Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

22 agosto 2024

O artigo 1346º do CC


O artigo 1346º do Código Civil tem especialmente em vista as emissões de agentes físicos, com caracter de continuidade ou, pelo menos de periocidade, que tenham a sua fonte em determinado prédio e perturbem a utilização normal do prédio contíguo.

Sentido que está conforme com a fonte do art. 1346º do CC, precisamente o parágrafo 906 do código alemão que dispõe "o proprietário de um prédio não pode proibir a emissão de gazes, vapores, fuligem, calores, ruído, trepidação e análogas intervenções derivadas de outro prédio, na medida em que a intervenção não prejudica a utilização do seu prédio ou só a prejudica de modo não essencial..." (tradução de Vaz Serra, na Rev. Leg., pág. 376).

Daqui que Antunes Varela refira que o artigo 1346º tem especialmente em vista as emissões de agentes físicos, com carácter de continuidade ou, pelo menos, periodicidade, que tenham a sua fonte em determinado prédio e perturbem a utilização normal do prédio contíguo (Rev. Leg., pág. 74).

Antunes Varela dá tal interpretação apoiando-se em Enneccenes - Wolff, Tratado de Derecho Civil, trad. espanhola, volume III, 1, parágrafo 53, páginas 314 e seguintes, sendo certo que o sentido dado por Martin Wolff ao parágrafo 906 corresponde à interpretação que se dá ao artigo 1346, pois diz:

"I. Em certos casos permite-se a produção de gazes, vapores, cheiros, resíduos... que procede de uma coisa e se propaga a outrém (os chamados imponderáveis).
"II. a penetração dos imponderáveis noutra coisa permite-se só numa medida limitada.

Contudo, entre nós, dada a tensão entre dois direitos de propriedade conflituantes que este regime identifica e pretende resolver, não é afirmada uma solução absoluta em favor de qualquer deles. Antes se impõem soluções relativas, em razão dos concretos elementos em conflito, de cada um desses direitos.

Nos termos do art. 1346º do CC, o proprietário de um prédio só tem o direito de proibir outro, de um prédio vizinho, de praticar actos de que resultem emissões de fumos ou fuligem que atinjam aquele seu prédio se dessas emissões advier “um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”.

A existência de danos, tanto patrimoniais como não patrimoniais, é questão de facto. No entanto, saber se a indemnização fixada pelos danos é não só devida, mas também exagerada, envolve questão de direito.Os danos não patrimoniais são compensáveis quando a sua gravidade o justifique, dependendo a medida da sua satisfação da apreciação das circunstâncias do caso concreto.

Segundo a doutrina da causalidade adequada, para que um facto seja causa de um dano, é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado; e, depois, que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do dano.

No plano naturalístico, o nexo de causalidade constitui matéria de facto; no plano geral ou abstracto, matéria de direito. A condição deixa de ser causa adequada do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias.

Por via do regime prescrito pelos arts. 1346º e 1347º do CC, a limitação do direito de propriedade de alguém sobre o seu prédio, através da inibição de actos a praticar no local ou da construção de instalações cujo destino compreende o risco de agressão do direito de propriedade de outrem sobre o seu próprio prédio, justifica-se na ponderação e na prevalência deste último. Em suma, proíbe-se o exercício do direito de propriedade sobre um prédio em modalidades que provoquem ou comportem o risco de provocar determinados prejuízos para o exercício, por outrem, do seu próprio direito de propriedade sobre um seu prédio.

Diz a primeira destas normas: "O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam."

Por sua vez, aquele art. 1347º (Instalações prejudiciais), dispõe:

"1. O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei.
2. Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para a construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o prejuízo se torne efectivo. (...)."

É consabida a ratio legis destas disposições legais: a limitação do direito de propriedade de alguém sobre o seu prédio, através da inibição de actos a praticar no local ou da construção ou manutenção de instalações cujo destino compreende o risco de agressão do direito de propriedade de outrem sobre o seu próprio prédio, justifica-se na ponderação e na prevalência do conteúdo deste último. Em suma, proíbe-se o exercício do direito de propriedade sobre um prédio em modalidades que provoquem ou comportem o risco de provocar determinados prejuízos para o exercício, por outrem, do seu próprio direito de propriedade sobre um seu prédio.

