Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

13 maio 2021

Prestação de contas



O administrador do condomínio, no caso de edifício constituído em propriedade horizontal, consta entre os sujeitos obrigados a prestar contas. O art. 1436º do CC contém a enumeração das funções legalmente atribuídas ao administrador do condomínio (para além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia, como a própria parte inicial do mencionado artigo refere) e entre elas, na al. j) consta a de prestar contas à assembleia. Ao que procede na 1ª quinzena de Janeiro devendo a respectiva reunião ser por aquele convocada “para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano” (cfr. art. 1431º, nº 1, do CC).

De facto, sendo as atribuições de gestão atribuídas ao administrador referentes ao condomínio e às partes comuns do prédio, deve considerar-se que a sua prestação de contas deve ser realizada perante quem protagoniza os interesses comuns dos condóminos, que é a assembleia de condóminos, que, aliás, é o órgão que compõe juntamente com ele a administração das partes comuns (cfr. nº 1 do art. 1430º do CC), sendo certo que é a assembleia que o elege e exonera (cfr. nº 1 do art. 1435º do CC).

Para identificar os titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade, a lei fixou, supletivamente, o princípio da coincidência da titularidade da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor, com a legitimidade. Critério supletivo legal que tem aplicação nos casos em que a lei não indique o contrário (cfr. art. 30º, nº 3, do CPC).

Tratando-se, como se trata, de acção de prestação de contas, estabelece o art. 941º do CPC que «a acção (…) pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las (…).» Ora, se o dever de prestar as contas, no caso da administração das partes comuns no âmbito da propriedade horizontal, cabe ao administrador (cfr. art. 1436º, al. j), do CC), o direito a exigi-las cabe à assembleia de condóminos (cfr. art. 1436º, al. j) e 1431º, nº 1, do CC).

Não tem, por isso, cada condómino isoladamente considerado direito de exigir do administrador do condomínio que lhe preste contas, pois que as mesmas são devidas ao órgão colegial constituído pelos próprios condóminos em assembleia.

Portanto, é perante a assembleia de condóminos que o administrador está obrigado a prestar contas. Neste sentido, o Ac. TRP de 30/01/2006 decidiu que: «O administrador do condomínio tem obrigação de prestar contas, devendo fazê-lo a quem tem legitimidade para as aprovar, ou exigir a sua prestação, ou seja, à assembleia de condóminos.»

Nas palavras de Aragão Seia (in Propriedade Horizontal, pág. 209, «o administrador só tem obrigação de prestar contas à assembleia, não estando obrigado a fazê-lo a pedido de qualquer condómino nisso interessado. Este, no caso de não ter aprovado a deliberação que aprovou as contas, pode-a impugnar judicialmente – nº 3 do art. 1433º do CC.Sendo as contas prestadas perante a assembleia, o que o condómino que as não aprove, tenha ou não estado presente, e simultaneamente considere haver motivos para arguir a nulidade ou anulabilidade da deliberação (já que a lei não exige unanimidade) deve fazer é impugnar a deliberação, por vícios de forma ou de substância que entenda assacar-lhe.

Mas tal deve ter lugar em acção com processo comum, em que formule o pedido de anulação da deliberação em causa, por estar ferida de vícios que a invalidem, e não em acção com processo especial de prestação de contas, já que nesta apenas cabe discutir, em primeiro lugar, se quem demanda tem o direito de exigir as contas de quem é demandado e, caso tal questão prévia seja favoravelmente decidida, e após oferecimento das contas, se tais contas devem ser validamente julgadas e finalmente, se for caso disso, condenar o primeiro no pagamento do saldo favorável ao segundo.

É evidente que, se a assembleia nem mesmo teve lugar ou se nela o administrador não apresentou as contas ou se, tendo-as apresentado, elas não foram aprovadas, configura-se, então sim, a possibilidade de os condóminos intentarem uma acção para prestação de contas, contra o administrador.

Se o administrador se recusar a prestar contas o condomínio pode exigir-lhas através do processo especial do art. 1014º e segs., do CPC.», que corresponde ao art. 941º do NCPC actualmente vigente.

O Ac. do TRL de 5/7/2007 decidiu que:

"I - A obrigação de prestar contas por parte do administrador do condomínio deve ser realizada perante a assembleia de condóminos enquanto entidade que protagoniza os interesses comuns dos condóminos. Não tem, por isso, cada condómino isolado, o direito de exigir a prestação de contas pelo administrador.
II – O condómino que não aprove as contas prestadas pelo administrador perante a assembleia de condóminos (tendo ou não estado presente) pode apenas impugnar a respectiva deliberação por vício de forma ou de substância interpondo para o efeito acção com processo comum, carecendo pois de legitimidade para interpor acção especial de prestação de contas."

