Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

25 junho 2024

Art. 6º DL 268/94 de 25/10



O art.º 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC elenca como títulos executivos, entre outros, “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”

O DL nº 268/94, de 25/10 criou um destes títulos executivos especiais, procurando solução que tornasse mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros (tal como se lê no respectivo Preâmbulo).

O respectivo art. 6º dispunha que a Acta da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.

Desta forma, o legislador passou a atribuir força executiva à Acta da assembleia de condóminos, permitindo ao condomínio instaurar acção executiva contra o proprietário da fracção, condómino devedor, relativamente à sua contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor da sua fracção, sem que, previamente, tivesse que lançar mão ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento do crédito.

Apesar de este normativo ter, entretanto, sido alterado pela Lei nº 8/2022, de 10/01, continua a ser esta a redação aplicável ao caso em análise, já que era a vigente na data da Assembleia de Condóminos em que se produziu a Ata apresentada como título executivo.

Ao longo dos anos foi-se sedimentando na doutrina e na jurisprudência a interpretação deste normativo legal, no sentido de que apenas constitui título executivo a Acta que contenha deliberação sobre os montantes concretos das contribuições devidas ao condomínio em cada ano, a individualização da quota parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento de tais contribuições.

Esta é também a nossa opinião.

Assim, Delgado de Carvalho refere “(…) a fonte da obrigação pecuniária do condómino relapso é a própria deliberação da assembleia de condóminos, vertida em acta, que aprova e fixa o valor a pagar de imediato e para o futuro, correspondente à sua quota-parte nas contribuições e nas despesas comuns.”

Por seu turno, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, no mesmo sentido, defendem que “Em bom rigor, o que se pretende é que a obrigação (na sua constituição inicial ou traduzindo a existência de um débito) conste da acta de assembleia de condóminos e a responsabilidade do executado seja apurável por simples cálculo aritmético por referência a cada um dos períodos considerados em dívida.”

Na jurisprudência, decidiu-se neste sentido designadamente no Acórdão do STJ de 14/10/2014, tendo como Relator Fernandes do Vale: “Para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos tem de permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação do valor exacto da dívida de cada condómino, não dependente, pois, a respectiva força executiva, da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes) nem de, nela, ser explicitado aquele valor.”

Bem como no recente Acórdão do TRP de 27/11/23, tendo como Relator Miguel Baldaia de Morais: “Para valer como título executivo nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25.10, a ata da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respetivo.”

Aliás, quaisquer eventuais dúvidas interpretativas foram, a nosso ver, ultrapassadas pela Lei nº 8/2022, de 10/01 que, substituiu o indicado art. 6º do DL n.º 268/94, de 25/10, pela seguinte redação: “1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações. 2 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no nº 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”

Efectivamente, este diploma legal confere força executiva às deliberações que tenham por objeto “o montante das contribuições a pagar” contra o proprietário “que deixar de pagar”.

Ora, tais deliberações são efectuadas tipicamente nas Assembleias de Condóminos em que se aprova os orçamentos para o ano seguinte e/ou os orçamentos para a realização de obras ou pagamento de outros encargos do condomínio, por referência a um valor global.

Além disso, a expressão “deixar de pagar” refere-se a uma projecção para o futuro, a um potencial futuro incumprimento, levando-nos a considerar ser desnecessária a prévia constituição em mora do condómino.

Se o Condomínio Exequente apresentar como título executivo uma acta da Assembleia de Condóminos, constando da mesma, no último ponto da ordem de trabalhos, sob o título “Outros assuntos de interesse para o condomínio”, uma lista de meses em débito associada à fração devedora e aos executados, enquanto proprietários da mesma, identificando os meses e o total em dívida, seguida da declaração de que “…a assembleia após devida discussão mandatou o Exmo. sr. Administrador mande instaurar, nos termos legais, as respetivas acções judiciais destinadas a cobrar as prestações em dívida…”.

