Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

20 julho 2024

ACTRL 11/07/24: logradouro – parte comum – usucapião


Tribunal: TRL
Processo: 4810/20.4T8LSB.L1-2
Relatora: Higina Castelo
Data: 11-07-2024

Descritores:

Direito de uso
Parte comum
Logradouro

Sumário:

«I.–A invocação, por via de exceção, da aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre uma parte originariamente comum de dado prédio apenas poderia ser bem-sucedida se: i. já se encontrasse previamente julgada a aquisição por usucapião; ou, ii. se verificassem in casu não apenas os pressupostos substantivos da usucapião, mas também os processuais determinados pela natureza de parte comum do direito que se pretendia ter adquirido.

II.–Ainda que se possa adquirir por usucapião o direito de propriedade de uma parte originariamente comum, um direito de uso exclusivo de parte comum não é usucapível, por a tanto se opor o disposto no artigo 1293.º, al. b), do CC.

III.–Exerce, sem qualquer abuso, o seu direito de uso exclusivo de parte de um logradouro (parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, afeta ao uso exclusivo da sua fração autónoma) quem, após décadas de permissão gratuita do uso dessa parte por terceiro, retira essa permissão; se assim é quando a permissão integra um contrato de comodato – artigo 1137.º, n.º 2 do CC –, assim será, por maioria de razão, quando existiu mera inércia perante o uso indevido por outrem.»

Texto integral: vide aqui

ACTRL 19/12/23: Responsabilidade administrador


Tribunal: TRL
Processo: 163/20.9T8CSC.L1-7
Relator: Carlos Oliveira
Data: 19-12-2023

Descritores:

CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO
PRAZO

Sumário:

1. A responsabilidade civil do administrador do condomínio pelo incumprimento dos deveres legais estabelecidos no Art.º 1436.º do C.C., no quadro do exercício das suas funções, trata-se de responsabilidade obrigacional, por a obrigação de indemnização decorrer do não cumprimento de obrigações específicas de que são credores os condóminos, no quadro da organização estabelecida por lei para a propriedade horizontal (cfr. Art.º 798.º e ss. do C.C.).
2. O prazo prescricional aplicável à responsabilidade civil do administrador de condomínio por violação dos deveres estabelecidos no Art.º 1436.º do C.C. é o prazo ordinário de 20 anos (cfr. Art.º 309.º do C.C.).
3. O administrador do condomínio tem a obrigação de prestar contas, o que compreende a obrigação de prestar todas as informações e esclarecimentos devidos sobre as despesas que realizou no exercício das suas funções, assistindo correspondentemente aos condomínos o direito a essa informação (cfr. Art.ºs 573.º e 1436.º al. j) – correspondente à al. l) do n.º 1 do mesmo preceito, na redação dada pela Lei n.º 8/2022 de 10/1) – ambos do C.C.).
4. Para a procedência da ação destinada a obter o reconhecimento do direito à informação basta verificar-se que o credor tem esse direito e o devedor não cumpriu, ou recusa-se a cumprir, a correspondente obrigação.
5. A obrigação de informações pelo administrador de condomínio não se circunscreve à obrigação de apresentação de contas em assembleia geral de condóminos, nos termos do Art.º 1431.º n.º 1 do C.C., podendo, a todo o tempo, ser solicitado ao administrador que preste esclarecimentos e informações sobre os atos ou despesas que realiza.

Texto integral: vide aqui

15 julho 2024

Quarta parte do rendimento colectável


A fixação de penalidades por atraso no cumprimento da obrigação de pagamento de quotas de condomínio, ou de outras obrigações dos condóminos, vem prevista no nº 1 do art. 1434º do CC. Estas “penalidades”, têm duas funções ou objetivos: (a) pressionar os condóminos ao cumprimento e, também, (b) estabelecer a compensação (indemnização) a que o condomínio tem direito em caso de mora ou incumprimento.

Tratando-se, de uma efetiva cláusula penal moratória, a sua fixação está também sujeita ao disposto nos art. 811º e 812º do CC. Em conformidade com estes normativos, pode a cláusula penal ser reduzida equitativamente quando o seu valor se revelar manifestamente excessivo (nº 2 do art. 812º).

O nº 2 do art. 1434º do citado código, norma de natureza imperativa, fixa um limite máximo às penalidades aplicáveis em cada ano. Esse limite corresponde “à quarte parte do rendimento coletável anual da fração do infractor”.

Como se sabe, o rendimento coletável correspondia a um conceito de natureza fiscal, no âmbito do Código da Contribuição Predial, e que desapareceu do ordenamento jurídico com a aprovação do Código da Contribuição Autárquica (através do DL 422-C/88, de 30.11), dando lugar, para efeitos de tributação de imóveis, à figura do “valor patrimonial”. Contudo, são realidades distintas não podendo esta, sem mais, substituir aquela. 