Sendo que o mesmo, em 15/9/2010, em face da fixada jurisprudência, decidiu que:
"I-A falta de causa de pedir não se confunde com a insuficiência da mesma.
II-Invocando a sua qualidade de titulares de 7 das 42 fracções autónomas em que se desdobra o condomínio os autores exigem do réu a prestação de contas relativamente ao exercício das funções de administrador desse condomínio.
III-Sendo certo que o administrador – enquanto gestor de bens alheios e por força do disposto na alínea j) do artigo 1436º do Cód. Civ. – tem obrigação de prestar contas, o que é facto é que essa obrigação deve ser cumprida perante a assembleia de condóminos (alínea citada e nº 1 do artigo 1431º do Cód. Civ.).
IV-E se apenas perante ela se pode o administrador desonerar dessa obrigação, a mesma só pela assembleia de condóminos lhe pode ser exigida.
V- Em se tratando de exigir judicialmente a prestação de contas (artigo 1014º nº 1 do Cód. Proc. Civ.), a acção deve, consequentemente, ser proposta por todos os condóminos – ou, ao menos, suscitada a respectiva intervenção – ou pelo administrador, se tal tiver sido expressamente deliberado pela assembleia de condóminos, enquanto representante desta (artigo 1436º, proémio, e 1437º nº 1 do Cód. Civ.)"

Decorre do exposto que um condómino não tem legitimidade para intentar uma acção de prestação de contas contra o administrador do condomínio. A competência é da assembleia.

12 maio 2021

Alterar o Título Constitutivo

O TCPH é um acto modelador do estatuto da PH e as suas determinações têm eficácia real.

O conteúdo obrigatório do TCPH encontra-se previsto no nº 1 do art. 1418º do CC, nele não se abrangendo a afectação ao uso exclusivo de um dos condóminos de certas zonas das partes comuns, cuja inclusão no título é meramente facultativa nos termos previstos no nº 3 do art. 1421º do CC, sendo que sobre este aspecto pronunciou-se directamente o Professor Henrique Mesquita no artigo já citado ao defender que: “A lei só exige que o título constitutivo especifique as partes do edifício correspondentes às várias fracções e indique o valor relativo de cada uma delas (arts. 1418º do CC e 110º, nº 1, do CRP). A inclusão de regras sobre o estatuto do condomínio é, portanto, meramente facultativa, podendo sempre o proprietário, de resto, impô-las caso por caso, ao adquirente de cada uma das fracções, mediante cláusula inserida no negócio de alienação. O mais indicado, no entanto, será fazê-las constar do título constitutivo, pois só assim adquirirão, uma vez registadas, eficácia erga omnes.”

O TCPH apenas poderá ser modificado se para tanto obter o acordo de todos os condóminos, sendo que o silêncio de alguns condóminos não vale para este efeito como uma declaração de vontade, porquanto não se pode aplicar o regime do art. 1432º, nº 8 do CC (uma vez que este preceito apenas se refere às deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos), nem se verificam cumpridos os pressupostos ressalvados no art. 218º do CC.

Face ao disposto no art. 1419º, nº 1 do CC – e não se verificando nenhuma das excepções previstas no art. 1422º-A do mesmo diploma (junção de frações contíguas; divisão de frações autónomas autorizada pelo título constitutivo ou pela assembleia de condóminos sem oposição) -, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas é possível quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente formalizado em escritura pública ou documento particular autenticado e nunca através de decisão judicial

Sendo viável a via judicial para obter a modificação do título constitutivo, tal efeito jurídico jamais prescindirá do acordo de todos os condóminos (cfr. os art. 1422º e 1422º-A do CC), além de que o tribunal não pode alterar o título constitutivo da propriedade horizontal em violação das normas legais em vigor, designadamente sem aprovação de todos os condóminos e a junção de documento emanado da Câmara Municipal comprovativo de que a alteração está de acordo com as leis e regulamentos em vigor na autarquia (requisitos de natureza administrativa).

Sobre toda a matéria cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 29/11/2006, assim sumariado: «A constituição da propriedade horizontal por decisão judicial depende da verificação simultânea, quer dos requisitos civis previstos no art.º 1417º do Código Civil, quer dos requisitos administrativos fixados no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.» e 06/12/2018. constando do respectivo sumário: «3. A produção de efeitos jurídicos correspondentes à modificação do título constitutivo da propriedade horizontal por via judicial, não prescinde do acordo de todos os condóminos e, além disso, deve compatibilizar-se com regras imperativas em matéria de direito do urbanismo ligadas ao licenciamento da construção e da utilização de edifícios e respectivas fracções.», este, com abundante citação de doutrina e de jurisprudência, publicados no “site” da dgsi.