Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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6/23/2021

Usar garagens para outros fins

Naquilo que nos aproveita, segundo a generalidade dos dicionários, o conceito de garagem é o de um lugar próprio para se e estacionar e guardar veículos, local onde se guardam automóveis, lugar coberto, geralmente fechado, que serve para abrigo de automóveis. No entanto, cumpre perguntar, destinam-se as garagens apenas ao parqueamento de qualquer tipo de viaturas?

O velho conceito de garagem

Garagem é o nome atribuído a um espaço, geralmente coberto e fechado (podendo ser outrossim um lugar delimitado por traços pintados no pavimento num espaço amplo, sito na cave de um edifício com múltiplos proprietários), na qual o proprietário pode parquear os veículos para os proteger do tempo inclemente e também de potenciais acções criminosas.

Estes espaços, nos projectos de arquitectura, eram os cómodos "mais pobres" da edificação, sendo mal estruturados, deficientemente revestidos, totalmente desaproveitados e desprovidos, não se sobressaindo nem convergindo com a linha arquitectónica da moradia ou prédio. Em muitos prédios têm-se mesmo como espaços exíguos em face da necessidade de se aproveitar todo o (pouco) espaço disponível, com rampas excessivamente inclinadas e/ou mal projectadas e ângulos de manobra incómodos. 

Sobre estes espaços não havia qualquer cuidado de maior porquanto geralmente estavam localizados num ambiente fechado e potencialmente húmido, por baixo da estrutura da edificação e portanto mais susceptível à ocorrência de patologias na estrutura predial pelo facto de os materiais estarem submetidos a um directo contacto com a humidade, não merecendo portanto, melhor. 

Um novo conceito de garagem

Nos projectos contemporâneos, a garagem ganha todo um novo conceito de ambiente que pode servir para outras finalidades além de acomodar o(s) veículo(s) do(s ) morador(es) da moradia/apartamento. Aliás, nas modernas construções de alto padrão, as garagens ficam, geralmente, na parte posterior do terreno, próximas da área de lazer, para permitir que o espaço possa ser aproveitado como uma sala ou uma varanda em dias de festa, quando os veículos podem ser retirados do local.

Aliás, o conceito norte-americano de garagem na frente do imóvel tem vindo a ser substituído, excepto nos terrenos de menores dimensões, que não possibilitam projectar o espaço para carros em outros pontos, já que o recuo mínimo deve ser de 5,3 metros. Mesmo nos projectos em pequenos espaços, não se usa entrar no imóvel pela garagem, ambiente que fica separado da casa. Nesses casos, a evolução e sofisticação da arquitectura ajudam a criar soluções para deixar as áreas de acomodação dos veículos mais funcionais e esteticamente bonitas.

Nesta conformidade, actualmente as garagens têm-se projectadas com uma dimensão e qualidade de construção que permita que o local seja pratico e funcional, prevendo-se espaço útil para a guarda de bens, a circulação de pessoas, e bem assim a carga e descarga de pessoas e objectos.

O gozo pleno do direito de uso

Nos termos do art. 1305º do CC, "O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso (dando-lhe o fim que melhor lhe aprouver), fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (no caso, a moradia ou apartamento), dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (cfr. art. 1422. nº 2 al. c) do CC)". 

Portanto, o uso de coisa definido neste preceito diz respeito à utilização directa da coisa (leia-se, moradia / apartamento) ou como aproveitamento imediato das aptidões naturais dela (conferindo-lhes o uso que melhor se adequar às suas necessidades actuais), conceito distinto de fruição que visa fundamentalmente a utilização da coisa como instrumento de produção - frutos, proventos, etc.

E quanto ao uso da garagem, e relativamente ao fim a que a mesma se encontra adstrita, temos que recorrer não só ao título mas às próprias circunstâncias contemporâneas dele, utilizáveis na sua interpretação. Ora, o uso extemporâneo não pode ser integrada no conceito de se estar a dar um destino diferente à garagem, como se exprime o nº 2 da al. c) do art. 1422º do CC (aplicável a toda a fracção e não a algum dos seus cómodos). Diferente seria se tal utilização (a desse cómodo ou garagem) fosse permanente, por exemplo, como armazém, em grandes quantidades, e com materiais que pudessem por em perigo os restantes condóminos.

Segundo os ensinamentos do Dr. L.P. Moitinho de Almeida, in Propriedade Horizontal, pags. 88/89, 2ª Edição, Ed. Almedina, Coimbra 1997, "A proibição do uso diverso do fim a que a fracção é destinada (art. l 422, n.° 2, ai. c)), refere-se, como a própria lei estipula, à fracção no seu todo. Visa-se os casos em que a fracção se destina a habitação, querendo-se significar que não pode ser destinada a comércio ou profissão liberal, e vice-versa. Cada condómino, dentro da sua fracção, é livre, como dispõem os preceitos atrás citados, de fazer o que muito bem entender, salvaguardados os direitos de terceiros. E não se vê como pudessem ser prejudicados os demais condóminos pelo facto de aquela garagem se converter em arrecadação ou em garagem e arrecadação simultaneamente. Como se disse, a garagem ou a arrecadação são partes da fracção, em pé de igualdade (porque nada na lei dispõe em contrário) com a cozinha, a sala comum ou qualquer outro quarto. Assim, e mau grado o que consta no título constitutivo da propriedade horizontal, é evidente que o condómino não está impedido de destinar o quarto de banho a quarto de arrumos ou de transformar a cozinha em quarto de dormir. Assim, e por igualdade de razões, não seria objecção séria a de que, o espaço destinado à garagem poderia passar a ser destinado a arrecadação ou outra finalidade idêntica. Aliás, mesmo permanecendo como garagem, aquele espaço pode não ser utilizado como tal, porque, por exemplo, o condómino respectivo não tem carro. Não teria sentido privá-lo de dar-lhe uma finalidade útil.

A regulação dos contratos de seguro

Como é consabido, o regime geral do contrato de seguro extrai-se, ainda hoje, do Código Comercial de Veiga Beirão. Do respectivo art. 426º e § único retira-se "encontrarmo-nos perante um contrato formal, que deve ser reduzido a escrito num instrumento denominado “apólice do seguro”, do qual constam os nomes do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, bem como o objecto e a natureza do contrato, o valor e os riscos cobertos".

Do art. 427º do CCom conclui-se que o contrato de seguro se regula pelas estipulações da respectiva apólice, não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do Código. Note-se que, hoje em dia, decorrendo das normas dos art. 32º nº 1 e 2 e 34º nº 2 Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL nº 72/2008 de 16/4), e ao contrário do que era exigência do CCom (do art. 426º cit. extraía-se que o contrato deveria ser reduzido a escrito, em formalidade que assim, e por decorrência da aplicação dos princípios gerais, se entendia ser um pressuposto da validade do contrato, uma formalidade “ad substantiam”), a formalização do contrato em documento escrito ou suporte electrónico duradouro assume-se agora como mera formalidade de prova, um requisito/documento “ad probationem” do contrato (assim, Prof. Romano Martinez et al., Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2009, pg. 170).

Aliás, a interpretação do contrato de seguro tem por base as normas legais dos art. 236º a 238º do CC, aos princípios decorrentes da boa fé contratual (cfr. art. 762º nº 2 do CC), e o disposto no DL nº 446/85 de 25/10 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais - LCCG), quanto à parte do clausulado (ou todo ele) que possa revestir a natureza de cláusulas contratuais gerais. Subsistindo alguma dúvida na interpretação das cláusulas do contrato de seguro, deverá pois prevalecer a interpretação mais favorável ao segurado, nos termos do art. 11º nº 2 do DL nº 446/85 de 25 de Outubro.

