Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

05 dezembro 2024

Restituição valores adiantados


Tribunal: Julgado de Paz de Lisboa
Processo: 950/2008-JP
Data: 15-01-2009

Sentença:


A, e mulher, B, vieram propor contra C, sito em Lisboa, representada pela D, com sede em Lisboa, todos melhor identificados nos autos, a presente acção consubstanciada na alínea c) do nº1 do artº. 9º da Lei 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação destes na devolução aos Demandantes do valor de € 8,65 (oito euros e sessenta e cinco cêntimos), que estes pagaram a mais com as quotas dos meses de Março a Julho de 2008 e, bem assim, que seja declarado que os Demandantes não devem à Demandada nenhuma “quota administrativa”.

Alegam, em síntese, que são proprietários da fracção autónoma correspondente a um andar do prédio sito em Lisboa, tendo sido sócios da Demandada até 3 de Março de .../2008, data em que apresentaram a sua demissão, conforme Doc. 3 junto aos autos. No entanto, desde essa data, a Demandada tem insistido em cobrar a quantia de € 1,73 (um euro e setenta e três cêntimos), supostamente de “quota administrativa”, além da quota normal de condomínio, fixada em € 35,51 (tinta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos). Os Demandantes já interpelaram a Demandada no sentido desta informar a que se refere a “quota administrativa” mas, até à presente data, esta não prestou qualquer esclarecimento. Alegam ainda os Demandantes que pagaram a mais, além da quota de condomínio, o valor de € 8,65 (5 x € 1,73) nas quotas referentes a Março a Julho de 2008. Mais referem que as quotas de condomínio de Agosto a Outubro de 2008 não foram pagas porque a Demandada só aceita o pagamento conjuntamente com a referida “quota administrativa”.
Juntam 11 documentos.

A Demandada, regularmente citada, não contestou. Não houve lugar a mediação. Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, inexistindo questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. A questão a decidir por este tribunal reside em apurar se assiste razão aos Demandantes, nomeadamente se lhes deve ser devolvida a quantia de € 8,65 (oito euros e sessenta e cinco cêntimos) e, bem assim, se estes devem pagar a “quota administrativa” reclamada pela Demandada.

Cumpre apreciar e decidir.
Aberta a Audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no art. 57º da LJP, tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 26.º do mesmo diploma legal, o que não logrou conseguir-se, pelo que se procedeu à Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal.

A convicção probatória do Tribunal, de acordo com a qual selecciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomadas em consideração as declarações das partes em Audiência de Julgamento; os documentos juntos de fls. 3 a 39, os Estatutos da D, o Regulamento de Condomínio e a proposta de Orçamento para 2008. Assim, da análise da prova produzida, incluindo os documentos juntos aos autos, que se indicam e dão por reproduzidos, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

1 – Os Demandantes adquiriram o direito de superfície da fracção autónoma designada pela letra “X”, que constitui o andar direito, com entrada pelo lote x, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º x , à data omisso na matriz;
2 – Os Demandantes apresentaram a sua demissão de sócios da D em 3 de Março de .../;
3 – A acta de 28 de Março de 2008, fixa a quota de condomínio para a tipologia T3 em € 35,51, valor ao qual acresce a quantia de 0,50 cêntimos das antenas parabólicas aos utentes do sistema;
4 – A tipologia da fracção dos Demandantes corresponde à tipologia T3;
5 – Em 27 de Agosto de 2008 o Demandante marido solicitou um pedido de esclarecimentos quanto à “quota administrativa”;
6 – Carta essa recebida pela Demandada em 28 de Agosto de 2008;
7 – A “quota administrativa” foi fixada em € 1,73 (um euro e setenta e três cêntimos), não sendo considerado o valor de € 1,58 referido na carta enviada pela Demandada em 23 de Julho de 2008 e endereçada ao Demandante marido;
8 – O regulamento de condomínio não estipula quaisquer verbas;
9 – Não existe qualquer acta a aprovar a referida “quota administrativa”;
10 – A Demandada não aceita o pagamento das quotas de condomínio, se neste não for contemplado o pagamento da “quota administrativa”;
11 – A Demandada não prestou os esclarecimentos solicitados pelo Demandante marido no que respeita à “quota administrativa”;
12 – Os Demandantes, emitiram o cheque n.º x no valor de € 106,53 (cento e seis euros e cinquenta e três cêntimos), com data de 2008-07-21, correspondente a 3 x € 35,51;
13 – O Condomínio emitiu um recibo no valor de € 111,72, com data de 25 de Julho de 2008, correspondente a (3 x € 35,51) + (3 x € 1,73);
14 – O Condomínio emitiu um recibo no valor de € 80,73, com data de 7 de Maio de 2008, correspondente a acertos de Janeiro e Fevereiro (diferenças entre a quota fixada em 2007 e a fixada em 2008), quotas de condomínio de Março e Abril de 2008 e “quota administrativa” do mês de Março de 2008;
Não se provaram os factos que não se consignaram.

