Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

14 maio 2021

Lei do Ruído

A poluição sonora constitui actualmente um dos principais factores de degradação da qualidade devida dos condóminos, com reflexos visíveis na conflitualidade gerada pelos incómodos provocados por situações ligadas ao ruído.

Desde que os objectivos de prevenção do ruído e de controlo da poluição sonora, com vista à salvaguarda da saúde humana e do bem-estar geral das populações, foram assumidos como tarefa fundamental do Estado, em termos constitucionais, já um longo caminho foi percorrido, tendo desencadeado uma evolução legislativa, tecnológica e regulamentar, que importa acompanhar.

Esta matéria encontra-se regulada no ordenamento jurídico português desde 1987, merecendo assento na Lei nº 11/ 87, de 11/4 (Lei de Bases do Ambiente) a qual surge o primeiro “Regulamento Geral do Ruído”, através do DL 251/87,de 24/6, o qual seria posteriormente revogado pelo DL 292/2000, de 14/11.

Acresce salientar que, mesmo actualmente, com a publicação da nova Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 19/2014, de 14/4), a política de ambiente tem, também, por objecto, os componentes associados a comportamentos humanos, nomeadamente, o ruído, designadamente com os seguintes objectivos: "c) A redução da exposição da população ao ruído é assegurada através da definição e aplicação de instrumentos que assegurem a sua prevenção e controlo, salvaguardando a qualidade de vida das populações e a saúde humana" (art. 11º).

E também a Lei nº 159/99, de 14/9, estabeleceu a transferência de atribuições e competências para as autarquias locais e, de acordo com o articulado na al. a) do nº 2, do art. 26º, estabeleceu ser “igualmente da competência dos órgãos municipais: "a) Participar na fiscalização do cumprimento do Regulamento Geral sobre o Ruído”.

No entanto, na Lei nº 75/2013, de 12/9, que a veio revogar, não existe esta explicitação de atribuições e competências, sendo apenas referido que, os municípios dispõem de atribuições, designadamente, nos seguintes domínios: Ambiente e Ordenamento do território e Urbanismo (al. k) e n) do nº 2 do art. 23º), que são áreas no âmbito de aplicação do Regulamento Geral do Ruído.

O regime instituído pelo DL 292/2000 visou assegurar a qualidade do ambiente sonoro, quer nos locais de habitação, quer nos locais de trabalho ou lazer, no âmbito da execução da política de ordenamento do território e urbanismo, através do reforço do princípio da prevenção,como princípio orientador fundamental no tratamento desta questão.

Procedeu ainda a uma separação legal no que respeita ao tratamento do ruído ambiente e às exigências acústicas legalmente estabelecidas para a construção dos edifícios, tendo ficado esta última matéria remetida para o articulado específico do “Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios” (RRAE), aprovado pelo DL 129/2002, de 11/5, e, posteriormente, alterado pelo DL 96/2008, de 9/7, e que veio conferir coerência regulamentar ao vigente no domínio do ruído e da protecção acústica.

A transposição da directiva nº 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de junho, relativa à avaliação e gestão do ruído ambiente, pelo DL 146/2006, de 31/7, tornou necessário proceder a novos ajustamentos ao regime legal da poluição sonora, nomeadamente à adopção de indicadores de ruído ambiente harmonizados.

Neste âmbito, a 1 de Fevereiro de 2007, surge o actual “Regulamento Geral de Ruído”, aprovado pelo DL 9/2007, de 17/1 (e posteriormente alterado pelo DL 278/2007, de 1/8), fruto da necessidade de clarificação e articulação do anterior regulamento com outros regimes jurídicos, designadamente com o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) e com os procedimentos administrativos de autorização e licenciamento das actividades económicas.

Nesta conformidade,e considerando que, a luta contra o ruído, visando a salvaguarda da saúde e bem-estar urbano dos condóminos, faz-se através da sua disciplina, cumprindo o disposto na Lei de Bases do Ambiente e demais legislação aplicável, nomeadamente toda a normalização aplicável ao ruído e o conjunto de princípios orientadores emitidos pela Agência Portuguesa do Ambiente, podem e devem os condóminos regular tudo o que respeite à prevenção e controlo das várias fontes de produção de ruído susceptíveis de causar incomodidade, em sede de regulamento do condomínio.