Ora do disposto no art. 11º nº 2 do LCCG extrai-se que só haverá ambiguidade se as regras comuns dos art. 236º e ss. do CC não resolverem o problema, de modo que a referida ambiguidade seja efectiva. Portanto, as cláusulas ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real (cfr. art. 11º nº 1), na dúvida prevalecendo o sentido mais favorável ao aderente (cfr. nº 2), sendo nulas as cláusulas contrárias à boa fé (cfr. art. 16º).

Do art. 236º, extrai-se que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida. Todavia, porque se trata, no caso, de um negócio formal, o art. 238º vem restringir os termos do art. 236º, estipulando que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

Trata-se da usualmente designada doutrina da impressão do destinatário, recondutível ao âmbito do princípio da protecção da confiança, impondo ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desde forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (cfr. Prof. Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente, pg.206). Todavia, a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (cfr. Prof. P. Mota Pinto, op. cit., pg.208).

Enquanto cláusulas contratuais gerais, regendo as normas do DL nº 486/85 cit., as regras gerais já apontadas de interpretação e integração dos negócios jurídicos são levadas em conta, no contexto de cada contrato singular em que se incluam (cfr. art. 10º do CC). 

Para a identificação do local de risco de um seguro de danos (multi-riscos habitação ou condomínio) não releva a descrição matricial ou registral do imóvel, mas já assume importância a referência aos bens seguros (não apenas ao valor como à respectiva descrição), designadamente como constam da proposta subscrita pelo tomador do seguro, a não sinalização na proposta de qualquer anexo, arrecadação ou garagem cujo conteúdo pretendesse assegurar-se, a indicação na mesma proposta da estrutura da habitação (individual, em banda ou em PH).

Na ausência destas ressalvas, tudo a concluir, por um declaratário normal, estar em causa apenas a habitação do proprietário e respectivo recheio/conteúdo, que não também a totalidade do edificado em que aquela habitação se integrava, cujo aproveitamento possa ter-se feito como arrecadação / garagem / depósito.

O direito de uso vs o contrato de seguro

Há quem defenda que as consequências do uso diverso do imóvel para o fim a que se destina podem ainda reflectir-se a outros níveis, como por exemplo no que toca à actuação dos seguros,. Assim, se ocorrer um incêndio num lugar de parqueamento que se encontre parcialmente ocupado com bens móveis e/ou lenha, o seguro do condomínio, relativo às partes comuns, não cobrirá o sinistro. 

Esta tese não merece o melhor acolhimento, porquanto em causa não está a alteração do fim a que o imóvel se destina, no limite, estará a alterar-se o uso de um cómodo do imóvel, no vertente caso, uma garagem, parcial ou totalmente, para um fim mais adequado às necessidades do proprietário, pelo que, por este expediente, não há razão válida para que o seguro se furte às suas responsabilidades em caso de sinistro.

Coisa diversa resultará, naturalmente, se o proprietário, independentemente de alterar, parcial ou totalmente o fim a que se destina o cómodo, nela faz guarda e/ou depósito de materiais e/ou substâncias potencialmente perigosas (quaisquer líquidos, gases ou sólidos, corrosivos, comburentes, inflamáveis ou espontaneamente inflamáveis, explosivos ou tóxicas que ponham em risco o imóvel), sejam proibidas por lei, ou mesmo quando admitidas, não constam da proposta subscrita pelo tomador do seguro.

Destarte, no pleno gozo do seu direito de uso (cfr. art. 1305º CC), o proprietário pode trocar um quatro por uma sala e vice-versa, dividir uma sala ampla, criando como novo cómodo um quarto extra, ou desconstruir uma parte da parede eliminando um quarto e anexando-o à sala ou à cozinha, pode num quarto que não necessite como tal, passar a usá-lo como ginásio particular, sala de música, biblioteca, sala de jogos, escritório pessoal ou dando-lhe uma qualquer outra utilização lúdica ou de lazer.

Mas cumpre perguntar, e se o proprietário fecha uma varanda posterior ou parte de um terraço, ou todo o terraço, com marquise, deles ou de parte deles fazendo uma "lavandaria", com máquinas de lavar e secar roupa e ferro de engomar? E no que ao aproveitamento da garagem concerne, havendo uma lareira, recuperador de calor ou salamandra a lenha, está o proprietário impedido de comprar lenha à tonelada (como é o uso e costume geral), tendo que a comprar a lenha ao quilo porque não a pode guardar numa garagem? E dentro de casa, já a pode guardar? Lenha não, e briquetes ou pellets, sim? E uma garrafeira, terá que ficar na sala em detrimento da garagem? Se o proprietário se tiver adepto da pesca desportiva ou se realiza trabalhos de bricolage, não pode guardar tais coisas num móvel, na garagem?

Nesta conformidade, a seguradora é estranha ao tipo de uso e/ou aproveitamento que o proprietário faz do seu imóvel, apenas se podendo desresponsabilizar da sua obrigação de indemnização face a um qualquer sinistro, se se provar que o proprietário o empregou para fim diverso ao que se destinava ou se no uso, houve algum manifesto abuso daquilo que se possa considerar um uso normal e prudente.

3/23/2022

Carregamento veículos eléctricos

Se um condómino adquirir um automóvel electrificado, seja um híbrido plug-in com motores de combustão e eléctrico ou um veículo totalmente eléctrico, necessitará de o recarregar regularmente. Se no regime de propriedade vertical tem-se este desiderato pacífico, o mesmo pode não ocorrer no regime de propriedade horizontal, principalmente se se tratar de edifícios.

Assim, carregar a bateria do carro num edifício pode revelar-se, nalguns casos, numa solução particularmente dispendiosa, quando não mesmo impossível, por causa da capacidade energética do prédio, normalmente tendo potência suficiente para alimentar a iluminação das partes comuns e os elevadores, muitas vezes assente num sistema eléctrico que não aguentará mais carga.

O condómino que pretenda instalar um ponto de carregamento na garagem do prédio pode fazê-lo, bastando para tanto seguir as regras preceituadas no DL nº 90/2014 de 11/6, o qual procede à terceira alteração ao DL nº 39/2010, de 26/4, que estabelece o regime jurídico da mobilidade eléctrica, aplicável à organização, acesso e exercício das actividades relativas à mobilidade eléctrica, bem como as regras destinadas à criação de uma rede piloto de mobilidade eléctrica.

Artigo 29.º
Pontos de carregamento em edifícios existentes

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é admitida a instalação, por qualquer condómino, arrendatário ou ocupante legal, a expensas do próprio, de pontos de carregamento de baterias de veículos eléctricos ou de tomadas eléctricas que cumpram os requisitos técnicos definidos pela DGEG para o efeito de carregamento de baterias de veículos eléctricos, destinados a uso exclusivo ou partilhado, nos locais de estacionamento de veículos dos edifícios já existentes, de acordo com os termos definidos por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais, da energia, das obras públicas, dos transportes e da habitação.

2 - No caso de a instalação de ponto de carregamento ou de tomada eléctrica prevista no número anterior ser efectuada ou passar em local que integre uma parte comum do edifício, esteja ou não afecta ao uso exclusivo do respectivo condómino, a instalação carece sempre de comunicação escrita prévia dirigida à administração do condomínio e, quando aplicável, ao proprietário, com uma antecedência de, pelo menos, 30 dias sobre a data pretendida para a instalação.

