Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

25 novembro 2024

ACTRP 18/04/24: Cláusula abusiva contrato administração


Tribunal: TRP
Processo nº: 997/22.0T8VLG.P1
Relatora: Francisca Mota Vieira
Data: 18-04-2024

Descritores:
  • Contrato de administração de condomínio
  • Revogação
  • Cláusula penitencial
Sumário:

I - O interesse do mandatário que releva para afastar a livre revogabilidade do mandato é independente de o mandato ser ou não retribuído.
II - O referido interesse, seja do mandatário, seja do terceiro, tem que estar integrado numa relação jurídica vinculativa, nos termos da qual o mandante lhes tenha prometido uma prestação, visando precisamente o mandato prosseguir o direito correspondente (tipicamente, um direito subjetivo).
III - Não estando verificada uma situação em que o mandatário seja titular de um interesse integrado numa relação jurídica vinculativa, nos termos da qual o mandante lhes tenha prometido uma prestação, visando precisamente o mandato prosseguir o direito correspondente (tipicamente, um direito subjetivo), o mandato não foi conferido no interesse de ambos os outorgantes e, por isso, existindo uma denúncia-revogação por parte do mandante, este não está obrigado a indemnizar o mandatário considerando o disposto na alínea c), do artº 1172º, do CC.
IV - A cláusula inserida num denominado “ Contrato de Prestação de Serviços de Administração Condomínio” que estabelece que,” sem prejuízo da invocação da resolução do contrato, a mesma importará para a parte que a invocar a obrigação de indemnizar a outra parte com o seguinte o valor de 22.000,00 €, “independente do facto de se tratar de um inadimplemento contratual e, portanto, de um facto ilícito, estatuída pelas partes abstraindo de eventuais danos decorrentes do incumprimento do contrato pela contra-parte e independentemente da (in)existência e do montante de tais danos, tem a natureza de cláusula penitencial, porquanto, na prática, visa apenas compelir a parte ao cumprimento integral do contrato, impedindo-a, na prática, de exercer o direito de resolver o contrato.
V - E uma cláusula desta natureza não é autorizada pela lei, porquanto, existem limites inultrapassáveis no exercício da autonomia privada, prevista no art 405º do CC, sendo que uma cláusula com esta redacção visa dificultar-obstar que a parte que se sente lesada durante a execução do contrato exercite o livre direito de resolução do contrato por incumprimento, o qual, está abrangido pelos direitos protegidos no artigo 809º do CC que tendo natureza injuntiva consagra o princípio geral de proibição da renúncia antecipada de direitos pelo credor.
VI - Essa cláusula traduz um condicionamento intolerável do direito do credor à livre resolução do contrato por incumprimento, visando anular a natureza vinculativa da obrigação, traduzindo, por isso, uma ofensa intolerável a um direito dos direitos protegidos pelo artigo 809º do CC.
VII - Assim, por considerar que as razões que determinaram a consagração da sanção da nulidade para as cláusulas de renúncia antecipada de direitos pelo credor estão verificadas relativamente à cláusula em apreço, ponderando que a lei destitui de eficácia jurídica essas cláusulas, impõe-se o afastamento dessa cláusula por ser violadora dos direitos protegidos pelo artigo 809º do CC.
VIII - Essa cláusula é nula, por contender com valores fundamentais do direito defendidos pela ordem pública nos termos do artigo 281º do CC, estando destituída por isso de eficácia jurídica.

Texto integral: vide aqui

21 novembro 2024

ACSTJ 12/6/07: CPCV - Traditio - Posse - Animus - Usucapião



Contrato-promessa de compra e venda
Tradição da coisa
Posse
Corpus Animus possidendi
Usucapião

I -Após as alterações legislativas introduzidas pelos DL n.º 236/80, de 18-07, e 379/86, de 11-11, passou a admitir-se que, enquanto o contrato-promessa não for denunciado ou resolvido, por motivo imputável ao promitente-comprador, pode haver posse deste e direito à correspondente defesa dos seus direitos.

II - Em regra, o promitente-comprador exercerá sobre o bem um direito pessoal de gozo, semelhante ao do comodatário, mas que não lhe confere a realidade da posse, nem mereceu ainda equiparação legal.

III - Porém, pode efectivamente haver posse do promitente-adquirente, o que sucederá quando, obtido o corpus pela tradição, a coberto da pressuposição de cumprimento do contrato definitivo e na expectativa fundada de que tal se verifique, pratica actos de posse com o animus de estar a exercer o correspondente direito de proprietário em seu próprio nome, ou seja, intervindo sobre a coisa como se sua fosse.

IV - Não é o facto de ter existido traditio que nos permite sustentar dogmaticamente que se configura verdadeira posse e não mera posse precária. Hão-de ser o acordo de tradição e as circunstâncias relativas ao elemento subjectivo a determinar a qualificação da detenção.

V - A consciência do possuidor de que não é titular do correspondente direito não afecta quer o corpus, quer o animus, quer a boa fé.

VI - Investido na posse por traditio do anterior possuidor e titular do direito, o accipiens, ao adquiri-la, ignorava a possibilidade de estar a lesar o direito de outrem.

VII - Dos factos provados importa reter a actuação pública do R. (promitente-comprador) que produziu grandes benfeitorias no prédio, pagou 1/3 do preço e se não celebrou ainda o contrato prometido tal se deve, em primeira linha, aos AA. que não procederam ao destacamento do prédio prometido vender, o que lhes competia, e se mantiveram numa atitude de passividade quanto à celebração da venda, aos longo dos mais de 15 anos que mediaram entre a data do contrato-promessa e a citação do réu na presente acção.

VIII - De todo este circunstancialismo entendemos poder concluir-se, como se entendeu no acórdão recorrido pela ilisão da presunção estabelecida na segunda parte do n.º 2 do art. 1260.º do CC.

IX - Caracterizando-se de boa fé a posse do réu, verificam-se os requisitos para a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre o prédio identificado nos autos (art. 1296.º do CC), procedendo o pedido reconvencional.

Revista n.º 1325/07 - 1.ª Secção Paulo Sá (Relator) Faria Antunes Sebastião Póvoas