Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

04 abril 2025

Comunhão, contitularidade e compropriedade


Existe propriedade em comum, compropriedade, comunhão ou contitularidade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa (cfr. nº 1 do art. 1403º do Código Civil). 

Por exemplo, se a compra de um imóvel tiver sido efectuada simultaneamente por AA e BB, na qualidade de compradores, os mesmos tornaram-se comproprietários da habitação.

Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais ainda que possam ser quantitativamente diferentes. 

Cada comproprietário tem uma posição quantitativamente determinada sobre a coisa comum, designada de quota. Essa posição resulta do título constitutivo, por exemplo, o contrato de compra e venda. 

Quando o título constitutivo é omisso, a lei presume que as quotas são iguais (cfr. nº 2 do art. 1403.º, in fine, do CC), o que significa, por exemplo, que sendo dois os comproprietários, cada um terá uma quota de metade. Na hipótese de valer a presunção legal, será possível a sua elisão, nos termos gerais. 

A determinação da quota dos comproprietários é importante, uma vez que, nos termos legais, entre outros efeitos, os comproprietários participam nos encargos e nas vantagens da coisa comum na proporção das suas quotas (cfr. nº 1 do art. 1405º do CC). Por exemplo, no pagamento do imposto devido pela titularidade da coisa comum ou numa mais-valia na futura venda da coisa comum. 

No regime típico da compropriedade, os comproprietários não estão obrigados a permanecer na situação de indivisão, podendo obter a divisão da coisa comum amigavelmente ou, na falta de acordo, judicialmente, porém, os demais comproprietários gozam de preferência legal na venda ou dação em cumprimento da quota alienada, nos termos previstos no art. 1409º do CC. 

As regras da compropriedade, previstas nos artigos 1403º e seguintes do Código Civil, têm relevância acentuada, por serem igualmente aplicáveis, com as necessárias adaptações, a outras formas de comunhão ou contitularidade, por exemplo, ao co-usufruto (art. 1404.º do CC) e à propriedade horizontal (art. 1414º e ss. do CC) 

Neste regime, impera uma regra diferente, porquanto, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo o conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles podendo ser alienado separadamente, nem sendo lícito renunciar à parte comum (cfr. art. 1420º do CC).

A compropriedade e a comunhão de bens têm contudo regime diverso: Na compropriedade, cada um dos comproprietários tem direito a uma quota; ideal ou intelectual do objecto, tendo cada um deles uma certa liberdade para agir isoladamente quanto à sua fracção; Na comunhão de bens (designadamente na comunhão conjugal) há um só direito e vários titulares, não podendo nenhum deles isolado fazer nada. Na comunhão conjugal, quanto à partilha, há que seguir a via extrajudicial por acordo, ou, não o havendo, há que seguir o regime do inventário, não a divisão de coisa comum, a qual pressupõe a existência de compropriedade.

A compropriedade não se confunde com a comunhão emergente de um regime matrimonial de bens, uma vez que aquela pressupõe um título de aquisição de um bem em que ambos os comproprietários intervenham, enquanto esta significa que um bem adquirido apenas por um dos cônjuges passa a ser bem comum do casal. Assim, os bens comuns dos cônjuges constituem objecto, não duma relação de compropriedade, mas duma propriedade colectiva e nesta, há um direito uno, enquanto na compropriedade há um aglomerado de quotas dos vários comproprietários. Só se se tiver intervindo como comprador na escritura de compra e venda é que se pode afirmar ter este adquirido em comum e partes iguais (como comproprietário) o bem objecto da escritura.


01 abril 2025

ACTRP 13-09-16: Incorporação parte fracção vizinha


Tribunal: TRP
Processo: 2144/10.1TBPVZ.P1
Relator: Rodrigues Pires
Data: 13/09/2016

Descritores

Propriedade horizontal
Alteração
Título Constitutivo
Usucapião

Sumário:

I - Face ao disposto no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil – e não se verificando nenhuma das exceções previstas no art. 1422º-A do mesmo diploma (junção de frações contíguas; divisão de frações autónomas autorizada pelo título constitutivo ou pela assembleia de condóminos sem oposição) -, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas é possível quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente formalizado em escritura pública ou documento particular autenticado e nunca através de decisão judicial, que se funde, designadamente, na aquisição por usucapião.

II - Se um condómino pretende alterar o título constitutivo da propriedade horizontal anexando à sua fração autónoma parte de uma outra fração, essa situação não cabe em nenhuma das exceções previstas no art. 1422º-A do Cód. Civil.

III - Se para a solução do caso a impugnação da decisão da matéria de facto se mostra irrelevante, o Tribunal da Relação pode abster-se de proceder ao seu conhecimento, por tal se tratar de ato inútil.

Texto integral: vide aqui

24 março 2025

Altura da fachada


Fachada é cada uma das faces aparentes do edifício, constituída por uma ou mais paredes exteriores diretamente relacionadas entre si.

As fachadas identificam-se usualmente pela sua orientação geográfica (fachada Norte, fachada Sul, etc.) ou relativamente à entrada principal do edifício, tomando neste caso as designações: fachada principal (onde se localiza a entrada principal), fachadas laterais (esquerda e direita), e fachada de tardoz ou fachada posterior.

Um edifício pode ter várias fachadas com a mesma orientação geográfica, em distintos planos. As fachadas que se desenvolvem em planos mais recuados são vulgarmente designadas por fachadas recuadas.

Do ponto de vista urbanístico, para efeitos de definição da edificabilidade, têm sobretudo relevância as fachadas que se desenvolvem a partir do nível do solo e confrontam com a via pública ou com logradouros. O controlo das fachadas recuadas pode ser efetuado através dos parâmetros de edificabilidade que regulam a altura da edificação.

A altura da fachada é a dimensão vertical da fachada, medida a partir da cota de soleira até à linha superior da cornija, beirado, platibanda ou guarda de terraço, acrescida da elevação da soleira, quando aplicável.

A altura da fachada é um parâmetro urbanístico relevante para controlar o desenvolvimento vertical da fachada do edifício na confrontação com via pública ou logradouro. Este parâmetro urbanístico será normalmente definido para as fachadas que se desenvolvem a partir do nível do solo.

No caso dos edifícios que confrontam com duas vias públicas ou logradouros a cotas muito diferentes, pode ser necessário fixar duas alturas da fachada. A altura da fachada onde se encontra a entrada principal (Hf1) resulta diretamente da definição. A altura da outra fachada (Hf2) pode ser fixada arbitrando uma cota de soleira auxiliar (S2), que será a cota do piso mais próximo do passeio adjacente a essa fachada.

Na utilização deste conceito como parâmetro urbanístico, especialmente na sua aplicação a terrenos com declive acentuado, o plano territorial pode estabelecer que a altura da edificação seja medida no ponto médio da linha de interseção da fachada com o passeio ou terreno adjacente.


21 março 2025

ACTRL 29-12-2015: Comproprietários; AG


Tribunal: TRL
Processo: 1417/10.8TVLSB.L1-2
Relator: Jorge Vilaça
Data: 29-12-2015

Descritores:

Deliberação de assembleia de condóminos
Regulamento do condomínio

Sumário:

Quando uma fracção autónoma pertencer a mais que uma pessoa, o regime de compropriedade é representada na Assembleia de Condóminos pelo consorte da fracção que entre todos for escolhido, nos termos dos artigos 1407º e 985º do CC.

