Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

22 agosto 2024

O artigo 1346º do CC


O artigo 1346º do Código Civil tem especialmente em vista as emissões de agentes físicos, com caracter de continuidade ou, pelo menos de periocidade, que tenham a sua fonte em determinado prédio e perturbem a utilização normal do prédio contíguo.

Sentido que está conforme com a fonte do art. 1346º do CC, precisamente o parágrafo 906 do código alemão que dispõe "o proprietário de um prédio não pode proibir a emissão de gazes, vapores, fuligem, calores, ruído, trepidação e análogas intervenções derivadas de outro prédio, na medida em que a intervenção não prejudica a utilização do seu prédio ou só a prejudica de modo não essencial..." (tradução de Vaz Serra, na Rev. Leg., pág. 376).

Daqui que Antunes Varela refira que o artigo 1346º tem especialmente em vista as emissões de agentes físicos, com carácter de continuidade ou, pelo menos, periodicidade, que tenham a sua fonte em determinado prédio e perturbem a utilização normal do prédio contíguo (Rev. Leg., pág. 74).

Antunes Varela dá tal interpretação apoiando-se em Enneccenes - Wolff, Tratado de Derecho Civil, trad. espanhola, volume III, 1, parágrafo 53, páginas 314 e seguintes, sendo certo que o sentido dado por Martin Wolff ao parágrafo 906 corresponde à interpretação que se dá ao artigo 1346, pois diz:

"I. Em certos casos permite-se a produção de gazes, vapores, cheiros, resíduos... que procede de uma coisa e se propaga a outrém (os chamados imponderáveis).
"II. a penetração dos imponderáveis noutra coisa permite-se só numa medida limitada.

Contudo, entre nós, dada a tensão entre dois direitos de propriedade conflituantes que este regime identifica e pretende resolver, não é afirmada uma solução absoluta em favor de qualquer deles. Antes se impõem soluções relativas, em razão dos concretos elementos em conflito, de cada um desses direitos.

Nos termos do art. 1346º do CC, o proprietário de um prédio só tem o direito de proibir outro, de um prédio vizinho, de praticar actos de que resultem emissões de fumos ou fuligem que atinjam aquele seu prédio se dessas emissões advier “um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”.

A existência de danos, tanto patrimoniais como não patrimoniais, é questão de facto. No entanto, saber se a indemnização fixada pelos danos é não só devida, mas também exagerada, envolve questão de direito.Os danos não patrimoniais são compensáveis quando a sua gravidade o justifique, dependendo a medida da sua satisfação da apreciação das circunstâncias do caso concreto.

Segundo a doutrina da causalidade adequada, para que um facto seja causa de um dano, é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado; e, depois, que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do dano.

No plano naturalístico, o nexo de causalidade constitui matéria de facto; no plano geral ou abstracto, matéria de direito. A condição deixa de ser causa adequada do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias.

Por via do regime prescrito pelos arts. 1346º e 1347º do CC, a limitação do direito de propriedade de alguém sobre o seu prédio, através da inibição de actos a praticar no local ou da construção de instalações cujo destino compreende o risco de agressão do direito de propriedade de outrem sobre o seu próprio prédio, justifica-se na ponderação e na prevalência deste último. Em suma, proíbe-se o exercício do direito de propriedade sobre um prédio em modalidades que provoquem ou comportem o risco de provocar determinados prejuízos para o exercício, por outrem, do seu próprio direito de propriedade sobre um seu prédio.

Diz a primeira destas normas: "O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam."

Por sua vez, aquele art. 1347º (Instalações prejudiciais), dispõe:

"1. O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei.
2. Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para a construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o prejuízo se torne efectivo. (...)."

É consabida a ratio legis destas disposições legais: a limitação do direito de propriedade de alguém sobre o seu prédio, através da inibição de actos a praticar no local ou da construção ou manutenção de instalações cujo destino compreende o risco de agressão do direito de propriedade de outrem sobre o seu próprio prédio, justifica-se na ponderação e na prevalência do conteúdo deste último. Em suma, proíbe-se o exercício do direito de propriedade sobre um prédio em modalidades que provoquem ou comportem o risco de provocar determinados prejuízos para o exercício, por outrem, do seu próprio direito de propriedade sobre um seu prédio.

Dada a tensão entre dois direitos de propriedade conflituantes que este regime identifica e pretende resolver, não é afirmada uma solução absoluta em favor de qualquer deles. Antes se impõem soluções relativas, em razão dos concretos elementos em conflito, de cada um desses direitos.

Assim, nos termos do art. 1346º do CC, o proprietário de um prédio tem o direito de proibir outro, de um prédio vizinho, de praticar actos de que resultem emissões de fumos ou fuligem (hipóteses que aqui exclusivamente nos interessam) que atinjam aquele seu prédio. Mas esse direito não é absoluto. Na medida em que isso limita o direito de propriedade do vizinho, esse direito só lhe é conferido se dessas emissões advier “um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.”

Tem havido discussão sobre se tais requisitos são cumulativos ou alternativos. Menezes Cordeiro (Direitos Reais, 1979) defende a necessidade da sua verificação simultânea. Oliveira Ascensão (Reais, 1983) pronuncia-se no sentido da sua alternatividade, à semelhança de alguma jurisprudência (Ac. do TRC de 11-09-2012, proc nº 24/08.0TBMGL, em dgsi.pt).

20 agosto 2024

DL nº 59/2021, de 14 de julho


Estabelece o regime aplicável à disponibilização e divulgação de linhas telefónicas para contacto do consumidor


Artigo 1.º
Objeto

O presente decreto-lei procede:

a) À aprovação do regime de disponibilização e divulgação de linhas telefónicas para contacto do consumidor;

b) À segunda alteração à Lei nº 7/2020, de 10 de abril, alterada pela Lei nº 18/2020, de 29 de maio, que estabelece regimes excecionais e temporários de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

Artigo 2.º
Âmbito

1 - O presente decreto-lei aplica-se às linhas telefónicas para contacto do consumidor disponibilizadas por fornecedores de bens ou prestadores de serviços e por entidades prestadoras de serviços públicos essenciais.

2 - O disposto nos artigos seguintes não prejudica a aplicação do Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de junho, na sua redação atual, em tudo o que não contrarie o presente decreto-lei.

Artigo 3.º
Dever de informação

1 - Qualquer entidade que, ao abrigo do presente decreto-lei, disponibilize linhas telefónicas para contacto do consumidor deve divulgar, de forma clara e visível, nas suas comunicações comerciais, na página principal do seu sítio na Internet, nas faturas, nas comunicações escritas com o consumidor e nos contratos com este celebrados, quando os mesmos assumam a forma escrita, o número ou números telefónicos disponibilizados, aos quais deve ser associada, de forma igualmente clara e visível, informação atualizada relativa ao preço das chamadas.

2 - A informação relativa aos números e ao preço das chamadas, a que se refere o número anterior, deve ser disponibilizada começando pelas linhas gratuitas e pelas linhas geográficas ou móveis, apresentando de seguida, se for o caso, em ordem crescente de preço, o número e o preço das chamadas para as demais linhas.