09 julho 2024

ACTRL 26/01/21: Omissão de convocação


Tribunal: Relação de Lisboa
Processo: 27942/16.9T8LSB.L2-1
Relator: Eurico Reis
Data: 26 Janeiro 2021

Descritores:
Assembleia de condóminos
Omissão de convocação
Caducidade
Inconstitucionalidade

Sumário:

I. A revogação pelo Tribunal da Relação de Lisboa de um despacho saneador inicialmente proferido com o fundamento de que, não o tendo sido, deveria ter sido proferido despacho concedendo prazo à Autora para corrigir a petição inicial por si apresentada nestes autos, por forma a serem elencados também como réus, para além da Administração do Condomínio, todos os condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal e não apenas os que votaram favoravelmente as deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos, com a consequentemente determinação de que um tal despacho tinha de ser proferido, não implica necessariamente a anulação ou a declaração sem efeito do processado anterior a esse despacho revogado.

II. E, porque essa anulação ou declaração sem efeito desse processado não foi decretada pelo Tribunal da Relação, uma vez que a Autora tinha apresentado, em tempo oportuno, uma resposta às excepções invocadas na primeira contestação introduzida em Juízo pelo Réu Condomínio, não é nula a decisão que apenas admitiu a segunda resposta da Autora na parte respeitante às novas questões suscitadas na segunda contestação apresentada pelo Réu Condomínio na sequência da nova petição inicial da Autora.


III. A omissão de convocação de um condómino para uma assembleia de condóminos consubstancia uma conduta que é, em termos conceptuais - lógicos e ontológicos -, totalmente inconfundível e distinta de uma deliberação aprovada numa tal assembleia, pelo que o disposto no art.º 1433º do Código Civil, e em particular o que aí se estatuí acerca do prazo de caducidade para intentar uma acção de anulação de deliberações da assembleia de condóminos, não pode aplicar-se à regulação da primeira dessas situações.


IV. E não existindo no Código Civil uma norma que expressamente regule e estabeleça os efeitos de um tal comportamento omissivo (não convocação de um condómino para a assembleia de condóminos), porque o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio (art.º 8º n.º 1 do Código Civil), forçoso se torna encontrar uma solução jurídica para essa situação litigiosa.


V. Para efeito da construção dessa norma reguladora, é indispensável recordar que, nos termos do disposto no art.º 294º do Código Civil, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, tudo isto sendo certo que, por força do estatuído no art.º 295º do mesmo Código, aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente, e, sem lugar para qualquer dúvida, a convocação de um condómino para uma assembleia de condóminos é um acto jurídico.


VI. E, para o mesmo efeito, importa também lembrar que, como estabelecem, respectivamente, os nºs 2 e 1 do art.º 280º ainda do Código Civil, também aplicáveis à regulação dos efeitos dos actos jurídicos, cometidos ou omitidos, são nulos os negócios jurídicos contrários à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, sendo também nulos os negócios jurídicos cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, não se aplicando aqui a ressalva prevista no art.º 281º («Se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes.»), porque, repete-se, o que está em causa nestes autos é um acto jurídico unilateral (apesar de receptício).


VII. É eticamente indefensável e socialmente muito grave omitir um acto com essa dignidade institucional e legal, porque essa não convocação priva um condómino da possibilidade de participar na assembleia defendendo os seus interesses legítimos e os seus direitos, o que constitui uma falha inaceitável nas Sociedades que se organizam segundo o modelo do Estado de Direito (art.º 2º da Constituição da Republica), tanto mais que o direito à propriedade e à iniciativa privadas são direitos fundamentais de todas as pessoas, estando como tal reconhecidos, respectivamente, nos artºs 62º e 61º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 17º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948.


VIII. E é exactamente porque esses direitos têm esse mais elevado nível de protecção ética, institucional e legal (constitucional), que a sua violação constitui uma ofensa à ordem pública e aos bons costumes, logo, um abuso de direito.


Texto integral

Vide redacção do acórdão aqui.

Glossário do Condomínio - U


Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no regime da propriedade horizontal, o presente glossário alfabético apresenta as definições dos principais termos usados no âmbito condominial.

Usucapião

A usucapião é a aquisição originária de um direito real (da propriedade) com fundamento na posse de longa duração. Por outras palavras, tem o direito de invocar a usucapião quem tenha sido possuidor de uma coisa durante um longo período, tornando-se proprietário ao fazê-lo. Através da usucapião, a «propriedade diminuída» que é a posse transforma-se em propriedade plena ou, noutra maneira de ver a coisa, a mera «relação de facto» com uma coisa transforma-se numa «relação de direito». Esta destrói qualquer outro direito anterior; o que significa que, feita a prova da posse boa para usucapião, fica provado o direito real de que o autor se arroga (art. 1287º CC)