vacância

Bens vagantes, isto é, que não está ocupado, que não têm dono conhecido ou, se o têm, foram por ele abandonados.

boni mores

Bons costumes.

bonus pater famílias

No Direito romano era usada a expressão «bonus pater familiae» para designar o cidadão normal, segundo os padrões sociais, cívicos e familiares da sociedade, por cujo comportamento eram aferidos certos conceitos como de «diligência», que, por antítese, serve para definir a «culpa». Hoje, quando feita feita a tradução dessa expressão, se diz, na jurisprudência, que alguém usou da «diligência própria dum bom chefe de família», quer-se dizer, em termos práticos, que não agiu com culpa ou, pelo menos, com culpa legalmente relevante.]

Expressões correntes

Busilis

Dificuldade. Por ex. «Este é busílis da questão.»

13 abril 2025

Glossário jurídico - B

Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no domínio jurídico, o presente glossário alfabético foi projectado para apresentar as definições dos principais termos usados no campo do Direito.

Banco dos réus

Lugar em que se senta o réu para ser julgado.

Barra dos tribunais

Divisão da sala de audiências que separa o juiz do público.

Baixa

Devolução, feita pelo juiz, dos autos do processo que estavam em seu poder, para despachar ou sentenciar.

Bastonário da Ordem dos Advogados

Presidente da Ordem dos Advogados e, por inerência, presidente do Congresso, da Assembleia Geral e do Conselho Geral. Representa a Ordem dos Advogados, designadamente perante os órgãos de soberania. Assegura o cumprimento da legislação respeitante à Ordem dos Advogados e respectivos regulamentos e zela pela realização das suas atribuições.

Beca

Veste talar preta usado em tribunal pelos juízes e magistrado do Ministério Público. Cf. Toga

Bem

Coisa. O que diz respeito ao património. Quando a lei se refere aos bens do património de uma pessoa, pode referir-se não só aos objectos que o constituem, mas também a direitos (por exemplo, o direito de propriedade sobre um prédio). Também há bens jurídicos incorpóreos que não são coisas: a honra, a vida, a liberdade, entre outros.

Bem fungível

Que pode ser substituído por outro do mesmo género, da mesma qualidade ou quantidade.

Bem jurídico

Trata-se do valor ou interesse de alguém que é protegido por lei, sendo a base do direito penal para criar normas penais incriminadoras. Quem atentar contra ele, será punido. (No homicídio, por exemplo, o bem jurídico tutelado é o direito à vida humana.)

Bem móvel

Bem que pode ser movido, susceptível de movimento próprio ou de remoção por força alheia.

Bem imóvel

Aquele que não pode ser transportado de um lugar para outro sem alteração de sua substância.

Bem inalienável

O que, por força da lei, não pode ser objeto de alienação.

Beneficiário

Pessoa favorecida por um benefício ou a favor de quem se estabelece um benefício ou vantagem.

Beneplácito

Com a aprovação de.

Bens de raiz

As propriedades territoriais de qualquer natureza; prédios rústicos ou urbanos.

Bígamo

Aquele que contrai casamento com alguém sendo já casado; o que tem dois cônjuges ao mesmo tempo.

Boa-fé

Comportamento de acordo com os cuidados de um cidadăo diligente, honesto, leal e cumpridor da lei, no que respeita à celebração e execução de negócios jurídicos. Cf. Litigância por má-fé

Bons costumes

Normas de conduta que refletem as normas dominantes da moral social de um determinado meio e de uma determinada época.

Brocardo

Axioma jurídico escrito, a maior parte, em latim e que expressa um conceito ou regra maior.

Burla

Crime praticado por quem, visando o enriquecimento próprio ou de terceiro, induzir através de engano ou erro, outra pessoa a praticar atos que lhe causem prejuízo patrimonial. Crime previsto e punido pelo Código Penal, no âmbito dos crimes contra o património. Cf .Crime + Código Penal

Burla qualificada

Verifica-se quando o prejuízo causado à vítima for superior a 5 000,100€.

Busca e apreensão

Diligência policial ou judicial que tem por fim procurar coisa ou pessoa que se pretende encontrar, para a levar à presença da autoridade que a ordenou.

