Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

09 junho 2025

ACTC 19/01/99: Fim da fracção

Tribunal: TC
Acórdão: Nº 44/99
Processo: 682/97
Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Data: 19/01/1999

I - RELATÓRIO

1. M... e mulher C... foram condenados, por decisão de 25 de Março de 1996, do 8º Juízo Cível da Comarca do Porto, a afectarem exclusivamente a "armazém-comércio" a fracção designada pelas letras "CA" do prédio sito na Rua da Alegria, nºs 962/972 e Rua Amélia de Sousa, nº 140, da freguesia do Bonfim, concelho do Porto, abstendo-se de a utilizarem na actividade de confecção de vestuário de cabedal como vinham fazendo.

Inconformados, recorreram dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto.

Nas suas alegações, suscitaram, desde logo, a questão da inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, nos termos seguintes:

5 - Sendo o direito à propriedade privada um direito de natureza análoga aos direitos previstos no Título II da C.R.P., aplica-se-lhe igualmente o regime dos direitos liberdades e garantias.
6 - Ora, mesmo admitindo que o disposto naquele preceito do Código Civil, constitui uma restrição expressamente prevista na Constituição, a mesma deve limitar-se ao necessário para salva-guardar outros direitos ou interesses constitu-cionalmente protegidos.
7 - Tratando-se de um prédio em regime de propriedade horizontal, e destinando-se as fracções autónomas dos Recorridos a habitação, é óbvio que tal disposição do Código Civil se destinará a garantir, no caso concreto, o direito à habitação.
[...]
14 - Ora, só terá sentido uma qualquer restrição ao direito de propriedade privada, nomeadamente ao seu componente liberdade de uso e função, que vise salvaguardar um outro direito constitucionalmente previsto.
15 - Todavia, da factualidade descrita constata-se que a restrição não atende nem em abstracto nem em concreto a essa salvaguarda, ou seja, tal restrição é absoluta, quer vise, quer não, proteger direitos ou interesses de terceiros.
16 - Nessa medida é inconstitucional a disposição do artigo 1422º, nº 2, alínea c) do Código Civil.

2. Por acórdão de 2 de Outubro de 1997, a Relação do Porto julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

Quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada, entendeu-se nesse aresto:

(...) o direito de propriedade privada é consagrado no plano constitucional como direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias do cidadão e como direito institucional de propriedade.

Não se trata, porém, de um direito absoluto, pois ele é garantido nos termos da Constituição, permitindo-se assim que o legislador modele o seu conteúdo e limites (v. art. 168º, nº 1, als. b) e j) da CRP).
(...)
O conteúdo do direito de propriedade, conforme decorre do disposto no art. 1305º do C. Civil, consiste no poder que o proprietário tem de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem.

Mas este poder comporta limites.

Na verdade, na própria descrição do conteúdo feita no art. 1305º referida, na segunda parte, refere-se expressamente que esse poder apenas existe dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas.
(...)
No caso da restrição imposta pela al. c) do nº 2 do art. 1422º do CC, ela radica, prevalentemente, em razões de interesses de ordem pública respeitantes à organização da propriedade, embora vise também a protecção de interesses particulares dos restantes condóminos
(...)
O fim da fracção tem a ver especialmente com o projecto aprovado pela entidade pública, em conformidade com o disposto nos art.s 3º, 6º, 8º e 165º do RGEU e não depende do arbítrio do instituidor da propriedade horizontal.

Na verdade, as condições de segurança, higiene, de compartimentação e áreas mínimas, etc., variam de forma significativa consoante o destino previsto para as diversas fracções de um prédio.
(...)
Sendo assim, assente o destino a que uma fracção de um prédio em propriedade horizontal está adstrito, não faz parte do conteúdo essencial do direito de propriedade de qualquer condómino dar-lhe outro destino.

O estabelecimento da limitação referida na al. c) do nº 2 do art. 1422º do CC não pode, pois, diminuir aquele conteúdo essencial.

E não contraria, também, o princípio da proporcionalidade estabelecido na última parte do nº 2 do art. 18º da CRP.

Este princípio, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, significa que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida) - Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., p. 617.

Ora a mencionada necessidade de na propriedade horizontal se conciliar os interesses de todos ou de proteger o interesse público torna a limitação em causa adequada, necessária e proporcional.

O estabelecimento da limitação em causa também não viola, obviamente, o princípio da igualdade estabelecido no art. 13º da CRP, na medida em que trata por igual o que é igual e desigual o que é desigual, não criando qualquer privilégio ou discriminação.

