Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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2/06/2023

Os animais e o regime português da PH - O condomínio

O condomínio

No condomínio temos uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária (o edifício), que pertence a vários contitulares, tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial — daí a expressão condomínio — sobre fracções determinadas (16), as partes próprias, e uma comparticipação no direito de propriedade que incide sobre as restantes partes do edifício, as partes ditas comuns. Esta é, se assim a podemos chamar, a noção objectiva de condomínio( 17) e aquela que vem expressamente consagrada no art. 1420º, nº 1, do CC (18): “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”. Como vem sintetizado no art. 1422º, nº 1, “os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis”.

As partes próprias

A fracção autónoma identifica-se com a parte própria do condómino, ou seja, com a parte do edifício que é objecto da sua propriedade exclusiva, e constitui um todo unitário, que pode, no entanto, ser mais do que o lugar destinado a habitação (ou a outro fim), como por exemplo, “um apartamento com garagem e arrecadação”.

O condómino tem um verdadeiro direito de propriedade sobre a sua fracção autónoma, a que se aplica o regime geral da propriedade; assim, nos termos do art. 1305º, goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da fracção autónoma que lhe pertence, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas. De forma muito simples, o uso consiste no poder do proprietário se servir da coisa para a satisfação das suas necessidades. A fruição traduz-se no poder de gozar a coisa indirectamente, através de tudo o que ela produz periodicamente (produtos naturais ou civis, de que são exemplo as rendas), sem prejuízo da sua substância. O poder de disposição inclui poderes materiais, como o de transformar a coisa, e poderes jurídicos, como os de a onerar ou alienar. O proprietário goza destes poderes de modo pleno e exclusivo.

Em jeito de primeira regra, podemos para já reter a ideia pacífica (19) de que cabe nos poderes de uso do proprietário em geral, e de um condómino em particular, a detenção de animais de companhia num imóvel (20).

As partes comuns

As partes comuns são as elencadas no art. 1421º, que distingue entre as partes imperativamente ou necessariamente comuns (nº 1) e as partes presumidamente comuns (nº 2). As partes necessária ou imperativamente comuns (21) são as partes estruturais do edifício, designadamente o solo, os alicerces, as colunas e pilares e as paredes-mestras; os elementos de cobertura, o telhado ou certos terraços; os elos que permitem a circulação, a comunicação, ou a ligação espacial entre as várias fracções, e entre estas e as partes comuns do prédio ou as saídas para a rua: entradas, vestíbulos, escadas e corredores — elos ou elementos comunicantes; são ainda partes necessariamente comuns as instalações gerais, que estão funcionalmente afectadas ao uso comum (22).

São partes presumidamente comuns (23) os pátios e os jardins anexos ao edifício, os ascensores, as dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro e, por analogia, os locais destinados aos serviços comuns; as garagens e outros lugares de estacionamento. Materialmente estamos perante um critério de serviço comum: presumem-se comuns as coisas destinadas a proporcionar melhor habitabilidade a cada fracção autónoma.

O art. 1421º, nº 2, al. e), presume ainda comuns as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos. Neste sentido, a ausência de atribuição privativa da coisa no título constitutivo funciona como presunção da sua titularidade em comunhão. Os condóminos têm, sobre as partes comuns, um direito de compropriedade. Na formulação legal do art. 1403º, existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Por força do art. 1404º, as regras gerais da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão sobre as partes comuns de um edifício constituído em PH.

Quanto ao uso das coisas comuns, o art. 1406º estabelece que, na falta de acordo, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se da coisa comum, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito. No uso das partes comuns, não são consentidos aos condóminos, nem àqueles que possam vir a ocupar a sua posição, v.g. um arrendatário ou um comodatário, excessos que venham a limitar ou a restringir o igual direito dos outros condóminos, desrespeitando os limites da normalidade e da razoabilidade, de acordo com as circunstâncias do caso concreto (24). O igual direito dos outros condóminos não deve ser entendido como uso idêntico — já que a identidade espacial e temporal de utilizações concorrentes comportaria uma proibição substancial para qualquer condómino de fazer um uso particular da coisa comum —, mas antes deve ser avaliado abstractamente, de acordo com a relação de equilíbrio que deve ser mantida entre todas as possíveis utilizações concorrentes por parte dos participantes no condomínio.

