Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/21/2024

Arvores e arbustos - art. 1366º CC



Tribunal: Relação Coimbra
Processo: 32/12.6TBSBG.C1
Data: 21/01/2014

Súmula:

I – O art. 1366º, nº 1, do C.C. limita-se a conceder ao proprietário do prédio a faculdade – e não a obrigação – de defender o seu direito, mediante recurso a “acção directa” e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, arrancando e cortando as raízes, troncos e ramos das árvores existentes em prédio vizinho e que se introduzam no seu prédio, desde que previamente o solicite ao dono das árvores e este o não faça dentro do prazo ali referido.

II – Se o proprietário do prédio invadido, podendo cortar – facilmente e sem grandes custos – as raízes, ramos e troncos que se introduzem no seu prédio, omite tal actuação, não poderá exigir ao dono das árvores qualquer indemnização dos danos que aquele facto lhe venha a causar, porquanto podia e devia ter actuado com vista a evitar a sua verificação.

III – O mesmo não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível, designadamente, por ser demasiada onerosa; nestas situações, recairá sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do C.C., seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

IV – O citado art. 1366º, nº 1, apenas concede ao proprietário do prédio afectado a faculdade de cortar os ramos, troncos e raízes que se introduzirem no seu prédio, não lhe facultando a possibilidade de entrar no prédio vizinho e arrancar as árvores que neste se encontram plantadas; assim, se o dano apenas podia ser evitado com o arranque das árvores, o proprietário lesado nada poderia ter feito para evitar a sua verificação e, como tal, tem o direito de exigir ao dono as árvores a respectiva indemnização.

Decisão:

Dispõe o art. 1366º, nº 1, do CC que “é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicialmente ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias”.

Seguindo os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela e da jurisprudência que cita, considerou a sentença recorrida que o vizinho prejudicado pelas árvores não tem direito a ser indemnizado pelos danos delas decorrentes, a não ser que estivesse impedido de usar da faculdade que lhe é concedida pela norma acima citada.

Referem, efectivamente, Pires de Lima e Antunes Varela, que “…parece claro que o art. 1366º não atribui ao vizinho, prejudicado com as árvores, o direito de pedir uma indemnização ao dono delas (até porque o direito de corte ou de arranque não está dependente da existência do dano em concreto e pode, por conseguinte, ser exercido, em princípio, antes de tal dano se verificar) ou de obrigar este a fazer os cortes” (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed. Revista e actualizada (reimpressão), pág. 231.).

E é também nesse sentido que tem decidido a nossa jurisprudência maioritária, embora, por vezes, com algumas nuances ou restrições, como acontece com o Ac.do TRP de 09/03/2010 (proferido no processo nº 2899/05.5TBOAZ.P1), onde se admitiu a existência de um direito de indemnização, nos casos em que o proprietário lesado está impedido de proceder ao corte dos ramos ou raízes, nos casos em que o dono do prédio lesado não pode aperceber-se do desenvolvimento dos danos ou nos casos em que o dono das árvores não cumpre a sua obrigação de proceder ao respectivo corte quando tal lhe é solicitado pelo proprietário vizinho.

O legislador reconheceu claramente, na norma acima citada, a licitude da plantação de árvores e arbustos até ao limite da linha divisória, não impondo, portanto, qualquer distância relativamente a essa linha. Tê-lo-á feito por razões económicas, como referem Pires de Lima e Antunes Varela e tendo em vista a máxima rentabilidade dos terrenos. Mas, consciente dos riscos de invasão do prédio vizinho que tal situação implicava – já que o normal crescimento das árvores determina, com muita probabilidade, a extensão dos ramos, troncos e raízes para além da linha divisória do prédio onde foram plantadas – e não pretendendo impor ao proprietário vizinho a obrigação de tolerar a invasão do seu prédio, o legislador concedeu a este proprietário um meio expedito e rápido de defender a sua propriedade, estabelecendo, no citado art. 1366º/1, que este poderia arrancar e cortar as raízes que se introduzissem no seu terreno e o tronco e ramos que sobre ele propendessem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizesse dentro de três dias.

Concedeu, portanto, o legislador ao proprietário do prédio vizinho a faculdade de auto-tutelar o seu direito, mediante o recurso a “acção directa” (cfr. art. 336º do CC), sem restrições e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, bastando, para o efeito, que, previamente, solicite ao dono da árvore a actuação pretendida e que este o não faça dentro de três dias.

Por regra, a concessão dessa faculdade será, efectivamente, bastante para prevenir e evitar que aquelas árvores possam causar qualquer prejuízo ao prédio vizinho, por isso se entendendo que o proprietário lesado não terá direito a qualquer indemnização pelos prejuízos que tenha sofrido, sendo certo que os poderia ter evitado mediante o exercício da faculdade que, com essa finalidade, lhe foi concedida. Em tais situações, poder-se-á dizer que o prejuízo deriva directamente da omissão do proprietário lesado, não se justificando, portanto, a atribuição de qualquer indemnização.