O direito de participação dos comproprietários de fracção autónoma na Assembleia de Condóminos pode ser regulado através de estipulação inserida no Regulamento do Condomínio, limitando a sua representação a uma só pessoa, desde que o condómino não veja coarctado, restringido ou limitado o direito de participar, intervir ou votar naquela.

A realização de despesas, pelo Administrador, com trabalhos e obras, e respectivos materiais e equipamentos, sem levar a respectiva orçamentação à Assembleia de Condóminos é lícita, uma vez que os autores concordaram expressamente com esse artigo do Regulamento de Condóminos e, por essa via, renunciaram ao direito de controlar esses custos, estando este último direito na sua disponibilidade.

As deliberações da Assembleia de Condóminos só serão nulas quando tomadas em violação de normas de natureza imperativa, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública.

O facto de o cargo de administrador por ser exercido por condómino e por poder ser remunerado (nas palavras da lei remunerável) não significa que não tenha que obedecer-se o disposto no n.º 1 do art.º 176º do C.C.

Texto integral: vide aqui

20 março 2025

Glossário jurídico - D

Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no domínio jurídico, o presente glossário alfabético foi projectado para apresentar as definições dos principais termos usados no campo do Direito.

Dados pessoais

Qualquer informação específica sobre determinada pessoa singular (o titular dos dados).

Dano

Prejuízo causado a alguém através da deterioração, inutilização ou destruição de uma determinada coisa.

Danosidade

Qualidade do que é danoso ou do que causa dano

De acordo

Encontro ou convergência das manifestações das vontades das partes num contrato; aceitação recíproca de uma solução. Cf. Acordar

Debate instrutório

Audiência com as partes (arguidos, Ministério Público, assistentes), com os advogados e com o juiz de instrução, antecedendo o proferimento por este último do despacho que finaliza a instrução como fase do processo penal (despacho de pronúncia ou não pronúncia).

Decisão judicial

Resolução, deliberação, cujo significado pode corresponder a duas fases: ao fim do processo judicial ou às posições tomadas durante o processo mas que ainda não têm em vista encerrá-lo.

Declarante

Aquele que presta declarações ou faz afirmações perante o juiz ou outra autoridade.

Decreto-lei

Diploma legal produzido pelo Governo no exercício da sua competência própria ou mediante autorização concedida pelo Parlamento. As regras incluídas nesse diploma assumem as características de legislação.

De Facto

Respeitante a circunstâncias ou provas materiais; que tem existência objetiva ou real. Opõe-se a "de direito”.

Defensor oficioso

Advogado designado pela autoridade judiciária (magistrado do Ministério Público ou juiz) para defender o arguido; Aquando do despacho de acusação, é obrigatoriamente nomeado defensor, se o arguido não tiver constituído nenhum.

Deferimento

Acto ou efeito de deferir, de conceder o que se pede. Acto de conferir despacho favorável.

Defesa

Pode ser usada em vários sentidos, e o seu significado varia conforme o contexto, podendo ser sinónimo de uma das áreas de actuação do Estado (por exemplo Ministério da Defesa), da actuação num processo de quem é visado por ele (réu, arguido ou requerido) com vista a contestar o pedido formulado, ou até na acção física de quem actua para prevenir ou reprimir uma agressão ilegal e injustificada (legítima defesa).

Delação

Acusação, denúncia.

Delação premiada

Denúncia proveniente de pessoas que tendo estado envolvidas em actividades criminosas, decidem colaborar com a Justiça na investigação desses crimes, podendo beneficiar de um prémio, como redução ou isenção da pena e arquivamento ou suspensão do processo.

Delegação

Acto de delegar ou substituir poderes; Órgão da Ordem dos Advogados que funciona num “município em que possa ser constituída a assembleia local”

Delito

Mesmo que acto ilícito doloso, isto é, um acto voluntário contrário à lei ou ao direito. Esta expressão é muitas vezes utilizada como sinónimo de crime.

Denegação de justiça

Recusa ou atraso grosseiro na realização da função judicial, isto é, na apreciação ou no julgamento de algum caso pelos tribunais. Pode também designar a atitude do juiz que não decide alegando obscuridade, silêncio ou complexidade da lei.

Denúncia

Comunicação apresentada por uma pessoa à autoridade policial ou ao Ministério Público, dando conhecimento de que outra praticou um crime.

Demanda

Conflito de interesses entre a pessoa que expõe, em juízo, a sua pretensão e aquela que contesta o seu pedido. Ação judicial para resolver o conflito de contestação.

Depor

Prestar declarações em juízo como testemunha ou parte num processo;

Desapropriação

Expropriação. Quando o Estado, por necessidade, utilidade pública ou interesse social, transfere para si um bem de domínio particular.

Desconformidade

Que não está em conformidade ou de acordo com medidas estabelecidas ou com a lei.

Descriminação

Acção jurídica de retirar a culpa e a carga criminal de algo. (por exemplo, descriminação do aborto).

Descriminalizar

Deixar de considerar crime.

Desembargador

Nome dos juízes dos Tribunais da Relação.

Despacho

Tipo de decisão proferida por uma autoridade judicial, política ou administrativa que resolve uma determinada questão num processo (que pode ser um processo legislativo, judicial ou administrativo). No caso dos despachos judiciais, eles referem-se a decisões anteriores à fase final do julgamento e da sentença.

Despacho de pronúncia

Decisão final da fase de instrução no processo penal, pelo qual o juiz considera que um ou mais arguidos cometeram um ou mais crimes, mesmo após a defesa apresentada contra a acusação do Ministério Público.

Despacho saneador

Aquele que se destina a que o juiz conheça as irregularidades e nulidades processuais que tenham sido suscitadas pelas partes, ou que devam ser apreciadas oficiosamente. Destina-se também a conhecer do mérito da causa sem necessidade de mais provas, bem como alguma exceção perentória.

Detenção

Acto de deter. Pena temporária privativa da liberdade.

Detido

Aquele que é privado da sua liberdade por determinação das autoridades, por um curto período, até ser presente ao juiz.

Dever jurídico

Imposição definida na lei ou em regras jurídicas provenientes de outras origens.

Deveres do cidadão

Conjunto de obrigações que um cidadão tem perante o Estado e os outros cidadãos. Estão directamente relacionados com o seu estatuto de cidadania. Os deveres são considerados fundamentais se estiverem consagrados na Constituição ou em instrumentos internacionais de igual valor. Tal como acontece com os direitos, é possível repartir os deveres fundamentais em dois grandes grupos: os de carácter civil e político; e os de carácter económico, social e cultural.

Dilação

Prorrogação ou adiamento de prazo, de tempo ou de competência.

Directiva

Acto jurídico comunitário que visa, sobretudo, a harmonização das legislações dos Estados-Membros. Estabelece uma obrigação de resultado e não de comportamento, bem como uma obrigação de transposição no prazo determinado.