3 - Quando, para efeitos do disposto nos números anteriores, não seja possível apresentar um preço único para a chamada, pelo facto de o mesmo ser variável em função da rede de origem e da rede de destino, deve, em alternativa, ser prestada a seguinte informação, consoante o caso:

a) «Chamada para a rede fixa nacional»;

b) «Chamada para rede móvel nacional».

Artigo 4.º
Linhas telefónicas do fornecedor de bens ou do prestador de serviços

1 - O custo, para o consumidor, das chamadas efetuadas para as linhas telefónicas disponibilizadas pelo fornecedor de bens ou pelo prestador de serviços, para contacto daquele, no âmbito de uma relação jurídica de consumo, não pode ser superior ao valor da sua tarifa de base.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, por «tarifa de base» entende-se o custo de uma comunicação telefónica comum que o consumidor espera suportar de acordo com o respetivo tarifário de telecomunicações.

3 - Para cumprimento do disposto nos números anteriores, o fornecedor de bens ou o prestador de serviços está obrigado a disponibilizar ao consumidor uma linha telefónica gratuita ou, em alternativa, uma linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.

4 - Para efeitos do disposto no n.º 1:

a) Considera-se contacto telefónico no âmbito da relação de consumo o contacto telefónico promovido por um consumidor com um fornecedor de bens ou um prestador de serviços;

b) Não se consideram contactos telefónicos no âmbito da relação de consumo as chamadas telefónicas que constituem uma prestação de serviço autónoma, que não esteja relacionada com o fornecimento de qualquer bem ou a prestação de qualquer serviço prévios ao consumidor, designadamente as chamadas de telemedicina e de televoto e as destinadas a campanhas de angariação de fundos.

5 - Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, não podem ser cobrados ao consumidor, simultaneamente, o preço da chamada e um preço adicional pelo serviço prestado, devendo o consumidor pagar um preço único pela chamada efetuada.

Artigo 5.º
Linhas telefónicas de entidade prestadora de serviços públicos essenciais

1 - A entidade prestadora de serviços públicos essenciais é obrigada a disponibilizar ao consumidor uma linha para contacto telefónico, a qual deve ser uma linha gratuita para o consumidor ou, em alternativa, uma linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se «entidade prestadora de serviços públicos essenciais» a empresa que preste serviços públicos essenciais, designadamente serviços de fornecimento de água, energia elétrica, gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados, comunicações eletrónicas, serviços postais, recolha e tratamento de águas residuais, gestão de resíduos sólidos urbanos e transporte de passageiros, bem como outros serviços que venham a ser qualificados como tal no âmbito da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, na sua redação atual.

Artigo 6.º
Linha telefónica adicional

Sempre que, para além da linha telefónica gratuita ou da linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel, a que se referem o n.º 3 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo anterior, seja disponibilizada uma linha telefónica adicional, o fornecedor de bens ou o prestador de serviços e a entidade prestadora de serviços públicos essenciais não podem prestar, nesta linha adicional, um serviço manifestamente mais eficiente ou mais célere ou com melhores condições do que aquele que prestam através da linha telefónica gratuita ou da linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.

Artigo 7.º
Proibição de cobrança prévia de outros montantes

O fornecedor de bens ou o prestador de serviços e a entidade prestadora de serviços públicos essenciais que estejam obrigados a disponibilizar uma linha telefónica gratuita ou uma linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel, a que se referem o n.º 3 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 5.º, estão impedidos de cobrar, previamente, ao consumidor qualquer montante diverso do permitido, sob a condição de lhe ser devolvido no final da chamada.

Artigo 8.º
Contraordenações

1 - Constitui contraordenação económica grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, a violação do disposto no artigo 3.º

2 - Constitui contraordenação económica muito grave, punível nos termos do RJCE, a violação do disposto nos n.os 1, 3 e 5 do artigo 4.º, no n.º 1 do artigo 5.º e nos artigos 6.º e 7.º

3 - A negligência e a tentativa são puníveis nos termos do RJCE.

4 - O produto das coimas aplicadas pela prática das contraordenações económicas previstas no n.º 1 é repartido nos termos do RJCE.

5 - A fiscalização do cumprimento do disposto na presente lei, bem como a instrução dos respetivos processos de contraordenação e a aplicação de sanções, competem à autoridade administrativa reguladora do setor no qual ocorra a infração ou, na falta de entidade setorialmente competente, à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.

Artigo 9.º
Alteração à Lei n.º 7/2020, de 10 de abril

O artigo 9.º da Lei n.º 7/2020, de 10 de abril, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 9.º
[...]

1 - As entidades públicas estão impossibilitadas de disponibilizar:

a) [...]

b) [...]

2 - Todas as entidades públicas que disponibilizam linhas telefónicas com números especiais, com os prefixos «808» e «30», devem proceder à criação de uma alternativa de números telefónicos com o prefixo «2», no prazo máximo de 90 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei.

3 - São abrangidas pelo presente artigo as entidades que estejam integradas na Administração Pública central, regional ou local e as empresas concessionárias da Administração Pública central, regional ou local.

4 - [...]»

Artigo 10.º
Norma revogatória

É revogado o artigo 9.º-D da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, e pelas Leis n.os 10/2013, de 28 de janeiro, 47/2014, de 28 de julho, e 63/2019, de 16 de agosto.

Artigo 11.º
Entrada em vigor e produção de efeitos

1 - O presente decreto-lei entra em vigor a 1 de novembro de 2021.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o artigo 8.º apenas produz efeitos a partir de 1 de junho de 2022.

Procedimento Cautelar suspensão de deliberações da AG


Tribunal: TRP
Processo nº: 17683/21.0T8PRT.P1
Relator: José Eusébio Almeida
Data: 27-06-2022

Sumario:

As acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser instauradas contra o condomínio que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.

Texto integral: vide aqui

11 agosto 2024

obras marquise


Tribunal: TRP
Processo: 4536/22.4T8PRT.P1
Relator: Rui Moreira
Data: 09-04-2024

Descritores:
Propriedade horizontal
Obras de conservação
Inovações
Abuso de direito
Partes comuns
Condomínios
Quórum deliberativo

Sumário:
I – A aplicação do regime legal dos arts. 1424º e 1425º, relativo a encargos com obras de conservação e obras de inovação, quando um condómino, perante um rol de obras, afirme que essas não podem ter-se como obras de conservação, exige do tribunal a classificação das obras previstas.
II – Constitui abuso de direito a orçamentação de despesas de manutenção e fruição dos espaços comuns de um edifício que não se mostrem justificadas e jamais tenham sido necessárias, tendo por efeito a imposição do seu pagamento, na parte proporcional ao valor da sua fracção, a um condómino que, em razão deste valor, não tem capacidade para se eximir à solução.
III - A instalação de uma marquise, cobrindo uma varanda de um edifício, deve ter-se como determinante de alteração do arranjo estético desse edifício, designadamente se o dono da respectiva fracção não alegou que nenhuma alteração estética se verifica, como excepção ao exercício do direito tendente à sua remoção.
IV - A instalação de uma marquise, cobrindo uma varanda de um edifício, determinante de alteração do arranjo estético desse edifício, deve ser precedida de autorização da maioria qualificada dos condóminos.
V - Do mero decurso do tempo sobre a data de instalação de uma marquise não decorre ser abusiva de direito a pretensão do condomínio à remoção dessa marquise.