Mas, a verdade é que existem situações onde não é razoável e não é legítimo impor ao proprietário vizinho o dever de exercer aquela faculdade e a consequente impossibilidade de ver ressarcidos os danos que sofreu por força de uma árvore que não é sua, da qual não retira qualquer benefício e que está a interferir com o seu direito de propriedade.

Não parece, desde logo, justo e razoável que o proprietário do prédio vizinho – que não retira qualquer benefício da árvore – tenha que assumir o ónus e encargo de estar em permanente vigilância sobre a evolução da árvore e de suportar os custos inerentes à remoção de raízes, troncos e ramos que se introduzam no seu prédio para evitar qualquer dano (custos que, em determinados casos, poderão ser elevados), enquanto o dono da árvore – que, em princípio, deveria ser o responsável pela sua vigilância e pela prática dos actos que se revelassem necessários para evitar danos a terceiros – se alheia dessa situação, à sombra e a pretexto da licitude da plantação da árvore junto à linha divisória.

Por outro lado, também existem situações em que o proprietário não pode actuar pelo modo que seria necessário para evitar o dano no seu prédio, o que acontecerá, designadamente, quando tal dano não pode ser evitado sem o corte da árvore, já que – temos como certo – o citado art. 1366º/1, não concede ao proprietário vizinho o direito de entrar no prédio vizinho para cortar a árvore que, pelo menos em parte, se encontra em prédio que não lhe pertence.

Mas, sem prejuízo de se apelar, em algumas dessas situações, ao abuso de direito, como se fez no Acórdão do TRC de 21/03/2006 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXI, tomo II, pág. 18), parece que o citado art. 1366º não poderá ser lido com o alcance e a amplitude de retirar, em todo e qualquer caso, o direito do proprietário vizinho à reparação dos danos que sofreu.

A este propósito e embora não se refira ao direito de indemnização, mas sim ao direito de o proprietário exigir que o corte seja feito pelo dono da árvore, refere Henrique Mesquita (Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, págs. 160 a 162.) que, apesar de ser normalmente entendido que este direito não existe, esse entendimento nem sempre proporciona a solução mais razoável, como acontece nos casos em que o proprietário vizinho não tem a possibilidade de proceder ao corte (como poderá acontecer quando as árvores estão plantadas junto de muros ou prédios urbanos). Assim, refere o citado autor, “em situações com esta configuração parece-nos razoável entender que ao proprietário lesado assiste o direito de impor ao dono das árvores a prática dos actos necessários a evitar os referidos danos. Com vista à justificação legal deste entendimento poderá dizer-se que o art. 1366º se aplica apenas quando ao proprietário do prédio vizinho seja fácil proceder ao corte das raízes, valendo, para as outras hipóteses, os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia; ou que aquele preceito tem apenas por objectivo legitimar a acção directa do proprietário lesado, mas sem excluir que ao dono das árvores se possam exigir os actos necessários a remover ou impedir agressões ao direito de propriedade dos vizinhos, que é um direito exclusivo (cfr. o art. 1305º); ou ainda que a infiltração de raízes em prédio alheio, por isso que é susceptível de originar, nas hipóteses que vimos analisando, prejuízos substanciais para o proprietário vizinho, se traduz numa emissão a que poderá aplicar-se por analogia o disposto no art. 1346º, senão mesmo o preceituado no artigo seguinte”.

Acompanhando, de algum modo, a doutrina de Henrique Mesquita, parece que o citado art. 1366º teve em vista duas coisas: estabelecer que é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória do prédio sem necessidade de respeitar qualquer distância e conceder ao proprietário do prédio vizinho a possibilidade de recorrer à acção directa com vista a eliminar as raízes, troncos e ramos que estão a invadir o seu prédio.

Sem se pronunciar, sequer, na norma citada, sobre possíveis danos causados pelas árvores em prédios vizinhos e sobre a possibilidade (ou não) de eles serem indemnizados, não parece que o legislador tenha pretendido eliminar em absoluto o direito do proprietário vizinho a ser ressarcido por esses danos (isso não resulta – pelo menos claramente – da letra da lei); o legislador terá apenas pretendido solucionar, de forma rápida e expedita, o conflito de vizinhança que, com muita probabilidade, iria surgir com a plantação de árvores junto à linha divisória, reconhecendo ao proprietário vizinho o direito de não tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos e troncos das árvores e concedendo-lhe o direito (mas não a obrigação) de atacar de imediato essa invasão, independentemente de a mesma lhe causar ou não qualquer prejuízo.

