Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

01 agosto 2024

Destaque de parcela onde existe construção antiga


Parecer jurídico

Data: segunda, 03 setembro 2001
Número: 227/01
Responsáveis: MMTB

Em resposta ao solicitado por V. Exª ao abrigo do ofício nº 4526, de 29/08/2001 e reportando-nos ao assunto identificado em epígrafe cumpre-nos informar o seguinte:

O artigo 5º do DL 448/91, quer no nº1, quer no nº2 (ou seja, quer o terreno se situe ou não em aglomerado urbano ou área urbana) exige para a operação de destaque, com a consequente dispensa de licenciamento da operação de loteamento, o cumprimento cumulativo das condições nele prescritas, entre as quais a existência prévia ou simultânea de projecto de construção aprovado pela Câmara Municipal, nos termos do DL 445/91, de 20 de Novembro. 

Ora, é nosso entendimento que o facto de existir um edifício já construído na parcela a destacar não obsta à realização da operação de destaque pretendida, desde que tal construção tenha sido legalmente realizada, isto é, tenha sido sujeita a licenciamento municipal se à data da construção tal licenciamento fosse exigível por lei, sabendo-se que tal exigência constava já do artigo 1º do RGEU. 

Esta matéria foi aliás discutida na reunião de coordenação jurídica entre as CCR’s/DGAL de Outubro de 92, realizada ao abrigo do despacho nº 13/87, do Secretário de Estado da Administração Local e ordenamento do Território (DR, II Série nº 95 de 24/4/87), tendo sido aprovadas por unanimidade as seguintes conclusões:

A existência de edifícios já construídos e devidamente licenciados na parcela de um determinado prédio que apresente as características necessárias para a aplicação do regime de destaque não devem afastar este. 

Nestes casos, por força das licenças emitidas, será de partir da premissa de que a correcta infra-estruturação do terreno já se encontra efectuada e a edificação já construída apresenta-se de acordo com as características legalmente exigidas. 

Reforça-se contudo que se encontram legalmente edificados não só as construções licenciadas como aquelas que foram realizadas anteriormente à existência de legislação que obrigasse ao seu licenciamento.

Assim, se à data da construção do edifício a legislação em vigor não exigia o respectivo licenciamento, é de considerar que o mesmo se encontra legalmente construído, não obstando à realização da operação de destaque a falta de projecto licenciado.

A Chefe de Divisão de Apoio jurídico (Drª Maria Margarida Teixeira Bento) HN/

Impugnação extra-judicial


Um condómino pode pedir a anulação das deliberações tomadas numa Assembleia Geral de Condóminos, ao abrigo do disposto no art. 1433º do CC, ainda que, no que concerne ao pedido de reapreciação da tomada de posição face a uma deliberação tomada e relativa ao ressarcimento do condomínio nas custas tidas com os processos judiciais intentados pelo condómino, sustente que as deliberações são nulas, por não respeitarem o disposto no art. 1424º, nº 1, do mesmo diploma.

A partir da entrada em vigor do DL nº 267/94, de 25.10, com o novo regime da propriedade horizontal, o art. 1433º do CC sofreu alterações (aditamentos dos actuais nºs 2, 3 e 4) destinadas a evitar o litígio judicial.

Assim, ficou consagrado nos nºs 2, 3 e 4 do citado preceito que:

«2. No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3. No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4. O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.»

Estes normativos introduziram uma nova ferramenta para reconsideração das deliberações da assembleia de condóminos, sendo que, através deste mecanismo, uma assembleia extraordinária fará o crivo dos conflitos ou das ilegalidades anteriormente aprovadas.

A intenção do legislador foi, fundamentalmente, a de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou parajudiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº 1 do art. 1433º do CC.

Neste sentido, Aragão Seia escreveu que com tal alteração se pretendeu obstar ao recurso a tribunal, evitando o inconveniente de criar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão (obra citada, pp. 185-186).

Qualquer condómino que não esteve presente na assembleia ou votou contra a deliberação tem o direito de impugnar as deliberações da reunião, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 1433º do CC.

