Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

11 abril 2025

Cobrança extra-judicial de dividas

Pese embora o administrador do condomínio tenha à sua disposição um conjunto de meios judiciais para coagir os condóminos devedores a cumprir com as prestações a que se encontram adstritos, estes procedimentos podem ser demorados e dispendiosos, pelo que, pode aquele recorrer à cobrança extra-judicial da dívida, para a qual são competentes advogados e solicitadores, no sentido de contactar formalmente o devedor, interpelando-o ao cumprimento e, caso se justifique, propondo a celebração de um acordo de pagamento que seja favorável a ambas as partes. ​

Não obstante este primeiro expediente, o administrador tem à sua disposição um conjunto de meios tendentes à coerção dos condóminos devedores para cumprirem com as prestações a que estão adstritos. Nesta tessitura, pode aquele recorrer ao processo judicial de execução em que ocorrem as diligências para a penhora de rendimentos e bens dos devedores, necessários para cobrir as importâncias devidas e das custas do processo. No caso da penhora de bens, segue-se a venda executiva dos mesmos com a entrega do produto ao credor, que vê, assim, satisfeito o seu crédito.

No entanto, e como é consabido, os processos judiciais, caraterizam-se por serem excessivamente demorados e consideravelmente dispendiosos, pelo que, o administrador do condomínio pode e deve tentar a cobrança extra-.judicial, porquanto é do interesse do devedor optar pela via menos dispendiosa.

Neste concreto, a negociação tendente à cobrança de créditos é um acto próprio dos advogados e dos solicitadores com inscrição em vigor, sublinhe-se, sob pena de incorrerem num crime de procuradoria ilícita, porquanto tal prática está vedada aos demais representantes legais, empregados, funcionários ou agentes de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, salvo se a cobrança de dívidas constituir a actividade principal destas pessoas.

Assim, será da competência dos advogados ou solicitadores, caso tal seja no maior interesse do administrador, proceder às diligências para efectivar a cobrança extrajudicial de créditos, antes de avançar com uma acção executiva para Tribunal que, desde logo, se pode demonstrar infructífera por inexistência de bens do devedor para executar. Atente-se que para averiguar da real possibilidade de recuperação de créditos no âmbito de uma acção executiva, será, também, possível o recurso ao PEPEX.

Em regra, antes de se recorrer a um procedimento judicial, o normal é enviar-se uma carta de interpelação aos condóminos devedores, concedendo-lhes um prazo tido por razoável (por exemplo, 15 dias) para procederem ao pagamento, sendo também expressamente advertindos das consequências em que podem incorrer por não o fazer, nomeadamente pelo recurso à acção executiva. Pese embora não exista uma regra estabelecida quanto à forma de envio da carta, no entanto, o mais avisado será optar-se pelo envio por correio registado com aviso de recepção.

Importa ressalvar que este procedimento de envio de uma carta de interpelação não é obrigatório, pois até pode não ser um meio favorável à satisfação do interesse do administrador. Pense-se nos casos em que os condóminos devedores possam estar a proceder à dissipação dos seus bens, onde será quase indispensável recorrer ao processo de execução, requerendo a dispensa de citação prévia (antes da penhora) dos mesmos.

Após o envio desta carta de interpelação, pode acontecer uma de três situações:
  • os condóminos devedor pagam voluntariamente, o que será o resultado ideal;
  •  não respondem, tornando-se inevitável o recurso à cobrança judicial;
  • respondem propondo um acordo de pagamento.
Nesta última hipótese, em regra, inicia-se uma fase de negociações entre o devedor e o administrador, por e-mail ou telefone, para se chegar a um compromisso favorável a ambas as partes, de modo a que os condóminos devedores possam quitar as dividas em prestações.

Finalmente, atente-se que, no caso de celebração de um acordo de pagamento, será do interesse do administrador elaborar um documento que tenha a força de título executivo, pelo que não basta a confissão de dívida constante de documento particular com a simples assinatura do devedor, sendo portanto exigida a confissão de dívida constante de documento autêntico ou autenticado.

Carta de interpelação

Antes de se avançar para uma acção em tribunal, será, em regra, prudente procurar uma resolução amigável do litígio, ou seja, tentar resolver a questão ainda num momento extrajudicial, oferecendo ao devedor oportunidades de quitação da dívida por parcelamento ou pagamento integral.