Dada a tensão entre dois direitos de propriedade conflituantes que este regime identifica e pretende resolver, não é afirmada uma solução absoluta em favor de qualquer deles. Antes se impõem soluções relativas, em razão dos concretos elementos em conflito, de cada um desses direitos.

Assim, nos termos do art. 1346º do CC, o proprietário de um prédio tem o direito de proibir outro, de um prédio vizinho, de praticar actos de que resultem emissões de fumos ou fuligem (hipóteses que aqui exclusivamente nos interessam) que atinjam aquele seu prédio. Mas esse direito não é absoluto. Na medida em que isso limita o direito de propriedade do vizinho, esse direito só lhe é conferido se dessas emissões advier “um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.”

Tem havido discussão sobre se tais requisitos são cumulativos ou alternativos. Menezes Cordeiro (Direitos Reais, 1979) defende a necessidade da sua verificação simultânea. Oliveira Ascensão (Reais, 1983) pronuncia-se no sentido da sua alternatividade, à semelhança de alguma jurisprudência (Ac. do TRC de 11-09-2012, proc nº 24/08.0TBMGL, em dgsi.pt).

20 agosto 2024

DL nº 59/2021, de 14 de julho


Estabelece o regime aplicável à disponibilização e divulgação de linhas telefónicas para contacto do consumidor


Artigo 1.º
Objeto

O presente decreto-lei procede:

a) À aprovação do regime de disponibilização e divulgação de linhas telefónicas para contacto do consumidor;

b) À segunda alteração à Lei nº 7/2020, de 10 de abril, alterada pela Lei nº 18/2020, de 29 de maio, que estabelece regimes excecionais e temporários de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

Artigo 2.º
Âmbito

1 - O presente decreto-lei aplica-se às linhas telefónicas para contacto do consumidor disponibilizadas por fornecedores de bens ou prestadores de serviços e por entidades prestadoras de serviços públicos essenciais.

2 - O disposto nos artigos seguintes não prejudica a aplicação do Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de junho, na sua redação atual, em tudo o que não contrarie o presente decreto-lei.

Artigo 3.º
Dever de informação

1 - Qualquer entidade que, ao abrigo do presente decreto-lei, disponibilize linhas telefónicas para contacto do consumidor deve divulgar, de forma clara e visível, nas suas comunicações comerciais, na página principal do seu sítio na Internet, nas faturas, nas comunicações escritas com o consumidor e nos contratos com este celebrados, quando os mesmos assumam a forma escrita, o número ou números telefónicos disponibilizados, aos quais deve ser associada, de forma igualmente clara e visível, informação atualizada relativa ao preço das chamadas.

2 - A informação relativa aos números e ao preço das chamadas, a que se refere o número anterior, deve ser disponibilizada começando pelas linhas gratuitas e pelas linhas geográficas ou móveis, apresentando de seguida, se for o caso, em ordem crescente de preço, o número e o preço das chamadas para as demais linhas.

3 - Quando, para efeitos do disposto nos números anteriores, não seja possível apresentar um preço único para a chamada, pelo facto de o mesmo ser variável em função da rede de origem e da rede de destino, deve, em alternativa, ser prestada a seguinte informação, consoante o caso:

a) «Chamada para a rede fixa nacional»;

b) «Chamada para rede móvel nacional».

Artigo 4.º
Linhas telefónicas do fornecedor de bens ou do prestador de serviços

1 - O custo, para o consumidor, das chamadas efetuadas para as linhas telefónicas disponibilizadas pelo fornecedor de bens ou pelo prestador de serviços, para contacto daquele, no âmbito de uma relação jurídica de consumo, não pode ser superior ao valor da sua tarifa de base.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, por «tarifa de base» entende-se o custo de uma comunicação telefónica comum que o consumidor espera suportar de acordo com o respetivo tarifário de telecomunicações.

3 - Para cumprimento do disposto nos números anteriores, o fornecedor de bens ou o prestador de serviços está obrigado a disponibilizar ao consumidor uma linha telefónica gratuita ou, em alternativa, uma linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.

