Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

14 novembro 2024

As funções do administrador

O exercício do cargo de administrador de condomínio envolve cada vez mais maior exigência, com um conjunto de tarefas a desempenhar que podem exigir muito trabalho e obrigar frequentemente a lidar com questões jurídicas.

O administrador é um órgão unipessoal, activo, electivo e executivo, que apesar de subordinado hierarquicamente à assembleia dos condóminos, não é totalmente submisso, porquanto o legislador confere-lhe alguns poderes-deveres e obrigações.

Nesta conformidade, compete em especial, ao administrador, as funções elencadas no art. 1436º do CC, porém, as mesmas não se esgotam neste preceito a enumeração das suas obrigações que, além do disposto nos art. 1431º e 1429º/2, in fine, do CC são completadas por outras disposições insitas no códígo cível e outros diplomas avulso.

Assim, incumbe ao administrador:
  • Abrir a conta poupança-condomínio, precedendo competente deliberação da assembleia de condóminos (art. 1 DL 269/94) e mobilizá-la (nº 2 DL 269/94.
  • Actualizar, o seguro obrigatório de acordo com o índice publicado trimestralmente pelo Instituto de Seguros de Portugal sempre que verifique a existência de uma desconformidade entre o valor contratado pelos condóminos e o valor fixado pela assembleia (art. 5º do DL 268/94). 
  • Afixar a identificação do administrador em exercício ou de quem, a título provisório, desempenhe as funções do mesmo, a qual, deve ficar visível na entrada e no local de estilo do prédio ou do conjunto de prédios (art. 1438º-A do CC) ou em local de passagem comum aos condóminos (art. 3º do DL 268/94).
  • Apresentação de coisas. O direito de exibição – actio ad exhibendum – traduz-se no exame de qualquer coisa que se encontra em poder do administrador, e serve para que o condómino, enquanto legitimo titular de um direito, se possa esclarecer acerca da existência ou do conteúdo do seu direito, ou se habilite a exercê-lo ou a conservá-lo (art. 574º do CC).
  • Apresentação de documentos. São requisitos da apresentação de documentos que o o administrador não o queira facultar; que não tenha motivos fundados para se opor à apresentação; e que o condómino tenha um interesse juridicamente atendível no seu exame, ou que este seja necessário para apurar a existência ou conteúdo do direito, pessoal ou real (ainda que condicional ou a prazo), que invoca (art. 575º do CC). 
  • Assegurar a execução das normas vertidas em sede do regulamento do condomínio e bem assim, das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio (art. 1436º, al. m) do CC).
  • Assegurar a publicitação das regras respeitantes à segurança do edifício ou conjunto de edifícios, designadamente no que respeita às condições de auto-protecção dos espaços comuns, dos sistemas e equipamentos de segurança contra risco de incêndio do edifício e das vias de evacuação comuns (art. 8º do DL 268/94).
  • Cobrar as receitas relativamente ao arrendamento da casa da porteira ou outras áreas comuns e efectuar o pagamento das despesas comuns, nomeadamente os serviços de interesse comum (art. 1436º, al. d) do CC).
  • Contratar o seguro obrigatório contra o risco de incêndio, quer quanto às fracções autónomas, quer quanto às partes comuns, quando os condóminos o não hajam feito dentro do prazo e pelo valor que, para o efeito, tenha sido fixado em sede plenária (art. 1429º, nº 2 do CC).
  • Convocar a assembleia de condomínio anualmente para a discussão e aprovação do relatório de gestão e das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento previsional das despesas a efectuar durante o novo exercício administrativo (art. 1431º do CC) e extraordinariamente, sempre que julgue oportuno e se justifique (art. 1436º, al. a) do CC).
  • Elaborar um orçamento previsional com as receitas e as despesas relativas a cada novo exercício administrativo, a fazer aprovar em reunião plenária (art. 1431º, nº 1 do CC), correlacionando as despesas com o valor atribuído às fracções autónomas (art. 1418º, nº 1 do CC), de onde resulte o montante proporcional das comparticipações de cada condómino (art. 1436º al. b) do CC).
  • Elaborar o regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns (art. 1429º-A do CC).
  • Elaborar o regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação quer das partes comuns, quer das fracções autónomas (art. 1418º, nº 2, al. b) do CC).
  • Emitir, no prazo máximo de 10 dias, uma declaração de dívida do condómino, sempre que tal seja lhe solicitado pelo mesmo, nomeadamente para efeitos de alienação da fracção autónoma (art. 1436º, al. q) do CC).
  • Executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objecto de impugnação (art. 286º ou 1433º do CC), no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada (art. 1436º, al. i) do CC).
  • Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas havidas aprovadas em sede de orçamento, incluindo os juros legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas pelo regulamento do condomínio ou por deliberação da assembleia (art. 1436º, al. f) do CC).
  • Facultar uma cópia do regulamento aos terceiros titulares de direitos relativos às fracções. Estes terceiros podem ser um titular de um direito de uso e habitação, um titular de um direito de retenção, um depositário judicial, um fiduciário, um locatário, um inquilino, eventuais herdeiros, os cônjuges, os comproprietários (art. 9º do DL 268/94).
  • Guardar as actas e facultar a respectiva consulta, quer aos condóminos, quer aos terceiros titulares de direitos sobre as fracções. Estes terceiros podem ser um titular de um direito de uso e habitação, um titular de um direito de retenção, um depositário judicial, um fiduciário, um locatário, um inquilino, eventuais herdeiros, os cônjuges, os comproprietários (art. 1º, nº 3 do DL 268/94).
  • Guarda as cópias autenticadas dos documentos utilizados para instruir o processo de constituição da propriedade horizontal, designadamente do projecto aprovado pela entidade pública competente (art. 2º, nº 1 do DL 268/94).