Direito

Expressão com diversos significados, mas que genericamente tanto pode significar uma posição subjectiva em que um determinado cidadão se apresenta como titular de um poder ou faculdade que pode exercer perante os outros (cidadãos, Estado, organizações, instituições, etc.), como uma disciplina da ciência ou do saber que se associa ao conhecimento jurídico, e ainda à prática e cultura do direito.

Direitos adquiridos

Expressão utilizada quando alguém é considerado pela lei como titular de um conjunto de direitos que ainda não exerceu e que poderá vir a exercer em função de uma determinada qualidade ou capacidade (por exemplo, de contribuinte ou pensionista).

Direitos do cidadão

Expressão que pretende abranger o conjunto de todos aqueles direitos geralmente associados à cidadania e que podem vir a ser exercidos perante o Estado, os demais cidadãos e as demais entidades sociais. Os direitos serão considerados fundamentais se estiverem consagrados na Constituição ou em instrumentos internacionais de igual valor.

Direitos do homem

também designados “direitos humanos”, ligam-se à ideia de um conjunto de direitos considerados fundamentais, à escala mundial, para a defesa de valores essenciais dos seres humanos face às inúmeras violações de que podem ser vítimas, qualquer que seja a sua origem (poderes públicos, económicos, sociais ou culturais, ou mesmo de outros cidadãos).

Direitos fundamentais

Poderes ou faculdades concedidos às pessoas pelo direito português, europeu e internacional, que são consideradas como posições jurídicas básicas consideradas imprescindíveis na defesa dos valores e interesses mais relevantes que assistem aos cidadãos. Em termos gerais, existem duas grandes categorias de direitos fundamentais: os chamados direitos, liberdades e garantias; e os direitos e deveres económicos, sociais e culturais.

Dolo

Quando alguém tem consciência de que pode estar a praticar um acto proibido por lei e ainda assim decide praticá-lo.

Domicílio

Lugar onde a pessoa tem a sua residência principal e onde vive de forma permanente.

Doutrina

Conjunto de ideias, opiniões, críticas, conceitos e reflexões teóricas expostos por autores no âmbito do estudo e do ensino do Direito e da interpretação das leis.

Dúvida razoável

Entende-se como dúvida razoável o fator incerto quanto à culpa do acusado. Suscita-se perante a falta de condições plenas de imputar ao acusado a ampla responsabilidade pelo cometimento do delito. O fator incerto, aquele que gera determinada dúvida quanto à existência de ilícito, interliga-se com o princípio da presunção de inocência que afasta a possibilidade de imputação de responsabilidade penal ao acusado.

17 março 2025

Nomeação judicial do administrador

O pedido de nomeação judicial de administrador em propriedade horizontal tem como causa de pedir a inexistência de um administrador eleito, seja porque o condómino requerente não conseguiu reunir a assembleia (por falta de quórum constitutivo, quer em primeira, quer em segunda convocação) seja porque, tendo reunido, não foi de todo possível eleger o administrador. 

Nesta conformidade, não sendo alegados quaisquer destes factos essenciais, a petição inicial do condómino requerente é inepta quanto a esse pedido. Ou seja, se o condómino nada indicar sobre a ocorrência de uma tal concreta situação, sempre faltará o interesse em agir.

Nesta seara, também para se obter a exoneração judicial de administrador, deverá ser alegado que existe um administrador eleito ou nomeado que está a cometer irregularidades no desempenho das suas funções executivas ou que as está a exercer de forma negligente. 

Ora, quando se pretenda a nomeação judicial de administrador, como já ressalvado supra, é forçoso que o condómino recorrente alegue e prove que não existe um administrador eleito ou nomeado, seja porque o condómino requerente não conseguiu reunir a assembleia (por não dispor do capital necessário para a convocar (cfr. art. 1431º, nº 2, do CC) ou por não terem comparecido, nem em primeira nem em segunda convocatória os condóminos para que pudesse funcionar (cfr. art. 1432º, nº 4, do CC), seja porque, tendo reunido, não foi possível eleger o administrador.

Na verdade, como resulta do art. 1435º nº 1 do CC, em regra, o administrador é eleito e exonerado pela assembleia dos condóminos. A intervenção judicial deve ser reservada aos casos excepcionais em que efectivamente seja necessária, não se justificando a nomeação de administrador pelo tribunal quando nada obste à referida via normal da eleição pela assembleia de condóminos.

A este propósito, importa relembrar os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela: “Excepcionalmente, porém, o administrador ser nomeado ou exonerado pela autoridade judiciária. São diferentes as condições em que se processam a nomeação e a exoneração ope iudicis. A nomeação dá-se, a requerimento de qualquer condómino, logo que a assembleia não eleja o administrador, como é seu poder e seu dever (nº 1). O requerente terá de alegar e provar que não conseguiu reunir a assembleia ou que, tendo esta reunido, não foi possível eleger o administrador. 

O processo de nomeação judicial, no exercício de um poder que tem carácter mais administrativo do que contencioso, pelos critérios a que terá de subordinar-se, segue os termos prescritos no artigo 1428.º do Código de Processo Civil. No caso da exoneração ou destituição, as coisas processam-se de modo diferente: não é necessário que previamente se tente em vão reunir a assembleia, ou que nela se não tenha conseguido obter o afastamento do administrador. 

O condómino queixoso pode ter tentado obter a exoneração do administrador através da assembleia. Mas não é indispensável que o tenha feito. Essencial é que, recorrendo à via judicial, alegue e prove qualquer dos dois únicos fundamentos que podem servir de base à exoneração contenciosa: a prática de irregularidades ou a negligência no exercício das funções de administradora. O processo segue, nesse caso, os termos prescritos no artigo 1485.º do Código de Processo Civil.” – in “Código Civil Anotado”, Volume III, 2.ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, pág. 451.

Reparações do terraço


Os terraços de cobertura constituem parte comum do prédio de que fazem parte mesmo quando afectos ao uso exclusivo de uma fracção.

Em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, que é desempenhada pelo mesmo, impõe-se distinguir entre: (i) obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, que serão da responsabilidade do proprietário da fracção autónoma que tem o uso exclusivo do referido terraço - nº 3 do art. 1424º do CC e (ii) obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a sua função enquanto cobertura as quais serão da responsabilidade do condomínio.

Só não será assim quando neste último caso esteja comprovado que, aquelas obras estruturais, se devem a uso anormal por parte do proprietário da fracção autónoma.

O art. 1424º, nº 1 do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação dos condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.

As obrigações referidas neste artigo quanto às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, constituem um exemplo típico de obrigações “propter rem”, isto é, de obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem for titular desta.

Dada a conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa: é obrigado quem for titular do direito real.

O nº 3 do citado art. 1424º do CC estabelece uma excepção ao princípio geral dizendo que: “As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”.

Quando a lei fala em escadas ou partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos quer referir-se, ao mencionar estes, às respectivas fracções autónomas, atribuindo a responsabilidade das despesas aos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns.

O legislador ao considerar os terraços como coisas comuns teve em vista a integração dos mesmos na estrutura do prédio e afectos à função de cobertura como de telhado se tratasse, seja de parte seja da totalidade do edifício. Fundamentalmente interessa a função de protecção do edifício contra os elementos atmosféricos.