Texto integral: vide aqui

08 agosto 2024

Danos causados por animais- Responsabilidade


2ª parte: vide aqui

Analisemos agora a seguinte hipótese:

AA é proprietário de uma quinta e de vários animais, incluindo gado bovino. AA utiliza os animais no exercício da sua actividade enquanto produtor de bens alimentares. AA contrata BB, guardador, para alimentar e guardar os seus animais. Certo dia, enquanto AA se encontra ausente da quinta, BB tranca incorrectamente o portão da cerca do gado e, consequentemente, um dos animais foge da quinta em direcção a uma estrada, causando um acidente entre três veículos quando um deles se tenta desviar do animal.

É claro estarmos perante uma situação de danos causados por animais. Contudo, temos dois sujeitos, o proprietário dos animais, AA, e aquele que estava obrigado à vigilância dos mesmos, BB.

A responsabilidade civil de AA existe por ser o proprietário dos animais e os utilizar no seu interesse, uma vez que é por meio deles que produz bens alimentares. Temos, portanto, verificado o primeiro pressuposto. Tal não se basta, mas também tem de existir um dano, que no caso foi o acidente entre três veículos, e os danos produzidos têm de ser um resultado do “perigo especial que envolve a sua utilização”, como dispõe o art. 502º do CC, circunstância que também consideramos verificada no exemplo descrito, uma vez que deter e utilizar animais tem implícitos riscos, sendo um deles o perigo de fuga dos mesmos, e, no caso em apreço, foi a fuga de um dos animais que originou o acidente.

Quanto a BB, por estar obrigado à vigilância dos animais, também será responsável, desta vez nos termos do art. 493º do CC e sobre ele recai uma presunção de culpa, que no exemplo acima descrito não será afastada, pois BB não tomou as diligências necessárias para obstar à produção daqueles danos.

Assim sendo, encontramo-nos perante uma responsabilidade pelo risco por parte do dono dos animais, pois como já tivemos oportunidade de explicar, este utiliza os animais no seu próprio interesse e por isso caber-lhe-á a obrigação de indemnizar independentemente de culpa, e uma responsabilidade subjectiva do obrigado à vigilância, aqui não porque tenha qualquer direito real de gozo, mas sim porque enquanto guardador, passou a ter a detenção daqueles animais, com o dever de os vigiar, falhando nessa função. Podem estas coexistir?

Na jurisprudência existem conclusões diferentes. Por um lado, de acordo com o Ac. do STJ de 13.09.2012, relatado por Ana Paula Boularot, do confronto entre os art. 493º e 502º “podemos concluir que na abrangência do primeiro se situam as hipóteses dos animais domésticos, os quais por sua natureza estão sujeitos à guarda e/ou vigilância dos respectivos donos ou de outrem sobre quem recaia essa obrigação específica, enquanto este segundo preceito legal tem em vista aqueles que utilizam os animais no seu próprio interesse” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2012, Processo 1070/08.9TBGRD.C1. S1, Relator Ana Paula Boularot, disponível em: http://www.dgsi.pt/) Deste modo, hipóteses como a colocada não teriam lugar a concorrência entre duas responsabilidades, respondendo apenas o proprietário AA.

Noutra perspetiva, como se escreveu no Ac. da Relação de Coimbra de 13.04.2010, relatado por Alberto Ruço, “podem coexistir as responsabilidades fundadas tanto no art. 493, como no art. 502, ambos do Código Civil, quando a pessoa obrigada à vigilância do animal é simultaneamente seu proprietário” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.04.2010, Processo 643/07. 1TBSCD.C2, Relator Alberto Ruço, disponível em: http://www.dgsi.pt/ )

Contudo, predominam os acórdãos que admitem a concorrência das duas responsabilidades, ainda que finda a análise concluam por apenas uma delas pelo facto de, nas questões levadas a juízo, existir apenas um sujeito ou, existindo mais do que um, apenas um se verificar responsável, pelo que não lográmos encontrar situação semelhante ao exemplo descrito.

Além de jurisprudência, de acordo com Pires de Lima/Antunes Varela,9 “no caso de o utente haver incumbido alguém da vigilância dos animais, poderão cumular-se as duas responsabilidades (a prevista no art. 493º e a fixada no art. 502º) perante o terceiro lesado, caso o facto danoso provenha da presuntiva culpa do vigilante”. Também o defende o autor Mário Júlio de Almeida Costa, ao escrever “pense-se, designadamente, que a pessoa que utiliza o animal confia a outrem a vigilância deste. Então, à responsabilidade do utente pelo risco (art. 502.º), acresce a responsabilidade do vigilante baseada em facto ilícito, caso não se produza a prova indicada na parte final do nº1 do art. 493º”.

Temos então que estas responsabilidades podem coexistir. Contudo, o Código Civil não dispõe de uma norma que relacione estes dois artigos a título de indemnização ao terceiro lesado.

Parece-nos que a intenção do legislador tem sido a de evitar situações onde haja uma verdadeira concorrência entre a culpa e o risco. Por exemplo, quando existe tanto a responsabilidade do comitente e do comissário, se o primeiro actuou sem culpa, poderá exigir deste o reembolso de tudo o quanto haja pago (nº3 do art. 500º). Aqui, não há a preocupação de determinar a medida da indemnização que a cada um cabe.

O mesmo no caso de uma colisão de veículos em que um dos responsáveis não actuou com culpa. Apesar de, numa primeira análise, ser objetivamente responsável, posteriormente temos que “se houver culpa de algum ou de alguns, apenas os culpados respondem”, conforme o nº 2 do art. 507º do CC, logo a responsabilidade desse condutor seria excluída.

Assim sendo, qual seria a solução para aqui se proceder da mesma forma? Aplicar por analogia a solução apresentada no nosso Código para a responsabilidade do comitente? Recorrer a outra analogia relativamente ao nº 2 do art. 507º do CC, quanto à colisão de veículos, e excluir a responsabilidade do dono do animal?

Ora, excluir a responsabilidade do dono do animal parece-nos contrariar o objectivo da sua responsabilidade existir em primeiro lugar. O lesado tem o direito a haver-se ressarcido dos danos sofridos, mesmo que o dono do animal não tenha tido culpa na actuação irracional do mesmo. Se assim não fosse e a lei consagrasse apenas o regime do art. 493º do CC, muitos seriam os casos em que não haveria lugar à indemnização, pois bastaria ao dono do animal, que aí assumiria um mero papel de vigilante, afastar a culpa presumida ou provar que os danos aconteceriam mesmo que não tivesse culpa.