11 abril 2025

Cobrança extra-judicial de dividas

Pese embora o administrador do condomínio tenha à sua disposição um conjunto de meios judiciais para coagir os condóminos devedores a cumprir com as prestações a que se encontram adstritos, estes procedimentos podem ser demorados e dispendiosos, pelo que, pode aquele recorrer à cobrança extra-judicial da dívida, para a qual são competentes advogados e solicitadores, no sentido de contactar formalmente o devedor, interpelando-o ao cumprimento e, caso se justifique, propondo a celebração de um acordo de pagamento que seja favorável a ambas as partes. ​

Não obstante este primeiro expediente, o administrador tem à sua disposição um conjunto de meios tendentes à coerção dos condóminos devedores para cumprirem com as prestações a que estão adstritos. Nesta tessitura, pode aquele recorrer ao processo judicial de execução em que ocorrem as diligências para a penhora de rendimentos e bens dos devedores, necessários para cobrir as importâncias devidas e das custas do processo. No caso da penhora de bens, segue-se a venda executiva dos mesmos com a entrega do produto ao credor, que vê, assim, satisfeito o seu crédito.

No entanto, e como é consabido, os processos judiciais, caraterizam-se por serem excessivamente demorados e consideravelmente dispendiosos, pelo que, o administrador do condomínio pode e deve tentar a cobrança extra-.judicial, porquanto é do interesse do devedor optar pela via menos dispendiosa.

Neste concreto, a negociação tendente à cobrança de créditos é um acto próprio dos advogados e dos solicitadores com inscrição em vigor, sublinhe-se, sob pena de incorrerem num crime de procuradoria ilícita, porquanto tal prática está vedada aos demais representantes legais, empregados, funcionários ou agentes de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, salvo se a cobrança de dívidas constituir a actividade principal destas pessoas.

Assim, será da competência dos advogados ou solicitadores, caso tal seja no maior interesse do administrador, proceder às diligências para efectivar a cobrança extrajudicial de créditos, antes de avançar com uma acção executiva para Tribunal que, desde logo, se pode demonstrar infructífera por inexistência de bens do devedor para executar. Atente-se que para averiguar da real possibilidade de recuperação de créditos no âmbito de uma acção executiva, será, também, possível o recurso ao PEPEX.

Em regra, antes de se recorrer a um procedimento judicial, o normal é enviar-se uma carta de interpelação aos condóminos devedores, concedendo-lhes um prazo tido por razoável (por exemplo, 15 dias) para procederem ao pagamento, sendo também expressamente advertindos das consequências em que podem incorrer por não o fazer, nomeadamente pelo recurso à acção executiva. Pese embora não exista uma regra estabelecida quanto à forma de envio da carta, no entanto, o mais avisado será optar-se pelo envio por correio registado com aviso de recepção.

Importa ressalvar que este procedimento de envio de uma carta de interpelação não é obrigatório, pois até pode não ser um meio favorável à satisfação do interesse do administrador. Pense-se nos casos em que os condóminos devedores possam estar a proceder à dissipação dos seus bens, onde será quase indispensável recorrer ao processo de execução, requerendo a dispensa de citação prévia (antes da penhora) dos mesmos.

Após o envio desta carta de interpelação, pode acontecer uma de três situações:
  • os condóminos devedor pagam voluntariamente, o que será o resultado ideal;
  •  não respondem, tornando-se inevitável o recurso à cobrança judicial;
  • respondem propondo um acordo de pagamento.
Nesta última hipótese, em regra, inicia-se uma fase de negociações entre o devedor e o administrador, por e-mail ou telefone, para se chegar a um compromisso favorável a ambas as partes, de modo a que os condóminos devedores possam quitar as dividas em prestações.

Finalmente, atente-se que, no caso de celebração de um acordo de pagamento, será do interesse do administrador elaborar um documento que tenha a força de título executivo, pelo que não basta a confissão de dívida constante de documento particular com a simples assinatura do devedor, sendo portanto exigida a confissão de dívida constante de documento autêntico ou autenticado.

Carta de interpelação

Antes de se avançar para uma acção em tribunal, será, em regra, prudente procurar uma resolução amigável do litígio, ou seja, tentar resolver a questão ainda num momento extrajudicial, oferecendo ao devedor oportunidades de quitação da dívida por parcelamento ou pagamento integral.

A carta de interpelação será, no fundo, um documento enviado, pelo credor, ao devedor concedendo-lhe determinado prazo (o mais comum são 10 dias, mas pode variar) para proceder ao cumprimento da prestação devida, seja o pagamento de uma quantia ou a entrega de uma coisa.