Estes condóminos podem exigir ao administrador que convoque uma assembleia extraordinária para revogar as deliberações ineficazes ou inválidas, no prazo de 10 dias sobre a deliberação e, para os condóminos ausentes, no prazo de 10 dias após a sua comunicação (cfr. art. 1433º, nº 2, do CC).

O administrador tem a obrigação de convocar uma assembleia extraordinária, a realizar no prazo de 20 dias, para anulação das deliberações inválidas ou ineficazes (cfr. art. 1433º, nº 2, in fine, do CC).

Atentemos num exemplo meramente académico:

O condómino (por si ou através de seu mandatário) enviou à Administração do Condomínio uma carta registada com A/R, datada de 29 de Agosto de 2019, em que deduziu impugnação quanto às deliberações tornadas na Assembleia Geral Extraordinária de 31 de Julho de 2019, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1433º, nº 1 e nº 2, do CC, por enfermarem das mesmas invalidades que já tinham sido aduzidas pelo condómino em relação à Assembleia Geral Ordinária de 20 de Março de 2019. Solicitou a convocatória de uma nova assembleia geral extraordinária, para a revogação das deliberações tomadas, no prazo máximo de 20 dias.

A Administradora do Condomínio do prédio respondeu, por carta datada de 27 de Setembro de 2019, que refutava as invalidades apontadas uma a uma e concluiu que não existiam fundamentos para a requerida realização de assembleia extraordinária, ainda mais tratando-se de um pedido abusivo, pois o condómino há quatro anos que, apesar de regularmente convocado, não comparecia a nenhuma das assembleias marcadas e realizadas, intentando a posteriori a respetiva ação de anulação de deliberações.

O que dizer destas deliberações de 31.7.2019, que assumem a veste de «reapreciação» dos mesmos pontos ou parâmetros de deliberações anteriores?

A lei civil que regulamenta as relações de condomínio não contempla uma norma semelhante à do art. 62º do CSC (renovação da deliberação social), a qual dispõe concretamente sobre a renovação da deliberação dos sócios anulável, mediante outra que não enferme do vício da deliberação precedente.

Preceitua o citado normativo que:

«1. Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros.
2. A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.
3. O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação.»

Pela natureza das coisas, sustenta-se no acórdão do TRL de 6.11.2008 (p. 7549/2008-6, in www.dgsi.pt) que o paralelismo entre as situações parece impor um tratamento semelhante.

Considera-se no referido aresto que, ressalvados os direitos de terceiros de boa fé adquiridos na sua execução, não faz sentido a anulação de uma qualquer deliberação da assembleia de condóminos se, entretanto, veio a ser renovada por outra que, coincidindo com o conteúdo da primeira, não enferma dos seus vícios, devendo, antes, por força dessa renovação, os efeitos jurídicos passarem a ser imputados unicamente à deliberação renovatória.

Em defesa deste argumento, o citado acórdão oferece o seguinte exemplo:

«Pense-se, v.g., no caso aqui em apreço: determinado condómino que é compelido, por não autorizado pelos votos suficientes da assembleia de condóminos, a destruir a obra que levou a efeito na sua fracção e vê, essa mesma obra, ainda antes de proceder à sua destruição, ser autorizada pelo número de votos necessários para tal da assembleia de condóminos, deverá, ainda assim, sofrer as consequências da anulação da 1ª deliberação da assembleia de condóminos e destruir a obra realizada, para depois a refazer, porque agora devida e legalmente autorizada? O absurdo e, quiçá, a perversidade da afirmativa parece-nos por demais evidente.»

O acórdão acompanha o entendimento de Sandra Passinhas, quando adianta que «ao contrário do título constitutivo, que está inscrito no registo predial e só pode ser modificado por acordo de todos os condóminos, as deliberações não estão sujeitas a registo e a todo o momento poderão ser suprimidas ou alteradas pela assembleia» (in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª ed., pág. 84) e ainda Aragão Seia, que refere que “o vício de que enferma a deliberação pode ser sanado por deliberação posterior ou por falta de impugnação tempestiva” (in ob. cit., pág. 184)».