Finalmente e ao contrário do que pretendem os apelantes, a limitação referida reveste carácter geral e abstracto - art. 18º, nº 3 da CRP.

3. Novamente inconformados, os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, «nos termos da alínea b) do artº 70º da Lei nº 28/82, para apreciação da inconstitucionalidade da norma prevista na alínea c) do nº 2 do artº 1422º do Código Civil, por violação do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa».

4. Admitido o recurso, e distribuídos os autos, os recorrentes apresentaram alegações neste Tribunal, tendo formulado as seguintes conclusões:

I - A norma do artigo 1422º, nº 2, alínea c) do Código Civil contém uma restrição ao direito da propriedade consignado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.

II - Tal restrição, pela sua forma genérica, pode ser aplicada quer para salvaguardar, quer não, outros direitos igualmente com assento e protecção constitucional.

III - No caso concreto não se apurou que de tal restrição resulte tal salvaguarda, nomeadamente do direito de habitação dos Recorridos.

IV - Assim, e nessa medida deve ser declarada inconstitucional aquela norma do Código Civil, salvo se da sua aplicação resultar a salvaguarda de outro direito constitucional, por violação do disposto no artigo 62º da C.R.P.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTOS

5. A norma em questão é do seguinte teor:

1 - Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto ás fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.

2 - É especialmente vedado aos condóminos:

[...]

c) Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada.

Os recorrentes pretendem que esta restrição ou limitação ao direito de propriedade, constante da transcrita alínea c) daquele nº 2, pelo menos na medida em que da sua aplicação não «resultar a salvaguarda de outro direito constitucional», viola o direito à propriedade constitucionalmente garantido pelo artigo 62º, nº 1 da Constituição.

6. Ora, o artigo 62º, nº 1, da Constituição, não consagra uma garantia ilimitada da propriedade privada. Como os próprios recorrentes reconhecem, aquele direito constitucionalmente consagrado não o é em termos absolutos ou ilimitados, antes «dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição» (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1992, pág. 332).

A este propósito, escreveu-se no Acórdão nº 866/96 (Diário da República, I Série –A, de 18 de Dezembro de 1996):

Não definindo o texto constitucional o que deva entender-se por direito de propriedade, nem sempre têm sido pacíficas as conclusões atingidas pelos seus intérpretes a propósito da dimensão e contornos daquele conceito, sendo, porém, seguro que a velha concepção clássica da propriedade, o jus fruendi ac abutendi individualista e liberal, foi, nomeadamente nas últimas décadas deste século, cedendo o passo a uma concepção nova daquele direito, em que avulta a sua função social.

Como quer que seja, o direito de propriedade constitucionalmente consagrado não beneficia de uma garantia em termos absolutos, havendo de conter-se dentro dos limites e nos termos definidos noutros lugares do texto constitucional, [...]

Por fim, cabe citar J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., págs. 332 - 333:

Teoricamente, o direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: (a) o direito de adquirir bens; (b) o direito de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; (c) o direito de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles. Aparentemente, só o segundo aspecto não está contemplado de forma explícita neste preceito constitucional.

Revestindo o direito de propriedade, em vários dos seus componentes, uma natureza negativa ou de defesa, ele possui natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias», compartilhando por isso do respectivo regime específico (cfr. art. 17º), isto na medida em que ele é garantido pela Constituição. A este propósito interessa ter em conta, não apenas os limites explícitos (sobretudo em matéria de propriedade de meios de produção) mas também os limites imanentes, decorrentes implicitamente de outras normas e princípios constitucionais, que vão desde os princípios gerais da constituição económica e financeira (entre os quais as obrigações fiscais: art. 106º), até aos direitos sociais (defesa do ambiente, do património cultural, etc.).

[...]

De uma forma geral, o próprio projecto económico, social e político da Constituição implica um estreitamento do âmbito dos poderes tradicionalmente associados à propriedade privada e a admissão de restrições (quer a favor do Estado e da colectividade, quer a favor de terceiros) das liberdades de uso, fruição e disposição.

[...]

A Constituição não menciona expressamente, entre os componentes do direito de propriedade, a liberdade de uso e fruição. Todavia, mesmo que se entenda que ele integra naturalmente o direito de propriedade, fácil é verificar que são grandes os limites constitucionais, especialmente em matéria de meios de produção – que vão desde o dever de uso (art. 89º) até ao seu condicionamento (cfr. especialmente o art. 96º-2) -, podendo a lei estabelecer restrições maiores ou menores, credenciada nos princípios gerais da Constituição, particularmente nos da Constituição económica.