Assim, no âmbito dos seus poderes de uso das partes comuns do edifício, cabe ao condómino a faculdade de circular acompanhado dos seus animais de companhia em entradas, vestíbulos ou corredores (25), mas já não pode utilizar um local de passagem comum como local de permanência e de aprisionamento de um cão próprio (26).

O estatuto do condomínio

O estatuto da PH, rectius, de cada edifício constituído em PH, é fixado pela lei (o legislador fixa um conjunto de normas inderrogáveis pelos particulares), pelo TCPH, pelo regulamento do condomínio e pelas deliberações da assembleia de condóminos, e é executado pelo administrador. Escolhendo um local, o condómino escolhe um imóvel, mas também um regime jurídico (27).

 O título constitutivo

Nos termos do art. 1417º, nº 1, são TCPH o negócio jurídico, a usucapião ou uma decisão judicial proferida em acção de divisão da coisa comum ou em processo de inventário. O título constitutivo é um acto modelador do estatuto da PH e o seu conteúdo tem natureza real e, portanto, eficácia erga omnes: vincula, desde que registado, os futuros adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento (28). Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual, nesta medida, deixa de ser um conteúdo típico (29).

O título constitutivo de um regime de PH não pode violar disposições legais imperativas. Mas, no seu domínio de aplicação, é o elemento normativo com força superior, não podendo ser contrariado por qualquer regulação inferior, seja por um regulamento do condomínio, seja por uma deliberação da assembleia de condóminos ou por um acto do administrador.

Sendo um acto que, com relativa autonomia, pode fixar ou modelar o conteúdo do direito de condomínio, o título constitutivo pode, licitamente, proibir a detenção de animais de companhia nas fracções autónomas. Ao fazê-lo, está a modelar o direito de propriedade de cada condómino, excluindo do círculo dos seus poderes de uso aquele de deter animais. Esta proibição abrange todos os futuros adquirentes de fracções autónomas no edifício, e só pode ser alterada por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos, nos termos gerais do art. 1419º, nº 1. O TCPH pode estabelecer um número máximo de animais por fracção autónoma ou ainda sujeitar a detenção de animais numa fracção autónoma a aprovação pelo administrador do condomínio, que no entanto só a poderá recusar com base num razão ponderosa e objectiva.

Notas:

(16) Veja-se a título de exemplo, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado, vol. III, anot. ao artigo 1414.º, pág. 398, 9. LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral I, pág. 55, fala em condomínio horizontal.

(17) Para LINO SALIS, Il condominio negli edifici, in Trattato di Diritto Civile Italiano, sob a direcção de Filippo Vassali, vol. V, tomo III, Torino, 1950, pág. 158, o condomínio é um direito e não é correcto chamar condomínio ao conjunto dos condóminos, ligados entre si pela existência de interesses comuns. Mas, no nosso ordenamento jurídico, a doutrina, a jurisprudência e a lei utilizam habitualmente a expressão “condomínio” num sentido subjectivo, para designar o conjunto dos condóminos.

(18) Todas as disposições legais citadas, sem referência em contrário, pertencem ao Código Civil.

(19) Cfr. HERMANN WEITNAUER, Wohnungseigentumsgesetz, 8.ª ed., Franz Vahlen, München, 1995, pág. 295. Nas palavras de LINA BREGANTE, Il regolamento di condominio, Giuffrè, Milão, 2000, pág. 282, a detenção de animais numa fracção autónoma é entendida como especificação do direito dominial de cada condómino sobre a sua fracção autónoma.