Mesmo no quadro do direito anterior a 1994 (alteração legislativa) se entendia que o terraço mesmo que destinado ao uso exclusivo de um dos condóminos não deixava de ser forçosamente comum pela função capital de cobertura ou protecção do imóvel que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção.

A mesma posição manteve o Conselheiro Aragão Seia ao dizer que: “são considerados partes comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção… os terraços de cobertura, que tanto se podem situar ao nível do primeiro andar, por servirem de cobertura… como ao nível de qualquer outro ou até do último piso, cobrindo parte do edifício, mesmo quando estejam afectos ao uso exclusivo de um condómino”.

Ora, em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, a situação dos terraços de cobertura é algo diversa das situações previstas no nº 3 do art. 1424º do CC.

É que, se enquanto terraço é, são efectivamente de uso exclusivo de um dos condóminos, enquanto cobertura servem de forma capital a totalidade dos condóminos.

Como assim, não pode, de forma simplista, ter-se como aplicável aos terraços de cobertura o disposto no nº 3 do citado 1424º do CC para fazer recair sobre o condómino que deles tem o direito de uso exclusivo, toda a responsabilidade pela conservação e reparação dos mesmos.

Haverá sim de fazer-se uma interpretação que, atendendo à referida especificidade, conjugue o disposto no nº 1 do art. 1424º do CC com o disposto no nº 3 do mesmo preceito.

E essa interpretação não pode ser outra que não aquela que tem vindo a ser adoptada maioritária, senão mesmo uniformemente, pelos tribunais, no sentido de distinguir entre obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, e as obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a função dos terraços enquanto cobertura.

E se enquanto às primeiras a responsabilidade pela sua realização e despesas associadas deve ser imputada aos condóminos que têm do terraço o uso exclusivo, atento o disposto no nº 3 do art. 1424º do CC, em relação às segundas a sua responsabilidade recai sobre todos os condóminos na proporção do valor da sua fracção, nos termos previsto no nº 1 do mesmo normativo.

Fazer recair a responsabilidade pelas despesas de conservação e fruição apenas sobre o proprietário da fracção que detém o uso exclusivo do terraço de cobertura, traduzir-se-ia em clamorosa injustiça já que, se enquanto terraço ele é de facto de uso exclusivo de um dos condóminos, enquanto cobertura ele é de uso comum e aproveita a todos os condóminos. E por isso mesmo ele é parte comum do prédio.

Como assim, tratando-se de parte comum que serve de cobertura ao edifício, não se verifica o pressuposto estabelecido no nº 3 do art. 1424º do CC, mesmo que afectada ao uso exclusivo de alguns condóminos, sendo por isso mesmo tais despesas efectuadas não só para viabilizar o uso mas também para reintegrar um elemento estrutural do edifício, em proveito de todos.

Desta forma, sendo as obras para reparar no terraço resultantes, não do uso normal das mesmas pelos condóminos que dele se servem em exclusividade, mas de deficiência na construção ou de não manutenção de materiais exteriores ao dito terraço, todos os condóminos devem participar no custo das reparações.

Não tem, assim, aplicação o nº 3 do art. 1424º do CC impondo-se a regra de que as despesas necessárias à manutenção do terraço, no que à sua impermeabilização respeita são, na ausência de deliberação em contrário, da responsabilidade de todos os condóminos na proporção “do valor das suas fracções”.

Só assim não seria se estivesse provado ter havido por parte dos condóminos que fruem dos terraços qualquer actuação anormal que tivesse dado origem às apuradas falhas de impermeabilização dos terraços, sendo que é sobre o Réu (utilizador), como facto impeditivo do direito do Autor (condomínio), que impende esse ónus probatório (cfr. art. 342º, nº 2 do CC).

14 março 2025

ACTRL 30.4.91: Sótão

Tribunal: TRL
Processo: 0035451
Relator: Joaquim Dias
Data: 30-04-1991

Descritores:

Propriedade horizontal
Parte comum

Sumário:

Em prédio constituído em propriedade horizontal as partes comuns podem ou não constar do respectivo título constitutivo.

As partes do prédio enunciadas taxativamente no art. 1421, n. 1 do CC são sempre comuns ainda que emitidas no título constitutivo ou neste incluidas como fazendo parte de determinada fracção autónoma.

Quanto às partes exemplificativamente enunciadas no art. 1421, n. 2 do CC, tem o autor do título constitutivo da propriedade horizontal a faculdade de moldar a sua natureza jurídica incluindo-a expressamente em qualquer fracção autónoma, como partes comuns, como partes comuns afectas ao uso exclusivo de determinada fracção ou nada declarar. No silêncio do título, são partes comuns.

O sótão - espaço compreendido entre o tecto da fracção ou fracções superiores e o telhado - não se confunde com o telhado, não faz parte da estrutura do edifício, não está compreendido no art. 1421, n. 1 b) do CC.

O sótão cabe no art. 1421 n. 2 b) do CC desde que nada se disponha em contrário no título constitutivo, o sotão presume-se parte comum quando não afecto ao uso exclusivo de uma das fracções autónomas.

Se o autor do título constitutivo da propriedade horizontal, antes de vender as fracções, afecta o sótão ao uso da fracção autónoma situada no piso mais alto, daí não decorre a propriedade de tal sótão pelo dono daquela fracção porque a declaração do autor do título, para ser válida e eficaz, tem que constar do título.

Na propriedade horizontal não há clandestinidade: as partes ou são próprias de cada condómino ou são comuns; as não incluídas no título como próprias, são comuns, não podem ser objecto de propriedade singular.

Para que uma parte comum do edifício possa ser objecto de uso exclusivo de um condómino (sem perder a sua natureza de parte comum) é necessário que seja previsto expressamente no título constitutivo do regime de propriedade horizontal ou autorizado por todos os condóminos.

A utilização do sótão - parte comum - do edifício por todos os condóminos pressupõe que ele seja, do ponto de vista constitutivo, adequado ao uso que se lhe queira dar / arrecadação, uso por pessoas, etc) e que com tal utilização se não ofenda o direito ao repouso do condómino do piso inferior o qual prevalece.

De outro modo, o sótão só poderá ser utilizado na sua função natural de caixa de ar do edifício.

12 março 2025

Denúncias de infracções


Denúncias externas

Consideram-se denúncias externas, as comunicações verbais ou escritas de informações sobre as infracções reportadas ao Conselho Superior de Magistratura (CSM) enquanto autoridade competente nos termos e para os efeitos previstos no artigo 12.º do regime geral de protecção de denunciantes de infracções.

As denúncias podem ser submetidas por qualquer pessoa que possua informações relativas às infracções identificadas.

O CSM assegura a todos condições de segurança, sigilo, confidencialidade da identidade ou o anonimato. Assegura ainda a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia e impede o acesso de pessoas não autorizadas.

Como submeter uma denúncia

Preferencialmente, a denúncia deverá apresentada por escrito, através do “Canal da denúncia” que o CSM disponibiliza para o efeito. No entanto, em caso de apresentação de denúncia através de outros meios disponibilizados para o efeito ou caso a denúncia seja recebida por canais não destinados tal finalidade, será imediatamente transmitida, sem qualquer modificação, à Equipa dedicada à recepção e tratamento de denúncias, para efeitos de registo e tratamento.

