Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

21 novembro 2024

Deliberações ineficazes

A ineficácia stricto sensu e as invalidades (nas suas variantes de nulidade, anulabilidade e inexistência) integram-se no género mais amplo da ineficácia lato sensu. Enquanto nas invalidades há sempre um vício que atinge a estrutura interna do contrato, na ineficácia stricto sensu nada há que inquire essa estrutura interna, ficando apenas suspensos os efeitos exteriores do contrato.

O regime insito no art. 268º do CC é o seguinte: 

a) celebrado o contrato, ele é ineficaz antes de o gerido o ractificar;  

b) o outro contraente pode em qualquer momento revogá-lo antes de ratificado, se não sabia da gestão, se sabia, não pode revogá-lo, tendo de esperar pela ratificação ou sua recusa, tornando-se então o contrato eficaz ou definitavamente ineficaz;

c) de qualquer modo, o outro contraente pode fixar ao gerido um prazo dentro do qual este tem o ónus de o ratificar ou recusar, de modo a não permanecer indefenidamente numa situação ambígua e à mercê da vontade e da arbitrariedade do gerido; não havendo ratificação do negócio nesse prazo, esta tem-se por recusada.

Nesta conformidade, a ractificação é uma declaração unilateral de vontade de natureza receptícia, pelo que só produz os seus efeitos quando é recebida por aquele a quem se dirige. Assim, na ineficácia negocial o regate é similar ao das invalidades absolutas: qualquer contraente pode requerer a declaração judicial da ineficácia do contrato.

Aqui, a nulidade é, pois, uma forma de ineficácia que procede de um vício na formação do negócio jurídico, da falta ou irregularidade de um dos elementos essenciais e internos desse negócio jurídico. A ineficácia (em sentido estrito) deriva assim de vício referente a circunstância externa do negócio jurídico, não emergente de vício de elemento interno do mesmo.

A ineficácia derivada do exercício da acção pauliana é um caso nítido de ineficácia relativa; porque impede a produção dos normais efeitos do negócio jurídico apenas em relação a certas pessoas, restringindo-se a estas a legitimidade para a invocar.

A procedência da impugnação pauliana mantém todos os efeitos jurídicos do negócio impugnado, designadamente os translativos da propriedade, excepto no respeitante ao impugnante e somente na medida da satisfação dos seus créditos invocados e reconhecidos, sem contudo sair do património do adquirente impugnado, enquanto que os efeitos da nulidade são a destruição, com retroactividade de todos os efeitos jurídicos do negócio jurídico, e obrigação do que tiver sido recebido em função dele.

Destarte, não sendo ilícito nem inválido o negócio celebrado pelo administrador sem poderes de representação, o mesmo é ineficaz (cfr. art. 268º, nº1 CC), abrindo-se então uma situação de pendência durante a qual não se sabe se o acto produzirá ou não efeitos, pendência da qual se sai através de ractificação promovida pelo mesmo ou de revogação ou rejeição pelo condómino que não aprovou.

Decorre do art. 268º, nº 1 do CC que: O negócio (prática de um acto) que uma pessoa (no caso, a assembleia), sem poderes de representação (sem autorização de todos os condóminos), celebre em nome de outrem (dos condóminos que não aprovaram a deliberação) é ineficaz em relação a este (os referidos condóminos que não aprovaram), se não for por ele ratificado (vide art. 1432º do CC). Entre parêntesis, comentários nossos.

A actuação em nome de outrem constitui o ponto central da representação em sentido próprio. O representante age para vincular o representado com contemplatio domini (art. 258.º CC). Mas o acto pode ser praticado em nome e por contra de outra pessoa sem que, para tanto, existam os necessários poderes de representação. Nesse caso, rege o art. 268º, nº1 do CC: o negócio é ineficaz relativamente ao dominus, se este o não ratificar.

É certo que, à partida, por falta de legitimidade do procurador, o negócio deveria ser nulo, mas a verdade é que pode ser favorável ao dominus e, se o for, este pode ractificá-lo e o negócio segue válido e eficaz.

A ineficácia distingue-se da invalidade (nulidade e anulabilidade) uma vez que na primeira o negócio, sendo válido, não produz os efeitos ou todos os efeitos a que tenderia, segundo as declarações negociais que o compõem. Na invalidade, verifica-se a total ausência de efeitos jurídicos, desde a respetiva formação.

No caso da representação sem poderes, a ineficácia não é absoluta, não operando erga omnes, mas relativa, verificando-se apenas em relação ao representado, falando-se assim em inoponibilidade. Deste modo, os negócios feridos de ineficácia relativa produzem efeitos “mas não estão dotados de eficácia relativamente a certas pessoas. Daí que sejam, por vezes, apelidados de negócios bifronte ou com cabeça de Jano (C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Ed., p. 607).