(20) Nos termos do art. 1422º, nº 2, al. c), é especialmente vedado aos condóminos destinar a sua fracção a uso ofensivo dos bons costumes. Cabem aqui situações, como aquela julgada num tribunal alemão em que um condómino detinha em casa 11 serpentes e uma grande quantidade de ratos e ratazanas (OLG Frankfurt, AZ 20 W 149/90, citado por BÄRMANN/PICK/MERLE, Wohnungseigentumsgesetz, 7.ª ed., Beck, München, 1997, pág. 428). Esta decisão é apoiada, unanimemente, pela doutrina. Ver, por todos, KONSTANTIN RIESENBERGER, Alles zum Wohnungseigentum, 4.ª ed., WRS Verlag, München, 1999, pág. 125.

(21) HENRIQUE MESQUITA, “A propriedade horizontal no Código Civil Português”, in RDES, ano XXIII, n.º 1-4 (1976), pág. 129, fala a este propósito de compropriedade necessária e permanente.

(22) Temos, assim, uma afectação estrutural, uma afectação envolvente ou de cobertura, uma de comunicação e uma funcional. Sendo que a enumeração prevista na lei não é taxativa, estes vectores servirão como critérios orientadores no caso de surgirem dúvidas sobre a natureza comum ou privativa de uma parte. Veja-se o nosso A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, Coimbra, 2006.

(23) Esta presunção de comunhão do nº 2, do art, 1421º, é uma presunção iuris tantum, logo susceptível de ser ilidida mediante prova em contrário, a realizar no título constitutivo.

(24) O acórdão da Corte di Cassazione, secção II, 3.11.2000 n.º 14353, in Giustizia Civile, 2001, pág. 1012, I, (2), decidiu que usar os espaços comuns de um edifício condominial fazendo circular um cão, sem as cautelas exigidas segundo critérios normais de prudência (como açaime ou trela), pode constituir uma limitação não consentida do igual direito que os outros condóminos têm sobre os mesmos espaços, se resultar que a falta de adopção das ditas cautelas impede estes últimos de usarem e gozarem livremente esses espaços comuns.

(25) GUIDO VIDIRI, Il condominio nella dottrina e nella giurisprudenza, Giuffrè, Milano, 1999, pág. 107.

(26) Neste sentido, v. o acórdão da Relação do Porto de 19.03.2002, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.

(27) Assim, CHRISTIAN ATIAS, La Copropriété immobilière, Dalloz, Paris, 1995, pág. 29.

(28) HENRIQUE MESQUITA, A propriedade horizontal no Código Civil Português, págs. 94 a 102.

(29) A propriedade horizontal no Código Civil Português, pág. 94.


2/02/2023

Os animais e o regime português da PH - Introdução

Introdução (1)

O problema de se saber se os condóminos podem ou não deter, e em que termos, animais no interior das respectivas fracções autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal tem vindo a ganhar maiores proporções nos dias que correm, devido ao aumento do número de animais de companhia, nomeadamente cães e gatos.

A resposta do Direito a esta questão há-de ter em conta, em primeiro lugar, o valor social do condomínio e a função do prédio como um dos lugares onde se desenvolve a pessoa humana (2), através da satisfação colectiva das exigências de habitação. A personalidade humana (3), além de uma unidade psicossomática, apresenta uma estrutura mais alargada, de teor relacional, sócio-ambientalmente inserida e que abarca dois pólos interactivos: o eu e o mundo. 

Enquanto unidade funcional eu — mundo, a personalidade humana pressupõe um certo espaço ou território e um conjunto de condições ambientais para a sua sobrevivência e desenvolvimento. Esse espaço ou território é preenchido, desde logo, pelo edifício colectivo que, enquanto fonte de estabilidade, constitui um pólo que permite o desenvolvimento da personalidade, através da satisfação de vários interesses humanos, de tipo fisiológico, psicológico e cultural, de que são exemplo o convívio, a intimidade familiar, a realização dos afectos ou o repouso.

A nossa Constituição adopta o direito à habitação como um direito de carácter social; nos termos do art. 65º, n.º 1, “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Para GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA4, o direito à habitação é não apenas um direito individual mas também um direito das famílias; em segundo lugar, é uma garantia do direito à intimidade da vida privada e familiar; finalmente, engloba um direito aos equipamentos sociais adequados—água, saneamento, electricidade, transportes e demais equipamento social — que permitam a sua fruição.