3 - No caso referido no número anterior, a administração do condomínio e, quando aplicável, o proprietário só podem opor-se à instalação do ponto de carregamento ou tomada eléctrica nos seguintes casos:

a) Quando, após comunicação da intenção de instalação por parte de um condómino, arrendatário ou ocupante legal, procederem, no prazo de 90 dias, à instalação de um ponto de carregamento de baterias de veículos eléctricos para uso partilhado que permita assegurar os mesmos serviços, a mesma tecnologia e as necessidades de todos os seus potenciais utilizadores;

b) Quando o edifício já disponha de um ponto de carregamento de baterias de veículos eléctricos ou tomada eléctrica para uso partilhado que permita assegurar os mesmos serviços e a mesma tecnologia;

c) Quando a instalação do ponto de carregamento ou tomada eléctrica coloque em risco efectivo a segurança de pessoas ou bens ou prejudique a linha arquitectónica do edifício.

4 - As decisões a que se referem as alíneas b) e c) do número anterior são adoptadas no prazo máximo de 60 dias após a comunicação da intenção de instalação referida no n.º 2 e, no caso da administração do condomínio, carecem de aprovação por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

5 - As decisões a que se refere o n.º 3 são comunicadas, por escrito, ao condómino, arrendatário ou ocupante legal em causa no prazo de 15 dias após a sua adopção, devendo ser fundamentadas quando sejam negativas.

6 - O regime de propriedade e operação dos pontos de carregamento ou tomadas eléctricas previstos no presente artigo é o do local de instalação dessa infraestrutura, com excepção dos casos de pontos de carregamento de acesso privativo para uso exclusivo instalados em partes comuns do edifício, em que a operação cabe aos respectivos utilizadores.

7 - Aplica-se à instalação, disponibilização, exploração e manutenção dos pontos de carregamento previstos no presente artigo o disposto no artigo 26.º ou no artigo 27.º, consoante aplicável.

Edifícios anteriores a 2010

Com a introdução do DL nº 39/2010, de 26 de Abril, as instalações eléctricas nos edifícios passaram a ser obrigatoriamente montadas de forma prever este tipo de situações. Nas construções anteriores, caso algum condómino pretenda instalar um ponto de carregamento na garagem do prédio poderá optar por uma wallbox, a qual permitirá carregar a viatura de uma forma mais rápida. Esta permite ainda que o condómino tenha acesso a informação detalhada relativamente a quanto gastou, podendo posteriormente acertar contas com a administração do condomínio.

De salientar que, as wallbox são unidades de carregamento montadas na parede, as quais são alimentadas por corrente alternada, em modo monofásico ou trifásico, aumentam a velocidade com que a energia é fornecida à viatura. Importa ressalvar que a instalação das wallbox nas partes comuns do edifício, devem respeitar os requisitos técnicos, estabelecidos pela Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG).

Caso seja o condomínio que pretenda avançar com a instalação de unidades de carregamento de veículos eléctricos, compete ao administrador do condomínio solicitar uma vistoria a realizar por um técnico especializado, com a finalidade de se verificar se o sistema eléctrico da garagem permite esse desiderato. Se não permitir, o passo seguinte será o de se avançar para um projecto com vista à montagem de uma nova instalação eléctrica que permita carregar as viaturas eléctricas na garagem.

Outro pormenor prende-se com a questão da rede eléctrica, porquanto na localização do edifício pode não haver energia suficiente para alimentar várias garagens com carregadores de eléctricos (o ideal é que o edifício se situe nas imediações de um posto de transformação, que transforma energia de alta e média tensão em baixa tensão).

A título meramente ilustrativo, se considerarmos um edifício com 30 fracções autónomas, que careça de uma potência de 7 kw, a energia total necessária será de 200 kw, à qual haverá que acrescentar a energia consumida pelos elevadores e iluminação geral. Acresce que será ainda necessário fazerem-se as obras para a instalação da nova rede de energia da garagem, nomeadamente com a instalação de cabos para os pontos de carregamento, a adaptação dos quadros de coluna, e bem assim, a instalação de novos contadores.

Posto isto, cada condómino teria que despender, no total, cerca de 5 mil euros.
 
Consumo de energia

Quando os postos de carregamento são colocados nas partes comuns, a lei é omissa quanto à imputação dos custos de electricidade. E tese, dimana do art. 1424º nº 3 do CC que as partes comuns (e por extensão, as coisas comuns) do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem. No entanto, se existir apenas um contador, serão de aplicar as regras do uso das coisas comuns. Assim o art. 1406º, nº 1 do CC que preceitua que, "Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito".

No entanto, o mais avisado (e correcto) é optar-se a uma de duas hipóteses: (i) um contador próprio a solicitar à empresa distribuidora de rede eléctrica ou (ii) a separação de consumos na conta de electricidade do condomínio (também a solicitar à referida empresa distribuidora). Neste concreto, importa sublinhar que a instalação só pode ser recusada em condições muito especiais, sobretudo se estiverem relacionadas com a segurança do edifício, como decorre do citado diploma legal.

No mais, quanto à responsabilidade pela legalidade da instalação, compete desde logo ao administrador do condomínio verificar se existe alguma irregularidade procedimental, devendo comunicá-la prontamente à empresa fornecedora de energia, solicitando a sua desinstalação e corte de fornecimento ou contactar o site www.e-redes.pt e efectuar a competente denúncia. Cumpre ainda ressalvar que, se a instalação irregular foi autorizada pelo administrador do condomínio, qualquer condómino pode recorrer para a assembleia nos termos do art. 1438º do CC..

4/14/2022

Requisitos das fracções autónomas

Nos termos do art. 1415º do CC, as fracções autónomas só podem ser objecto de PH se constituírem unidades independentes, forem distintas e isoladas (1) entre si, e com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (2). A par destes requisitos, as fracções autónomas têm de satisfazer uma série de exigências de direito público, maxime as impostas pelo RGEU.

Já a falta de requisitos legalmente exigidos (3) importa a nulidade (4) do TCPH e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade (5), pela atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada no TCPH ou, na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fracção autónoma (cfr. art. 1416º, nº 1 do CC) (6). O negócio jurídico é nulo por vício do objecto - legalmente impossível (cfr. art. 280º do CC) - e não pode produzir os seus efeitos normais: a constituição da PH. O que não significa que não produz efeitos jurídicos. Por conversão igual (7), o acto vale como constitutivo de um direito de compropriedade, sem dependência dos requisitos exigidos pelo art. 293º do CC. A conversão só tem lugar, note-se, quando o vício que atinge o negócio jurídico diga respeito ao objecto,  e não quando haja qualquer outra deficiência no TCPH, como, por exemplo, um vício formal (8)


(1) Sendo exigido o isolamento das fracções autónomas, não pode considerar-se conforme à lei a prática que consiste em delimitar as garagens, quando o TCPH lhes atribua natureza privativa - considerando-as fracções autónomas de per si ou elementos de outras fracções -, através de linhas marcadas no pavimento (e não através de paredes). Tal processo apenas será admissível quando a parte do imóvel afectada a garagem seja comum e as linhas de demarcação se destinem tão somente a disciplinar o poder de uso que a todos os condóminos compete, assinalando o espaço reservado a cada um (assim, Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado,anot. ao art. 1415º, pág. 400, 4).

(2) Nos termos do art. 59º, nº 1 e 2 do CN, os instrumentos de constituição da PH só podem ser lavrados se for junto documento, passado pela CM, comprovativo de que as fracções autónomas satisfazerem os requisitos legais. Tratando-se de prédio construído para venda em fracções autónomas, tal documento pode ser substituído pela exibição do respectivo projecto de construção e, sendo caso disso, dos posteriores projectos de alteração aprovados pela CM. O art. 49º do RJUE dispõe que não podem ser celebradas escrituras públicas de primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou de fracções autónomas desses imóveis sem que seja exibida, perante o notário, certidão emitida pela CM, comprovativa da recepção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela CM, comprovativa de que a caução destinada a garantir a boa e regular execução das obras de urbanização é suficiente.