Limites particularmente intensos a este aspecto do direito de propriedade são os que ocorrem no domínio urbanístico e do ordenamento do território, a ponto de se questionar se o direito de propriedade inclui o direito de construir – jus œdificandi – ou se este radica antes no acto administrativo autorizativo (licença de construção).

7. A propriedade horizontal é hoje regulada pelas disposições constantes dos artigos 1414º a 1438º-A, do Código Civil, na redacção e com as alterações constantes do Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, e ainda pelas disposições do Decreto-Lei nº 268/94, da mesma data. A propriedade horizontal é uma forma especial de propriedade, definida nos termos do artigo 1420º do Código Civil:

1 - Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.

2 - O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.

Por sua vez, o artigo 1418º determina ainda que o título constitutivo da propriedade horizontal deverá especificar as partes «correspondentes às várias fracções», contendo, nomeadamente, «menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum».

Os condóminos encontram-se, portanto, sujeitos às restrições e limitações ao exercício do direito de propriedade normal e legalmente impostas em termos gerais.

Mas, para além dessas restrições e limitações, e em virtude da própria natureza da propriedade horizontal, outras lhes são impostas, ditadas, antes de mais, pela relação de proximidade ou comunhão em que vivem os condóminos. É, nomeadamente, o que se passa com a al. c), acima reproduzida, do nº 2 daquele artigo 1422º, norma cuja inconstitucionalidade vem suscitada pelos recorrentes.

Mas esta proibição de afectação da fracção a fim diverso do que lhe é destinado não radica apenas nessas relações de proximidade e comunhão, características da propriedade horizontal, mas também em razões de ordem pública. Como é, aliás, do conhecimento comum, as características técnicas dos edifícios, designadamente do ponto de vista arquitectónico, em aspectos de construção e de segurança, como os da área ou da higiene, variam consoante a respectiva utilização, que se encontra, aliás, sujeita a verificação e licenciamento pela Câmara Municipal competente, a qual certifica assim que foram observadas as regras e especificidades técnicas inerentes a essa utilização. E o mesmo se diga relativamente à adequação do destino das edificações à política urbanística, sabido como é que a própria vida social nos centros urbanos em muito depende de uma harmoniosa distribuição da localização dos edifícios destinados à habitação ou a outros fins, sendo certo que ao Estado incumbe aprovar legislação sobre ordenamento do território e urbanismo, de modo a assegurar «uma correcta localização das actividades» (cfr. artigo 65º, nº 4, e artigo 66º, nº 2, alínea b), da CRP).

8. Este aspecto foi, de resto, devidamente focado pela decisão recorrida quando aí se afirmou:

O fim da fracção tem a ver especialmente com o projecto aprovado pela entidade pública, em conformidade com o disposto nos art.s 3º, 6º, 8º e 165º do RGEU e não depende do arbítrio do instituidor da propriedade horizontal.

Na verdade, as condições de segurança, higiene, de compartimentação e áreas mínimas, etc., variam de forma significativa consoante o destino previsto para as diversas fracções de um prédio.

Com efeito, no âmbito das construções e edificações urbanas, as câmaras detêm funções de regulamentação, fiscalização e licenciamento das mesmas, tendo, nomeadamente, em conta os interesses públicos de segurança e salubridade. Assim, o RGEU (Decreto nº 38.382, de 7 de Agosto de 1951, com as alterações posteriores) comete às câmaras, para além de uma função de licenciamento (artigo 2º) das obras e trabalhos «de construção civil, a reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição das edificações e obras existentes, (...)» (artigo 1º), também uma função de licenciamento da «utilização de qualquer edificação nova, reconstruída, ampliada ou alterada» - artigo 8º -, sendo tal licenciamento actualmente regulamentado pelo Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro. Este dispõe, no seu artigo 1º, nº 1, alínea b), que estão sujeitas a licenciamento municipal «a utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas, bem como as respectivas alterações».

Este Regulamento, cuja execução compete às câmaras, visa claramente interesses públicos e colectivos, ainda mais prementes nos grandes centros urbanos, relacionados com «as condições de salubridade, estética e segurança das edificações», e «impondo respeito pela vida e haveres da população e pelas condições estéticas do ambiente local», e procurando «dar aos núcleos urbanos e rurais um desenvolvimento correcto, harmonioso e progressivo» (cfr. preâmbulo do citado RGEU). As especificidades técnicas nele previstas visam ainda «dotar a construção projectada com os requisitos necessários ao fim em vista», nomeadamente as condições de segurança consoante o destino económico do edifício.