A habitação é um ponto de referência do indivíduo, um objecto de conteúdo afectivo e constituinte da sua auto-identificação (5). A casa não cumpre só a função social de assegurar um tecto ao indivíduo, mas representa também “um templo dos afectos familiares, donde a vida renascendo se perpetua, um refúgio dos sentimentos, uma fonte generosa da força de ânimo necessária para enfrentar a vida” (6). Esta asserção é reconhecida, pacificamente, no nosso ordenamento jurídico (7). 

Em si, a casa é um abrigo nu, um refúgio contra os elementos naturais; o lar é uma unidade social de espaço articulado à volta da família (8). Habitação e família (9) são, pois, dois termos estreitamente relacionados: a família influencia e é influenciada pela estrutura social a que pertence. O ambiente em que o indivíduo ou a família vivem determina as suas necessidades e o espaço determina o seu modo próprio de viver (10).

Tendo por adquirido que o valor social do condomínio se articula axiologicamente com a habitação e com a família, a resposta ao problema da detenção de animais num edifício constituído em propriedade horizontal deve reflectir, inevitavelmente, a sedimentação valorativa do crescente reconhecimento do papel dos animais na realização pessoal do indivíduo e da sua importância enquanto membros da colectividade familiar (11).

Uma comunidade habitável compreende os animais de companhia que partilham as nossas casas, a vida selvagem que habita nas proximidades e as espécies que migram através dos rios, florestas e montanhas. Todos contribuem para a habitabilidade da nossa comunidade, seja ela urbana ou rura l(12). Earl Blumenauer (13) dá-nos a conhecer que, em 2001, 40% das habitações nos Estados Unidos tinham um cão ou um gato—mais de cem milhões no total. E, em 1995, um estudo da American Animal Hospital Association havia concluído que grande parte dos donos de animais de companhia os considerava como membros da família. 

Os realizadores do estudo mostraram-se impressionados com o alto grau de importância que os donos davam aos seus animais, sendo que 70% dos inquiridos os viam como “their children” ou seja, como filhos. Em Portugal, a situação não é diferente. Muitas pessoas consideram os seus animais membros da família, despendendo tempo, atenção e dinheiro na sua alimentação, nos seus cuidados higieno-sanitários e nos seus tratamentos médicos.

O âmbito da nossa indagação está limitado aos animais de companhia, ou seja, aqueles detidos ou destinados a ser detidos pelo homem, designadamente no seu lar, para seu prazer e como companhia (14). Numa altura em que o próprio critério axiológico do Direito Civil está em transformação, em que vários países europeus já qualificam os animais de companhia não como coisas mas como co-criaturas (15), pondo fim à dicotomia persona-res, a leitura a dar aos nossos textos legais não pode deixar de atender a esta evolução. Desta audaz, mas necessária, hermenêutica constitutiva, o condomínio resultará configurado como um espaço de convivência, em que os animais participam não como coisas mas como legítimos conviventes.

A presente exposição está estruturada em quatro partes: começamos por uma análise do regime geral da propriedade horizontal, com particular incidência no que respeita às proibições e restrições respeitantes a animais. Em segundo lugar, teceremos algumas considerações a respeito da interpretação e concretização dessas mesmas proibições e restrições. Em terceiro lugar, analisaremos o art. 3º do DL n.º 314/2003, de 17 de Dezembro, que aprova o Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica da Raiva Animal e Outras Zoonoses, que estabelece um número máximo de animais a alojar em prédios urbanos, e cuja leitura pode ser equívoca. Por último, veremos como pode um condómino defender-se dos incómodos causados por um animal detido numa fracção autónoma vizinha.

Notas

(1) Texto de Sandra Passinhas, Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

(2) Nas palavras de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 156, “a evolução física e a evolução espiritual do homem não se processam em separado mas concomitantemente e com influências recíprocas, sendo certo por isso, nomeadamente, que a personalidade humana não é um mero dado da natureza mas também um ser permanentemente trabalhado”.