Assiste inteira razão ao Recorrido/Embargante ao defender que nesta acta não consta qualquer deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas por si ao condomínio, nem a fixação da sua quota-parte nem o prazo de pagamento respetivo relativamente aos anos em crise. Bem como não consta sequer qualquer deliberação no sentido da aprovação das dividas vencidas dos condóminos relapsos, particularmente das do Recorrido.

Isto é, a Acta apresentada como título executivo não reune as condições de exequibilidade consagradas na lei acima analisada.

Consequentemente, uma acção assim intentada tem como resultado a decisão de procedência da excepção de falta de título contra as executadas, com a absolvição das mesmas da instância executiva, nos termos dos arts. 577.º e 578.º do CPC, e inerente extinção da execução.

20 junho 2024

Responsabilidade pelas custas



Estabelece o nº 1 do art. 1424º do CC que, “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações”.

A jurisprudência dominante tem qualificado as contribuições dos condóminos nos termos da citada disposição legal como prestações periódicas, visto que o seu montante depende da aprovação, pela assembleia geral de condóminos, a qual, reúne pelo menos uma vez por ano – vide art. 1431º, nº 1, do CC.

E, efetivamente, em regra, as contribuições dos condóminos para a satisfação das despesas comuns têm efectivamente uma natureza que se pode considerar tanto regular, como periódica.

Aliás, como salienta Aragão Seia (Propriedade Horizontal; 2.ª ed., Almedina, 2022, pag. 131, nota 9), “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do artigo 1424.º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio – artigos 1424.º e 1431.º".

Enquanto condóminos, estão estes obrigados a comparticipar para as despesas tidas por necessárias à conservação e fruição das partes comuns do prédio e bem assim, ao pagamento de serviços de interesse comum (cfr. art. 1424 CC).

Cumpre contudo perguntar: E as despesas de contencioso e com honorários de um solicitador ou advogado motivadas pela instauração de ações contra um condómino que não procedeu, por exemplo, ao pagamento das comparticipações para o condomínio, constituem despesas a realizar pelo condomínio?

Como regra, a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio da vantagem ou do proveito processual: um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo por isso as custas pagas pela parte vencida, e na medida em que o for; ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito da demanda.

Ora, de facto, estamos face a despesas que operam evidentemente no interesse comum, pela importância que tais comparticipações assumem para suportar os encargos com as partes comuns do prédio. Nessa medida, podem e devem as despesas de contencioso e honorários de solicitador ou advogado, considerarem-se despesas que se inserem no âmbito do pagamento de serviços de interesse comum.

No entanto, podem os condóminos, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, assumir tal encargo (cfr. art. 559º/1 a) CC), ou, pode a assembleia de condóminos deliberar um diferente critério de pagamento de tal serviço, sem que tal deliberação contenda com o estabelecido no regulamento ou com o regime legal da propriedade horizontal.

Como se começou por referir o art. 1424º/1 CC estabelece uma norma supletiva quanto à forma de repartição das despesas. A assembleia de condóminos pode deliberar noutro sentido e atribuir ao condómino o pagamento das despesas de contencioso e honorários com solicitador ou advogado, quando aquele dá causa à acção destinada, por exemplo, a cobrar as prestações para o condomínio. 

Uma tal deliberação, representa uma norma que se enquadra na esfera de poderes conferidos à assembleia de condóminos por estar ainda em causa uma deliberação sobre pagamento de despesas efectuadas no interesse comum.

Conclui-se, assim, que a deliberação que prevê a constituição de mandatário para promover acções judiciais no sentido de obter, por exemplo, a cobrança das comparticipações em divida ao condomínio e faz repercutir as despesas com contencioso e honorários a solicitador ou advogado sobre o respetivo condómino faltoso, insere-se nos actos de gestão da assembleia pois são as comparticipações que permitem suportar os encargos e fruição das partes comuns do prédio. 

Se a promoção de tais acções decorre do interesse comum e constitui uma das funções do administrador do condomínio (cfr. art. 1436º/e) CC), já as despesas inerentes não o são e por isso, justifica-se que tais encargos sejam suportados por quem deu causa às mesmas, como se haja decidido em deliberação.