Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

11 fevereiro 2025

Caducidade do contrato de arrendamento: Pagamento benfeitorias

Direito ao pagamento de benfeitorias

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que, uma vez caducado o contrato de arrendamento devido à morte da senhoria usufrutuária, os arrendatários estão obrigados a entregar o locado, podendo, no entanto, retê-lo até receberem o pagamento a que têm direito pelas benfeitorias que realizaram no mesmo, resultantes de obras lícitas, conhecidas e autorizadas pela senhoria.

O caso

Em 1977, a usufrutuária de um prédio arrendou o segundo andar direito do mesmo. Quando, em 2014, a usufrutuária faleceu, as proprietárias do prédio comunicaram ao inquilino que devia desocupar o imóvel uma vez que o arrendamento caducara com a extinção do usufruto.

Os arrendatários recusaram-se a sair, defendendo a manutenção do contrato e exigindo, em caso de saída, uma indemnização por todas as obras que tinham sido obrigados a realizar face às infiltrações de águas e à progressiva degradação do imóvel, substituindo janelas, colocando tetos falsos, reformulando a instalação elétrica, a canalização de águas da cozinha e da casa de banho e a de gás e procedendo à reparação dos tetos e paredes.

Em tribunal, este condenou os arrendatários a procederem à restituição do imóvel e a pagarem o dobro do valor das rendas convencionadas desde o momento eu que se tinham recusado a deixar o locado e até à sua entrega efetiva. Mas condenou também as proprietárias a indemnizá-los pelas benfeitorias que tinham realizado, reconhecendo aos arrendatários o direito de retenção sobre o imóvel arrendado até ao pagamento integral dessas benfeitorias.

Inconformadas, as proprietárias recorreram desta decisão para o TRL, insistindo no pagamento de uma indemnização pela privação do direito de uso do imóvel, a par com o pagamento do dobro do valor das rendas convencionadas, em relação ao período entre a constituição em mora e a efetiva entrega do locado, e rejeitando a sua obrigação de pagamento das benfeitorias face à inexistência de autorização escrita para a sua realização, bem como o consequente direito de retenção sobre o imóvel.

Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O TRL julgou improcedente o recurso ao decidir que, uma vez caducado o contrato de arrendamento devido à morte da senhoria usufrutuária, os arrendatários estão obrigados a entregar o locado, podendo, no entanto, retê-lo até receberem o pagamento a que têm direito pelas benfeitorias que realizaram no mesmo, resultantes de obras lícitas, conhecidas e autorizadas pela senhoria.

A cessação do contrato só dá ao arrendatário direito a ser compensado pelas obras licitamente feitas, entendendo-se como tal as devidamente autorizadas pelo senhorio, para além das reparações urgentes e das decorrentes de execução administrativa.

A exigência de que essa autorização do senhorio seja dada por escrito é uma formalidade meramente probatória e não substancial, estabelecida para proteção do arrendatário, cuja falta pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir.

No caso, tendo-se provado que todas as obras efetuadas no locado foram do conhecimento e autorizadas pela senhoria, embora só as de modificação da canalização da casa de banho e cozinha tivessem sido autorizadas por escrito, não pode ser recusado o direito aos arrendatários ao pagamento da totalidade das benfeitorias realizadas com base na confiança que depositaram na licitude dessas obras, só podendo essa omissão de forma escrita ser imputável à senhoria.

Esse pedido de restituição aos arrendatários do valor das despesas que ao longo de anos fizeram no locado em vantagem do imóvel insere-se dentro dos limites da valorização proporcionada no locado pelas obras por si efetuadas e, como tal, não pode consubstanciar um abuso de direito, mesmo quando estejam em causa rendas de valor bastante reduzido.

Tendo os arrendatários direito ao pagamento das benfeitorias que realizaram e estando obrigados a entregarem o locado face à caducidade do contrato, a lei reconhece-lhes também o direito de reterem o imóvel até receberem esse pagamento. Reconhecimento que é feito, não para prorrogar o gozo da coisa, mas com função coercitiva, para coagir o senhorio a cumprir a obrigação respetiva.

O TRL decidiu ainda que, a partir do momento em que seja exigível a restituição do locado, após a caducidade do contrato, será devida pelo arrendatário, por cada mês de atraso na restituição, uma indemnização de valor equivalente ao dobro da renda mensal convencionada, não podendo essa indemnização ser acumulada com outra, ainda que dependente do locador demonstrar que sofreu danos superiores.

Referências:
  • Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 869/14.1T8LSB.L1-8, de 10 de maio de 2018
  • Código Civil, artigos 393.º, 754.º, 1036.º, 1045.º n.º 2 e 1074.º
  • Lei n.º 6/2006, de 27/02, artigo 29.º
Veja também:
  • Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.05.2018

10 fevereiro 2025

Imposição de obras no prédio arrendado


Cabe ao senhorio efectuar as obras necessárias à manutenção do estado de conservação do prédio arrendado, nos termos dos art. 1074º e 1111º do CC, bem como da legislação urbanística aplicável, nomeadamente do regime jurídico da urbanização e da edificação e do regime jurídico da reabilitação urbana. Assim, no caso de o senhorio não efectuar as obras a que está obrigado, o município ou a entidade gestora da operação de reabilitação urbana podem intimá-lo à sua realização, bem como proceder à sua realização coerciva.

A realização de obras coercivas pode ocorrer, nos termos do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados (RJOPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006 de 8/8, por iniciativa:
  • Do município, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, quando o proprietário não iniciar as obras de conservação a que esteja obrigado (al. a) art. 12º);
  • Do município ou da entidade gestora da operação de reabilitação urbana, nos termos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, quando o proprietário incumprir a obrigação de reabilitar imposta pela entidade gestora (al. b) do art. 12º).
Nestes casos, a entidade promotora da obra coerciva pode proceder ao despejo administrativo e ocupar o imóvel, total ou parcialmente, até um período de 1 ano após a data da conclusão das obras (art. 13º), devendo realojar os arrendatários existentes e, tratando-se de arrendamento não habitacional, não sendo o realojamento possível ou aceite pelo arrendatário, proceder ao pagamento de uma indemnização (art. 15º).

Nos termos do artr. 16º, o arrendatário deve ser notificado, por carta registada ou por afixação de edital na porta da respectiva casa e na sede da junta de freguesia, com antecedência não inferior a 30 dias, da data do despejo administrativo (al. a); do local de realojamento que lhe foi destinado (al. b); da obrigação de retirar todos os bens do local despejando (al. c); da duração previsível das obras (al. d); e da obrigação de depositar as rendas, nos termos do art. 19º (al. e).

O ressarcimento do custo das obras coercivas e do realojamento temporário dos arrendatários (art. 21º) é feito pelo recebimento das rendas correspondentes a esse valor, podendo o senhorio ficar com 50% das rendas se demonstrar que elas são indispensáveis para o seu sustento (art. 18º).

A entidade promotora das obras coercivas deve comunicar ao arrendatário o fim das obras, devendo o arrendatário reocupar o locado no prazo de três meses, salvo justo impedimento, sob pena de caducidade do contrato de arrendamento (art. 17º).

Finalmente, importa salientar que o aqui disposto é aplicável, com as devidas adaptações, à realização de obras em prédios arrendados por entidade à qual a lei confira esse direito, nomeadamente sociedades de reabilitação urbana, fundos de investimento imobiliário e fundos de pensões (art. 22º).