A seguir-se esta linha de pensamento na situação sub judice, caso se concluísse que houve uma regular renovação das deliberações da Assembleia Geral de condóminos de 20.3.2019 pelas deliberações da Assembleia Geral Extraordinária de 31.3.2019, com as novas deliberações expurgadas das causas da invalidade da antecedente, poder-se-ia até aventar uma inutilidade superveniente da primeira ação proposta pelo ora Autor (cf. art. 287º, al. e), do CPC), por as deliberações anuláveis não poderem ser anuladas se forem substituídas por outras tomadas em conformidade com a lei (cf. Sandra Passinhas, ob. cit., p. 260 e Aragão Seia, ob. cit., p. 188).

O acórdão do TRP de 3.4.2006 (p. 0650775, in www.dgsi.pt) segue trilhos diferentes num caso de «reiteração» de deliberações anteriores.

Considerando que as novas deliberações só encontram justificação se com elas se pretender repetir deliberações anteriores expurgadas do vício ou vícios que continham, deste modo as sanando, argumenta que o caso remete apenas para a lei civil, designadamente o disposto no art. 288º do CC.

Daí que se afirme no referido acórdão que o disposto no art. 62º do CSC não é aplicável no domínio do direito civil, concretamente no particular aspeto de impugnação de deliberações de condomínio, não havendo qualquer lacuna da lei a preencher.

É certo que a aplicação singular da lei civil nestes casos poderá, eventualmente, originar um estrangulamento da actividade de uma administração de condomínio, uma vez que a convalidação de deliberações nulas, anuláveis e ineficazes é limitada pela hipótese do art. 288º do CC, desde logo porque exige a intervenção da pessoa a quem pertence o direito de anulação, sendo mais abrangente a solução concedida pelo art. 62º do CSC o qual, pelo seu nº 2, permite que cesse a anulabilidade quando os sócios renovem a deliberação anulável, bastando que haja de um sócio um interesse atendível.

Todavia, elucida-se no aresto que se justifica uma aplicação mais circunscrita da reiteração ou renovação de deliberações anteriores em sede de deliberações de assembleias de condomínio, principalmente quando a deliberação tenha um carácter pessoal e afecte directamente um condómino ou um seu direito, ponderando o seu particular figurino e interesses (vide, entre outros, os art. 1420º, 1421º e 1422º do CC) e atendendo, especialmente, ao nº 4 do citado art. 288º do mesmo diploma, que permite a eficácia retroativa da confirmação.

Um outro argumento restritivo da actividade da assembleia de condóminos e dos seus poderes pode retirar-se da possibilidade concedida pelo nº 2 do art. 1433º do CC, o qual permite que haja a convocação de uma nova assembleia, mas apenas «para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes» e pelo seu nº 5, que prevê a possibilidade de suspensão das deliberações, nos termos da lei do processo.

Na situação em espécie no referido aresto, acabou por se concluir que a deliberação era contrária à lei por violadora dos art. 288º e 1433º do CC, tanto mais que estava pendente uma ação cuja sanação se pretendia efectuar.

Na mesma linha de orientação, vide ainda o acórdão do TRP de 26.4.2001 (p. 0130128, in www.dgsi.pt), assim sumariado:

«I - A anulabilidade de deliberação da assembleia de condóminos, por falta de convocatória de um dos condóminospode ser sanada por confirmação (declaração da pessoa a quem compete o direito de pedir a anulação) e não por renovação (repetição da deliberação) em que não interveio aquele condómino.
II - O disposto no artigo , 62º do Código das Sociedades Comerciais (renovação de deliberação social) não é aplicável no domínio do direito civil.»

Ora, quer se enverede por uma aplicação analógica da figura da declaração renovatória prevista no art. 62º do CSC, ou se restrinja o enquadramento jurídico à confirmação de acto anulável consagrada no art. 288º do CC, é apodítico que as deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de 31.7.2019 permanecem válidas e eficazes se não forem impugnadas.