(3) Cfr. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pág. 200.

(4) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, pág. 345, II.

(5) NICOLO LIPARI, “Svillupo della persona e disciplina condominiale”, Scritti in onere di Salvatore Pugliatti, Vol. I, tomo II, pág. 1159.

(6) Cfr. GINO TERZAGO, “Perché sociologia del condominio”, in Sociologia del condominio, a cura di Gino Terzago e AA. VV., pág. 6.

(7) Como se pode ler no Parecer da Câmara Corporativa sobre o Projecto do DL 40 333 (que regulamentou entre nós, pela primeira vez, o regime da propriedade horizontal), “a casa de habitação não representa, apenas, um refúgio material, como o poderia ser um quarto de um hotel ou qualquer inóspito telheiro, que abrigasse o homem das inclemências do tempo e lhe permitisse o descanso estritamente corpóreo. O lar é o quadro da vida da família, que, na sua inviolabilidade, exprime a independência e a intimidade desta; é o local onde o homem encontra as suas alegrias mais profundas, o repouso mais completo e são, o lugar onde ele se sente plenamente senhor, mas senhor intensamente humano, por haurir a sua autonomia na estima e nos afectos que o ligam a todos quantos o rodeiam (...) ”. E o acórdão do STJ, de 13 de Março de 1986, in BMJ, n.º 355, 1986, págs. 356 e ss., definiu que o lar de cada um “é o recatado pequeno mundo onde se procura encontrar o retempero de forças físicas e anímicas desgastadas pela vivência numa comunidade activa, agitada e esgotada dos tempos presentes, mormente nos grandes centros urbanos”.

(8) Assim, J. M. MELLOR, Sociologia urbana, Porto, pág. 153.

(9) Nas palavras de LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1995, pág. 72: “a família é tratada como a célula social básica em que se desenvolve primariamente a vida dos homens na sociedade moderna; e, se a tomarmos no sentido da chamada pequena família (composta dos pais e filhos), podemos configurá-la como o cadinho onde se forma a mentalidade das gerações que asseguram a continuidade da vida social”.

(10) Como nos diz YVES GRAFMEYER, Sociologia urbana, E.E.A., 1994, pág. 56, “a composição social da vizinhança e do bairro é fonte de um certo número de efeitos. Embora o espaço residencial não seja propriamente um sistema de interacção, suscita, por sua vez, ocasiões de interacção ou, pelo menos, situações de coexistência. Quer seja desejada ou inesperada, quer induza sociabilidades, tensões ou condutas evasivas, a proximidade do outro não é nunca completamente indiferente. Mesmo quando se desconhecem praticamente os vizinhos, a maneira como deles se fala traduz categorias de juízo, formas de se situar a si mesmo e de situar os outros (...)”.

(11) Veja-se STEVEN M. WISE, “Recovery of Common Law for emotional distress, loss of society, and loss of companionship for the wrongful death of a companion animal”, Animal Law, 1998, 46. Em 1994, um juiz norte-americano (Bueckner v. Hamel, 886 S.W. 2d 432) exortava os tribunais a reconhecerem que grande parte das pessoas nos Estados Unidos tratam os seus animais de companhia como membros da família e, em alguns casos, os animais de companhia são mesmo a única família que têm. E em 1997, o Supremo Tribunal de Vermont (Morgan v. Kroupa, 702 A.2d 630) dizia que o valor de um animal é mais afectivo do que económico; o seu valor deriva da relação que tem com os seus companheiros humanos.

(12) Cfr. CONGRESSMAN EARL BLUMENAUER, “The role of animals in livable communities”, in Animal Law, 2001, i.

(13) Ibidem.

(14) Segundo a definição da Lei nº 92/95, de 12.9.1995, sobre a protecção dos animais, são animais de companhia como aqueles detidos ou destinados a ser detidos pelo homem, designadamente no seu lar, para o seu prazer e como companhia. A definição do Dl 276/2001, de 17.10, que estabelece as normas tendentes a pôr em aplicação a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia e um regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos, é similar: “qualquer animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente, no seu lar, para seu entretenimento e companhia”. Esta definição manteve-se com o DL 315/2003, de 17.9.