4 - Para efeitos do disposto no n.º 1:

a) Considera-se contacto telefónico no âmbito da relação de consumo o contacto telefónico promovido por um consumidor com um fornecedor de bens ou um prestador de serviços;

b) Não se consideram contactos telefónicos no âmbito da relação de consumo as chamadas telefónicas que constituem uma prestação de serviço autónoma, que não esteja relacionada com o fornecimento de qualquer bem ou a prestação de qualquer serviço prévios ao consumidor, designadamente as chamadas de telemedicina e de televoto e as destinadas a campanhas de angariação de fundos.

5 - Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, não podem ser cobrados ao consumidor, simultaneamente, o preço da chamada e um preço adicional pelo serviço prestado, devendo o consumidor pagar um preço único pela chamada efetuada.

Artigo 5.º
Linhas telefónicas de entidade prestadora de serviços públicos essenciais

1 - A entidade prestadora de serviços públicos essenciais é obrigada a disponibilizar ao consumidor uma linha para contacto telefónico, a qual deve ser uma linha gratuita para o consumidor ou, em alternativa, uma linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se «entidade prestadora de serviços públicos essenciais» a empresa que preste serviços públicos essenciais, designadamente serviços de fornecimento de água, energia elétrica, gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados, comunicações eletrónicas, serviços postais, recolha e tratamento de águas residuais, gestão de resíduos sólidos urbanos e transporte de passageiros, bem como outros serviços que venham a ser qualificados como tal no âmbito da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, na sua redação atual.

Artigo 6.º
Linha telefónica adicional

Sempre que, para além da linha telefónica gratuita ou da linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel, a que se referem o n.º 3 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo anterior, seja disponibilizada uma linha telefónica adicional, o fornecedor de bens ou o prestador de serviços e a entidade prestadora de serviços públicos essenciais não podem prestar, nesta linha adicional, um serviço manifestamente mais eficiente ou mais célere ou com melhores condições do que aquele que prestam através da linha telefónica gratuita ou da linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.

Artigo 7.º
Proibição de cobrança prévia de outros montantes

O fornecedor de bens ou o prestador de serviços e a entidade prestadora de serviços públicos essenciais que estejam obrigados a disponibilizar uma linha telefónica gratuita ou uma linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel, a que se referem o n.º 3 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 5.º, estão impedidos de cobrar, previamente, ao consumidor qualquer montante diverso do permitido, sob a condição de lhe ser devolvido no final da chamada.

Artigo 8.º
Contraordenações

1 - Constitui contraordenação económica grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, a violação do disposto no artigo 3.º

2 - Constitui contraordenação económica muito grave, punível nos termos do RJCE, a violação do disposto nos n.os 1, 3 e 5 do artigo 4.º, no n.º 1 do artigo 5.º e nos artigos 6.º e 7.º

3 - A negligência e a tentativa são puníveis nos termos do RJCE.

4 - O produto das coimas aplicadas pela prática das contraordenações económicas previstas no n.º 1 é repartido nos termos do RJCE.

5 - A fiscalização do cumprimento do disposto na presente lei, bem como a instrução dos respetivos processos de contraordenação e a aplicação de sanções, competem à autoridade administrativa reguladora do setor no qual ocorra a infração ou, na falta de entidade setorialmente competente, à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.

Artigo 9.º
Alteração à Lei n.º 7/2020, de 10 de abril

O artigo 9.º da Lei n.º 7/2020, de 10 de abril, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 9.º
[...]

1 - As entidades públicas estão impossibilitadas de disponibilizar:

a) [...]

b) [...]

2 - Todas as entidades públicas que disponibilizam linhas telefónicas com números especiais, com os prefixos «808» e «30», devem proceder à criação de uma alternativa de números telefónicos com o prefixo «2», no prazo máximo de 90 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei.

3 - São abrangidas pelo presente artigo as entidades que estejam integradas na Administração Pública central, regional ou local e as empresas concessionárias da Administração Pública central, regional ou local.

4 - [...]»

Artigo 10.º
Norma revogatória

É revogado o artigo 9.º-D da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, e pelas Leis n.os 10/2013, de 28 de janeiro, 47/2014, de 28 de julho, e 63/2019, de 16 de agosto.

Artigo 11.º
Entrada em vigor e produção de efeitos

1 - O presente decreto-lei entra em vigor a 1 de novembro de 2021.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o artigo 8.º apenas produz efeitos a partir de 1 de junho de 2022.