Ainda, no final da carta, o devedor deve ser advertido das consequências que podem advir da não colaboração com o credor, isto é, do não pagamento da dívida nesta fase de tentativa de resolução amigável, nomeadamente o recurso à via judicial para a resolução do litígio e a consequente obtenção do crédito, ou seja, a interposição de uma ação executiva, no âmbito da qual se realizam diligências de penhora e venda executiva dos bens do devedor.

Quanto ao envio desta carta de interpelação, não há uma regra fixa, mas será sempre mais seguro enviar por correio registado com aviso de receção.

A resolução de litígios por via extrajudicial é uma questão particularmente sensível, pelo que se deve analisar a sua utilidade caso a caso. Ora, é possível que, sendo “avisado” por esta via, o devedor se apresse a dissipar os bens que possui, arriscando-se que o credor nada receba; nestes casos, o envio de uma carta de interpelação não será a via adequada de resolução.

Acordo de pagamento

Após a receção da carta de interpelação enviada pelo credor a conceder um prazo para o cumprimento da prestação devida, o devedor pode assumir uma de três posições:
  • Pode, desde logo, cumprir com a prestação devida, procedendo ao pagamento integral da quantia em dívida;
  • Pode manter-se em silêncio, não respondendo à comunicação efetuada pelo credor;
  • Pode, ainda, propor um acordo de pagamento faseado.
Na elaboração do acordo de pagamento, é necessário que sejam feitas cedências de ambas as partes. Na realidade, a resolução do litígio de forma amigável, através da celebração de um acordo de pagamento extrajudicial, é uma situação favorável:
  • Para o credor, existindo a vantagem de começar a ver a prestação a ser cumprida, ainda que de forma faseada, através de um plano de prestações;
  • Para o devedor, que tem a possibilidade de pagar a sua dívida em prestações, sendo, possivelmente, reduzidos os juros ou até parte da dívida perdoada.
  • Não é habitual que o credor reduza ao capital devido, mas já é muito frequente a cedência em relação aos juros, ainda que parcialmente, ficando a cláusula de renúncia a juros sujeita à condição do pagamento pontual das prestações acordadas.
Antes de 2013, este acordo de pagamento (enquanto documento particular), incluindo-se uma cláusula em que o devedor reconhecesse a existência da dívida, valia como título executivo, necessário para interpor uma ação executiva, enquanto meio destinado à cobrança judicial de um crédito.

Pelo contrário, atualmente, o acordo de pagamento em si mesmo não tem força executiva. De todo o modo, continua a ser possível dar a este acordo a natureza de documento autenticado, sendo-lhe aposto termo de autenticação por notário ou advogado em que se declara que o documento corresponde à vontade das partes. E, ainda que não tenha força executiva, será sempre um documento que pode ser apreciado pelo tribunal, dificultando a defesa do devedor, não devendo ser descurada a sua utilidade e viabilidade.

Título executivo

O título executivo é uma condição necessária à interposição de uma ação executiva, meio destinado à cobrança judicial de um crédito, tendo que acompanhar o requerimento executivo.

Este título executivo funciona como um documento que faz prova legal da existência do direito do credor, do crédito que este pretende executar. Assim, havendo título executivo, um documento que serve de base à execução, o direito do credor já está definido, não é necessária a interposição de uma injunção ou ação declarativa.

Ainda, é o título executivo que determina o fim e os limites exatos da dívida que se pretende cobrar, não podendo ser cobrado um valor superior ao que consta do título.

Apesar de constar sempre de um documento, o títulos executivo pode ter natureza distinta, podendo tratar-se de:
  • Títulos judiciais, como a sentença condenatória proferida em prévia ação declarativa, acórdão condenatório, despacho condenatório ou sentença homologatória de transação ou confissão de pedido;
  • Títulos negociais, como os títulos de crédito (letra, livrança ou cheque) ou documentos exarados ou autenticados por notário ou entidade equiparada, nomeadamente o advogado;
  • Títulos judiciais impróprios, como o requerimento de injunção em relação ao qual não exista oposição à injunção;
  • Títulos particulares, resultantes de certos documentos particulares a que se atribui força específica, como a ata de deliberação de assembleia de condóminos que determina o montante das contribuições devidas ao condomínio;
  • Títulos administrativos, resultantes de atividade administrativa, como títulos de cobrança de tributos, coimas, dívidas determinadas por ato administrativo, reembolsos ou reposições e outras receitas do Estado.
Acto próprio dos advogados e solicitadores

A Lei n.º 49/2014, de 24 de agosto, define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados e dos solicitadores. Atente-se que apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados (OA) e os solicitadores inscritos na Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE)  podem praticar os atos próprios dos advogados e dos solicitadores.