A declaração da falta de interesse em agir pode configurar uma efetiva denegação de acesso ao direito e aos tribunais.

Os tribunais são órgãos de soberania com a missão de dirimir de forma heterocompositiva, em conformidade com a lei, as relações materiais controvertidas que lhe são colocadas.

A falta de interesse em agir só se verifica em situações em que não seja sequer equacionável qualquer necessidade da pretensão formulada pelo demandante ou adequação dessa pretensão, o que não é, manifestamente o caso dos autos.

Diz-nos o Tribunal que a sorte das deliberações impugnadas nestes autos, tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de condóminos de 31.7.2019, está directamente dependente da deliberação que ocorreu em 20.3.2019, impugnada através da prévia propositura da competente acção de anulação, que corre os seus termos se encontra pendente de recurso.

Considera que, se no processo se vier a concluir que as deliberações de 20.3.2019 são inválidas, o Autor não terá qualquer interesse no prosseguimento desta nova acção.

Não podemos concordar com esta afirmação.

As deliberações da Assembleia Geral Extraordinária de condóminos de 31 de julho de 2019 foram tomadas e subsistem no ordenamento jurídico como válidas e eficazes até decisão judicial transitada em julgado em sentido contrário.

Caso sejam declaradas inválidas as deliberações de 20.3.2019, subsistem no ordenamento jurídico as deliberações de 31.7.2019, não podendo operar aqui uma caducidade ope legis destas últimas que a lei não prevê.

Já no caso das deliberações de 20.3.2019 virem a ser consideradas válidas e legais por decisão transitada em julgado, a questão é mais duvidosa.

Poderá realmente verificar‑se uma inutilidade superveniente da lide com o trânsito em julgado da decisão, mas esta utilidade não anda de mãos dadas com o pressuposto do interesse em agir, podendo, quando muito justificar a suspensão da instância por determinação do juiz, prevista no art. 272º, nº 2, do CPC.

Ainda assim, tal decisão implica um juízo de conveniência do Tribunal a quo sobre as vantagens e desvantagens da suspensão (depois de ouvidas as partes), que aqui não nos compete substituir.

Em face do exposto, às perguntas sobre a necessidade e a adequação da providência solicitada pelo Autor supra enunciadas, estamos já em condições de responder.

Verifica-se, desde logo, o requisito da necessidade, pois foram aprovadas deliberações na Assembleia Geral Extraordinária de condóminos de 31.7.2019 que, caso não fossem impugnadas, permaneceriam no ordenamento jurídico como válidas e eficazes.

Para a solução do conflito é indispensável a actuação jurisdicional.

Quanto ao requisito da adequação, o caminho escolhido é apto a corrigir a lesão do direito do Autor, tal como ele o configura.

Voltando às sábias palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, o Autor não tem de demonstrar uma necessidade absoluta e única para a realização da pretensão formulada nem pode solicitar um pronunciamento judicial por mero capricho.

Exige-se, tão somente, «uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção» e esta verifica-se, sem dúvida, pelo que é mister concluir que, segundo as várias soluções plausíveis de Direito, o Autor tem interesse em agir nesta ação de anulação de deliberações do condomínio.

Do sentido do recurso e da responsabilidade quanto a custas

Em face do exposto, considera-se que a apelação deve proceder e a decisão recorrida deve ser revogada para que os autos prossigam os seus termos com o pressuposto do interesse em agir do Autor verificado.

Dado que os Apelados não contestaram nem constituíram mandatário na acção principal, e não apresentaram alegação de resposta, e tendo em consideração que o objecto do recurso se prende com o conhecimento oficioso de um pressuposto processual, não é viável aferir o âmbito da repercussão da decisão na esfera das partes, pelo que as custas deste recurso serão suportadas pela parte que, a final, na acção declarativa, por elas venha a ser responsável e na mesma proporção - art. 527º, nº 1, 529º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC (cf. acórdão do TRL de 22.1.2019, p. 45824/18.8YIPRT-A.L1, www.dgsi.pt).