(3) Para Luís Carvalho Fernandes (A conversão dos negócios jurídicos civis, Quid Iuris, Lisboa, 1993, pág. 611), com a expressão «requisitos legalmente exigidos» o legislador pretendeu abranger os requisitos "civis" enumerados no art. 1415º e os requisitos "administrativos", nomeadamente os definidos no RGEU, "que são ditados por razões da mais diversa ordem, cuja observância condiciona, não só a construção de edifícios, em si mesma, mas também a sua utilização. No domínio da PH ganham, em especial, particular relevância as questões ligadas à destinação das várias fracções e também as relativas à delimitação das partes do prédio que constituem fracções autónomas e partes comuns. O TRP, no seu Ac. de 30/10/1086, decidiu que "no caso de a constituição da propriedade horizontal resultar de sentença proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário, ou de usucapião que uma sentença reconheça, cabe ao tribunal verificar se as fracções obedecem aos requisitos exigidos pelos art. 1414º e ss. e não à autoridade administrativa". O juíz não tem um papel passivo, como o notário, perante quem não se desenvolve qualquer processo que lhe permita verificar os apontados requisitos legais, sendo que a verificação compete à CM. Pelo contrário, o processo judicial permite ao juiz essa averiguação. Não se trata de uma mera homologação da decisão da autarquia, mas de uma verdadeira constituição da PH por sentença.

(4) O Ac. do TRL de 13/2/1981, decidiu que "estando em vigor e tendo carácter imperativo as disposições do RGEU e as correspondentes normas municipais de Lisboa, sendo as quais os edifícios a construir em arruamentos com largura superior ou igual a 23 metros, ou seja, edifícios com, pelo menos, 8 pisos, devem dispor de parque de estacionamento de automóveis para os utentes respectivos, é nula a escritura de constituição da propriedade horizontal na parte em que afectou a garagem de um edifício nessas condições ao uso exclusivo do proprietário de um dos andares".

(5) Sobre esta sujeição, e os vários problemas que aí se colocam, imprescindível ver Luís Carvalho Fernandes, A Conversão, pág. 610 e ss.

(6) Segundo Luís Carvalho Fernandes (A Conversão, pág. 615 e ss.), se o dono do prédio celebrou contratos-promessa de compra e venda de fracções autónomas, antes ou depois de constituir a PH em relação a um prédio sem os requisitos legais, "a celebração desses contratos torna eficaz o negócio constitutivo da propriedade horizontal e, portanto, opera a conversão prevista no art. 1416º. O que, no caso, tem como resultado que esses negócios valem como contratos-promessa de compra e venda da quota correspondente à "pretensa" fracção. Não há, também, obstáculo a que, com esse valor, se admita a execução específica dos referidos contratos".

(7) Como ensina Luís Carvalho Fernandes (A Conversão, pág. 648 e ss.), a nota particular da conversão legal, que a demarca da conversão comum, prende-se com o facto de aquela não depender de uma vontade conjectural favorável. Na conversão legal, "a eficácia sucedânea é estabelecida pela norma de forma apriorística e abstrata, para uma certa categoria negocial. Daí que não se possa levar em conta mais do que o fim  que normalmente determina os autores de um tal negócio a celebrá-lo. Mas, ainda assim, a eficácia sucedânea é dominada por critérios legais e tem de se ajustar à razão de ser da norma injuntiva cuja violação está na origem da nulidade do negócio.

A conversão legal de um negócio jurídico nulo permite que este produza certos efeitos que sem ela não se desencadeariam. Nesse sentido, a conversão confina as consequências da violação de uma norma imperativa a uma área mais limitada que a determinada pela sua própria injunção. Quer dizer: a injunção que impõe a verificação de certas características no edifício, para que possa ficar sujeito ao regime do condomínio horizontal, tolera a produção de efeitos que conformam uma situação jurídica sucedânea da que o negócio faria nascer se produzisse os seus efeitos típicos. Neste sentido a conversão legal justifica-se como factor de moderação da imperatividade de certas normas jurídicas. Como tal, é um meio específico de aproveitamento do negócio inválido e, do mesmo passo, uma aplicação concreta do princípio do favor negotti. Daí que os efeitos imputados ao negócio inválido sejam efeitos legais e não negociais.

A conversão legal funda-se "em razões de ordem objectiva que levam o legislador a assegurar, a partir do negócio celebrado, certas consequências jurídicas afins das que ele produziria se fosse válido. A ponderação dos efeitos tolerados é feita pelo legislador em função de uma valoração objectiva dos mesmos interesses gerais que estão na origem da injunção legal que o negócio convertido violou. Só podem justificar a conversão legal ponderosas considerações de justiça imanentes na ordem jurídica no seu conjunto. Está fora de causa a justiça negocial em concreto. Enquanto fundada em imposições da justiça global e como manifestação específica do princípio do favor negotti, que aponta no sentido da manutenção possível da actuação negocial das partes, a conversão legal está legitimada como instituto com regime próprio".

(8) Para Luís Carvalho Fernandes (A Conversão, pág. 609 e ss.), "o acto passa a valer como constitutivo de outros efeitos jurídicos: em vez de nascer um direito de condomínio, nasce um direito de compropriedade e esta eficácia é atribuída ao negócio sem dependência dos requisitos do art. 293º, salvo pelo que respeita à exigência de forma legal. Na verdade, nada havendo na lei que as dispense, não pode deixar de se entender que a conversão só se verifica quando tenham sido observadas as formalidades legalmente exigidas para a constituição da compropriedade - a escritura pública (art. 89º, al. a) do C. Not.)".

7/20/2021

Terraços em socalcos vs varandas

 

O terraço é uma cobertura plana de um edifício; a varanda (que a lei considera como coisa diferente daquele; cfr. art. 1360º, nº 2 do CC) é algo semelhante mas murada, com balaústres (que sustentam um peitoril) ou balcão e não é por estar por cima de outra fracção que é um terraço de cobertura; a ser assim, também a sala seria, na mesma, um terraço.

A função de uma ou outra coisa é diferente. O terraço serve apenas de cobertura de um andar inferior para proteger a casa aí existente, tal como o telhado serve a mesma função (aliás, não deixa de ser explícita a equiparação que o preceito legal aqui em discussão faz de telhado e terraço). Já a varanda é uma extensão da casa, um prolongamento da sala (geralmente) onde o dono pode colher luz solar e ar fresco, gozar a vista e fazer a sua vida social. Tendo em mente um prédio típico (como uma torre), com varanda por cima de varanda, será que cada uma delas, face à nova redacção do artº 1421º, nº 1, al. b) do CC, é um terraço a que se aplica a qualificação de coisa comum? Será que o solo de cada varanda é cobertura da fracção inferior? E se a varanda estiver fechada? Cremos que ninguém chegou a tal conclusão e, no entanto, estas varandas também estão sujeitas à chuvas, poeiras, folhas, etc. como qualquer outra cobertura.

No sentido aqui defendido pode ver-se o ac. do STJ, de 8 de Abril de 1997, e o da Relação de Guimarães, de 14 de Dezembro de 2006. Neste escreve-se que o terraço, na forma de varandas construídas em socalcos, não serve de cobertura ou protecção do imóvel visto na sua globalidade. Em sentido contrário pode apontar-se o ac. da Relação de Coimbra, de 23 de Setembro de 2008, onde se afirma que o legislador quis «nesta actual versão [que] passassem a estar abrangidos os chamados terraços de cobertura intermédios, isto é, os terraços que apesar de servirem de cobertura a alguma ou algumas fracções, se situavam ao mesmo nível doutra ou doutras fracções, podendo servir de pátio ou varandas a estas». Mas isto, salvo o devido respeito, é esquecer que varanda e terraço de cobertura são coisas diferentes e têm funções diferentes.