Legislação habilitante:

DL 48/96, de 15/5 - Estabelece um novo regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais

DL 126/96, de 10/8 - Altera o nº 2 do art. 4º e o nº 4 do art. 5º do DL 48/96, de 15/5 (estabelece o novo regime de horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais)

DL 216/96, de 20/11 - Prorroga, em 90 dias, o prazo previsto no nº 1 do art. 4º do DL 48/96, de 15/5 (estabelece um novo regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais)

DL 310/2002, de 18/12 - Regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização pelas câmaras municipais de actividades diversas anteriormente cometidas aos governos civis

Lei nº 50/2006, de 29/8 - Aprova a lei quadro das contra-ordenações ambientais

DL 9/2007, de 17/1 - Aprova o Regulamento Geral do Ruído e revoga o regime legal da poluição sonora, aprovado pelo DL 292/2000, de 14/11

DL 278/2007, de 1/8 - Altera o DL 9/2007, de 17 de Janeiro, que aprova o Regulamento Geral do Ruído 

DL 111/2010, de 15/10 - Modifica o regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, procedendo à terceira alteração ao DL 48/96, de 15/5, e revogando a Portaria 153/96, de 15/5

DL 48/2011, de 1/4 - Simplifica o regime de acesso e de exercício de diversas actividades económicas no âmbito da iniciativa «Licenciamento zero», no uso da autorização legislativa concedida pela Lei 49/2010, de 12/11, e pelo art. 147º da Lei 55-A/2010, de 31/12

DL 204/2012, de 29/8 - Procede à simplificação do regime de instalação e funcionamento dos recintos de espectáculos e de divertimentos públicos e do regime de acesso, exercício e fiscalização de várias actividades de controlo municipal e altera os DL 309/2002, de 16/12, e 310/2002, de 18/12.

Lei nº 75/2013, de 12/9 (
al. k) e n) do nº 2 do art. 23º) - Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico

13 maio 2021

Prestação de contas



O administrador do condomínio, no caso de edifício constituído em propriedade horizontal, consta entre os sujeitos obrigados a prestar contas. O art. 1436º do CC contém a enumeração das funções legalmente atribuídas ao administrador do condomínio (para além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia, como a própria parte inicial do mencionado artigo refere) e entre elas, na al. j) consta a de prestar contas à assembleia. Ao que procede na 1ª quinzena de Janeiro devendo a respectiva reunião ser por aquele convocada “para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano” (cfr. art. 1431º, nº 1, do CC).

De facto, sendo as atribuições de gestão atribuídas ao administrador referentes ao condomínio e às partes comuns do prédio, deve considerar-se que a sua prestação de contas deve ser realizada perante quem protagoniza os interesses comuns dos condóminos, que é a assembleia de condóminos, que, aliás, é o órgão que compõe juntamente com ele a administração das partes comuns (cfr. nº 1 do art. 1430º do CC), sendo certo que é a assembleia que o elege e exonera (cfr. nº 1 do art. 1435º do CC).

Para identificar os titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade, a lei fixou, supletivamente, o princípio da coincidência da titularidade da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor, com a legitimidade. Critério supletivo legal que tem aplicação nos casos em que a lei não indique o contrário (cfr. art. 30º, nº 3, do CPC).

Tratando-se, como se trata, de acção de prestação de contas, estabelece o art. 941º do CPC que «a acção (…) pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las (…).» Ora, se o dever de prestar as contas, no caso da administração das partes comuns no âmbito da propriedade horizontal, cabe ao administrador (cfr. art. 1436º, al. j), do CC), o direito a exigi-las cabe à assembleia de condóminos (cfr. art. 1436º, al. j) e 1431º, nº 1, do CC).

Não tem, por isso, cada condómino isoladamente considerado direito de exigir do administrador do condomínio que lhe preste contas, pois que as mesmas são devidas ao órgão colegial constituído pelos próprios condóminos em assembleia.

