Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

01 junho 2025

Definição de animais de companhia

Em 2003, com a publicação do DL nº 313/2003, de 17 de Dezembro (já revogado), foi criado o Sistema de Identificação de Caninos e Felinos (SICAFE), que estabelece as exigências em matéria de identificação electrónica de cães e gatos, enquanto animais de companhia, e o seu registo numa base de dados nacional.

Por outro lado, numa iniciativa privada, tinha sido criado em 1992 o Sistema de Identificação e Recuperação Animal (SIRA), desenvolvido com o objectivo de facilitar a recuperação de animais de companhia perdidos e encontrados por terceiros, onde muitos animais de companhia de diferentes espécies foram registados de modo voluntário.

O SIAC, instituído pelo DL nº 82/2019 de 27 de Junho, dá satisfação à Resolução da Assembleia da República n.º 155/2016, de 1 de Julho, que recomendou ao Governo a fusão do SICAFE e do SIRA, passando o novo sistema, o SIAC, a integrar a identificação dos animais de companhia constantes dos dois anteriores sistemas, e a assegurar as respectivas finalidades.

Por outro lado, o DL nº 276/2001, de 17 de Outubro, na sua redacção actual, que estabeleceu procedimentos a serem observados na comercialização de animais de companhia, é complementado com a determinação da obrigatoriedade do registo das transferências de titularidade, bem como da necessidade de os animais objecto de transação deverem estar previamente marcados e registados na base de dados.

Esta alteração também vem dar resposta a uma necessidade de partilha e interoperabilidade da informação associada aos animais de companhia, tendo em atenção, nomeadamente, as entidades gestoras dos registos genealógicos dos animais de companhia nacionais, considerando que, por força da Lei nº 95/2017, de 23 de Agosto, a raça pura dos animais de companhia está dependente do reconhecimento pela entidade gestora do respectivo registo genealógico.
 
Mais recentemente, o DL nº 82/2019, de 27 de Junho, estabeleceu as regras de identificação dos animais de companhia, criando o Sistema de Informação de Animais de Companhia, no seu Artigo 4.º, sob a epígrafe "Obrigação de identificação", estatui:

1 - A identificação de animais de companhia é obrigatória para cães, gatos e furões, nos termos da parte A do anexo I do Regulamento (UE) n.º 576/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013, e a parte A do anexo I do Regulamento (UE) n.º 2016/429, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, sendo facultativa para as espécies abrangidas na parte B do anexo I dos referidos Regulamentos.

2 - Por despacho do diretor-geral de Alimentação e Veterinária, pode ser determinada a obrigatoriedade de identificação, nos termos do presente decreto-lei, de qualquer das espécies referidas na parte B do anexo I dos Regulamentos mencionados no número anterior ou de outras espécies de animais detidos para fins de companhia, com fundamento na necessidade de implementar medidas de natureza sanitária para combate a surtos de doenças epizoóticas ou zoonoses.

3 - A obrigação de identificação, pela marcação e registo, abrange os animais nascidos em território nacional ou nele presentes por período igual ou superior 120 dias.

O Regulamento (UE) nº 576/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, também conhecido como o Regulamento da Saúde Animal, que define animal de companhia como um animal que esteja elencado nas espécies enumeradas no seu Anexo I, que acompanhe o seu dono ou uma pessoa autorizada durante uma circulação sem caráter comercial e que permaneça, durante o período dessa circulação, sob a responsabilidade do dono ou da pessoa autorizada.

Ainda segundo o art. 389º do Código Penal Português (com entrada em vigor em 1 de Outubro, 2020), sob a epígrafe "Conceito de animal de companhia", determina-se que:

1 - Para efeitos do disposto neste título, entende-se por animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia.

2 - O disposto no número anterior não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, assim como não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de espetáculo comercial ou outros fins legalmente previstos.

3 - São igualmente considerados animais de companhia, para efeitos do disposto no presente título, aqueles sujeitos a registo no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC) mesmo que se encontrem em estado de abandono ou errância.

Destarte, quanto às espécies de animais permitidas nos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, atenta a legislação europeia, relativa à posse de animais de companhia, determina-se que os animais permitidos em casa são:
  • Cães.
  • Gatos.
  • Furões.
  • Pequenos mamíferos (coelhos, hamsters, porquinhos-da-índia, etc.).
  • Aves domésticas (como periquitos e canários, por exemplo).
  • Peixes ornamentais.
  • Répteis e anfíbios de pequeno porte.

29 maio 2025

Uso da coisa comum


Nos termos do art. 1406.° do Código Civil, "Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que têm direito."

Na ausência de qualquer acordo, qualquer consorte pode utilizar a coisa, dentro dos fins a que se destina e sem privar os demais dessa utilização. Essa utilização pode ser exercida quanto á totalidade da coisa, independentemente da dimensão quantitativa que a quota traduz.

Por outro lado, a estatuição do art. 1403º, nº 2, do CC, referindo os direitos dos consortes como qualitativamente iguais, pese embora a diferença quantitativa, afasta a ideia de uma unidade do direito, com pluralidade de titulares. A compropriedade tem a natureza de um direito único com pluralidade de titulares, qualitativamente idêntico, mesmo quando quantitativamente distinto.