Relativamente à analogia com o art. 500º do CC, parece-nos que a relação entre o dono do animal e o guardador se assemelha à relação entre o comitente e o comissário. Assim, seria o caso de os tribunais considerarem ambos responsáveis e, no caso de ser o dono do animal a satisfazer a indemnização perante o lesado, gozaria do direito de pedir o reembolso total ao obrigado à vigilância do animal.

Consideramos interessante mencionar, ainda que num tema relativamente distinto, que existem casos de concorrência entre o risco de um veículo e a culpa do lesado (art. 570º do CC) e é ao tribunal quem compete decidir. Conforme o Ac. do STJ de 01.06.2017, relatado por Lopes do Rego, “compete ao Tribunal formular um juízo de adequação e proporcionalidade, perante as circunstâncias de cada caso concreto, pesando, por um lado, a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente; e, por outro, valorando a gravidade da culpa imputável ao comportamento, activo ou omissivo, do próprio lesado e determinando a sua concreta contribuição causal para as lesões sofridas, de modo a alcançar um critério de concordância prática (…)” /Acórdão do STJ de 01.06.2017, Processo 1112/15.1T8VCT. G1.S1, relatado por Lopes do Rego, disponível em: http://www.dgsi.pt/)

É com esta apreciação do caso concreto que o tribunal, posteriormente, determina se a indemnização devida por parte do condutor se manterá, se será diminuída ou mesmo excluída.

Além disso, se analisarmos este instituto em fase anterior ao Código Civil, o Professor Vaz Serra efectuou um Estudo denominado “Responsabilidade pelos Danos Causados por Animais”, in BMJ 86 do ano de 1959. Aí, termina apresentando uma proposta de articulado e, «no art. 4º, sob a epígrafe “Encarregados de vigilância do animal. Pluralidade de responsáveis”, pode ler-se: (…) 3. Quando responderem, ao mesmo tempo, o utente do animal e a pessoa encarregada da vigilância deste, a sua responsabilidade é solidária. 4. Se os utentes do mesmo animal forem vários, responde cada um na proporção do seu interesse nele, (…)».

Ora, os vários responsáveis pelos danos têm uma responsabilidade solidária, nos termos do nº 1 do art. 497º do CC, sendo que este preceito também refere que o direito de regresso entre eles deve ser exercido na medida das respetivas culpas, conforme o seu nº 2. Não obstante, o exemplo que temos para análise impossibilita concretizar a medida da culpa de um dos sujeitos, pois não a há.

Ainda assim, e porque as “propostas de articulado transitaram, na sua essência – responsabilidade por facto ilícito e pelo risco -, para o CC, pelo que tem toda a pertinência, na compreensão do actual regime, o estudo feito”, parece-nos que seria de admitir uma interpretação extensiva do preceituado no art. 497º do CC. Nesse sentido, parece-nos que adequado seria caber ao Tribunal a elaboração de um juízo de equidade, tal como na concorrência entre o risco de um veículo e a culpa do lesado, e determinar para cada circunstância se o dono do animal será ou não responsável em conjunto com o obrigado à vigilância e, em caso afirmativo, ser o Tribunal a determinar para os vários responsáveis como respondem na proporção do seu interesse nele (animal).

06 agosto 2024

Danos causados por animais - Dono


1ª parte: vide aqui

Posteriormente, nos art. 499º e seguintes do CC surge uma outra subsecção da responsabilidade civil: a responsabilidade civil pelo risco.

Aqui, deixamos de assentar a obrigação de indemnizar na prática ou omissão de uma conduta do agente, mas sim no facto de, em determinadas situações, empregarmos meios dos quais obtemos vantagens, meios esses que envolvem determinados riscos. Esta responsabilidade fundamenta-se no princípio ubi commoda, ibi incommoda, pois quem tira proveito de uma determinada actividade perigosa, que acarreta riscos, deve também responsabilizar-se pelos danos que dela possam advir.

Por esse motivo, já não está patente neste regime a apreciação da culpa, uma vez que, se o agente cria uma situação de risco para dela retirar proveitos, deverá ser responsável pelos danos resultantes dela, independentemente da sua culpa.

É aqui que se insere a segunda hipótese de responsabilidade que pretendemos analisar, a responsabilidade do utente do animal. Quanto a este, sabemos que “quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem (…)”, conforme se encontra previsto no art. 502º do CC.

Não se confunda este preceito com a responsabilidade anteriormente explicada, pois enquanto essa assenta na mera obrigação assumida de guardar e vigiar os animais e, por sua vez, uma falha no exercício dessa obrigação (a já mencionada culpa in vigilando), a ideia aqui presente é a de que quem utiliza no seu próprio interesse animais, que são seres que não dispõem de racionalidade suficiente e, consequentemente, constituem fonte de perigo pela imprevisibilidade dos seus comportamentos, deve acarretar com as consequências do risco especial que envolve a utilização dos mesmos.

Uma vez que, como acima descrito, não se tem em consideração o critério da culpa, nesta responsabilidade cumpre verificar os seguintes pressupostos: a utilização dos animais no seu próprio interesse e em seu proveito, que ocorra um dano e que este proceda do perigo especial que envolve a utilização desses animais, ou seja, a verificação do nexo de causalidade entre o facto e o dano ocorrido.

Outra particularidade do disposto no art. 502º do CC é a de que, diferentemente do regime preceituado no art. 493º do mesmo compêndio, esta responsabilidade abrange sujeitos diferentes, estando aqui compreendidos aqueles que têm um direito real de gozo sobre o animal, que são, tal como refere Antunes Varela “o proprietário, o usufrutuário, o possuidor, o locatário, o comodatário, etc.”.

Não obstante, é certo que, normalmente, é o utente do animal aquele que também o guarda, o que leva a que várias vezes recaia sobre si não só a responsabilidade pelo risco, como também a do art. 493º do CC. Contudo, apesar do dever de vigilância recair originariamente sobre ele, este consegue “afastar tal presunção, provando que outra pessoa assumiu esse encargo, tendo o animal à sua guarda”, ou seja, provando que, por meio de algum negócio jurídico, se transferiu o domínio daquele animal para outrem, passando este a ser o seu detentor e obrigado à vigilância.

Ilidida essa presunção, passamos a ter, então, duas pessoas na equação com direitos e deveres sobre o animal.

05 agosto 2024

Danos causados por animais


Os danos causados por animais são um tipo de danos que geram responsabilidade civil extracontratual, por facto ilícito ou pelo risco. 

Existem, particularmente, duas situações em que tal acontece quando se trata da guarda e/ou utilização dos mesmos. Em primeiro lugar, o Código Civil apresenta-nos uma responsabilidade subjectiva, no art. 493º do CC, daquele que está obrigado a vigiar os animais, da qual está dependente a verificação de cinco pressupostos cumulativos, estando um, aliás, presuntivamente verificado como iremos explicar adiante. 