​​​Por correio electrónico

A denúncia pode ser remetida para denuncia@csm.org.pt​, com a menção em assunto “Confidencial”

Por correio postal (em envelope fechado com indicação “Não abrir”)

A/C
Equipa dedicada à recepção e tratamento de denúncias
R. Duque de Palmela 23, 1250-096 Lisboa

Telefonicamente

No período compreendido entre as 10h e as 17H, através de contacto telefónico para o 213220020, que encaminhará a chamada para o elemento da Equipa dedicada à receçpão e tratamento de denúncias, não dispondo de sistema de gravação da chamada, pelo que será lavrada ata fidedigna da respectiva comunicação.

Presencialmente​

​​​A pedido do denunciante, efectuado por via dos contactos anteriores, para que seja marcada reunião presencial com vista a registo da denúncia, sendo efectuada gravação em suporte duradouro e recuperável ou lavrada ata fidedigna da respectiva reunião.

Nota: O CSM, através da Equipa dedicada à recepção e tratamento de denúncias, pode prestar aconselhamento confidencial a quem pondere apresentar uma denúncia, nos termos da Lei n.º 93/2021, de 20 de Dezembro, devendo o interessado, para tal, proceder à solicitação deste serviço por escrito, com a menção de confidencial, tendo em vista o adequado agendamento seguro.

O que pode ser objecto de denúncia

As denúncias podem referir-se a infracções já ocorridas, que estejam a ser executadas ou que possam ser antecipadas. Podem ainda referir-se a tentativas de ocultação destas situações.

Poderá denunciar actos ou omissões contrários à legislação nacional ou comunitária relacionados com as seguintes matérias: 
  • contratação pública,
  • branqueamento de capitais,
  • mercados financeiros,
  • financiamento de terrorismo,
  • segurança de produtos,
  • segurança dos transportes,
  • segurança alimentar,
  • protecção ambiental,
  • saúde pública,
  • defesa do consumidor,
  • protecção de dados pessoais,
  • concorrência;
  • projectos financiados no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR).
Pode ainda comunicar outras infracções e actos de corrupção ou infracções conexas previstas no Regime Geral de Prevenção da Corrupção, aprovado pelo Decreto-Lei 109-E/2021, de 9 de Dezembro.

As denúncias que não estejam contempladas no âmbito de aplicação previsto no artigo 2º, da Lei 93/2021, de 20 de Dezembro, serão arquivadas pelo CSM.

Limites do canal de denúncia

Importa desde logo ressalvar que o Canal não trata de denúncias sobre:
  • Atrasos no serviço;
  • Queixas relativas a decisões judiciais;
  • Mau atendimento ou comportamento indevido dos funcionários;
  • Problemas de funcionamento dos serviços; Outras infracções que não constem no n. 1 do art.º 2 do Regime Geral de Prevenção da Corrupção.
Para este tipo de queixas, reclamações ou denúncias, deve utilizar os canais próprios disponibilizados pelo CSM:

Telf: +351 213 220 020
E-mail: csm@csm.pt

Mais e melhor informação, vide aqui

11 março 2025

Aquisição de lugar de estacionamento por usucapião


No domínio da propriedade horizontal (PH), a usucapião, como fonte aquisitiva de direitos, só pode actuar nos estritos limites em que a PH se enquadra (art. 1263º, al. a) do CC), sobre fracções autónomas perfeitamente individualizadas no título constitutivo da propriedade horizontal (TCPH) e não sobre partes delas (arts. 1414º, 1415º, 1418º e 1420º do CC.).

No que respeita à área de uma determinada fracção, que venha sendo possuída pelos proprietários na sua totalidade, então deve, nessa parte, da fracção, reconhecer-se a aquisição a favor dos mesmos, por usucapião, por se tratar de fracção autónoma individualizada no tútulo constitutivo e por se ter demonstrado uma posse pelos proprietários, titulada, que durou pelo tempo bastante, e, por o antepossuidor, o construtor do prédio que o submeteu à propriedade horizontal, nos termos do disposto na al. a), do art. 1294º, 1251º, nº 1, do art. 1259º, nº 1 e 2, do art. 1260º, nº 1, do art. 1261º e art. 1262º, todos do CC.

Ressalva-se num Ac. do STJ de 05.05.2016, ”o registo predial, cujo objecto são factos jurídicos, tem por escopo principal dar a conhecer aos interessados a situação jurídica do bem, garantindo a segurança e genuinidade das relações jurídicas que sobre ele incidam, assegurando que, em regra, a pessoa que se encontra inscrita adquiriu validamente esse direito e com esse direito permanecerá para os seus futuros adquirentes”.

E conforme resulta do art. 7º do CRP, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e, pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Trata-se de presunção de natureza "tantum juris", ou seja ilidível, susceptível de prova do contrário (art. 350º do CC), como resulta, nomeadamente, do ensinamento dos Professores Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., 429, e A. Varela R.L.J., 122, a págs. 217 e 218.

Uma vez efectuado o registo, este ganha autonomia em relação ao título a partir do qual foi efectuado. Se bem que, de acordo com o estatuído no art. 7º, do CRP, a inscrição no registo predial faça presumir a titularidade do direito de propriedade, o certo é que essa presunção não abrange a área ou a definição da delimitação física do prédio. Afigura-se-nos ser entendimento pacífico que a presunção resultante da inscrição do direito não abrange a área, limites, estremas ou confrontações dos prédios descritos no registo pois que o registo predial, que não é constitutivo, não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio (neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 27/11/93, 5/7/2001, 4/5/2004, 8/10/2009 e 13/02/2014).

A presunção registral não abarca a composição e as confrontações da descrição predial, cingindo-se à existência do direito registado e à sua titularidade, bem como à existência de eventuais ónus registados e ainda de um núcleo mínimo essencial caracterizador da coisa. E bem se compreende o alcance limitado de tal presunção, na medida em que aqueles elementos da descrição, não são percecionados pela CRP que procede ao registo, antes derivam de declarações dos interessados, ainda que documentadas, mas sem a garantia de fiabilidade dos documentos que titulam a realização dos negócios com eficácia real, por falta da intervenção de uma entidade certificadora e dotada de fé pública na recolha e perceção dos dados de facto que vão instruir as declarações dos interessados.

Por isso, o que consta da descrição do registo predial quanto à área das frações autónomas de que os autores se afirmam donos, não está abrangido pela presunção legal vertida no art. 7º do CRP (cfr. se defende no Ac. do TRP de 30/05/2016, proferido no proc. 1817/11, onde também está em discussão a propriedade de um lugar de estacionamento).