Na verdade, não é indiferente o destino ou fim de cada fracção, não podendo cada proprietário dispor da sua fracção indistintamente, antes devendo observar tal fim, de acordo com o respectivo licenciamento. Consoante o destino respectivo, assim cada fracção estará sujeita a específicas e próprias regras de segurança, salubridade e construção, designadamente; e, atento o regime da propriedade horizontal, compreensível é que cada condómino tenha de antemão o direito de saber qual o fim não só da sua fracção, como o das restantes, atenta a influência que tal destino pode exercer sobre o desejo de contratar, sobre o preço, etc.. Nomeadamente, nunca pode o fim da fracção ser diverso do constante da respectiva licença camarária de utilização, pelo que, na verdade, tal fim ou destino não está (nem pode estar), na livre disponibilidade do respectivo proprietário, antes estando submetido aos regulamentos de construção e licenciamento (nomeadamente camarários); só mediante aprovação de tal alteração pelas entidades legais respectivas, e, no caso de propriedade horizontal, obtido o acordo expresso de todos os restantes condóminos (cfr. artigo 1419º do Código Civil), poderá assistir-se a uma eventual alteração do fim da fracção em causa.

Todas estas limitações impostas aos proprietários, em âmbito de propriedade horizontal, visam, assim, salvaguardar também aqueles interesses de ordem pública atrás referidos: interesses públicos e colectivos, relacionados com condições de salubridade, estética e segurança dos edifícios, assim como das condições estéticas, urbanísticas e ambientais, ainda mais prementes nos grandes centros urbanos, onde proliferam os edifícios em propriedade horizontal; isto, para além dos interesses privados atinentes às relações entre condóminos, derivadas da especial natureza da propriedade horizontal.

Em conclusão, as restrições ou limitações impostas aos proprietários de fracções autónomas radicam em duas ordens fundamentais de razões: por um lado, razões privadas de relações de proximidade e comunhão, e, por outro, em razões de ordem pública.

9. De todo o exposto, resulta que a norma questionada apenas procede à delimitação do direito de propriedade horizontal, tendo em conta outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (designadamente, o direito de propriedade dos restantes condóminos e o direito ao ambiente e qualidade de vida), em nada colidindo com o preceituado no artigo 62º, nº 1, da Constituição.

III – DECISÃO

10. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.

Lisboa, 19 de Janeiro de 1999

Luís Nunes de Almeida
Maria Helena Brito
Vítor Nunes de Almeida
Artur Maurício
José Manuel Cardoso da Costa

03 junho 2025

Interrupção prescrições


Nos termos do art. 323º, nº 1, do CC, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial, de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente.

Se a citação ou notificação se não fizer dentro de 5 dias depois de requerida, por causa não imputável ao requerente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os 5 dias (cfr. art. 323º, nº 2, do CC).

À citação ou notificação é equiparado qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (cfr. art. 323º, nº 4, do CC).

A prescrição será ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, feito perante o respectivo titular, por aquele contra quem o direito pode ser exercido (cfr. art. 325º, nº 1, do CC).

Nos termos do art. 325º, nº 2, do CC, “o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam”.

Conforme resulta do disposto no art. 326º do CC, a interrupção é o efeito produzido por determinado facto que destrói e inutiliza um prazo em curso, determinando que o mesmo volte a correr de novo e por inteiro.

Importa desde logo salientar que a interrupção da prescrição distingue-se da suspensão da prescrição. A suspensão determina uma “paragem” no decurso do prazo que, quando cessa, retoma o seu curso, no exacto momento em que ocorreu, permitindo o aproveitamento do prazo anterior que tenha decorrido antes da suspensão. Já “a interrupção inutiliza todo o prazo anterior, obrigando a uma nova contagem a partir do zero” (assim, Menezes Cordeiro; Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, 2005, p. 195).

Numa determinada acção, entendeu o apelante – convocando os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de Guimarães e do Porto que para tanto, mencionou - que, tendo desencadeado a respectiva acção executiva para pagamento de quantia certa que, nos termos do art. 550º, nº 2, do CPC, segue a forma sumária – e em que a penhora precede a citação – a interrupção do prazo prescricional não se dava com a citação, nos termos do nº 1 do art. 323º do CC, mas sim, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, ocorrendo a interrupção 5 dias após a instauração da acção executiva.