Naturalmente que, concedendo a lei ao proprietário vizinho, a faculdade de reagir àquela invasão em prazo muito curto – actuando ele próprio se o dono da árvore, depois de tal lhe ter sido solicitado, o não fizer em três dias – dever-se-á considerar que os prejuízos causados por tal invasão se devem à sua própria omissão, já que, podendo actuar e evitar o dano, não actuou, permitindo que o dano se produzisse. E, nesse caso, não se justificará, efectivamente, que possa vir a exigir ao proprietário das árvores a respectiva indemnização, tal como vem entendendo a doutrina e jurisprudência maioritárias.

Mas uma tal solução apenas se justificará quando o proprietário vizinho tem a possibilidade efectiva de actuar, ao abrigo do citado art. 1366º, de forma a evitar o dano e quando tal actuação lhe é exigível, como sucederá nos casos em que as raízes, ramos ou troncos podiam ser cortados facilmente e sem grandes custos. Só nessa situação se poderá dizer que o proprietário do prédio vizinho omitiu o dever e a actuação que lhe era permitida e que lhe era exigível, dando causa ou contribuindo, com culpa, para a produção do dano o que excluiria a eventual responsabilidade civil do dono da árvore, por força do disposto no art. 570º do CC.

Mas tal já não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível por ser demasiada onerosa e por não ser razoável fazer impender sobre o proprietário vizinho o ónus de suportar os custos inerentes (que, eventualmente, até podem ser superiores ao valor do dano que se pretende evitar), quando é certo que a árvore não é sua e dela não retira qualquer proveito.

Nessas situações, valerão, como refere Henrique Mesquita (cfr. excerto acima citado) os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia e, portanto, o dono das árvores terá a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do CC, seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

A lei reconhece, claramente, ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305º, do CC); a lei não impõe ao proprietário qualquer restrição emergente da plantação de árvores no prédio vizinho, no sentido de ser obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, troncos ou ramos dessas árvores, reconhecendo-lhe claramente (como decorre do art. 1366º/1) o direito de não tolerar tal invasão; portanto, tal invasão – não podendo ser imposta ao proprietário do prédio – configura uma lesão ou violação do seu direito de propriedade, pelo menos, a partir do momento em que manifesta a sua oposição; embora se deva considerar que, em princípio, o proprietário do prédio invadido não pode exigir qualquer indemnização ao dono das árvores pelos danos decorrentes do prolongamento das raízes, ramos e troncos, na medida em que, tendo a faculdade de proceder ao seu corte, estava na sua disponibilidade evitar a produção do dano, não poderá deixar de lhe ser reconhecido o direito à indemnização dos danos quando não lhe era possível actuar de forma a evitar a sua verificação ou quando tal actuação, apesar de lhe ser permitida, não lhe era exigível.

Ainda que seja lícita a plantação das árvores naquelas circunstâncias (ou seja, até à linha divisória), o dono das árvores não deixará de responder pelos danos que elas causem a terceiros, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 493º do CC e, portanto, se as suas raízes, ramos ou tronco invadirem prédio alheio e se o proprietário do prédio invadido estiver impossibilitado de proceder ao respectivo corte, ao abrigo do disposto no art. 1366º/11, ou se não lhe for exigível tal actuação, recai sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos causados com tal invasão.

À luz destes considerandos, o proprietário não é obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos ou troncos das árvores que pertencem a outrem e nenhuma justificação encontramos para impor ao proprietário o ónus de praticar todo e qualquer acto que seja necessário – e com a frequência que seja necessária – para evitar que aqueles causem dano efectivo no seu prédio e independentemente da natureza e da onerosidade desses actos, quando é certo que nenhum benefício retira daquelas árvores. A ser de outro modo, o proprietário em causa sofreria duas agressões no seu direito de propriedade, já que, além de o seu direito de propriedade estar a ser objecto de uma interferência que não é obrigado a tolerar, ainda teria que suportar os custos dos actos necessários para evitar que tal circunstância causasse danos efectivos no seu prédio. O que determina o citado art. 1366º/1, é que o proprietário tem o direito de praticar esses actos; mas não se determina que tenha a obrigação de os praticar sob pena de arcar com os danos que aquelas árvores lhe venham a causar, ainda que se considere, como acima se mencionou, que, podendo fazê-lo, sem grande esforço e sem grandes custos, actua com culpa e contribui para a verificação do dano, se omitir tal actuação e nada fizer para evitar o dano.

Glossário do Condomínio - J


Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no regime da propriedade horizontal, o presente glossário alfabético apresenta as definições dos principais termos usados no âmbito condominial.


Junção de fracções autónomas

Possibilidade de unificação de duas ou mais fracções autónomas, desde que as mesmas sejam contíguas (horizontal ou verticalmente) e contanto essa faculdade não esbarre com as limitações havidas impostas aos condóminos pelo art. 1422º do CC, i.e., tais obras não podem prejudicar a segurança do edifício, nem a sua linha arquitectónica ou o seu arranjo estético, a menos que, nestes últimos dois casos, seja obtida autorização da assembleia dos condóminos conforme o nº 3 do art. 1422º do CC.