Não sendo ilícito nem inválido o negócio celebrado sem poderes de representação, salienta Oliveira Ascensão que:

«celebrado o acto, abre-se uma situação de pendência, durante a qual não se sabe se o acto produzirá ou não efeitos. Dessa pendência sai-se através de:
- ratificação
- revogação ou rejeição pela outra parte.
De facto, não se compreenderia que a outra parte ficasse permanentemente na indefinição. A lei dá-lhe assim dois meios de sair daquela situação:
a) Fixar prazo para a ratificação, sem o que a ratificação se considera negada (art. 268/3),
b) pôr termo potestativamente à situação, revogando ou rejeitando o negócio (art. 268/4).»

Tratando-se de uma situação de ineficácia, não lhe é aplicável o disposto no art. 291º do CC que se refere a negócios inválidos, protegendo, não os contraentes no negócio invalidado, mas os terceiros adquirentes.

Atento o que ficou dito, não constitui abuso de direito pretender-se ractificar fora de prazo um contrato ineficaz, contudo, o Tribunal pode, mesmo em sede de recurso, declarar a ineficácia ainda que o pedido tenha sido (erradamente) o da nulidade.

Acresce sublinhar para o caso que, pedindo o autor a invalidade por nulidade ou anulabilidade do negócio celebrado por quem não tinha direitos de representação, mas tratando-se de negócio ineficaz relativamente ao putativo representado (cfr. citado art. 268º, nº 1 CC), deve o tribunal corrigir oficiosamente esse erro e declarar tal ineficácia, nos termos do art. 5º, nº 3 do CPC.

19 novembro 2024

Retirar cão da fracção autónoma


Do confronto dos art. 1414º a 1416º do Código Civil (doravante, CC) extrai-se que existe propriedade horizontal quando as fracções autónomas de que se compõe um edifício estão em condições de constituírem unidades independentes, havendo no mesmo prédio fracções individualizadas de propriedade privada, perfeitamente distintas, afectas ao uso exclusivo do proprietário, ao lado de partes comuns adstritas ao uso de todas ou de algumas fracções, objecto de compropriedade.

Neste regime, cada um dos condóminos é proprietário exclusivo da fracção autónoma que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (cfr. art. 1420º, nº 1 do CC), sendo que desta simbiose entre a propriedade sobre a fracção autónoma e a compropriedade forçada (nº 2 do citado art. 1420º) sobre as partes comuns do edifício resulta que os condóminos sofrem, no exercício deste novo direito, restrições ou limitações ditadas pela necessidade de conciliar os interesses de todos, dado existirem entre eles especiais relações de interdependência e de vizinhança.

Nas relações entre si, os condóminos estão sujeitos, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem, às limitações impostas aos proprietários e, relativamente às partes comuns, às limitações impostas aos comproprietários de coisas imóveis (art. 1422º, nº 1 do CC).

Quanto às suas fracções, os condóminos estão sujeitos não só às restrições e limitações ao exercício do direito de propriedade normal e legalmente impostas em termos gerais, mas também às que decorrem da relação de proximidade ou comunhão em que vivem, visando sempre salvaguardar interesses de ordem pública: interesses públicos e colectivos, relacionados com condições de salubridade, estética e segurança dos edifícios, bem como das condições estéticas, urbanísticas e ambientais (cfr. Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª ed., pág. 102, referindo o acórdão do TC publicado no DR, II série, de 5/8/99).

Segundo o nº 2, al. d) do citado art. 1422º do CC, é especialmente vedado aos condóminos “praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição”.

A detenção de certas espécies de animais domésticos é, precisamente, um exemplo de acto material incluído nestas proibições, dado pelos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, para quem “Todas as restrições de origem negocial, quer quanto ao destino das fracções autónomas, quer quanto aos actos materiais ou jurídicos que os condóminos não podem praticar, fazem parte integrante do estatuto do condomínio, o que equivale a dizer que têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes, prevalecendo sobre qualquer negócio que com elas se não harmonize” (cfr. Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., págs. 426 e 427).

E se o Estatuto do Condomínio, proibir a detenção de animais em qualquer parte comum ou própria, em especial cães, quando estes incomodem os demais utentes do edifício?

Se o animal de estimação, independentemente da raça e porte, que late regularmente a horas tardias, violando consequentemente os direitos de personalidade dos restantes condóminos, por a situação verificada atentar objectivamente contra o direito ao repouso, saúde e tranquilidade dos demais consortes, se o condómino, proprietário do canídeo não cuidar de obstar aquele comportamento, por força daquela disposição oportunamente vertida em sede do Regulamento do Condomínio, estará vedado ao condómino continuar a deter o cão no interior da sua residência.