Na matéria de facto descreve-se o local em questão como varanda e sempre como varanda. As próprias partes assim a ela se referem tal como é isso que consta da descrição do Registo Predial (uma divisão assoalhada, cozinha, instalação sanitária e varanda). Concluímos daqui que a varanda dos autos não se integra na previsão do art. 1421º, nº 1, al. b), do CC. E não se presume comum porque ela está afectada ao uso exclusivo de um condómino (cfr. art. 1421º, nº 2, al. e) do CC).

Sendo assim, a conclusão que se tira é que uma varanda integra-se na fracção e a ele pertence. Logo, as despesas com a sua impermeabilização são por conta do respectivo proprietário. E nada de estranho existe nisto. O proprietário é responsável pela boa condição do apartamento e tem a obrigação de evitar que a sua má condição provoque danos aos demais vizinhos. É exactamente a mesma obrigação que o proprietário tem de evitar derrames de águas da sua casa de banho ou cozinha — e ninguém duvida que elas se integram na fracção e não pertencem às partes comuns do edifício..

Analisemos.

A problemática daqui incide sobre a dicotomia que é efectuada no Aresto, entre varanda e terraço, problemática essa que transcende a mera análise semântica, porquanto a funcionalidade material do espaço que aqui releva, se sobreporá à terminologia utilizada.

Dispõe o art. 1421º, nº 1, alínea b), do CC, que «1. São comuns as seguintes partes do edifício: b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.», acrescentando o seu nº 3 que «O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.».

Daqui deflui que os terraços de cobertura são parte, imperativamente comum, quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção, quando tiverem função análoga à do telhado, quando, por assim dizer, o substituam, porquanto como resulta da materialidade assente, o edifício está construído em socalcos e não tem telhado: todas as fracções são cobertura das fracções inferiores.

Deste modo, sendo todas as fracções cobertura das fracções inferiores, a varanda ou terraço de um apartamento será também cobertura do apartamento que constitui o andar imediatamente inferior, tratando-se deste modo de uma parte forçosa ou necessariamente comum por integrar a estrutura do edifício, sendo um elemento vital da sua construção, cfr Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição, 420.

Estamos, assim, em sede de terraços intermédios, abrangidos pela previsão legal inserta no apontado art. 1421º, nº 1, alínea c) do CC, tratando-se assim de uma parte comum de edifício constituído em propriedade horizontal, o que deita por terra a conclusão a que se chegou no Acórdão de que «O terraço de cobertura é a cobertura do edifício onde estão implantadas as fracções autónomas e não cobertura de cada fracção.».

O Acórdão atenta a configuração particular de um edifício que foi construído, como dissemos supra, em socalcos e, assim sendo, não podemos falar nesse terraço de cobertura global da propriedade onde se situam as fracções, mas antes em várias coberturas constituídas por estas mesmas fracções com os terraços ou varandas que delas fazem parte integrante, veja-se aliás a descrição predial uma divisão assoalhada, cozinha, instalação sanitária e varanda, sendo inócua esta designação face à construção onde se inserem as fracções, ex adverso do considerado pelo segundo grau que fez incidir a sua decisão numa dualidade aparentemente contrária quando conclui que o terraço serve apenas de cobertura de um andar inferior para proteger a casa aí existente, tal como o telhado serve a mesma função (aliás, não deixa de ser explícita a equiparação que o preceito legal aqui em discussão faz de telhado e terraço). Já a varanda é uma extensão da casa, um prolongamento da sala (geralmente) onde o dono pode colher luz solar e ar fresco, gozar a vista e fazer a sua vida social, quando no caso sub judice se apurou que todas as fracções são cobertura das fracções inferiores, de onde a tal varanda que ali se desconsiderou, sendo a mesma uma extensão da casa, incorpora a própria estrutura do prédio, independentemente de ser utilizada exclusivamente pelo respectivo condómino, cfr neste sentido Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª Edição, 74 «[O] telhado é a cobertura de um edifício, isto é, o dispositivo que permite protege-lo (…) Os terraços de cobertura são coberturas horizontais (…) A sua sustentação é um pouco diferente da das coberturas ordinárias dado que a sua constituição e finalidade também é diferente (…) Os terraços de cobertura, que tanto se podem situar ao nível do primeiro andar por servirem de cobertura, por exemplo, a uma garagem ou a um estabelecimento, como ao nível de qualquer outro ou até do último piso, cobrindo parte do edifício, mesmo quando estejam afectados ao uso exclusivo de um condómino, são parte comum».

Para o efeito é-nos indiferente a terminologia utilizada, de varanda ou terraço não só porque frequentemente ambos os vocábulos são usados como sinónimos, como também pela circunstância de na espécie a específica e particular construção do prédio impor que cada uma das fracções – no seu todo – são cobertura das fracções imediatamente inferiores, ou dito de outro modo, são o telhado umas das outras., de onde o tal prolongamento da fracção consubstanciada na varanda ou terraço, constituir, nos termos do normativo inserto no art. 1421º, nº 1, alínea b) do CC, uma parte comum e visto o problema nesta perspectiva, única possível, atenta a configuração material da propriedade, não se poderá manter a tese sufragada no Aresto impugnado, cfr inter alia os Ac STJ de 15 de Maio de 2012 (Relator Hélder Roque) e de 9 de Junho de 2016 (Relator Orlando Afonso), in www.dgsi.pt.

O art. 1420º, nº 1 do CC dispõe que «Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.», de onde resulta para cada um dos condóminos a obrigação de participar, na proporção do valor da sua fracção, nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, de harmonia com o preceituado no art. 1424º, nº 1 do mesmo diploma, apenas estando excepcionadas dessa comparticipação as despesas referidas no seu nº 3, isto é as “relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”, situação esta que transcende a configurada nos autos, «[O] que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas», apud Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil português, in RES, Ano XXIII, Nºs 1-2-3-4, 84.

Em face da materialidade apurada, as varandas/terraços são partes comuns.

6/28/2023

As partes próprias

A PH representa uma derrogação ao princípio superfícies solo cedit, porquanto, em face do regime geral do direito de propriedade sobre os imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio - direito esse que abrangerá toda a construção, o solo em que esta assente e os terrenos que lhe sirvam de logradouro (cfr. art. 204º, nº 2 do CC). 

O conceito de "edifício" tem uma importância nuclear, nomeadamente a propósito da aplicação de duas das suas normas: a do art. 1430º do CC, que determina que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador e a do art. 1438º-A do CC que permite a aplicação do regime da administração das partes comuns a conjuntos de edifícios funcionalmente ligados entre si.

Para Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, art. 204º, pág. 195, 3, o "edifício incorporado é aquele que se encontra ligado ou unido ao solo, fixado nele com carácter de permanência, por alicerces, colunas, estacas ou qualquer outro meio. A lei não diz o que deve entender-se por edifício, tratando-se de uma noção fundamentalmente pré-jurídica. 

Edifício é uma construção que pode servir para fins diversos (habitação, actividades comerciais, industriais ou serviços, arrecadações, armazéns de produtos, etc.), constituída necessariamente por paredes que delimitam o solo e o espaço por todos os lados, por uma cobertura superior (telhado ou terraço), normalmente por paredes divisórias interiores e podendo ter um ou vários pisos. Nem sempre, porém, a toda a construção com estes requisitos corresponde, juridicamente, um prédio urbano. 

Se a uma casa principal estão anexas construções de carácter secundário (casa do porteiro, garagem, dependência para arrecadação, galinheiro, etc.), deve entender-se que estamos perante um único prédio urbano, não obstante a pluralidade de construções que o integram" (com sublinhados meus).