A carta de interpelação será, no fundo, um documento enviado, pelo credor, ao devedor concedendo-lhe determinado prazo (o mais comum são 10 dias, mas pode variar) para proceder ao cumprimento da prestação devida, seja o pagamento de uma quantia ou a entrega de uma coisa.

Ainda, no final da carta, o devedor deve ser advertido das consequências que podem advir da não colaboração com o credor, isto é, do não pagamento da dívida nesta fase de tentativa de resolução amigável, nomeadamente o recurso à via judicial para a resolução do litígio e a consequente obtenção do crédito, ou seja, a interposição de uma ação executiva, no âmbito da qual se realizam diligências de penhora e venda executiva dos bens do devedor.

Quanto ao envio desta carta de interpelação, não há uma regra fixa, mas será sempre mais seguro enviar por correio registado com aviso de receção.

A resolução de litígios por via extrajudicial é uma questão particularmente sensível, pelo que se deve analisar a sua utilidade caso a caso. Ora, é possível que, sendo “avisado” por esta via, o devedor se apresse a dissipar os bens que possui, arriscando-se que o credor nada receba; nestes casos, o envio de uma carta de interpelação não será a via adequada de resolução.

Acordo de pagamento

Após a receção da carta de interpelação enviada pelo credor a conceder um prazo para o cumprimento da prestação devida, o devedor pode assumir uma de três posições:
  • Pode, desde logo, cumprir com a prestação devida, procedendo ao pagamento integral da quantia em dívida;
  • Pode manter-se em silêncio, não respondendo à comunicação efetuada pelo credor;
  • Pode, ainda, propor um acordo de pagamento faseado.
Na elaboração do acordo de pagamento, é necessário que sejam feitas cedências de ambas as partes. Na realidade, a resolução do litígio de forma amigável, através da celebração de um acordo de pagamento extrajudicial, é uma situação favorável:
  • Para o credor, existindo a vantagem de começar a ver a prestação a ser cumprida, ainda que de forma faseada, através de um plano de prestações;
  • Para o devedor, que tem a possibilidade de pagar a sua dívida em prestações, sendo, possivelmente, reduzidos os juros ou até parte da dívida perdoada.
  • Não é habitual que o credor reduza ao capital devido, mas já é muito frequente a cedência em relação aos juros, ainda que parcialmente, ficando a cláusula de renúncia a juros sujeita à condição do pagamento pontual das prestações acordadas.
Antes de 2013, este acordo de pagamento (enquanto documento particular), incluindo-se uma cláusula em que o devedor reconhecesse a existência da dívida, valia como título executivo, necessário para interpor uma ação executiva, enquanto meio destinado à cobrança judicial de um crédito.

Pelo contrário, atualmente, o acordo de pagamento em si mesmo não tem força executiva. De todo o modo, continua a ser possível dar a este acordo a natureza de documento autenticado, sendo-lhe aposto termo de autenticação por notário ou advogado em que se declara que o documento corresponde à vontade das partes. E, ainda que não tenha força executiva, será sempre um documento que pode ser apreciado pelo tribunal, dificultando a defesa do devedor, não devendo ser descurada a sua utilidade e viabilidade.

Título executivo

O título executivo é uma condição necessária à interposição de uma ação executiva, meio destinado à cobrança judicial de um crédito, tendo que acompanhar o requerimento executivo.

Este título executivo funciona como um documento que faz prova legal da existência do direito do credor, do crédito que este pretende executar. Assim, havendo título executivo, um documento que serve de base à execução, o direito do credor já está definido, não é necessária a interposição de uma injunção ou ação declarativa.

Ainda, é o título executivo que determina o fim e os limites exatos da dívida que se pretende cobrar, não podendo ser cobrado um valor superior ao que consta do título.

Apesar de constar sempre de um documento, o títulos executivo pode ter natureza distinta, podendo tratar-se de:
  • Títulos judiciais, como a sentença condenatória proferida em prévia ação declarativa, acórdão condenatório, despacho condenatório ou sentença homologatória de transação ou confissão de pedido;
  • Títulos negociais, como os títulos de crédito (letra, livrança ou cheque) ou documentos exarados ou autenticados por notário ou entidade equiparada, nomeadamente o advogado;
  • Títulos judiciais impróprios, como o requerimento de injunção em relação ao qual não exista oposição à injunção;
  • Títulos particulares, resultantes de certos documentos particulares a que se atribui força específica, como a ata de deliberação de assembleia de condóminos que determina o montante das contribuições devidas ao condomínio;
  • Títulos administrativos, resultantes de atividade administrativa, como títulos de cobrança de tributos, coimas, dívidas determinadas por ato administrativo, reembolsos ou reposições e outras receitas do Estado.
Acto próprio dos advogados e solicitadores

A Lei n.º 49/2014, de 24 de agosto, define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados e dos solicitadores. Atente-se que apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados (OA) e os solicitadores inscritos na Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE)  podem praticar os atos próprios dos advogados e dos solicitadores.