Dimana do Ac. do TRP de 27-05-2014 (Pº 4393/11.6TBVLG-A.P1, rel. VIEIRA E CUNHA) que: “Na exegese do disposto no artº 323º nº2 CCiv, entende-se que as razões de índole processual ou de organização judiciária irrelevam para a imputação de responsabilidade no atraso da citação ao requerente; tal é o caso de a citação se ver delongada pela necessária precedência da penhora."

E, na fundamentação deste aresto expendeu-se que:

Nos termos do art.º 323º nº2 CCiv, se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Ou seja: só se atende ao momento da citação se a culpa da demora superior a cinco dias for de atribuir ao requerente (Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, I – 3ª ed., pg. 289) – quaisquer outros factores, designadamente que sejam de imputar aos necessários trâmites processuais, não relevam para um juízo de responsabilidade do requerente no facto de a citação não ser feita em cinco dias.

A petição deu entrada em juízo 3 meses antes do termo final do prazo de prescrição (5 anos a contar de 23/3/07) – a citação foi antecedida de penhora, mas a demora do referido trâmite processual irreleva para um juízo de responsabilidade do requerente da citação. Ou seja, como se pronunciou o Ac. STJ, rel. César Marques, as razões de índole processual ou de organização judiciária irrelevam para a imputação de responsabilidade no atraso da citação ao requerente. Tal é o caso, por exemplo, de a citação se ver delongada pela necessária precedência da penhora – cf., nesse sentido, Ac.R.L. 13/1/09, pº 9584/2008-1, rel. Rijo Ferreira. 

E assim se conclui, apodicticamente, que, mesmo considerando o prazo de prescrição de cinco anos, a interrupção da prescrição, por aplicação do disposto no art.º 323º nºs 1 e 2 CC, se verificara já em momento anterior ao da efectiva citação dos Oponentes e sem que se mostrasse decorrido o citado prazo de prescrição do direito”.

Nesta mesma linha, se posicionaram, entre outras, as seguintes decisões:

- Ac. do TRG de 22-11-2018 (Pº 2504/13.6TJVNF-A.G1, rel. MARGARIDA FERNANDES): “Numa acção executiva, em que a penhora precede a citação, com pluralidade de executados, não é imputável ao exequente a citação pelo agente de execução dos executados embargantes quase três anos após a entrada da mesma ainda que a primeira penhora tenha ocorrido cerca de dois meses após esta data”;

- Ac. do TRL de 03-03-2020 (Pº 2747/08.4TBOER-C.L1-7, rel. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA): “A ação executiva foi intentada em 24.4.2008 pelo que ocorreu a interrupção da prescrição no quinto dia subsequente à instauração da execução porquanto, de acordo com a lei aplicável então e com a factualidade provada, não ocorreu qualquer conduta processual da exequente que tenha determinado o atraso na citação da embargante/executada. A citação da executada para além de três anos sobre a data de vencimento da livrança deveu-se a razões de natureza processual atinentes ao regime da ação executiva, em que a penhora precede a citação, não havendo que imputar tal demora à exequente. A interpretação referida em I, decorrente dos Artigos 323º, nº2 e 327º, nº1, do Código Civil, não viola os princípios da confiança e da segurança jurídica porquanto trata-se de solução normativa estabilizada desde a entrada em vigor do Código Civil, a qual não sofreu alteração legislativa nem é objeto de dissídio jurisprudencial, sendo que do atraso na realização da citação, por via do regime próprio da ação executiva, não pode derivar uma expectativa legítima do executado de que já não terá de arcar com a sua responsabilidade patrimonial”;