Na prática, porém, podem deparar-se situações em que se torna difícil concluir se determinado conjunto imobiliário constituiu um único edifício (e, portanto, um único prédio urbano) ou vários. Deve entender-se que se está  perante uma unidade predial ou, inversamente, perante uma pluralidade, conforme o conjunto em causa apresente ou não uma unidade estrutural - unidade esta que se há-de aferir através dos seus elementos essenciais, designadamente através das paredes mestras, dos pilares e vigas de sustentação, da cobertura, das instalações de água, de electricidade, etc.. 

Em conformidade com o critério legal, não devem considerar-se prédios rústicos os logradouros dos prédios urbanos, como os jardins, pátios ou quintais. Também não cabem no conceito legal de prédio urbano as construções que, tendo embora autonomia económica, não constituem um edifício no sentido indicado.

Por exemplo, uma piscina, para Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lex, 1993, pág. 197, prédio é uma porção delimitada de solo, com as construções que eventualmente sobre ele existam. Segundo Rodrigues Pardal/Dias da Fonseca, Da propriedade horizontal no Código Civil e legislação complementar, Coimbra Editora, Coimbra, 1988, pág. 47, por edifício entende-se apenas a construção que limita o solo por todos os lados, incluíndo o espaço aéreo. Tem de estar ligado, unido ou fixado ao solo, directa ou indirectamente, por alicerces ou por colunas. Assim, não são edifícios: os muros, as cercas, as colunas, as estátuas, as pontes, os pelourinhos, os poços, os açides, os reservatórios. os aquedutos, etc..

Juridicamente, a fracção autónoma é uma coisa, embora, materialmente, faça parte de outra coisa maior (o edifício). O art. 202º define como coisa tudo o que pode ser objecto de relações jurídicas. Esta definição não tem deixado de sofrer críticas por parte da doutrina. Para Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, Centelha, Coimbra, 1981, pág. 116 e ss., o objecto da relação jurídica é necessariamente um bem (bem é tudo o que é apto a satisfazer necessidades) económico (bem escasso), porque só um bem assim suscita conflitos de interesse. Os bens podem ser não coisificáveis (pessoas, prestações e situações económicas não autónomas) ou coisificáveis (coisas, direitos coisificados). Coisa é todo o bem do mundo externo, sensível ou insensível, com a suficiente individualidade e economicidade para ter o estatuto permanente de objecto de direitos.

Nas palavras de Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil anotado, Vol. I, anot. ao art. 202º, pág. 193, 3, "o conceito jurídico de coisa não se confunde com o conceito filosófico, nem com o conceito físico ou naturalístico. Um andar ou apartamento, por exemplo, não é uma coisa neste último sentido, e todavia, pode sê-lo em sede jurídica, conforme decorre do instituto da propriedade horizontal". Embora a lei não o diga expressamente, devem considerar-se também coisas imóveis as fracções autónomas de um prédio urbano, quando objecto de propriedade horizontal (cfr. Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no código civil português, RDES, ano XXIII, nº 1-4 (1976), pág. 113 e 114. 

Em sentido diferente, Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 463 e 637, considera que o objecto da propriedade horizontal "é parte de uma coisa autónoma, pois autónomo é o prédio e não o andar". A PH é um direito a uma parte da coisa; cada andar forma autonomamente um objecto de direitos, impondo-se pois o reconhecimento da existência de direitos a partes da coisa. Seguem-no, Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, 1995, pág. 556 e Armindo Ribeiro Mendes, A propriedade horizontal no Código Civil de 1966, ROA, 1970, ano 30, pág. 64.

A fracção autónoma identifica-se com a parte própria, ou seja, com a parte do edifício objecto de propriedade exclusiva. Neste sentido, o Ac. da Relação de Évora, de 14/3/1996: "Constando do título aquisitivo de uma fracção autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal que esta é constituída por um apartamento sito em determinado andar e por um lugar de estacionamento sito no rés-do-chão, este estacionamento, faz parte da fracção referida". Define-se assim a fracção autónoma como um todo unitário, que é mais do que o lugar destinado a habitação ou a outro fim. Uma fracção autónoma pode ser composta, por exemplo, por um apartamento com garagem e arrecadação.

4/12/2021

As partes próprias

 As fracções autónomas identificam-se com partes próprias dos condóminos, ou seja, com as partes do edifício que são objecto das suas propriedades exclusivas, e constitui um todo unitário, que pode, no entanto, ser mais do que o lugar destinado a habitação (ou a outro fim), como por exemplo, “um apartamento com garagem e arrecadação”.

Os condóminos têm um verdadeiro direito de propriedade sobre as suas fracções autónomas, às quais se aplica o regime geral da propriedade; assim, nos termos do art. 1305º do C.Civ., estes gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das fracções autónomas que lhes pertencem, porém, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.

De forma muito simples, podemos afirmar que:

- O uso consiste no poder do proprietário se servir da coisa para a satisfação das suas necessidades (como por exemplo, transformar um quarto num escritório). 

- A fruição traduz-se no poder de gozar a coisa indirectamente, através de tudo o que ela produz periodicamente (como por exemplo, exercer uma actividade laboral), sem prejuízo da sua substância. 

- O poder de disposição refere-se aos poderes materiais, como são os de transformar a coisa, e os poderes jurídicos (como por exemplo, arrendar ou vender). 

Portanto, o proprietário goza de facto e de direito destes poderes e de um modo pleno e exclusivo, no entanto, importa sublinhar que este modo «pleno», não se confunde com um poder «absoluto».

6/22/2021

Minuta de convocatória

O teor do disposto no art. 1431º nº 1 e 2 do CC não é inócuo e constitui, à imagem e em conjugação com o disposto no art. 1432º, nº 1 e 2 do mesmo diploma legal, o conjunto de regras respeitantes à convocação e funcionamento das assembleias de condomínio, não sendo de todo descabido que se apure da validade do teor da convocatória, na medida em que esta possa não cumprir os evocados requisitos legais, podendo portanto carecer a mesma de qualquer validade, o que inquina, por conseguinte, a assembleia-geral que por essa via se pretendia convocar, sujeitando-se a ser impugnada nos termos do art. 1433º do CC.

Sendo aconselhável que o regulamento do condomínio discipline não apenas o procedimento mas também as formalidades consideradas pertinentes, no limite, mediante competente proforma, replica-se infra uma singela minuta:
 
Condomínio do Edifício Portugal
sito na Rua da Liberdade, nº 123
3700-000 S. João da Madeira

Convocatória

Assembleia Geral Anual (1)
 
Exmos(as) Senhores(as)
 
Vimos pela presente e nos termos e para os efeitos tutelados pelo art. 1432º, nº 1 e 2 do Código Civil, convocá-los(as) para a realização da Assembleia Geral Anual (1) de Condóminos, a realizar na sala de reuniões (2) do condomínio, na segunda-feira, dia 15 de Janeiro de 2021, pelas 21 horas, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
 
Período antes da Ordem de trabalhos.
 
Sessão de esclarecimentos.

Neste período serão abordados todos os assuntos que o administrador tenha interesse em apresentar ou os condóminos em suscitar esclarecimentos e que não sejam objecto de deliberação. (3)
 
Bosquejo da Ordem de trabalhos.
 
1. Apresentação do Relatório de gestão e das contas do exercício anterior.

O competente relatório de contas e de gestão administrativa acompanha a presente convocatória (4), sendo estes reapreciados e votados em plenário.
  
2. Eleição (5) do administrador para o corrente exercício administrativo.

Serão apresentadas em assembleia três propostas para o cargo, procedendo-se subsequentemente à eleição do administrador.
 
 3. Aprovação do orçamento previsional para o corrente exercício administrativo.

Será elaborado um novo orçamento e definido o valor das comparticipações dos condóminos para as despesas comuns.
 