Assim, são actos próprios dos advogados e solicitadores:
  • O exercício do mandato forense, isto é, o mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais judiciais, os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;
  • A consulta jurídica, que consiste na actividade de aconselhamento jurídico que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas mediante solicitação de terceiro;
  • A elaboração de contratos e a prática de actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;
  • A negociação tendente à cobrança de créditos;
  • O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários.
Há, todavia, uma excepção a este regime, relacionada com a negociação tendente à cobrança de créditos, nos casos em que a cobrança de dívidas constitua o objecto ou actividade principal de determinada pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, existindo diversas empresas de cobranças de dívidas e recuperação de créditos.

10 abril 2025

Aprovação do regulamento do condomínio

No que concerne à função do regulamento do condomínio, resulta do disposto no artº 1429-A, nº 1, do CC, que o mesmo visa disciplinar o uso, a fruição e conservação das partes comuns. Todavia, a experiência contemporânea da realidade da vida, diz-nos que - com o desiderato de permitir ou proporcionar uma melhor coabitação entre todos condóminos e, assim, eliminar ou reduzir as principais fontes potenciadoras de riscos susceptíveis de contaminarem aquela sã convivência condominial -, na prática esses regulamentos ultrapassem a mera gestão das partes comuns, chegando ao ponto de interferirem com a gestão com das partes privadas, especialmente em termos de restrições de actos comportamentais nelas praticadas.

Num esforço visando caracterizar a figura do contrato, o prof. A. Varela - depois de afirmar que “as vontades que integram o acordo negocial contratual, embora concordantes ou ajustáveis entre si, têm que ser opostas, animadas de sinal contrário” – escreve que “quando as declarações de vontade se fundem não para formar um acordo sobre interesses contrapostos, mas para apurar, por sufrágio, a vontade de um órgão colegial, também não há contrato, mas deliberação. Enquanto o contrato só vincula quem o aceitou, a deliberação pode impor-se a quem votar contra ela ou a quem não participar sequer na sua formação (in “Direito das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª ed., Almedina, pág. 206”).

Assim, os regulamentos de condomínio, aprovados pelas assembleias gerais (pois é esse o caso que aqui nos interessa), enquanto expressão de autonomia privada na definição concreta do estatuto do direito real de propriedade horizontal, não mais são senão do que deliberações normativas ou regulamentares, corporizando em si um conjunto de regras gerais e abstractas, e que se destinam a disciplinar no futuro a acção dos condóminos no gozo e administração do prédio constituído em propriedade horizontal, vinculando todos os condóminos independentemente de terem ou não participado na sua formação e de o terem ou não votado (cfr., entre outros, e para maior desenvolvimento, Sandra Passinhas, in “Ob. cit. págs. 81/82”).

Muito embora não tenha a natureza contratual, é hoje prevalecente o entendimento que as regras deliberativas que compõem o Regulamento de um Condómino têm eficácia propter rem, vinculando todos aqueles que se encontram integrados na organização condominial, ou seja, tais regras criam verdadeiras obrigações propter rem para todos os condóminos e às quais estes ficam vinculados, não por via de um verdadeiro contrato mas por serem titulares de um direito real integrado no estatuto do direito real da propriedade horizontal (vide, a propósito, além de Sandra Passinhas, in “Ob. cit. págs. 81/82”, M. Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais, págs. 102 e 103” e in “Rev. Dtº. Est. Sociais, 1979, pág. 197”; Armindo Ribeiro Mendes, in “ROA, 1970, Ano 30, pág. 69”; Ac. da RLx de 8/5/2008, proc. 1824/08, disponível em www.dgsi.pt/jtrl” e Ac. do STJ. de 9/4/2004, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XI, T1, pág. 115”).

Resta dizer, que o estatuto da propriedade horizontal é, como resulta do que atrás se deixou, exarado, fixado pela lei (art. 1414º e ss do CC, onde se prevê um conjunto de normas imperativas que não podem ser derrogadas pelo regulamento), pelo título constitutivo e/ou pelo regulamento do condomínio.