Portanto, é perante a assembleia de condóminos que o administrador está obrigado a prestar contas. Neste sentido, o Ac. TRP de 30/01/2006 decidiu que: «O administrador do condomínio tem obrigação de prestar contas, devendo fazê-lo a quem tem legitimidade para as aprovar, ou exigir a sua prestação, ou seja, à assembleia de condóminos.»

Nas palavras de Aragão Seia (in Propriedade Horizontal, pág. 209, «o administrador só tem obrigação de prestar contas à assembleia, não estando obrigado a fazê-lo a pedido de qualquer condómino nisso interessado. Este, no caso de não ter aprovado a deliberação que aprovou as contas, pode-a impugnar judicialmente – nº 3 do art. 1433º do CC.Sendo as contas prestadas perante a assembleia, o que o condómino que as não aprove, tenha ou não estado presente, e simultaneamente considere haver motivos para arguir a nulidade ou anulabilidade da deliberação (já que a lei não exige unanimidade) deve fazer é impugnar a deliberação, por vícios de forma ou de substância que entenda assacar-lhe.

Mas tal deve ter lugar em acção com processo comum, em que formule o pedido de anulação da deliberação em causa, por estar ferida de vícios que a invalidem, e não em acção com processo especial de prestação de contas, já que nesta apenas cabe discutir, em primeiro lugar, se quem demanda tem o direito de exigir as contas de quem é demandado e, caso tal questão prévia seja favoravelmente decidida, e após oferecimento das contas, se tais contas devem ser validamente julgadas e finalmente, se for caso disso, condenar o primeiro no pagamento do saldo favorável ao segundo.

É evidente que, se a assembleia nem mesmo teve lugar ou se nela o administrador não apresentou as contas ou se, tendo-as apresentado, elas não foram aprovadas, configura-se, então sim, a possibilidade de os condóminos intentarem uma acção para prestação de contas, contra o administrador.

Se o administrador se recusar a prestar contas o condomínio pode exigir-lhas através do processo especial do art. 1014º e segs., do CPC.», que corresponde ao art. 941º do NCPC actualmente vigente.

O Ac. do TRL de 5/7/2007 decidiu que:

"I - A obrigação de prestar contas por parte do administrador do condomínio deve ser realizada perante a assembleia de condóminos enquanto entidade que protagoniza os interesses comuns dos condóminos. Não tem, por isso, cada condómino isolado, o direito de exigir a prestação de contas pelo administrador.
II – O condómino que não aprove as contas prestadas pelo administrador perante a assembleia de condóminos (tendo ou não estado presente) pode apenas impugnar a respectiva deliberação por vício de forma ou de substância interpondo para o efeito acção com processo comum, carecendo pois de legitimidade para interpor acção especial de prestação de contas."

Sendo que o mesmo, em 15/9/2010, em face da fixada jurisprudência, decidiu que:
"I-A falta de causa de pedir não se confunde com a insuficiência da mesma.
II-Invocando a sua qualidade de titulares de 7 das 42 fracções autónomas em que se desdobra o condomínio os autores exigem do réu a prestação de contas relativamente ao exercício das funções de administrador desse condomínio.
III-Sendo certo que o administrador – enquanto gestor de bens alheios e por força do disposto na alínea j) do artigo 1436º do Cód. Civ. – tem obrigação de prestar contas, o que é facto é que essa obrigação deve ser cumprida perante a assembleia de condóminos (alínea citada e nº 1 do artigo 1431º do Cód. Civ.).
IV-E se apenas perante ela se pode o administrador desonerar dessa obrigação, a mesma só pela assembleia de condóminos lhe pode ser exigida.
V- Em se tratando de exigir judicialmente a prestação de contas (artigo 1014º nº 1 do Cód. Proc. Civ.), a acção deve, consequentemente, ser proposta por todos os condóminos – ou, ao menos, suscitada a respectiva intervenção – ou pelo administrador, se tal tiver sido expressamente deliberado pela assembleia de condóminos, enquanto representante desta (artigo 1436º, proémio, e 1437º nº 1 do Cód. Civ.)"

Decorre do exposto que um condómino não tem legitimidade para intentar uma acção de prestação de contas contra o administrador do condomínio. A competência é da assembleia.