  • Guardar e dar a conhecer aos condóminos todas as notificações dirigidas ao condomínio, designadamente as provenientes das autoridades administrativas (art. 2º, nº 2 do DL 268/94).
  • Guardar e manter em arquivo morto todos os documentos que digam respeito ao condomínio (art. 1436º, al. n) do CC).
  • Informar, pelo menos semestralmente e por escrito ou por correio electrónico, todos os condóminos e terceiros titulares de direitos sobre as fracções autónomas acerca dos desenvolvimentos de qualquer processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo, salvo no que toca aos processos sujeitos a segredo de justiça ou a processos cuja informação deva, por outro motivo, ser mantida sob reserva (art. 1436º al. p) do CC) 
  • Informar, por escrito ou por correio electrónico, os condóminos e terceiros titulares de direitos sobre as fracções autónomas, sempre que o condomínio for citado ou notificado no âmbito de um processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo (art. 1436, al. o) do CC).
  • Instaurar acções judiciais destinadas a cobrar o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio (art. 6º do DL 268/94).
  • Intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua actuação (art. 1436º, al. r) do CC).
  • Lavrar as actas das assembleias quando nelas tenha servido de presidente da mesa (art. 1º, nº 1 do DL 268/94).
  • Obrigação da prestação de informações, sempre que o condómino, enquanto titular de um direito tenha dúvida fundada acerca de qualquer assunto e o administrador esteja em condições de prestar as informações necessárias (art. 573º do CC).
  • Prestar contas à assembleia (art. 1436º, al. l) do CC). Enquanto órgão executivo que, quotidianamente, procede a pagamentos e a recebimentos referentes ao condomínio, terá o dever de prestar contas desses valores (que montantes foram recebidos, que montantes não foram cobrados, que valores foram objecto de pagamento, qual a sua causa, a compatibilização desses valores com as deliberações condominiais, a respectiva adequação com o orçamento aprovado ou a cabimentação relativamente a valores de cariz extraordinário, etc.) perante o conjunto dos condóminos. Se o administrador se recusar a prestar contas, o condomínio pode exigir-lhas através da instauração de um processo especial de prestação de contas (art. 941º e ss do CPC).
  • Proceder à constituição e depósito em instituição bancária do Fundo Comum de Reserva (art. 4º do DL 268/94).
  • Realizar todos os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns, garantindo a utilização e conservação das partes e coisas comuns do condomínio (art. 1436º, al. g) do CC).
  • Receber as notificações relativas a obras de reparação, beneficiação ou conservação ou a demolições, embargos ou despejos administrativos, a que se referem os art. 9º, 10º, 12º e 165º do RGEU (DL 38 382 de 7/8 - art. 11º).
  • Recorrer aos mecanismos legais (centros de arbitragem, julgados de paz e tribunais judiciais) para a apresentação de queixas-crime relacionadas com as partes comuns (art. 1437º, nº 3 do CC).
  • Regular o uso das coisas comuns quando não seja por exemplo possível o seu uso simultâneo e a prestação dos serviços de interesse comum (art. 1436º, al. h) do CC).
  • Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas, tais como a câmara municipal, junta de freguesia, conservatória, etc. (art. 1436º, al. j) do CC).
  • Representar o condomínio perante o tribunal, atento o facto de a personalidade judiciária do condomínio coincidir com a das funções do administrador (art. 1437º, nº 1 do CC e art. 12º, al. e) do CPC).
  • Sempre que estiver em causa deliberação da assembleia de condóminos relativamente a obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação, a realizar no edifício ou no conjunto de edifícios, apresentar pelo menos três orçamentos de diferentes proveniências para a execução das mesmas, desde que o regulamento de condomínio ou a assembleia de condóminos não disponha de forma diferente (art. 1436º, nº 2 do CC).
  • Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro (art. 1436º, al. c) do CC).
  • Verificar a existência do fundo comum de reserva, de constituição obrigatória e para o qual, cada condómino contribui para esse fundo com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10% da sua quota-parte nas restantes despesas do condomínio (art. 1436º, al. e) do CC e art. 4º do DL 268/94)
Por outro lado, sendo, como é, um mandatário, o administrador está sujeito ao disposto no art. 1161º do Código Civil:

a) A praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante;
b) A prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão;
c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu;
d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir;
e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.

O administrador de condomínio que não cumprir as funções que lhe são cometidas no art. 1436º do CC, no DL 268/94 de 25/10 e noutras disposições legais ou em deliberações da assembleia de condóminos é civilmente responsável pela sua omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, se aplicável.

De observar que o actual texto do Código, como já acontecia com o anterior (que eliminara a referência à sanção que o nº 3 do art. 34º do DL 40 333 cominava para a falta do administrador de não efectuar e manter o seguro do edifício contra o risco de incêndio), não contém qualquer referência à responsabilidade do administrador decorrente do exercício da sua função. Isto porque funciona o princípio geral do art. 483º do CC de que deriva a obrigação de indemnizar na medida do dano causado, conforme os art. 562º, 563º e 564º daquele mesmo diploma.

Assim, o administrador do condomínio é sempre responsável pelo escrupuloso cumprimento das suas funções, podendo incorrer na obrigação de indemnizar os condóminos (ou mesmo terceiros) quando, no exercício das mesmas, ilicitamente lhes causar, por dolo ou mera culpa, qualquer dano.

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