Assim, são actos próprios dos advogados e solicitadores:
  • O exercício do mandato forense, isto é, o mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais judiciais, os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;
  • A consulta jurídica, que consiste na actividade de aconselhamento jurídico que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas mediante solicitação de terceiro;
  • A elaboração de contratos e a prática de actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;
  • A negociação tendente à cobrança de créditos;
  • O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários.
Há, todavia, uma excepção a este regime, relacionada com a negociação tendente à cobrança de créditos, nos casos em que a cobrança de dívidas constitua o objecto ou actividade principal de determinada pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, existindo diversas empresas de cobranças de dívidas e recuperação de créditos.

10 abril 2025

Aprovação do regulamento do condomínio

No que concerne à função do regulamento do condomínio, resulta do disposto no artº 1429-A, nº 1, do CC, que o mesmo visa disciplinar o uso, a fruição e conservação das partes comuns. Todavia, a experiência contemporânea da realidade da vida, diz-nos que - com o desiderato de permitir ou proporcionar uma melhor coabitação entre todos condóminos e, assim, eliminar ou reduzir as principais fontes potenciadoras de riscos susceptíveis de contaminarem aquela sã convivência condominial -, na prática esses regulamentos ultrapassem a mera gestão das partes comuns, chegando ao ponto de interferirem com a gestão com das partes privadas, especialmente em termos de restrições de actos comportamentais nelas praticadas.

Num esforço visando caracterizar a figura do contrato, o prof. A. Varela - depois de afirmar que “as vontades que integram o acordo negocial contratual, embora concordantes ou ajustáveis entre si, têm que ser opostas, animadas de sinal contrário” – escreve que “quando as declarações de vontade se fundem não para formar um acordo sobre interesses contrapostos, mas para apurar, por sufrágio, a vontade de um órgão colegial, também não há contrato, mas deliberação. Enquanto o contrato só vincula quem o aceitou, a deliberação pode impor-se a quem votar contra ela ou a quem não participar sequer na sua formação (in “Direito das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª ed., Almedina, pág. 206”).

Assim, os regulamentos de condomínio, aprovados pelas assembleias gerais (pois é esse o caso que aqui nos interessa), enquanto expressão de autonomia privada na definição concreta do estatuto do direito real de propriedade horizontal, não mais são senão do que deliberações normativas ou regulamentares, corporizando em si um conjunto de regras gerais e abstractas, e que se destinam a disciplinar no futuro a acção dos condóminos no gozo e administração do prédio constituído em propriedade horizontal, vinculando todos os condóminos independentemente de terem ou não participado na sua formação e de o terem ou não votado (cfr., entre outros, e para maior desenvolvimento, Sandra Passinhas, in “Ob. cit. págs. 81/82”).

Muito embora não tenha a natureza contratual, é hoje prevalecente o entendimento que as regras deliberativas que compõem o Regulamento de um Condómino têm eficácia propter rem, vinculando todos aqueles que se encontram integrados na organização condominial, ou seja, tais regras criam verdadeiras obrigações propter rem para todos os condóminos e às quais estes ficam vinculados, não por via de um verdadeiro contrato mas por serem titulares de um direito real integrado no estatuto do direito real da propriedade horizontal (vide, a propósito, além de Sandra Passinhas, in “Ob. cit. págs. 81/82”, M. Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais, págs. 102 e 103” e in “Rev. Dtº. Est. Sociais, 1979, pág. 197”; Armindo Ribeiro Mendes, in “ROA, 1970, Ano 30, pág. 69”; Ac. da RLx de 8/5/2008, proc. 1824/08, disponível em www.dgsi.pt/jtrl” e Ac. do STJ. de 9/4/2004, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XI, T1, pág. 115”).