- Ac. do TRG de 18-03-2021 (Pº 259/14.6TBBRG-B.G1, rel. ALEXANDRA MARIA VIANA PARENTE LOPES): “1. Aplica-se o regime de interrupção da prescrição do nº2 do art.323º do C. Civil às ações executivas para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária, prevista nos atuais arts.550º/2-a) a d) e arts.855º ss do C. P. Civil de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06.
1.1. O regime da interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito, regulada no art.323º do C. Civil, na versão introduzida pelo DL nº47244, de 25.11.1966, aplicável a qualquer processo judicial nos termos do seu nº1, acautela, sobretudo, a inércia do titular, uma vez que, se as previsões dos seus nº1 e nº4 compatibilizam o direito geral do credor exigir o seu direito ao obrigado (acompanhado do dever de o fazer, para a interrupção do prazo de prescrição, através de ato judicial que, direta ou indiretamente, exprima a sua intenção de o exercer e antes de terminado o prazo de prescrição de que o obrigado beneficia) e do direito geral do devedor conhecer que aquele lhe exige o cumprimento da sua obrigação, as previsões do nº2 e do nº3 valorizam a iniciativa judicial do credor, em detrimento do conhecimento efetivo ou do conhecimento perfeito pelo devedor do direito contra si exercido, para efeitos da operância dos efeitos interruptivos, quando não é possível compatibilizar o exercício do direito e o conhecimento em 5 dias ou quando a citação ou a notificação são anuladas.
1.2. Desde a aprovação do regime do art.323º do C. Civil de 1966 encontram-se em vigor regimes processuais civis em que a citação não corresponde ao primeiro ato do processo (quer na redação inicial do Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto -Lei nº44129, de 28.12.1961, quer nas suas revisões posteriores e na redação do atual Código de Processo Civil de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06, em que se alargaram os processos sem citação prévia), sem que estas ações tenham sido excluídas da operância dos efeitos ope legis do art.323º/2 do C. Civil, na redação inicial ou em alteração posterior.
2. Não é imputável ao credor, objetiva ou subjetivamente, de forma a afastar a aplicação do nº 2 do art.º 323º do C. Civil:
a) A organização judiciária e a existência de uma forma do processo em que a citação seja posterior à penhora; os erros ou as faltas de operadores judiciários (nomeadamente, a falta de cumprimento pelo agente de execução das notificações do art.750º/1, ex vi do 855º/4 do C. P. Civil).
b) As omissões pelo exequente, aquando e após instaurar ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária: da nomeação dos bens à penhora no seu requerimento executivo inicial, uma vez que a previsão do art.724º/1-i) do C. P. Civil não é obrigatória; de pedir a citação urgente do executado, nos termos do art.561º do C. P. Civil, ex vi do art.551º/1 do C.P. Civil, quer na data da propositura da ação de 08.02.2014 (em que faltava um prazo superior a 2 anos e 10 meses para a obrigação cambiária prescrever, nos termos do art.º 70º, ex vi do art.77º da LULL), quer após a interrupção do prazo prescricional, nos termos do art.323º/2 do C. Civil; de pedir a notificação do art.855º/4, em referência ao art.750º/1 do C. C. Civil, de competência do agente de execução, quando este omitiu esse cumprimento, sem notificação do exequente do estado do processo.
3. Depois da interrupção do prazo prescricional numa ação executiva para pagamento de quantia certa, nos termos do nº2 do art.323º do C. Civil, operam os efeitos dos arts.326º e 327º do C. Civil, por se tratar de uma interrupção ocorrida num processo judicial que exige decisão final (…)”;

Ac. do TRL de 08-02-2022 (Pº 10858/16.6T8LRS-A.L1-7, rel. DINA MONTEIRO): “Nas ações executivas que têm como título executivo uma livrança em branco e que, atento o seu valor, seguem a forma sumária, não há lugar à citação prévia, devendo o requerimento executivo ser desde logo enviado ao Senhor Agente de Execução, como decorre do disposto nos artigos 855.º/ss do CPC Revisto. Nestes casos, em que o valor da ação condiciona o formalismo processual seguido, tem-se entendido que os prazos de prescrição que se encontrassem a correr termos, sempre ficariam suspensos cinco dias após a data da entrada da ação em Tribunal, em paralelismo com a interrupção que se verifica quando a ação se inicia pela citação”;

- Ac. do TRP de 07-03-2022 (Pº 16711/05.1YYPRT-A.P1, rel. FÁTIMA ANDRADE): “Conforme é entendimento consensual, interposta execução em que o executado não é citado nos cinco dias posteriores à sua instauração, porque a tramitação processual prevê que a citação seja posterior à penhora, beneficia o exequente da interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 323º nº 2 do CC decorridos que sejam esses cinco dias, pois que lhe não é imputável a não citação em tal caso”;

- Ac. do TRC de 13-09-2022 (Pº 231/22.2T8LRA-A.C1, rel. HELENA MELO): “A lei pretendeu com a citação/notificação ficta, prevista no n.º 2 do art.º 323.º do CCiv., evitar que as vicissitudes posteriores à entrada do processo e não imputáveis à parte impeçam a produção dos efeitos interruptivos, uma vez que os efeitos da interrupção, pelo seu grande relevo, não podiam ficar dependentes de atos que escapam ao controlo do requerente. A interrupção verifica-se também na execução, ainda que esta se inicie com a penhora dos bens e só após haja lugar à notificação do executado”.