4. Proposta de reforço do Fundo Comum de Reserva. (6)

Atendendo à idade do prédio, importa reforçar este aforro, pelo que, será proposto que cada condómino contribua com uma quantia correspondente a 15% do valor da respectiva comparticipação.
  
5. Alteração da forma das comparticipações devidas para as despesas comuns.

Por solicitação dos interessados (7), será proposta a alteração da forma de repartição dos encargos em partes iguais (deliberação que carece de unanimidade) e/ou em função da fruição.
  
6. Apresentação de proposta de alteração do Regulamento.

O regulamento do condomínio encontra-se desfasado da realidade no que às condutas e penas pecuniárias se refere, pelo que importa rever e actualizar a sua disciplina.
  
7. Realização de obras de manutenção a tardoz do edifício.
 
Serão apresentados três orçamentos para a reparação da parede exterior ao nível do 1º pavimento, a qual apresenta fissuras e pastilhas cerâmicas rachadas  
 
Período depois da Ordem de trabalhos.
  
Sessão de esclarecimentos.
 
Neste período serão abordados todos os assuntos que o administrador e/ou condóminos tenham interesse em agendar e que não sejam objecto de deliberação.
  
Nesta tessitura, não se logrando obter o quórum constitutivo bastante, em 1ª convocação, será efectuada uma 2ª convocação, no dia seguinte, para a mesmo local e hora, igual OT, e com o quórum deliberativo havido fixado no nº 4 do art. 1432º do CC.

S. João da Madeira, aos 2 dias de Janeiro de 2021

A administração
 
____________________
 
 
 
 Notas:
(1) Indicar se se trata de uma reunião ordinária (assembleia geral anual) ou extraordinária.
(2) Indicar o local, sala de reuniões, hall de entrada, garagem ou outro espaço.
(3) Conjuntamente com o ponto da ordem, inclui-se um esquisso do que se irá abordar no mesmo.
(4) Deve ter-se anexada á convocatória uma cópia do relatório.
(5) Indicar se se trata da (re)nomeação, (re)eleição ou (re)contratação.
(6) Os condóminos podem e devem, periodicamente, aumentar o valor das contribuições para este aforro.
(7) O regulamento pode e deve prever a possibilidade dos condóminos solicitarem a inclusão de assuntos na OT.

8/07/2023

Glossário do condomínio - G


Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no regime da propriedade horizontal, o presente glossário alfabético apresenta as definições dos principais termos usados no âmbito condominial.
 
Gabarito
 
Número máximos de pisos numa edificação, permitidos pela legislação.

Galeria

Termo que define um corredor comprido e largo

Garagem

Área predominantemente destinada ao abrigo de veículos motorizados.

Gateira
 
Fresta situada sobre o telhado para dar entrada de luz e ar.

Gesso acartonado

O mesmo que gesso cartonado.

Gesso cartonado

O mesmo que gesso laminado.

Gesso hidrofugado

Elemento de gesso ao qual foi aplicado um revestimento que dificulta a penetração de humidade. Bloco de gesso saturado com um líquido hidrófugo, que permite repelir a água.

Gesso laminado
 
Material de construção, frequentemente usado na execução de paredes divisórias interiores e tetos falsos, formado por gesso confinado entre camadas de celulose.

Gobo

Termo que define a pedra de calçada.

Godo

Seixo rolado de pequenas dimensões.
 
Goteira

Telha de beiral, em meia-cana, por onde escorre a água pluvial.

Gradil

Grades que circundam determinada área ou construção.

Grafiado

Ver grafiato.

Grafiato

Reboco, revestimento ou pintura texturada. Argamassa decorativa utilizada em paredes interiores e tetos. Revestimento superficial texturado com fins decorativos.

Grés

Tipo de cerâmica produzida com argila cozida a altas temperaturas, muito utilizada em construção para execução de tubos, condutas, etc.; arenito.

3/18/2022

Como se calcula o FCR?

Os art. 4º e 6º do DL nº 268/94 de 25/10 vieram colmatar lacunas que se verificaram no regime da propriedade horizontal. O primeiro ao impôr a constituição de um fundo de reserva destinado a ajudar a solver as despesas de conservação do prédio, visa facilitar a realização dessas obras, sobretudo quando de carácter urgente, e permitir o seu rápido pagamento, sem necessidade de se prover ad hoc as correspondentes prestações de cada condómino mediante a aprovação de um orçamento rectificativo.

Ora, quanto à sua obrigatoriedade, dimana do nº 1 do art. 4º do DL 268/94 de 25/10 que:

“É obrigatória a constituição, em cada condomínio, de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios”.

Quanto ao seu cálculo, e de acordo com o nº 2 do mesmo preceito:

"Cada condómino contribui para esse fundo com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10 % da sua quota-parte nas restantes despesas do condomínio."
 
Resulta daqui que o fundo comum de reserva é calculado tendo por base o orçamento anual referente às despesas do condomínio, no entanto, e ao contrário do que muitos defendem, este calculo não corresponde ao valor orçado para as despesas comuns. 

Só assim seria se o preceito estabelecesse que:

"Cada condómino contribui para esse fundo com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10 % nas restantes despesas do condomínio."
 
Ou seja, para se chegar ao valor com que cada condómino deve contribuir para o fundo comum de reserva, não se pode nem deve simplesmente dividir o valor global previsto no orçamento por todos os condóminos (excepto se não houverem partes comuns afectas ao uso exclusivo de alguns condóminos).
 
Nesta conformidade, cada um dos condóminos contribui para o fundo comum de reserva com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10 % (nada obsta a que a assembleia, por maioria simples, delibere no sentido de aumentar esta percentagem) da sua quota-parte nas restantes despesas do condomínio. Aliás, este fundo, cujas contribuições por parte de cada condómino, indicadas na lei apenas pelo seu valor mínimo, pode e deve ser adequado ao previsível montante das despesas a efectuar.

Com a aprovação do DL 268/94, esclareceu o legislador no primeiro parágrafo do preâmbulo do diploma que havia "A necessidade de desenvolver alguns aspectos do regime da propriedade horizontal, aliada à opção de preservar a integração da disciplina daquele instituto no Código Civil, explica a aprovação do presente diploma.". Importa assim atentar na aplicação prática da regra civilista prefixada no art. 1424º.

Este preceito tinha as suas fontes no art. 16º do DL nº 40 333 de 14/10/1955, no art. 126º do anteprojecto de Pires de Lima (in Bol. Min. Just. nº 123, pag. 274) e 1123º do CC italiano. (de salientar que, este último acolhe o princípio da utilidade - o nosso privilegiou o critério da destinação objectiva das coisas comuns).

Do art. 16º do DL 40 333:

1. Salvo disposição em contrário, os proprietários contribuirão para as despesas relativas aos bens comuns e aos serviços de interesse comum na proporção da quota referida no artigo anterior.
§1. As despesas relativas aos diversos lanços da escada ficarão, porém, apenas a cargo dos proprietários que delas normalmente se servem.
§2. Nas despesas dos ascensores só comparticiparão os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.

Com a introdução do DL 47 344/66 de 25/11 (que revogou o DL 40 333), este preceito passou a ter a seguinte redação:

1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum eram pagam pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2. Porém, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
3. Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.

Posteriormente, com a aprovação do DL 267/94 de 25 de Outubro, este preceito passou a ter a seguinte redação:

1 - Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2 - Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3 - As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4 - Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.

Resulta pacífico que nos termos do nº 1 do art. 1424º do CC, as despesas a cargo de todos os condóminos, englobam as de conservação (e por extensão, de manutenção), as de fruição, e os serviços de interesse comum. No entanto, os nºs 3 e 4 deste preceito, estabelecem duas excepções que permitem que alguns condóminos se desonerem de contribuir para todas as despesas. O nº 3 ressalva que "As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem", e o nº 4 que, "Nas despesas dos ascensores, só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidos". 