(15) Cfr. o art. 285º do Código Civil Austríaco, o §90 do Código Civil Alemão e o art. 614º do Código Civil Suíço. Estas disposições são unânimes em determinar que os animais não são coisas, que são protegidos por leis especiais e que o regime geral do Direito das Coisas só lhes é aplicável na ausência de preceito específico e no que não contrarie o regime especial previsto.

4/16/2021

Animais no condomínio

Sobre os condóminos impendem duas responsabilidades, uma resultante do dever de vigilância que o proprietário ou a quem o animal, independentemente da espécie, está entregue deve exercer; outra o da utilização material, recreativa ou moral que do animal se tenha.

Nos termos DL 314/03, nas fracções autónomas podem ser alojados até 3 cães (independentemente do porte e raça) ou 4 gatos adultos, não podendo no total ser excedido o número de 4 animais, excepto se, a pedido do detentor, e mediante parecer vinculativo do médico veterinário municipal e do delegado de saúde, for autorizado alojamento até ao máximo de 6 animais adultos, desde que se verifiquem todos os requisitos higío-sanitários e de bem-estar animal legalmente exigidos.

Importa salientar que o alojamento de cães, gatos, aves canoras, répteis ou animais de outras espécies, fica sempre condicionado à existência de boas condições dos mesmos e à ausência de riscos higío-sanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem e deve ter em conta o concreto distúrbio ou prejuízo que os mesmos possam causar, nomeadamente ao nível do sossego.

No entanto, os donos dos animais são sempre responsáveis pelos danos que estes possam causar a terceiros ou às coisas comuns, bem como pela retirada, limpeza dos dejetos em qualquer parte das áreas comuns, bem como da respectiva desinfeção, sendo-lhes ainda vedado manter os animais de companhia e de quaisquer espécies nas áreas comuns do edifício.

O regulamento do condomínio pode dispor que os canídeos não sociáveis, que pelo tamanho e potência das mandíbulas possam causar lesão ou morte de pessoas ou animais, os de comportamento especialmente agressivo, especificidade fisiológica ou de raças potencialmente perigosas, nomeadamente, American Staffordshire Terrier, Bandog (e raças que lhe dão origem), Boerboel, Buldoque Americano, Cão de Fila Brasileiro, Cão-Lobo, Dogue Argentino, Dogue Canário, Mastim Napolitano, Pit Bull Terrier, Rottweiler, Staffordshire Bull Terrier, Tosa Inu ou outras declaradas como tal em outros países, puros ou resultantes de cruzamentos, sem prejuízo do escrupuloso cumprimento das normas constantes no DL 315/2009, de 29 de outubro, com a redação dada pela Lei nº 46/2013, de 4 de Julho e pela Lei nº 110/2015, de 26 de Agosto, e independentemente de nunca terem mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa e nunca terem ferido gravemente ou morto outro animal fora da propriedade do detentor, só podem circular com os mesmos pelas áreas comuns:

(i) Se conduzidos por detentor maior de 16 anos com capacidade física para dominar o animal.

(ii) Ter colocado açaimo funcional, devidamente colocado que não permita que o animal morda.

(iii) Se conduzidos com trela até 1 metro de comprimento, que deve ser fixa a uma coleira ou peitoral

(iv) Se possuírem chip electrónico, registo, licenciamento, vacinas em dia e seguro de responsabilidade civil.

No limite, os condóminos podem agir em juízo para obter a cessação dos incómodos derivados da detenção de animais nas fracções autónomas, ou requerer uma providência cautelar ou um acto de polícia, obtendo o ressarcimento dos danos e consequente encargo das despesas processuais.

No âmbito dos seus poderes de uso das partes comuns do edifício, cabe aos condóminos a faculdade de circularem acompanhados dos seus animais de companhia em entradas, vestíbulos ou corredores, mas já não podem utilizar um local de passagem comum como local de permanência e de aprisionamento dos mesmos.