Em consequência, deve entender-se a faculdade de uso da coisa por cada consorte como referindo-se à coisa em si mesma, na sua totalidade, independentemente da dimensão quantitativa que a quota traduz. Porém, tal direito, tem a limitação legal de não privação do uso pela outra consorte.

Deve entender-se que esta privação do uso tem carácter abstracto, decorrendo da consideração da própria natureza da coisa em conjunção com a utilização a que se destina, ou que tem carácter concreto, decorrendo de uma impossibilidade de utilização efectiva e concretamente pretendida pelo outro consorte?

Ou seja, deve considerar-se que, na falta de acordo, a utilização por um consorte de uma coisa que não permite a utilização simultânea pelos demais implica a privação do uso por estes?

Ou, pelo contrário, mesmo neste caso, só se verificará a privação se em concreto o consorte não utilizador pretender utilizar, vendo-se impedido de o fazer, pela utilização dada pelo consorte utilizador?

A primeira solução, implicaria a derrogação do regime art. 1406º, do CC, quanto às coisas que apenas permitissem o uso exclusivo por um dos consortes, instituindo a obrigação do gozo indirecto e impossibilitando o gozo directo.

É essa a solução quando haja desacordo, mas não parece que seja quando o acordo falte no sentido de nada ter sido estabelecido. A tal se parecendo referir a expressão «falta de acordo» utilizada pelos Autores citados no inciso acima transcrito. O acórdão do STJ de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo 06B4630 (Cons. Bettencourt de Faria), embora possa inculcar a defesa de posição diversa da defendida, fá-lo fundando-se numa situação de colisão de direitos nos termos do art. 335º, do CC, de que o art. 1406º, nº 1, é exemplo. Porém, a colisão de direitos tem de ver-se não em abstracto, mas na dinâmica concreta do seu exercício.

É nesta concretização da faculdade de usar que se afigura que os Professores Pires de Lima e Antunes Varela exprimem a diferença entre os regimes português e italiano: «o segundo limite do uso da coisa pelo comproprietário é ditado pela necessidade de facultar aos outros consortes a possibilidade de igualmente se serviram dela (…).

A restrição só funciona, porém, em relação às utilizações da coisa que os outros comproprietários possam fazer ou tenham necessidade de fazer. (…) Neste aspecto afigura-se mais feliz a fórmula do Código português, falando no uso a que os outros consortes têm direito (sendo certo que a existência do direito pressuporá, neste caso, a existência da necessidade correspondente), do que a do art. 1102º do Código italiano, que alude à necessidade de o uso feito por um dos consortes não impedir os outros participantes de usarem igualmente a coisa» (sublinhado nosso).

Do que decorre a licitude da utilização exclusiva da coisa em compropriedade por um dos consortes, mesmo quando a coisa não seja susceptível de utilização simultânea por todos. Aliás, tal ocorrerá, na generalidade dos casos, quando apenas um consorte estiver interessado no gozo directo e nenhum dos outros esteja interessado num gozo indirecto a que aquele obste, sem que nada tenha sido em concreto estipulado.

Refere a esse respeito o Professor Carvalho Fernandes: «como é evidente, os problemas surgem, quanto a este limite, nos casos em que não se mostre praticável um fraccionamento do uso. Suponha-se uma situação de compropriedade que tenha por objecto uma fracção autónoma e esta não permita o uso simultâneo de todos os comproprietários. Na falta de acordo, as alternativas são as de não permitir o uso de qualquer dos comproprietários e a de encontrar uma solução sucedânea da prevista na lei. Poderia ela ser a de o comproprietário, que venha a ter o uso exclusivo, compensar os demais pelo valor do uso que exceda a sua quota. Do ponto de vista económico-social, afigura-se-nos ser esta uma solução acertada».

Nessa situação, embora o gozo pelos demais consortes não seja materialmente possível, os mesmos não estão dele privados porque não o pretendem em concreto exercer e enquanto tal se verificar. Caso o pretendam, podem fazer cessar de imediato a utilização exclusiva, pela declaração dessa pretensão; quando a mesma não seja acatada, cessa a licitude da utilização, na medida em que passa a ocorrer

A privação da utilização pelos demais consortes tem de ser apreciada em concreto e não em abstracto pela mera consideração da natureza ou fins a que a coisa se destina; quando assim não fosse, ficaria derrogado o regime do art. 1406º, nº 1, quanto às coisas que apenas permitam o uso exclusivo, impossibilitando o gozo directo por qualquer dos comproprietários.

A restrição a que a norma alude, deve ser apreciada em concreto, cabendo ao consorte não utilizador alegar e demonstrar a privação do uso concreto da coisa. Caso contrário, a mera falta de estipulação consensual poderia privar todos os consortes do uso da coisa em benefício de nenhum deles, pois até o uso indirecto poderia estar vedado; o que, do ponto de vista socioeconómico seria absurdo, podendo até constituir abuso de direito.

A colisão de direitos nos termos do art. 335º, do CC, de que o art. 1406º, nº 1, é uma sub-espécie, tem de ver-se não em abstracto, mas na dinâmica concreta do seu exercício.