Do nº 1, como é sobejamente conhecido, resulta da sua leitura tratar-se de uma norma supletiva, valendo em princípio qualquer convenção em contrário onde vale, nomeadamente as relações de carácter privado onde deve prevalecer o princípio da autonomia da vontade (cfr. art. 405º do CC) dos condóminos (mediante deliberação tomada por unanimidade) ou por acto unilateral do instituidor do TCPH.

Do nº 2 resultava a segunda norma supletiva que estabelece outra excepção à primeira, ressalvado que "as despesas de certas partes comuns - escadas e outras - ficam a cargo dos condóminos que exclusivamente servem. Mas, entre eles, o encargo é dividido na proporção das quotas. No caso das escadas, é preciso averiguar quem são os condóminos que as utilizam. Haverá que dividir as despesas referentes aos diversos lanços, a fim de distribuir a parte que cabe a cada condómino" (Francisco Rodrigues Pardal, Juiz do STA e Manuel Baptista Dias da Fonseca, Juiz STJ, in Da Propriedade Horizontal no Código Civil e legislação complementar, pag. 250).

Resulta pois daqui que os condóminos só são obrigados a contribuir para as despesas comuns que lhes estejam afectas. Vale isto por dizer que as contribuições são correspondentes às respectivas quotas-partes "nas restantes despesas do condomínio" e é sobre estas quotas-partes que deve incidir o cálculo de 10% (ou mais) para o fundo comum de reserva.

Se assim não fosse, se houvessem partes comuns afectas à utilização de alguns condóminos e se se calculassem os 10% para o fundo comum de reserva sobre o valor total do orçamento, não se estaria a respeitar qualquer das ressalvas havidas preceituadas no nºs 3 e 4 do art. 1424º do CC.

Importa ainda salientar que, verificando-se que o valor aforrado anualmente não é o bastante para fazer face às despesas de conservação, deve o administrador elaborar um "orçamento rectificativo", tendo por base apenas aquela rubrica (as despesas das obras a efectuar), as quais, serão repartidas em função do critério estabelecido no nº 1 do art. 1424º, não cabendo aqui, as citadas excepções.

No entanto, este último ponto, carece de uma pertinente clarificação. Atente-se no seguinte cenário meramente ilustrativo: Um prédio com 10 fracções autónomas, sendo 8 habitacionais e 2 comerciais, não tendo estas últimas garagem ou lugar de parqueamento, arrecadação ou lugar de arrumos no interior, nem o edifício possui casa da porteira. Nesta caso, estas duas fracções não têm que participar nas despesas afectas às fracções habitacionais.

Porém, verifica-se a necessidade de fazer obras num dos lanços de escadas interior. Devem ou não as fracções contribuir para a reparação? Depende. Se se tratar, por exemplo, da reparação de tijoleiras ou azulejos partidos, de esquinas danificadas ou da sua pintura, estas despesas ficam necessariamente a cargo dos condóminos que se servem destas partes comuns nos termos do nº 3 do art. 1424º do CC, mas se se tratar de obras estruturais, então as fracções comerciais já são obrigadas a participar por força da al. a) do nº 1 do art. 1421º do CC.

Este fundo será objecto de depósito bancário que, na falta de exigência especial quanto à sua natureza, tanto pode ser através de uma conta à ordem ou a prazo, não sendo mesmo de excluir que o mesmo seja parcelado por cada uma destas modalidades. No entanto, quando se tenha especificadamente em vista a realização nas partes comuns de obras de conservação ordinária ou extraordinária, e bem assim de obras de beneficiação determinadas pelas autoridades administrativas, o fundo comum de reserva pode revestir a forma de conta poupança condomínio, conforme regime estabelecido no DL nº 269/94 de 25 de Outubro. 

3/30/2022

Deliberações nulas, anuláveis, ineficazes e inexistentes


As deliberações da assembleia de condóminos são susceptíveis de enfermar dos vícios da anulabilidade, da nulidade, da ineficácia e da inexistência. Para cada uma destas figuras, já fui de arrazoar, no entanto, no presente escrito, serão elencados alguns exemplos concretos.

São nulas as deliberações que:

  • Autorizam a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edifício que o nº 1 do art. 1421º considera forçosamente comuns;
  • Suprimem as limitações impostas ao exercício dos direitos a que alude o nº 2 do art. 1422º;
  • Eliminam a faculdade, atribuída pelo art. 1427º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício;
  • Suprimem, por maioria, o direito conferido pelo nº 1 do art. 1428º;
  • Dispensa o seguro do edifício contra o risco de incêndio, diversamente do que se dispõe no nº1 do art. 1429º
  • Alterem as regras atinentes ao funcionamento da assembleia dos condóminos (nº 3 e 4 art. 1432º);
  • Retirem a legitimidade do administrador (art. 1437º)
  • Suprimem os recurso dos actos do administrador a que alude o art. 1438º;
  • Afectam as receitas resultantes de contratos de locação a fins não autorizados por todos os condóminos;

 São anuláveis as deliberações que: 

  • Disponham em desconformidade com as cláusulas contidas no regulamento do condomínio;
  • Aprovem o pagamento das despesas de conservação e fruição de forma diversa à aludida no art. 1424º;
  • Alterem as regras atinentes à convocação da assembleia dos condóminos (nº 1 e 2 art. 1432º);

São ineficazes as deliberações que:  

  • Se pronunciem sobre assuntos para que não tenha competência (tal será o caso em que, por exemplo, a assembleia sujeite ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respectivo titular, uma parte do prédio pertencente em propriedade exclusiva a um dos condóminos).
  • Admitem aos condóminos o direito de preferência na alienação de outras fracções (art. 1423º);
  • Autorizem inovações nas partes comuns do edifício que lesem a utilização, por parte de algum dos condóminos tanto das coisas próprias como as das comuns (art. 1425.º, nº 2);
  • Privem um condómino do uso privativo de uma coisa, como tal considerada no título constitutivo da propriedade horizontal;
  • Exijam obstar a que um condómino dê à sua fracção qualquer utilização lícita, desde que o título constitutivo não conste o fim específico a que a mesma se destina;
  • Sujeitam ao regime das coisas comuns, sem ou contra a vontade do respectivo titular, uma parte do prédio, pertencente em exclusividade a um condómino, ainda que se trate de uma parte secundária da habitação (como seja, por ex., uma arrecadação ou arrumo, em lugar de parqueamento ou uma garagem).
  • Suprimam ou quartem direitos especiais protegidos por lei dos condóminos sem o consentimento dos respectivos titulares, nomeadamente, na aprovação do regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas;
  • Proíbam os condóminos de poderem ter animais de estimação, nomeadamente, canídeos ou felídeos no interior das respectivas fracções autónomas;
  • Versem sobre assuntos sobre os quais a assembleia não tem competência, designadamente porque dizem respeito à propriedade individual ou própria de qualquer proprietário;
  • Representam ou extravasam o domínio da administração individual que qualquer condómino tem sobre a sua fracção autónoma;
  • Alterem a afectação exclusiva de partes comuns a um ou a alguns condóminos;
  • Sejam tomadas sobre matérias estranhas à ordem do dia.

São inexistentes deliberações que:  

  • Sejam tomadas por escrito, sem serem submetidas à apreciação, discussão e votação dos condóminos;
  • Sejam relativas a assuntos para os quais a assembleia de condóminos não tenha competência para apreciar e votar.
  • Sejam tomadas em assembleia não convocada, salvo se todos os condóminos tiverem estado presentes ou representados e manifestarem esse interesse.
  • Que sejam tomadas por terceiros, que não sejam condóminos, titulares de direitos sobre as fracções ou respectivos procuradores.