Da Apreciação de Facto e de Direito
Cada condómino tem o dever de contribuir para o pagamento das despesas comuns, pois estas destinam-se a garantir o regular funcionamento do condomínio. Assim, a luz da escada, a electricidade gasta com o elevador, a água com que se lava a escada e o salário de quem o faz são despesas que, em princípio, devem ser suportadas por todos.
A não ser que o título constitutivo, o regulamento do condomínio ou uma acta da assembleia de condóminos correctamente aprovada determine algo diferente, as despesas comuns devem ser pagas pelos condóminos na proporção do valor das respectivas fracções. Ou seja, nada impede que se estabeleçam esquemas de pagamentos diferentes, e até a própria lei admite que as despesas com serviços de interesse comum possam ser suportadas “em partes iguais ou na proporção da respectiva fruição” – art. 1424º/1 CC.
No entanto, torna-se necessário que a acta da assembleia de condóminos especifique claramente os critérios que levaram à repartição das despesas e que a proposta seja aprovada por um grupo de condóminos que represente, pelos menos, 2/3 do valor do prédio e sem qualquer oposição, ou seja, alguns condóminos podem abster-se, mas nenhum pode votar contra.
Fixado o critério de repartição das despesas, há que definir o método de pagamento, que assume, regra geral, a forma de quotas.
A quota de condomínio é a prestação periódica – normalmente, mensal – com que cada condómino contribui para assegurar o pagamento das despesas comuns.
O montante da quota deve, então, ser determinado em função das despesas previstas para cada ano e devidamente aprovado pela assembleia de condóminos, em sessão própria convocada para o efeito – “desde que, na convocatória para uma assembleia de condóminos, não se faça constar que se vai tratar da fixação da comparticipação dos condóminos nas despesas – as quotas de condomínio –, é inválida a deliberação sobre tal matéria. Só não o seria, se todos os condóminos tivessem comparecido e concordassem que se deliberasse sobre tal assunto.” – Tribunal da Relação de Lisboa, sentença proferida em 1991.
À quota normal do condomínio podem somar-se outras prestações que tenham como objectivo fazer face a despesas extraordinárias. É o caso do Fundo Comum de Reserva, que a própria lei impõe, ou ainda eventuais despesas relacionadas, por exemplo, com custas judiciais, já que a possibilidade de ter de recorrer aos Tribunais nunca deve ser posta de parte.
Após esta exposição preliminar, vejamos então se assiste razão aos Demandantes.
Resulta dos factos provados que não existe qualquer deliberação da assembleia de condóminos (órgão de administração do condomínio) a criar uma “quota administrativa”. Da mesma forma, não resulta do regulamento de condomínio aprovado a criação de qualquer “quota administrativa”. No decorrer da audiência de julgamento, a Demandada, por diversas vezes, referiu que esta “quota administrativa” se encontrava aprovada porque os condóminos aprovaram a proposta de Orçamento para 2008. Vejamos se assim é:
A acta n.º 33, junta aos autos a fls. 27 e seguintes, aprovou, com os votos contra do condómino E, proprietário das Fracções “P”, “AH” e “AI” (permilagem de 74/ºº) e a abstenção do condómino LF, proprietário da Fracção “K” (permilagem de 30/ºº) a proposta de Orçamento para o ano de 2008. Ora, da referida proposta de Orçamento não consta qualquer “quota administrativa”, pelo que não podemos considerar que a mesma tenha sido aprovada, ainda que tacitamente. Mesmo que tivesse sido aprovada por constar na proposta de Orçamento para 2008, o que não aconteceu, sempre esta deliberação seria inválida.