Resta dizer, que o estatuto da propriedade horizontal é, como resulta do que atrás se deixou, exarado, fixado pela lei (art. 1414º e ss do CC, onde se prevê um conjunto de normas imperativas que não podem ser derrogadas pelo regulamento), pelo título constitutivo e/ou pelo regulamento do condomínio.

07 abril 2025

Legitimidade passiva acção de impugnação


A questão da legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos tem sido objecto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência, havendo duas teses em confronto: 
  • para a primeira, a acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra os condóminos que as hajam aprovado, devendo nela figurar como réus, embora representados em juízo pelo administrador ou por quem a assembleia designar para o efeito;
  • para a segunda, as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
Dentro da primeira orientação, a título exemplificativo, vejam-se: Ac. do TRL de 4.2.2003, Azadinho Loureiro, 8460, Ac. do TRP de 20.3.2007, 551/07, Ac. do TRL de 13.3.3008, Tibério Silva, 10843/07, Ac. do STJ de 6.11.2008, Santos Bernardino, 2784/08, todos acessíveis em www.colectaneadejurisprudencia.com, Ac. do TRP de 4.10.2012, Leonel Serôdio, 1371/11 e Ac. do TRG de 9.3.2017, Purificação Carvalho, 42/16.

Seguindo a segunda posição, vejam-se: Ac. do STJ de 29.5.2007, Urbano Dias, 1484/07, Ac. do TRP de 7.1.2008, Damasceno Correia, 6176/07, ambos acessíveis em www.colectanedejurisprudencia.com, Ac. do TRL de 25.6.2009, Sacarrão Martins, 4838/07, Ac. TRG de 3.4.2014, Isabel Rocha, 1360/10, Ac. do TRG de 30.11.2016, Damião Cunha, 98/14, Ac. TRP de 13.2.2017, Carlos Gil, 232/16, Ac. do TRL de 7.3.2019, Pedro Martins, 26294/17, Ac. do TRL de 11.7.2019, Gabriela Cunha Rodrigues, 9441.17, Ac. do TRL de 26.9.2019, António Santos, 3209/18, Ac. TRG de 23.1.2020, Ramos Lopes, 1068/18.

Esta matéria constitui mais um dos exemplos em que se justifica a prolação de um acórdão de uniformização de jurisprudência.

A argumentação em prol de ambas as teses é conhecida, sendo que nos revemos mais nos argumentos que sustentam a segunda tese. Assim, por brevidade, retomamos as considerações expendidas no Ac. do TRL de 11.7.2019, Gabriela Cunha Rodrigues, 9441.17:

«À enumeração taxativa de entidades excecionalmente providas de personalidade judiciária, o legislador, na Reforma de 1995/1996, acrescentou o condomínio, prevendo-se no artigo 6.º, alínea e), do CPC de 1961 (atual artigo 12.º, alínea e), do CPC de 2013), que tem personalidade judiciária «o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador».

Este preceito aponta na direcção do art. 1437º do CC, que prevê especificamente a legitimidade para agir em juízo activa e passivamente, nalguns casos, e também para o art. 1436º do mesmo diploma, o qual enumera as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui, sob a alínea h), a execução das deliberações da assembleia.

Por seu turno, o nº 6 do art. 1433º do CC prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.

A deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (art. 1431º e 1432º do CC), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (art. 1430º, nº 1, do CC), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (art. 1435º a 1438º, todos do CC).

Assim, a solução mais correcta parece ser a de demandar o condomínio, como se conclui no acórdão do TRP de 13.2.2017: «Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação».

Senão, vejamos.

A tese negatória da legitimidade passiva do condomínio encontra arrimo forte na redação do art. 1433º, nº 6, do CC, norma expressamente dedicada à «impugnação de deliberações». E, de facto, a letra da lei reporta-se aos «condóminos contra quem são propostas as acções».

O legislador não afirma que a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a acção incumbe ao administrador, mas, ao invés, que este representa os condóminos.

Sem embargo, a redacção deste preceito deriva do DL nº 267/94, de 25/10, e foi redigida num momento histórico em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte activa ou passiva num processo cível.

Só com a Reforma de 1995/1996, o art. 6º, al. e), do CPC de 1961 estendeu a personalidade judiciária ao condomínio. E o art. 231º, nº 1, do CPC de 1961 (actual art. 223º, nº 1, do CPC de 2013), cuja redacção resulta da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador).

Chegados a este ponto, verificamos que a actividade interpretativa reclama, em particular neste caso, uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico.