Já a segunda disposição que nos é apresentada prende-se com a existência de uma responsabilidade civil objetiva derivada da utilização dos animais para satisfação do interesse do agente, prevista no art. 502º do CC. Tal encontra-se justificado pelo princípio ubi commoda, ibi incommoda, pois quem tira proveito de uma determinada actividade perigosa, que acarreta riscos, deve também responsabilizar-se pelos danos que dela possam advir.

Passemos então a estudar o âmbito de aplicação de cada uma delas, partindo, em primeiro lugar, da explicação sucinta dos dois tipos de responsabilidade civil onde estas situações se enquadram, a subjectiva e objectiva, para que as possamos distinguir e, posteriormente, teremos uma hipótese em que ambas se verificam para que possamos discutir casos em que existe concorrência destas responsabilidades, ou seja, uma concorrência entre o risco e a culpa.

O art. 502º do CC sanciona a responsabilidade objectiva dos que utilizam quaisquer animais no seu próprio interesse, relativamente aos danos que os mesmos causarem, «desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização».

Perigo especial: perigo característico ou típicos dos animais utilizados, variando com a natureza destes.

Exige-se que o dano se encontre numa adequada correlação com o perigo específico do animal (por exemplo, quando um cavalo se espanta), daí que se afaste a responsabilidade objectiva quando o dano se mostre consequência física que move o corpo do animal, ou se este segue apenas a vontade da pessoa que o conduz, ou ainda se causou dano como o produziria uma coisa inanimada (por exemplo, quando uma pessoa tropeça num cão tranquilamente deitado, ou se o mesmo serve de objecto de arremesso).

Encontram-se abrangidos pela formulação do art. 502º do CC, todos os que utilizarem animais no interesse próprio, sendo proprietários ou como se o fossem. Exclui-se, por exemplo, o que experimenta um animal antes de o adquirir. Esse, sim, responde nos termos do art. 493º, nº 1 do CC, que estabelece uma presunção de culpa em relação a quem tenha assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais.

Perante o lesado, poderá verificar-se concorrência dos pressupostos das duas formas de responsabilidade previstas nos art. 493º e 502º, ambod d CC. Pense-se, designadamente, que a pessoa que utiliza o animal confia a outrem a vigilância deste. À responsabilidade do utente pelo risco (cfr. art. 502º do CC), acresce a responsabilidade do vigilante baseada em facto ilícito.

Continuação: vide aqui

04 agosto 2024

Auto de vistoria


Tipo de Pedido

Permite solicitar uma competente vistoria para a verificação das condições de segurança, salubridade ou do  arranjo estético de determinado do edifício ou das suas fracções autónomas.

Desta verificação poderá resultar a necessidade de serem executadas as obras que sejam necessárias para corrigir as más condições de segurança ou salubridade ou de conservação que sejam necessárias à melhoria do arranjo estético do prédio ou fracções.

Âmbito do pedido

Sem prejuízo do disposto no nº 1 do art. 89º do RJUE, qualquer interessado (a vistoria só pode ser solicitada por inquilinos, proprietários, locatários e administração de condomínios quando se trate de vistoria a zonas comuns), pode requerer a realização de vistoria para:

  • Determinar a necessidade de execução de obras necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou de obras de conservação necessárias à melhoria do arranjo estético;
  • Determinar a necessidade de ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.
Cumpre ressalvar que não podem ser solicitadas vistorias para imóveis de vizinhos ou em situações em que não é o imóvel do requerente que se encontra afectado, mas sim a segurança de peões ou a saúde pública.

Para a marcação da vistoria, é obrigatório que o requerente:
  • indique a qualidade em que faz o pedido (proprietário, inquilino, condomínio ou outro);
  • preencha os campos “Identificação do(s) proprietário(s) do(s) prédio(s) ou fração(ões)” e “Descrição da anomalia”;
  • indique se o prédio possui condomínio constituído, referindo a designação da entidade/pessoa que o administra.

Nos termos do art. 90º do RJUE, a deliberação da CM para determinar a necessidade de execução de obras ou de demolição nos termos dos pontos anteriores é precedida da mencionada vistoria para verificação das condições de segurança, salubridade ou arranjo estético.

  • Do acto que determinar a realização da vistoria e respectivos fundamentos é notificado o proprietário do imóvel, mediante carta registada expedida com, pelo menos, sete dias de antecedência;
  • Da vistoria é imediatamente lavrado auto, do qual consta obrigatoriamente a identificação do imóvel, a descrição do estado do mesmo e as obras preconizadas e, bem assim, as respostas aos quesitos que sejam formuladas pelo proprietário;
  • O auto é assinado por todos os peritos que hajam participado na vistoria e, se algum deles não quiser ou não puder assiná-lo, faz-se menção desse facto;
  • Quando o proprietário não indique perito até à data acima referida, a vistoria é realizada sem a presença deste, sem prejuízo de, em eventual impugnação administrativa ou contenciosa da deliberação em causa, o proprietário poder alegar factos não constantes do auto de vistoria, quando prove que não foi regularmente notificado;
  • As formalidades previstas podem ser preteridas quando exista risco iminente de desmoronamento ou grave perigo para a saúde pública, nos termos previstos na lei para o estado de necessidade
Indicação de perito
 
Até à véspera da vistoria, o proprietário do imóvel tem a possibilidade de indicar um perito para intervir na realização da vistoria e/ou formular quesitos e/ou questões que julgue pertinentes, que serão apreciados e analisadas e aos quais deverão responder os peritos nomeados pela CM que realizam a vistoria
 
Acresce sublinhar que este perito não se pode nomear a si próprio para intervir na vistoria.
 
Como realizar

Considerações a tomar na submissão do seu pedido:

Requerente: Entidade singular ou colectiva com legitimidade para iniciar ou intervir no procedimento.

Representante: Intervém no procedimento a que respeita o formulário em nome do requerente, reflectindo os efeitos da sua actuação na esfera jurídica do requerente:

  • Representação legal – O representante é indicado pela lei ou por decisão judicial;
  • Representação orgânica ou estatutária – Resulta dos estatutos de uma determinada pessoa colectiva;
  • Representação voluntária – Quando voluntária e unilateralmente, por intermédio de uma procuração, o titular atribui ao representante o poder de celebrar negócios jurídicos em seu nome;
  • Mandato – Contrato ao abrigo do qual uma das partes (mandatário) se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (mandante).
Nota:
  • Só existe a necessidade de junção de documento de identificação de entidades singulares, (requerente ou representantes) no caso em que o requerimento seja apresentado por correio postal ou correio electrónico.
  • Em caso de atendimento presencial, para as referidas entidades singulares, bastará a exibição do documento de identificação para a recolha dos dados de identificação necessários ao pedido sem necessidade de retenção/reprodução do mesmo. 
 
Prazo de emissão/decisão

Deverá ser respeitada a seguinte calendarização: 
 
Do acto que determinar a realização da vistoria e respectivos fundamentos é notificado o proprietário do imóvel, mediante carta registada expedida com, pelo menos, sete dias de antecedência, ou, não sendo esta possível em virtude do desconhecimento da identidade ou do paradeiro do proprietário, mediante edital, nos termos estabelecidos no CPA, sendo, para este efeito, obrigatória a afixação de um edital no imóvel.
 