A par destes elementos, existem outros que constam das descrições prediais e que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam, sob pena de não ficar a saber-se que concretos imóveis são objecto daquelas descrições e sobre os quais incidem inscrições registrais de direitos – por exemplo, em relação a uma fracção autónoma de um imóvel constituído em PH, o concreto andar em que se situa (1º, 2º, 3º…), se é direito, esquerdo, anterior ou posterior, se possui ou não logradouro exclusivo, se é destinada à habitação, a comércio, a arrumos ou garagem (Ac do TRC de 15.12.2016, proferido no proc. nº 6358/15 ) e onde é citado o Ac. do STJ de 12/2/2008, proferido no âmbito do processo 08A055, onde se escreveu: “Esse núcleo essencial da descrição não pode deixar de estar protegido pela presunção do artigo 7.º sob pena de se presumir a propriedade de coisa nenhuma.

Daí que se no registo um prédio vem descrito como tendo uma área descoberta, ou logradouro, ou como tendo, apenas, um terraço descoberto, tais elementos, – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal, confrontações e âmbito – fazem parte do referido núcleo essencial descritivo, que, no fundo são marcas diferenciadoras, ou de identificação, do prédio, que estão a coberto da presunção do art. 7º do CRP.” – no mesmo sentido de que a presunção registral deve estender-se aos elementos constantes das descrições prediais e que integram aquele âmbito mínimo ou núcleo essencial de identificação dos imóveis descritos, podem consultar-se os Ac. do STJ de 19/2/2013, proferido no proc. 367/2002.P1.S, de 20/1/2009, no proc. 3681/08, de 31/3/2004, no proc. 81/04, o Ac. do TRP de 24/9/2012, no proc. 174/09.5TBMDB.P1 e o Ac. do TRC de 18/2/2014, no proc. 527/11.9TBFND.C1.

A usucapião é uma das formas de aquisição originária dos direitos (reais de gozo, e nomeadamente do direito propriedade), cuja verificação depende de dois elementos: a posse (“corpus/animus)” e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse, nomeadamente nos termos dos art. 1251º e segs, 1256º e ss, 1287º e 1294º e ss, todos do CC, sendo que, nos termos do art. 1297º do mesmo Código, se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde cessação da violência ou desde que a posse se torne pública.

A posse adquire-se nos termos das diversas alíneas do art. 1263º do CC:
a) pela prática reiterada com publicidade dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito;
b) pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor;
c) por constituto possessório;
d) por inversão do título da posse.

A aquisição da posse pode ser originária ou derivada. No primeiro caso, a posse do adquirente surge ex novo na esfera da disponibilidade do sujeito, independentemente de uma posse anterior (nem quanto à existência, nem quanto ao âmbito ou conteúdo, nem quanto à extensão nem à área de incidência); dependendo apenas do facto aquisitivo. Na aquisição derivada a posse é transferida do anterior para o actual titular, fundando-se a deste na anterior posse, quanto à existência, ao âmbito ou conteúdo.

O acto de aquisição da posse, originária ou derivada, tem que conter os elementos que a integram, o corpus e o animus. Estando em causa a aquisição por usucapião de uma fracção na sua totalidade, nem sequer se coloca a questão debatida na jurisprudência e na doutrina da possibilidade/impossibilidade de aquisição por usucapião de partes de uma fracção.

No sentido de que não é possível, o Ac. do STJ de 13.12.2007, processo 07ª3023, onde se considerou que “na propriedade horizontal, - como bem referido no Acórdão recorrido - o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre fracções autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas (arts. 1414º, 1415º, 1418º e 1420º do CC.), pelo que estando a garagem e arrecadação inserida fisicamente no espaço que é pertença dos RR. (fracção “A”), não pode ela operar enquanto a situação de indivisibilidade se mantiver, o que só poderia vir a acontecer se entretanto se tivesse tornado possível a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.

No entanto, a constituição de propriedade horizontal por parte de decisão do Tribunal, como flui do art. 1417º do CC, só é admissível em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário, a requerimento de consorte, e, mesmo assim, desde que sejam unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública. (requisitos previstos no art. 1415º do CC)”. Neste acórdão estava em causa o exercício do poder de facto sobre 21 m2 numa cave que constituía a fracção autónoma A. inscrita em nome do Autor com uma área superior a 21 m2, pelo que estava em questão a aquisição de parte de uma fracção.

No sentido em que a aquisição de parte de uma fração é possível, o Ac. do TRC de 09.05.2006, proferido no proc. 966/06, onde se entendeu ter sido adquirida por usucapião a propriedade de uns arrumos que estavam descritos no título constitutivo da propriedade horizontal como integrando uma determinada fracção. Também no sentido de ser possível a aquisição, por usucapião, tanto de parte de uma fracção autónoma como de uma coisa comum, M.Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil Português, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXIII, p. 118.

Podem entender os proprietários que a sua posse é titulada, porquanto a compra e venda foi celebrada por escritura pública. Diz-se posse titulada aquela que é fundada em qualquer meio legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico. É exemplo de posse titulada a que é fundada num contrato de compra e venda.

De acordo com as al. a) e b) do art. 1294º do CC a usucapião tem lugar, havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado 10 anos e se, de má fé, tiver durado 15 anos, sempre contados da data do registo.

Se por exemplo, o registo foi efectuado em Janeiro de 2003, à data da interposição da acção, 2015, e estão de boa fé, já tinha decorrido o necessário prazo de 10 anos para a usucapião. Não há dúvidas que entre os proprietários e a sociedade "X" foi celebrado um contrato de compra e venda relativamente à fracção habitacional, sendo que esta fracção tinha a área que ainda hoje detém. Foi esta fracção com a área ocupada pelos proprietários que a Sociedade construtora vendeu aos mesmos e estes compraram.

No entanto, os proprietários não dispõem de título relativamente à fracção garagem mas apenas relativamente à fração habitacional, pelo que a sua posse não é titulada, e neste caso o prazo para adquirir por usucapião, estando de boa fé, é de 15 anos. Para poderem adquirir por usucapião, só beneficiando da posse também exercida pelo construtor, uma vez que a posse por si exercida não o foi pelo tempo necessário à usucapião, tendo apenas decorrido 12 anos até à data da citação para a presente ação.

Mas é possível somar à sua posse a posse exercida anteriormente pela sociedade construtora. Nos termos do art. 1256º nº 1 do CC aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor. Para poder beneficiar deste instituto terá de alegar e provar actos de posse pelos antecessores.

O normativo apenas exige uma ligação sequencial legítima entre posses, podendo relevar tal ligação para efeitos de usucapião (art. 1287º CC) ou, v.g., para efeitos de melhor posse (art. 1267º nº1 al.d) e 1278º nºs 2 e 3 CC). As duas posses não têm que ser absolutamente homogéneas (cfr. Durval Ferreira, Posse e Usucapião, §135, que exemplifica: “assim, o comprador duma fracção de um condomínio pode juntar à sua posse da fracção, a posse anterior do edifício pelo construtor/vendedor, bem como a eventual posse do anterior proprietário/possuidor que ao construtor vendeu o terreno”).

Conforme se defendeu no Ac.STJ, de 3/6/92, Bol.418/773, não existem razões que distingam o caso do fraccionamento da propriedade singular ou comum original em fracções autónomas de propriedade horizontal, do seu fraccionamento em unidades autónomas completamente independentes, como acontece na divisão da propriedade rústica, quando possível.