No caso concreto, não constava da Ordem de Trabalhos que a assembleia de condóminos iria aprovar o Orçamento para 2008, o qual fixou a quota de condomínio do Demandante em € 35,51 (trinta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos). Tal significa que a deliberação que aprovou a proposta de Orçamento para 2008 é inválida. “I – Desde que, na convocatória para uma assembleia de condóminos, não se faça constar que se vai tratar da fixação da comparticipação dos condóminos nas despesas – as quotas de condomínio –, é inválida a deliberação sobre tal matéria. II – Só não o seria, se todos os condóminos tivessem comparecido e concordassem que se deliberasse sobre tal assunto. III – A invalidade de uma deliberação não acarreta invalidade de tudo o mais que, então, se tenha deliberado” – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 19/12/1991, Col. Jur. XVI, 5, 142.
Ou seja, mesmo que constasse da proposta de Orçamento para 2008 uma rubrica “quota administrativa” e que a referida proposta fosse aprovada em assembleia de condóminos, o facto de esta deliberação não constar na Ordem de Trabalhos, fazia com que a mesma fosse inválida e, consequentemente, anulável. Situação que seria ultrapassável se estivessem presentes todos os condóminos, o que não se verificou.
Não pode este Tribunal deixar de referir que um Orçamento, ou a sua proposta, sempre deverá ser um documento claro, que não deixa quaisquer dúvidas de interpretação aos condóminos que o irão aprovar. Da leitura atenta da 2ª página do mesmo (cálculo orçamento 2ª Fase) resulta claro que as despesas são apenas repartidas por uma permilagem de 972 (ao invés de 1000), não estando incluída a Fracção “A”, correspondente à Cave, que detém uma permilagem de 28/ºº. Quanto à explicação avançada pela Demandada quanto à razão de ser desta “quota administrativa”, que seria fazer face a despesas relacionadas com o papel, as fotocópias, as cartas, os selos, etc., no fundo despesas/encargos administrativos, não entende o Tribunal porque razão as mesmas não estão incluídas na rubrica “Encargos Administração”, orçamentada em € 1.161,48 (mil cento e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos)!!!
Não pode ainda o Tribunal deixar de referir que a quantia de € 1.051,74 (mil e cinquenta e um euros e setenta e quatro cêntimos), respeitante a Fundo de Reserva (10%), a que também se chama Fundo Comum de Reserva, não corresponde à quantia de 10% referida. Ou seja, o financiamento deste fundo deve ser assegurado pelas contribuições dos condóminos e corresponder, pelos menos, a 10% da quota mensal estipulada. Assim, se as quotas anuais correspondem a uma receita de € 11.253,72 (onze mil duzentos e cinquenta e três euros e setenta e dois cêntimos), o Fundo de Reserva teria de ser, no mínimo, de € 1.125,37 (mil cento e vinte e cinco euros e trinta e sete cêntimos), que corresponderiam a 10% das receitas anuais de quotas de condomínio.
Por último, não conseguiu o Tribunal vislumbrar qual a fórmula em que a Demandada se baseou para chegar a uma quota de condomínio mensal relativa aos Demandantes de € 35,51 (trinta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), uma vez que o Orçamento se encontrava rasurado quanto aos Encargos Administrativos e quanto às Antenas.
Resulta, assim, claro que a “quota administrativa” criada pela Demandada é inválida, uma vez que a mesma não consta de qualquer acta de assembleia de condóminos, não consta do regulamento de condomínio aprovado na acta n.º 1 e também não consta da proposta de Orçamento de 2008, ainda que tacitamente. Desta forma, não pode a Demandada exigir aos Demandantes qualquer quantia referente a uma “quota administrativa”, por mais diminuta que a mesma seja, mas apenas e só, a quantia de € 35,51 (trinta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos) correspondente à quota mensal de condomínio. O facto de o Tribunal considerar que a deliberação da proposta de Orçamento de 2008 é inválida, não é relevante para os presentes autos, uma vez que a Demandante nada pediu quanto à mesma.

Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, em consequência, declaro que os Demandantes não devem à Demandada nenhuma “quota administrativa”, devendo, por isso mesmo, os Demandantes proceder ao pagamento mensal da quota de condomínio no valor de € 35,51 (trinta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos) e condeno a Demandada na devolução aos Demandantes do valor de € 8,65 (oito euros e sessenta e cinco euros) que estes pagaram a mais com as quotas dos meses de Março a Julho de 2008.

Custas: Declaro parte vencida a Demandada, a qual vai condenada no pagamento das custas do processo, no valor de € 70,00. A Demandada deverá efectuar o pagamento das custas em dívida, no valor de € 70,00 (setenta euros), num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8º e 10º da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro. Decorridos dez dias sobre o termo do prazo supra referido sem que se mostre efectuado o pagamento, será entregue certidão da liquidação da conta de custas ao Ministério Púbico, para efeitos executivos, no valor então em dívida, que será de € 135,00 (cento e trinta e cinco euros).
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida Portaria em relação aos Demandantes.
Esta sentença foi lida na presença de todos, considerando-se dela pessoalmente notificados.

04 dezembro 2024

Lei dos solos alterada para se construir casas em terrenos rústicos


O Governo aprovou no dia 28 de Novembro, em Conselho de Ministros um diploma que flexibiliza a lei dos solos. Trata-se de um regime excepcional que permite a construção e urbanização onde actualmente não é possível, nomeadamente em terrenos classificados como rústicos, mediante autorização dos órgãos municipais. Nos mesmos será construída habitação pública ou casas a “valores moderados”.

O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, anunciou, no final da reunião do Conselho de Ministros, que o Governo aprovou medidas para “cortar na burocracia”, nomeadamente através da criação de um “regime excepcional que permite, por decisão dos órgãos municipais, que seja possível construir, edificar, fazer urbanização onde hoje não é possível”.

De acordo com o Governo, 70% desta edificação tem de ser destinada à habitação pública ou a valores moderados, excluindo assim a habitação de luxo, escreve a Lusa.

António Leitão Amaro precisou que esta medida vai proteger os valores naturais mais sensíveis, onde se inclui a Rede Natura (áreas de conservação de habitats e espécies selvagens de risco), terrenos agrícolas de maior potencial e outras zonas de risco.

Segundo se lê no comunicado do Conselho de Ministros, o Decreto-Lei em causa, que promove uma alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), visando visar dar "resposta à crescente necessidade de habitação digna e acessível", segue agora "para audições da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e outras entidades".

"Pretende-se garantir um regime especial de reclassificação para solo urbano, cuja área maioritária deve obrigatoriamente ser afecta a habitação pública ou a habitação de valor moderado. O conceito de habitação de valor moderado, agora criado, procura abranger o acesso pela classe média, ponderando valores medianos dos mercados local e nacional para assegurar a realização de justiça social. Este regime excecional, aplicável por deliberação dos órgãos municipais, não abrange às áreas mais sensíveis do ponto de vista de riscos, de conservação da natureza e de elevado potencial agrícola", lê-se na nota.

Arquitectos elogiam decisão

Citado pela Lusa, o presidente da Ordem dos Arquitectos (OA), Avelino Oliveira, mostrou-se agradado com a decisão anunciada pelo Executivo, que incorpora algumas das sugestões que a entidade foi dando.

“Parece-nos, com as cautelas devidas que mexer na lei dos solos implica, que [o diploma] vai ao encontro de algumas das pretensões. Depois temos um trabalho de coordenação entre o Ministério das Infraestruturas e o Ministério da Coesão Territorial interessante”, disse.

Segundo Avelino Oliveira, "quer através dos executivos municipais quer através das assembleias municipais, a proximidade que esses órgãos têm do controlo sobre os territórios é maior e positiva, pois também dá ferramentas aos municípios para desenharem e definirem o seu próprio território".