Inspecção  para verificação das obras impostas

A inspecção para a verificação de obras impostas pela CM, na sequência da vistoria de segurança, salubridade ou arranjo estético realizada, é solicitada por quem tenha requerido a vistoria de segurança/salubridade/arranjo estético.
 
Importa ressalvar que a feitura da inspecção para a verificação das obras impostas pela CM só pode ser agendada após o prazo concedido para a execução das mesmas ter terminado.
 
 
Exemplo de um Auto de Vistoria:

Auto nº: xxx
Processo nº : xxx/2023

Ao(s) _____ dia(s) do mês de _____ de 2023, a comissão de vistorias, da qual fazem parte os técnicos, __________, __________, e __________, procedeu à vistoria ao prédio situado na Rua _____________________, nº _____, Freguesia de __________, deste Município, cuja vistoria foi requerida através do requerimento n.º _____ por __________, para efeitos de Avaliação das Condições de Segurança e Salubridade. Efectuada a vistoria, verificaram os peritos:

Que o prédio se encontra em estado de degradação avançado com telhado parcialmente abatido para o espaço interior e paredes em taipa degradadas e com falta de estabilidade e ameaçando tombar para a via pública.

Pelos motivos expostos pode-se considerar que o edifício se encontra em estado de ruína. As paredes que confinam com os edifícios adjacentes não estão devidamente impermeabilizadas, situação que favorece a infiltração de água e a degradação das mesmas paredes e dos edifícios adjacentes.

No espaço interior acumula-se o entulho do abatimento do telhado e do material desprendido das paredes, situação que favorece o acumular da água da chuva no espaço e é geradora de uma situação de insalubridade.

Conclusão:

Em face da análise efectuada, ao abrigo do ponto 2 do artigo 89º do RJUE, determina este Município a execução das seguintes obras de conservação, necessárias à correcção das más condições de segurança ou de salubridade verificadas, ou à melhoria do arranjo estético, concedendo 120 dias para o efeito:

Deverão ser realizadas obras no edifício de forma a impedir a infiltração de água para os edifícios adjacentes e a restabelecer a limpeza e a impermeabilização do espaço interior, eliminando-se assim as condições existentes de insalubridade.

Deverá ser dada solução à cobertura e paredes exteriores por forma a evitar a sua posterior queda eminente, quer para o interior, quer para o exterior. Todas as paredes deverão ser revestidas por forma a impermeabilizar a taipa devendo ser demolidas e reconstruidas de novo, as que não tem possibilidade de recuperação e ameaçam ruir para a via pública.

Em alternativa poderá sempre optar por:

Demolição total das construções uma vez que estas ameaçam ruína e ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas, concedendo 60 dias para o efeito.


__________, _____de _____ de 2023

A Comissão de vistoria:

(identificação e assinaturas)

Privação uso fracção


Tribunal: TRP
Processo: 641/19.2T8PVZ.P1
Relatora: Judite Pires
Data: 15-06-2022

Descritores:

FORÇA DE CASO JULGADO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
RESPONSABILIDADE

Sumário:

I - A força do caso julgado assenta na necessidade de assegurar a certeza das situações jurídicas apreciadas, nos termos em que o foram, que é inerente às decisões definitivamente julgadas, pressupondo a existência de uma conexão que impeça que a primeira decisão, transitada em julgado, seja contraditada pela segunda.
II - A decisão de mérito produzida num determinado processo, confirmando ou constituindo uma situação jurídica, pode, em alguns casos, ser vinculativa noutros processos onde se vise a apreciação ou constituição de outras situações jurídicas com ela conflituantes.
III - Na propriedade horizontal cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício; deste modo, em excepção ao princípio superfícies solo cedit, no mesmo edifício coexistem direitos de propriedade plena sobre as fracções autónomas e de compropriedade sobre as partes comuns.
IV - Cada um dos proprietários da respectiva fracção autónoma é titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, que lhe permite exigir de qualquer terceiro, seja ele outro condómino, seja ele um terceiro alheio ao edifício em propriedade horizontal, seja ele, ainda, o próprio conjunto dos condóminos, que se abstenha de actos que perturbem ou diminuam o pleno gozo e fruição da sua fracção.
V - O administrador será civilmente responsável pelos danos que cause aos condóminos e a terceiros no exercício da sua actividade, estando sujeito às normas que regem o cumprimento e incumprimento das obrigações em geral.
VI - Causando as patologias nas partes comuns do prédio a privação de uso de fracção autónoma pertencente a um condómino, antes por ele utilizada como sua morada, a fixação do quantum indemnizatório correspondente a tal dano patrimonial deve reger-se por critérios de equidade, ponderando todas as circunstâncias relevantes ao caso, designadamente o valor locativo do imóvel no mercado de arrendamento, mas não podendo este ser o único e automático critério a atender para aquele efeito.

Texto integral: vide aqui

01 agosto 2024

Destaque de parcela onde existe construção antiga


Parecer jurídico

Data: segunda, 03 setembro 2001
Número: 227/01
Responsáveis: MMTB

Em resposta ao solicitado por V. Exª ao abrigo do ofício nº 4526, de 29/08/2001 e reportando-nos ao assunto identificado em epígrafe cumpre-nos informar o seguinte:

O artigo 5º do DL 448/91, quer no nº1, quer no nº2 (ou seja, quer o terreno se situe ou não em aglomerado urbano ou área urbana) exige para a operação de destaque, com a consequente dispensa de licenciamento da operação de loteamento, o cumprimento cumulativo das condições nele prescritas, entre as quais a existência prévia ou simultânea de projecto de construção aprovado pela Câmara Municipal, nos termos do DL 445/91, de 20 de Novembro. 

Ora, é nosso entendimento que o facto de existir um edifício já construído na parcela a destacar não obsta à realização da operação de destaque pretendida, desde que tal construção tenha sido legalmente realizada, isto é, tenha sido sujeita a licenciamento municipal se à data da construção tal licenciamento fosse exigível por lei, sabendo-se que tal exigência constava já do artigo 1º do RGEU. 

Esta matéria foi aliás discutida na reunião de coordenação jurídica entre as CCR’s/DGAL de Outubro de 92, realizada ao abrigo do despacho nº 13/87, do Secretário de Estado da Administração Local e ordenamento do Território (DR, II Série nº 95 de 24/4/87), tendo sido aprovadas por unanimidade as seguintes conclusões:

A existência de edifícios já construídos e devidamente licenciados na parcela de um determinado prédio que apresente as características necessárias para a aplicação do regime de destaque não devem afastar este. 

Nestes casos, por força das licenças emitidas, será de partir da premissa de que a correcta infra-estruturação do terreno já se encontra efectuada e a edificação já construída apresenta-se de acordo com as características legalmente exigidas. 