No caso da divisão legal e fisicamente possível em unidades independentes, a posse inicial sobre a coisa transfere-se para as partes em que for decomposta e cada um dos sucessores (acedentes) adquire a posse que o antecessor tinha sobre a respectiva parcela, como parte do todo (Ac. do TRG de 26/05/2004, proc. 932/04).

O TCPH poderá ser alterado nos termos do art. 1422º-A, nº 1 e 2 e 4 do CC, por acto unilateral constante de escritura pública, não sendo necessária a intervenção de todos os condóminos. Se a PH pode ser constituída por usucapião (art. 1417º, nº 1 do CC), também poderá ser alterada através da invocação da usucapião (defendendo esta possibilidade, vide DURVAL FERREIRA, em “Posse e usucapião”, pág. 446-447, da ed. de 2002, da Almedina, apud Ac. do TRC de 9.05.2006).

No sentido de que pode ser adquirido por usucapião um lugar de estacionamento que integrava no título constitutivo outra fracção, o Ac. do TRC já citado de 9.05.2006, proferido no proc. 966/06.

E no sentido de que se pode adquirir por usucapião um lugar de estacionamento diferente do que consta do título de PH, o Ac. do TRP de 30.05.2016, proc. nº 1817/11, que confirmou a sentença recorrida que julgou improcedente o pedido dos AA. de reconhecimento da propriedade de um lugar de estacionamento situado a poente sul e julgou procedente o pedido reconvencional dos RR. no sentido do reconhecimento pelos AA. de que o seu lugar do estacionamento é o situado no lado nascente sul por ter sido o que estes quiseram comprar e sempre utilizaram há mais de 28 anos, embora não fosse o que constava no título constitutivo da propriedade horizontal como afecto à fracção habitacional por eles adquirida.

09 março 2025

Glossário jurídico - E


Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no domínio jurídico, o presente glossário alfabético foi projectado para apresentar as definições dos principais termos usados no campo do Direito.

Edital

Declaração oficial escrita sobre uma decisão, aviso ou citação de ordem judicial para fins de conhecimento e notificação de pessoas. Declaração que se afixa em lugares públicos ou se anuncia na imprensa, para conhecimento geral, de alguns interessados, ou de determinada pessoa cujo destino se ignora.

Efeito suspensivo

Suspensão dos efeitos da decisão de um juiz ou tribunal, até que seja tomada decisão final sobre um recurso.

Emancipação

O que atribui capacidade jurídica. A plena capacidade de exercício de direitos só se adquire com a capacidade jurídica que permite a cada um ser titular de relações jurídicas. Essa capacidade só se adquire com a maioridade ou emancipação, podendo ser restringida em maior ou menor medida nos casos previstos na lei, entre os quais, de anomalia psíquica ou física.

Embargar

Opor recursos pela via judicial para impedir algo; opor obstáculo à pretensão de alguém.

Embargos de Declaração

Os Embargos de Declaração, também chamados de Embargos Declaratórios, são um tipo de recurso utilizado para esclarecer uma contradição ou omissão numa decisão proferida pelo tribunal ou pelo juiz. Em regra, esse recurso não tem o poder de alterar a essência da decisão, e serve apenas para sanar os pontos que não ficaram claros ou que não foram abordados.

Embargos de Terceiro

Recurso próprio da fase de execução, possível de ser utilizado por um terceiro (entendendo-se como tal quem não seja nem executado nem exequente), destinado a impugnar e a paralisar qualquer acto judicialmente ordenado (por exemplo, uma penhora) de apreensão ou entrega de bens.

Ementa

Resumo de uma decisão judiciária.

Emolumentos

Remuneração especial por acto praticado no exercício de serviços públicos ou judiciais.

Empregado

Pessoa que presta serviços subordinados, onerosos e de natureza não eventual a empregador.

Empregador

Pessoa que admite a prestação de serviços do empregado.

Empreitada

Realização de uma obra, mediante o pagamento de um valor. Nas empreitadas de Direito Público, o contrato baseia-se num interesse público; nas empreitadas de Direito Privado, o contrato submete-se ao interesse do dono da obra. Cf. Direito Público + Direito Privado

Empresas de economia mista

Empresas que aliam o poder público com o privado. ou seja, empresas em que o Estado participa (com capital e direito a voto), conjuntamente com o particular.

Empresa pública

Entidade criada por lei para desempenhar actividades de natureza empresarial exercidas pelo governo, por motivos de conveniência ou contingência administrativa.

Endosso

Acto escrito no verso de um título de crédito, ou documento, por meio do qual se transmite a sua propriedade.

Enriquecimento ilícito

Ou sem causa. É o que se promove empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita.

Entrada em vigor

Quando uma lei já pode ser aplicada, findo o período de tempo que medeia a publicação de um diploma no “Diário da República e a sua entrada em vigor no ordenamento jurídico. Cf. Vacatio legis.

Entrância

Lugar de ordem ou categoria hierárquica quanto às jurisdições onde são exercidos os cargos da magistratura.

Erro de Direito

Ignorância ou desconhecimento da existência de lei, facto que não justifica a sua não aplicação.

Erro judiciário

Verifica-se quando o juiz não aprecia com o devido cuidado os elementos do processo criminal e condena injustamente o acusado que depois se conclui ser inocente.

Escrivão de Direito

Derivado do latim scribanus designa o servidor público incumbido de reduzir a escrito todos os atos de um processo judicial. Nas audiências de julgamento, assiste aos juízes, redigindo as actas.

Escusa

Pedido de dispensa de intervenção num determinado processo quando há risco dessa intervenção ser suspeita por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz (v. Código de Processo Civil), ou do advogado, ou por motivos de consciência (v. Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais).

Escuta telefónica

Captação, por meio técnico, das comunicações estabelecidas entre uma pessoa (a escutada) e os demais, por princípio sem conhecimento de qualquer dos interlocutores. São usadas para produção de prova em processos criminais.

Esfera jurídica

Conjunto de direitos e vinculações de que certa pessoa é titular e a que está adstrita em determinado momento. Na esfera jurídica vamos encontrar aqueles direitos ou vinculações de que potencialmente certa pessoa era susceptível e que veio efectivamente a adquirir.

Estado de direito

Expressão consagrada pelas diversas Constituições que assentam numa organização política, social e económica realizada pelo direito e pela justiça, fundada na separação de poderes e na protecção dos direitos fundamentais, e que obedece aos princípios da legalidade da administração, da segurança jurídica e protecção da confiança dos cidadãos, da responsabilidade do Estado e também da garantia do recurso ao direito ou aos tribunais para o exercício dos direitos mediante vias processuais definidas.

Estado de calamidade

Nível de resposta a situações de catástrofe mais alto previsto na Lei de Bases da Protecção Civil, depois da situação de alerta e de contingência.

Estado de necessidade

O estado de necessidade consiste numa causa de exclusão da ilicitude de uma conduta que sacrifique bens ou interesses de terceiro para afastar um perigo actual de lesão de bens ou interesses do autor ou de terceiros que sejam objetivamente superiores aos bens ou interesses sacrificados.

Estado de emergência

O estado de sítio ou o estado de emergência estão previstos na Constituição e na lei e só podem ser declarados nos casos de agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública.