Baptista Machado, repudiando por completo o positivismo jurídico, não deixa, no ponto concreto da interpretação, de lançar mão de todos os pontos evidenciados no art. 9º do CC para alcançar o desideratum voluntas legislatoris.

Realça que o texto é o ponto de partida (tendo mesmo uma função negativa, de afastamento ou eliminação de sentidos sem qualquer apoio; mas também positivo quando vários sentidos sejam possíveis nela colher), passando pelo elemento teleológico («o conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (...) em que a norma foi elaborada»), pelo elemento sistemático (o que significa «a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda» (...) «é oportuno referir aqui a descoberta da “geneologia” ou “linhagem jurídico-sistemática” da norma»), mas também o elemento histórico, nele considerando a evolução do instituto, as chamadas fontes da lei e os trabalhos preparatórios, considerando como ponto mais importante de tarefa a busca da unidade do sistema (cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, pp. 181 e ss).

Numa linha de pensamento muito próxima, Francesco Ferrara refere que «o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir. A lei é um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto, em toda a plenitude que assegure tal tarefa» (apud voto de vencido do Juiz Conselheiro Urbano Dias, no acórdão do STJ de 24.6.2008, p. 08A1755, in www.dgsi.pt).

Também Castanheira Neves ensina que o «problema jurídico-normativo da interpretação não é o de determinar a significação, ainda que significação jurídica, que exprimam as leis ou quaisquer normas jurídicas, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos. Uma "boa" interpretação não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica-exegética, determina corretamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspetiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto» (Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, Coimbra Editora, ed./reimpressão 2013, p. 84).

Isto leva-nos a aderir à interpretação actualista do citado art. 1433º, nº 6, do CC, preconizada por Miguel Mesquita, que propugna a tarefa interpretativa de substituir a expressão condóminos pela palavra condomínio.

À pergunta se actuará o condomínio no seu próprio interesse, autonomizando-se verdadeiramente dos condóminos, responde-nos sabiamente Miguel Mesquita, valendo a pena recorrer a esta citação mais longa do autor:

«Pensamos que não. Em nosso entender, o condomínio é a face processual dos condóminos (assim como uma comissão é a face dos comissionados), não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a "máscara" do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância.

O condomínio é a "capa" processual dos condóminos, uma "capa" que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação. Com os comissionados ocorre, exactamente, a mesma coisa.

A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da "capa" do condomínio. Como, na doutrina alemã, FIABSCITEID reconhece, após rejeitar, relativamente às associações não personalizadas, a figura da substituição processual, "a parte permanece o conjunto dos respectivos membros (die Gesamtheit der jeweiligen Mi tglieder). Por isso é que o depoimento de um condómino tem de ser visto como um depoimento de parte e jamais como um depoimento testemunhal.

Enquanto o substituto processual se distingue da parte substituída, a pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas.

Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial» - (A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Ações de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos, pp. 50 e 51).

E esta interpretação actualista tem também como alvo o art. 383º, nº 2, do CPC (art. 398º do CPC de 1961), cuja redação permanece inalterada desde 1967.

Este preceito, relativo ao procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, diz-nos que «é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na ação de anulação».

Como explica Miguel Mesquita, «À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos» (obra citada, p. 54).

Dentro do mesmo registo, sem prejuízo de diferenças a assinalar, sustenta Sandra Passinhas que o administrador «age como representante orgânico do condomínio» e que «a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condómino, a legitimidade passiva cabe ao administrador».

Acrescenta ainda a autora que «As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador» (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Coimbra: Almedina, 2.ª reimp. da 2.ª ed. de janeiro/2002, Coimbra: Almedina, pp. 346 e 347).

Sem prejuízo de a autora sustentar que parte legítima é o administrador do condomínio, pensamos que não se apartará muito da tese da interpretação actualista supra expendida, pois acaba por assinalar e aderir ao entendimento do acórdão do TRL de 14.5.1998, no seguinte trecho:

«Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Maio de 1998, CJ, III, pág. 96 e ss., "entre os poderes do administrador contam-se os inerentes à representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação de deliberação da assembleia, salvo se outra pessoa for nomeada pela assembleia, conforme se preceitua no artigo 1433.º, n.º 6. (...) Significa isto que, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia. (...) Da especificidade da representação do condomínio resultante da propriedade horizontal nas acções de anulação das deliberações decorre que, para cabal cumprimento do disposto no artigo 476.º, n.º 1, alínea e), do C.PCivil, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e a residência do administrador ou da pessoa que a assembleia tenha porventura designado para representar o condomínio nessas acções, sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado» (obra citada, p. 347).