Reforça-se contudo que se encontram legalmente edificados não só as construções licenciadas como aquelas que foram realizadas anteriormente à existência de legislação que obrigasse ao seu licenciamento.

Assim, se à data da construção do edifício a legislação em vigor não exigia o respectivo licenciamento, é de considerar que o mesmo se encontra legalmente construído, não obstando à realização da operação de destaque a falta de projecto licenciado.

A Chefe de Divisão de Apoio jurídico (Drª Maria Margarida Teixeira Bento) HN/

Impugnação extra-judicial


Um condómino pode pedir a anulação das deliberações tomadas numa Assembleia Geral de Condóminos, ao abrigo do disposto no art. 1433º do CC, ainda que, no que concerne ao pedido de reapreciação da tomada de posição face a uma deliberação tomada e relativa ao ressarcimento do condomínio nas custas tidas com os processos judiciais intentados pelo condómino, sustente que as deliberações são nulas, por não respeitarem o disposto no art. 1424º, nº 1, do mesmo diploma.

A partir da entrada em vigor do DL nº 267/94, de 25.10, com o novo regime da propriedade horizontal, o art. 1433º do CC sofreu alterações (aditamentos dos actuais nºs 2, 3 e 4) destinadas a evitar o litígio judicial.

Assim, ficou consagrado nos nºs 2, 3 e 4 do citado preceito que:

«2. No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3. No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4. O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.»

Estes normativos introduziram uma nova ferramenta para reconsideração das deliberações da assembleia de condóminos, sendo que, através deste mecanismo, uma assembleia extraordinária fará o crivo dos conflitos ou das ilegalidades anteriormente aprovadas.

A intenção do legislador foi, fundamentalmente, a de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou parajudiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº 1 do art. 1433º do CC.

Neste sentido, Aragão Seia escreveu que com tal alteração se pretendeu obstar ao recurso a tribunal, evitando o inconveniente de criar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão (obra citada, pp. 185-186).

Qualquer condómino que não esteve presente na assembleia ou votou contra a deliberação tem o direito de impugnar as deliberações da reunião, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 1433º do CC.

Estes condóminos podem exigir ao administrador que convoque uma assembleia extraordinária para revogar as deliberações ineficazes ou inválidas, no prazo de 10 dias sobre a deliberação e, para os condóminos ausentes, no prazo de 10 dias após a sua comunicação (cfr. art. 1433º, nº 2, do CC).

O administrador tem a obrigação de convocar uma assembleia extraordinária, a realizar no prazo de 20 dias, para anulação das deliberações inválidas ou ineficazes (cfr. art. 1433º, nº 2, in fine, do CC).

Atentemos num exemplo meramente académico:

O condómino (por si ou através de seu mandatário) enviou à Administração do Condomínio uma carta registada com A/R, datada de 29 de Agosto de 2019, em que deduziu impugnação quanto às deliberações tornadas na Assembleia Geral Extraordinária de 31 de Julho de 2019, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1433º, nº 1 e nº 2, do CC, por enfermarem das mesmas invalidades que já tinham sido aduzidas pelo condómino em relação à Assembleia Geral Ordinária de 20 de Março de 2019. Solicitou a convocatória de uma nova assembleia geral extraordinária, para a revogação das deliberações tomadas, no prazo máximo de 20 dias.

A Administradora do Condomínio do prédio respondeu, por carta datada de 27 de Setembro de 2019, que refutava as invalidades apontadas uma a uma e concluiu que não existiam fundamentos para a requerida realização de assembleia extraordinária, ainda mais tratando-se de um pedido abusivo, pois o condómino há quatro anos que, apesar de regularmente convocado, não comparecia a nenhuma das assembleias marcadas e realizadas, intentando a posteriori a respetiva ação de anulação de deliberações.

O que dizer destas deliberações de 31.7.2019, que assumem a veste de «reapreciação» dos mesmos pontos ou parâmetros de deliberações anteriores?

A lei civil que regulamenta as relações de condomínio não contempla uma norma semelhante à do art. 62º do CSC (renovação da deliberação social), a qual dispõe concretamente sobre a renovação da deliberação dos sócios anulável, mediante outra que não enferme do vício da deliberação precedente.

Preceitua o citado normativo que:

«1. Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros.
2. A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.
3. O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação.»

Pela natureza das coisas, sustenta-se no acórdão do TRL de 6.11.2008 (p. 7549/2008-6, in www.dgsi.pt) que o paralelismo entre as situações parece impor um tratamento semelhante.

Considera-se no referido aresto que, ressalvados os direitos de terceiros de boa fé adquiridos na sua execução, não faz sentido a anulação de uma qualquer deliberação da assembleia de condóminos se, entretanto, veio a ser renovada por outra que, coincidindo com o conteúdo da primeira, não enferma dos seus vícios, devendo, antes, por força dessa renovação, os efeitos jurídicos passarem a ser imputados unicamente à deliberação renovatória.

Em defesa deste argumento, o citado acórdão oferece o seguinte exemplo:

«Pense-se, v.g., no caso aqui em apreço: determinado condómino que é compelido, por não autorizado pelos votos suficientes da assembleia de condóminos, a destruir a obra que levou a efeito na sua fracção e vê, essa mesma obra, ainda antes de proceder à sua destruição, ser autorizada pelo número de votos necessários para tal da assembleia de condóminos, deverá, ainda assim, sofrer as consequências da anulação da 1ª deliberação da assembleia de condóminos e destruir a obra realizada, para depois a refazer, porque agora devida e legalmente autorizada? O absurdo e, quiçá, a perversidade da afirmativa parece-nos por demais evidente.»

O acórdão acompanha o entendimento de Sandra Passinhas, quando adianta que «ao contrário do título constitutivo, que está inscrito no registo predial e só pode ser modificado por acordo de todos os condóminos, as deliberações não estão sujeitas a registo e a todo o momento poderão ser suprimidas ou alteradas pela assembleia» (in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª ed., pág. 84) e ainda Aragão Seia, que refere que “o vício de que enferma a deliberação pode ser sanado por deliberação posterior ou por falta de impugnação tempestiva” (in ob. cit., pág. 184)».

A seguir-se esta linha de pensamento na situação sub judice, caso se concluísse que houve uma regular renovação das deliberações da Assembleia Geral de condóminos de 20.3.2019 pelas deliberações da Assembleia Geral Extraordinária de 31.3.2019, com as novas deliberações expurgadas das causas da invalidade da antecedente, poder-se-ia até aventar uma inutilidade superveniente da primeira ação proposta pelo ora Autor (cf. art. 287º, al. e), do CPC), por as deliberações anuláveis não poderem ser anuladas se forem substituídas por outras tomadas em conformidade com a lei (cf. Sandra Passinhas, ob. cit., p. 260 e Aragão Seia, ob. cit., p. 188).

O acórdão do TRP de 3.4.2006 (p. 0650775, in www.dgsi.pt) segue trilhos diferentes num caso de «reiteração» de deliberações anteriores.

Considerando que as novas deliberações só encontram justificação se com elas se pretender repetir deliberações anteriores expurgadas do vício ou vícios que continham, deste modo as sanando, argumenta que o caso remete apenas para a lei civil, designadamente o disposto no art. 288º do CC.

Daí que se afirme no referido acórdão que o disposto no art. 62º do CSC não é aplicável no domínio do direito civil, concretamente no particular aspeto de impugnação de deliberações de condomínio, não havendo qualquer lacuna da lei a preencher.

É certo que a aplicação singular da lei civil nestes casos poderá, eventualmente, originar um estrangulamento da actividade de uma administração de condomínio, uma vez que a convalidação de deliberações nulas, anuláveis e ineficazes é limitada pela hipótese do art. 288º do CC, desde logo porque exige a intervenção da pessoa a quem pertence o direito de anulação, sendo mais abrangente a solução concedida pelo art. 62º do CSC o qual, pelo seu nº 2, permite que cesse a anulabilidade quando os sócios renovem a deliberação anulável, bastando que haja de um sócio um interesse atendível.

Todavia, elucida-se no aresto que se justifica uma aplicação mais circunscrita da reiteração ou renovação de deliberações anteriores em sede de deliberações de assembleias de condomínio, principalmente quando a deliberação tenha um carácter pessoal e afecte directamente um condómino ou um seu direito, ponderando o seu particular figurino e interesses (vide, entre outros, os art. 1420º, 1421º e 1422º do CC) e atendendo, especialmente, ao nº 4 do citado art. 288º do mesmo diploma, que permite a eficácia retroativa da confirmação.

Um outro argumento restritivo da actividade da assembleia de condóminos e dos seus poderes pode retirar-se da possibilidade concedida pelo nº 2 do art. 1433º do CC, o qual permite que haja a convocação de uma nova assembleia, mas apenas «para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes» e pelo seu nº 5, que prevê a possibilidade de suspensão das deliberações, nos termos da lei do processo.

Na situação em espécie no referido aresto, acabou por se concluir que a deliberação era contrária à lei por violadora dos art. 288º e 1433º do CC, tanto mais que estava pendente uma ação cuja sanação se pretendia efectuar.

Na mesma linha de orientação, vide ainda o acórdão do TRP de 26.4.2001 (p. 0130128, in www.dgsi.pt), assim sumariado:

«I - A anulabilidade de deliberação da assembleia de condóminos, por falta de convocatória de um dos condóminospode ser sanada por confirmação (declaração da pessoa a quem compete o direito de pedir a anulação) e não por renovação (repetição da deliberação) em que não interveio aquele condómino.
II - O disposto no artigo , 62º do Código das Sociedades Comerciais (renovação de deliberação social) não é aplicável no domínio do direito civil.»

Ora, quer se enverede por uma aplicação analógica da figura da declaração renovatória prevista no art. 62º do CSC, ou se restrinja o enquadramento jurídico à confirmação de acto anulável consagrada no art. 288º do CC, é apodítico que as deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de 31.7.2019 permanecem válidas e eficazes se não forem impugnadas.

A declaração da falta de interesse em agir pode configurar uma efetiva denegação de acesso ao direito e aos tribunais.

Os tribunais são órgãos de soberania com a missão de dirimir de forma heterocompositiva, em conformidade com a lei, as relações materiais controvertidas que lhe são colocadas.

A falta de interesse em agir só se verifica em situações em que não seja sequer equacionável qualquer necessidade da pretensão formulada pelo demandante ou adequação dessa pretensão, o que não é, manifestamente o caso dos autos.

Diz-nos o Tribunal que a sorte das deliberações impugnadas nestes autos, tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de condóminos de 31.7.2019, está directamente dependente da deliberação que ocorreu em 20.3.2019, impugnada através da prévia propositura da competente acção de anulação, que corre os seus termos se encontra pendente de recurso.

Considera que, se no processo se vier a concluir que as deliberações de 20.3.2019 são inválidas, o Autor não terá qualquer interesse no prosseguimento desta nova acção.

Não podemos concordar com esta afirmação.

As deliberações da Assembleia Geral Extraordinária de condóminos de 31 de julho de 2019 foram tomadas e subsistem no ordenamento jurídico como válidas e eficazes até decisão judicial transitada em julgado em sentido contrário.

Caso sejam declaradas inválidas as deliberações de 20.3.2019, subsistem no ordenamento jurídico as deliberações de 31.7.2019, não podendo operar aqui uma caducidade ope legis destas últimas que a lei não prevê.

Já no caso das deliberações de 20.3.2019 virem a ser consideradas válidas e legais por decisão transitada em julgado, a questão é mais duvidosa.

Poderá realmente verificar‑se uma inutilidade superveniente da lide com o trânsito em julgado da decisão, mas esta utilidade não anda de mãos dadas com o pressuposto do interesse em agir, podendo, quando muito justificar a suspensão da instância por determinação do juiz, prevista no art. 272º, nº 2, do CPC.

Ainda assim, tal decisão implica um juízo de conveniência do Tribunal a quo sobre as vantagens e desvantagens da suspensão (depois de ouvidas as partes), que aqui não nos compete substituir.

Em face do exposto, às perguntas sobre a necessidade e a adequação da providência solicitada pelo Autor supra enunciadas, estamos já em condições de responder.

Verifica-se, desde logo, o requisito da necessidade, pois foram aprovadas deliberações na Assembleia Geral Extraordinária de condóminos de 31.7.2019 que, caso não fossem impugnadas, permaneceriam no ordenamento jurídico como válidas e eficazes.

Para a solução do conflito é indispensável a actuação jurisdicional.

Quanto ao requisito da adequação, o caminho escolhido é apto a corrigir a lesão do direito do Autor, tal como ele o configura.

Voltando às sábias palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, o Autor não tem de demonstrar uma necessidade absoluta e única para a realização da pretensão formulada nem pode solicitar um pronunciamento judicial por mero capricho.

Exige-se, tão somente, «uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção» e esta verifica-se, sem dúvida, pelo que é mister concluir que, segundo as várias soluções plausíveis de Direito, o Autor tem interesse em agir nesta ação de anulação de deliberações do condomínio.

Do sentido do recurso e da responsabilidade quanto a custas

Em face do exposto, considera-se que a apelação deve proceder e a decisão recorrida deve ser revogada para que os autos prossigam os seus termos com o pressuposto do interesse em agir do Autor verificado.

Dado que os Apelados não contestaram nem constituíram mandatário na acção principal, e não apresentaram alegação de resposta, e tendo em consideração que o objecto do recurso se prende com o conhecimento oficioso de um pressuposto processual, não é viável aferir o âmbito da repercussão da decisão na esfera das partes, pelo que as custas deste recurso serão suportadas pela parte que, a final, na acção declarativa, por elas venha a ser responsável e na mesma proporção - art. 527º, nº 1, 529º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC (cf. acórdão do TRL de 22.1.2019, p. 45824/18.8YIPRT-A.L1, www.dgsi.pt).