Ainda a propósito da tese de Sandra Passinhas, chamamos a atenção para a jurisprudência do citado acórdão do TRL de 7.3.2019, no qual se escreveu o seguinte:

«(…) independentemente desta aparente incongruência (decorrente da citação do ac. do TRL) não há dúvida de que para esta autora o administrador está na acção como representante do condomínio e não dos condóminos que aprovaram as deliberações (considerando que, nas acções do art. 1437 do CC, que não necessariamente nesta, o administrador é a própria parte, embora em substituição processual, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, em vários post’s colocados no blog do IPPC – em 01/03/2015, O que significa o disposto no art. 1437.º CC?; em 06/03/2018, Jurisprudência (805); em 21/01/2019, Jurisprudência 2018 (158); -, e Paula Costa Silva, citada no ac. do TRL de 20/06/2013, proc. 6942/04.7TJLSB-B.L1-2, e Antunes Varela, CC, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 455, mas este sem referência à substituição processual; Lebre de Freitas e Miguel Mesquita criticam estas posições – da substituição processual -, obras citadas, págs. 43-44 e 50/51, respectivamente, entre o mais porque o administrador não tem um interesse próprio)».
Decorre do exposto que «o condomínio é a parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorreto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador» (Miguel Mesquita, obra citada, p. 54).

Ainda que o rumo traçado não fosse a interpretação actualista da lei, no limite sempre seria de seguir o raciocínio forjado no acórdão do TRL de 28.3.2006.

Segundo este aresto, o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do nº 6 do art. 1433º do CC «a representação judiciária dos condóminos contra quem as ações são propostas» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas)», já que o condomínio é o conjunto organizado dos condóminos.

Acrescentamos ainda um argumento a pari, esgrimido no acórdão do TRP de 13.2.2017, onde se escreve que:

«(…) também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio». Volvendo ao caso concreto, este concede ainda mais força a esta interpretação no sentido de um exercício mais ágil do direito de acção.

Como escreveu Miguel Mesquita, «Quanto ao nosso problema, a necessidade de identificar todos os condóminos pode ser "diabólica", por duas razões: por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal; por causa, também, da impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida. Na realidade, a lei não exige que sejam mencionados os condóminos que votaram a favor de uma deliberação. O art. 1.º do DL n.º 268/94, de 25/10, exige apenas que as actas das assembleias de condóminos sejam "assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado" (4º). Estas duas razões de fundo levam-nos a pensar que a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio, ao rejeitar a interpretação actualista do art. 1433.º, n.º 6, do CC, constitui uma solução pouco prática e, até, espinhosa» (obra citada, pp. 55 e 56).

E – conclui o autor – «Os pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil» (obra citada, p. 56).»

Substituição elevador


Tribunal: Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 7888/19.0T8LSB.L1-7
Relator: Luís Filipe Pires de Sousa
Data:21 Abril 2020
Votação: Maioria com voto de vencido

Descritores:

Assembleia de condóminos
Acção de impugnação de deliberações
Legitimidade passiva
Elevadores
Inovação

Sumário:

i. A ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação.

ii. Não constitui inovação para os efeitos do nº1 do Artigo 1425º do Código Civil, a obra - aprovada em deliberação da assembleia de condóminos - que consiste na substituição de um elevador antigo por um novo, acompanhado da relocalização do motor existente no 4º piso para o rés-do-chão, num contexto em que o elevador a substituir se encontra desatualizado em termos de segurança e tecnologia, apresenta evidências de desgaste elevado, consistente com a sua idade, e não está em condições de funcionar, conforme consta no relatório da inspeção.

Texto integral: vide aqui

04 abril 2025

Comunhão, contitularidade e compropriedade


Existe propriedade em comum, compropriedade, comunhão ou contitularidade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa (cfr. nº 1 do art. 1403º do Código Civil). 

Por exemplo, se a compra de um imóvel tiver sido efectuada simultaneamente por AA e BB, na qualidade de compradores, os mesmos tornaram-se comproprietários da habitação.

Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais ainda que possam ser quantitativamente diferentes. 

Cada comproprietário tem uma posição quantitativamente determinada sobre a coisa comum, designada de quota. Essa posição resulta do título constitutivo, por exemplo, o contrato de compra e venda. 

Quando o título constitutivo é omisso, a lei presume que as quotas são iguais (cfr. nº 2 do art. 1403.º, in fine, do CC), o que significa, por exemplo, que sendo dois os comproprietários, cada um terá uma quota de metade. Na hipótese de valer a presunção legal, será possível a sua elisão, nos termos gerais. 

A determinação da quota dos comproprietários é importante, uma vez que, nos termos legais, entre outros efeitos, os comproprietários participam nos encargos e nas vantagens da coisa comum na proporção das suas quotas (cfr. nº 1 do art. 1405º do CC). Por exemplo, no pagamento do imposto devido pela titularidade da coisa comum ou numa mais-valia na futura venda da coisa comum. 

No regime típico da compropriedade, os comproprietários não estão obrigados a permanecer na situação de indivisão, podendo obter a divisão da coisa comum amigavelmente ou, na falta de acordo, judicialmente, porém, os demais comproprietários gozam de preferência legal na venda ou dação em cumprimento da quota alienada, nos termos previstos no art. 1409º do CC. 

As regras da compropriedade, previstas nos artigos 1403º e seguintes do Código Civil, têm relevância acentuada, por serem igualmente aplicáveis, com as necessárias adaptações, a outras formas de comunhão ou contitularidade, por exemplo, ao co-usufruto (art. 1404.º do CC) e à propriedade horizontal (art. 1414º e ss. do CC) 

Neste regime, impera uma regra diferente, porquanto, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo o conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles podendo ser alienado separadamente, nem sendo lícito renunciar à parte comum (cfr. art. 1420º do CC).

A compropriedade e a comunhão de bens têm contudo regime diverso: Na compropriedade, cada um dos comproprietários tem direito a uma quota; ideal ou intelectual do objecto, tendo cada um deles uma certa liberdade para agir isoladamente quanto à sua fracção; Na comunhão de bens (designadamente na comunhão conjugal) há um só direito e vários titulares, não podendo nenhum deles isolado fazer nada. Na comunhão conjugal, quanto à partilha, há que seguir a via extrajudicial por acordo, ou, não o havendo, há que seguir o regime do inventário, não a divisão de coisa comum, a qual pressupõe a existência de compropriedade.

A compropriedade não se confunde com a comunhão emergente de um regime matrimonial de bens, uma vez que aquela pressupõe um título de aquisição de um bem em que ambos os comproprietários intervenham, enquanto esta significa que um bem adquirido apenas por um dos cônjuges passa a ser bem comum do casal. Assim, os bens comuns dos cônjuges constituem objecto, não duma relação de compropriedade, mas duma propriedade colectiva e nesta, há um direito uno, enquanto na compropriedade há um aglomerado de quotas dos vários comproprietários. Só se se tiver intervindo como comprador na escritura de compra e venda é que se pode afirmar ter este adquirido em comum e partes iguais (como comproprietário) o bem objecto da escritura.


01 abril 2025

ACTRP 13-09-16: Incorporação parte fracção vizinha


Tribunal: TRP
Processo: 2144/10.1TBPVZ.P1
Relator: Rodrigues Pires
Data: 13/09/2016

Descritores

Propriedade horizontal
Alteração
Título Constitutivo
Usucapião

Sumário:

I - Face ao disposto no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil – e não se verificando nenhuma das exceções previstas no art. 1422º-A do mesmo diploma (junção de frações contíguas; divisão de frações autónomas autorizada pelo título constitutivo ou pela assembleia de condóminos sem oposição) -, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas é possível quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente formalizado em escritura pública ou documento particular autenticado e nunca através de decisão judicial, que se funde, designadamente, na aquisição por usucapião.

II - Se um condómino pretende alterar o título constitutivo da propriedade horizontal anexando à sua fração autónoma parte de uma outra fração, essa situação não cabe em nenhuma das exceções previstas no art. 1422º-A do Cód. Civil.

III - Se para a solução do caso a impugnação da decisão da matéria de facto se mostra irrelevante, o Tribunal da Relação pode abster-se de proceder ao seu conhecimento, por tal se tratar de ato inútil.

Texto integral: vide aqui