Estrangeiro

Todo o cidadão que não é nacional português e que tem nacionalidade atribuída por outro Estado. Distingue-se do apátrida, que não tem qualquer nacionalidade.

Evicção

Perda da propriedade, posse ou uso de um bem que é atribuído a terceiro por força de sentença judicial. Consiste na perda total ou parcial de uma coisa em consequência de uma reivindicação judicial promovida pelo verdadeiro dono ou possuidor.

Exarar

Lavrar, consignar por escrito um despacho ou uma sentença.

Execução da pena

Fase processual na qual se promove o cumprimento da sentença. Cumprimento da pena a que o acusado foi condenado. No caso da pena privativa de liberdade, por exemplo, a execução verifica-se com o recolhimento à cadeia. Já no caso de multa a execução cumpre-se com o pagamento dos valores estipulados pelo tribunal.

Exequente

Nome atribuído a quem move a execução (autor da acção na fase de execução).

Exigibilidade

Verifica-se quando existe precisa indicação de que a obrigação já deve ser cumprida, ou seja, que se encontra vencida (i.e., atingiu a data de vencimento), ou porque não se submete a nenhuma condição ou termo ou porque estes já ocorreram. Obrigação exigível é, portanto, a que está vencida e já se pode exigir.

Exequibilidade

Característica atribuída aos títulos líquidos que podem ser alvo de execução, processo que garante ao detentor do título o cumprimento de seu direito.

Exoneração

O acto pelo qual se perde a qualidade de funcionário, de sócio ou de titular de um determinado órgão a pedido do próprio interessado.

Expectativa jurídica

Também identificada como expectativa de direito, diz-se da situação de alguém que se encontra em vias de ser constituído como titular de um direito. A lei considera que em face disso já beneficia de alguma protecção

Extinção da instância

A instância extingue-se em quatro pressupostos básicos. 1) Como julgamento; 2) Com um compromisso arbitral; 3) Com a deserção (i.e., a desistência, confissão ou transação; 4) Com impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

Ex officio

Por iniciativa do Tribunal; oficiosamente.

Expediente

Que expede, resolve ou promove a execução de requerimentos, ofícios e processos, entre outros procedimentos.

Expropriação

Desapropriação forçada por lei. Acto de privar o proprietário da coisa que lhe pertence. Também configura a expropriação, o acto praticado pelo juiz a fim de transferir bem do devedor a outra pessoa, para satisfazer o direito do credor, independente de sua anuência.

Extorsão

Consiste no constrangimento de alguém, intencionalmente, a uma disposição patrimonial (entrega de bens ou valores) através de violência ou ameaça. Crime contra o património em geral.

Extradição

Entrega que o Estado faz de um arguido (ou condenado) que se encontra no seu território a outro Estado para aí ser julgado ou para que este o faça cumprir a pena ou medida de segurança em que foi condenado.

Extrajudicial

O que se faz ou processa fora do juízo, isto é, sem a presença do juiz.

08 março 2025

ACTRL 23-03-12: Construção pérgula terraço


Tribunal: TRL
Processo: 6862/10.6TBALM.L1-6
Relator: Tomé Ramião
Data: 23/03/2012

Descritores:

Propriedade horizontal
Condomínio
Condóminos
Obras
Inovação
Assembleia de condóminos
Autorização

Sumário:

1.- Está vedado aos condóminos realizar obras na respetiva fração predial que prejudiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício, salvo se for obtida prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, de acordo com o preceituado no art.º 1422.º/2, al. a) e 3 do C. Civil.

2. - Por linha arquitetónica entende-se o “conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica” e o arranjo estético do edifício “ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto”.

3 - Prejudica o arranjo estético de prédio urbano com 10 andares, a construção duma pérgola de madeira no terraço privativo da fração correspondente ao 10.º andar, pelo respetivo condómino, atenta a natureza dessa estrutura, suas dimensões e configuração, bem visível do exterior, sem autorização prévia da assembleia de condóminos, quando todas as restantes frações desse piso foram fechadas com marquises.

Texto integral: vide aqui

07 março 2025

Anulabilidade, nulidade e ineficácia

A questão que se coloca neste escrito é da natureza do desvalor jurídico susceptível de afectar as deliberações.

Dispõe o nº 1 do art. 1433º do Código Civil (doravante, CC) que “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”

A este propósito, ressalva Sandra Passinhas em, "A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal", 2ª ed., pág. 250-251 que,

«Nos termos do artigo 1433º, nº 1, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriores aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. A sanção cominada é, portanto, a anulabilidade das deliberações. A lei não se refere às deliberações nulas, nem às ineficazes, que seguem o regime geral. Temos assim em matéria das deliberações da assembleia de condóminos, de distinguir os vícios que enfermam as deliberações de nulidade daqueles que as enfermam de anulabilidade: estas últimas são sanáveis com deliberações sucessivas e a invalidade deve ser feita valer no prazo estabelecido pelo artigo 1433º, sob pena de decadência.»

Por seu turno, Pires de Lima e Antunes Varela em, "Código Civil Anotado", Vol. III, 2ª ed., pág. 448, afirmam que:

«Quando a Assembleia infrinja normas de interesse e ordem pública (suponha, por. ex., que a assembleia autoriza a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edificio que o nº1 do art. 1421º considera forçosamente comuns; que suprime, por maioria, o direito conferido pelo nº1 do art. 1428º; que elimina a faculdade, atribuída pelo art. 1427º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício; que suprime o recurso dos atos do administrador a que alude o art. 1438º; ou que dispensa o seguro do edifício contra o risco de incêndio, diversamente do que se dispõe no nº1 do art. 1429º), as deliberações tomadas devem ser consideradas nulas, e como tais, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286º. Se assim não fosse, estaria na mão dos condóminos derrogar os preceitos em causa (…)

Resulta daqui que quando a assembleia de condóminos delibere sobre assuntos para os quais não tem competência (tal será o caso em que, por exemplo, a assembleia sujeite ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respetivo titular, uma parte do prédio pertencente em propriedade exclusiva a um dos condóminos), a deliberção deve considerar-se ineficaz desde que a não ratifique, podendo o condómino afectado a todo o tempo arguir o vício de que ela enferma, ou por via de excepção, ou através de uma acção meramente declarativa. 

E este é, sem dúvida, o regime mais aconselhável, porquanto seria violento, com efeito, obrigar o condómino afectado a propor num curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia. De resto, a sanção da ineficácia é a que a lei comina para os actos praticados por um representante sem poderes (cfr. art. 268º, nº1 do CC), e as duas situações são em tudo análogas: em qualquer dos casos faltam ao autor ou autores do comportamento negocial os poderes necessários para interferir na esfera jurídica de outrem (…)».

Ainda a este propósito, Vítor Fernandes Rodrigues em, "Prédio Urbano em Regime de Propriedade Horizontal. Os Direitos e Deveres dos Condóminos", 2013, pág. 73-74, sistematiza assim os vícios das deliberações das assembleias de condóminos:

«As deliberações podem ser nulas, ineficazes e anuláveis. Ou seja, o art. 1433.º, n.º 1 do C.C., declara anuláveis as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados. Ao passo que o n.º 2 do artigo citado, faculta aos condóminos presentes que votaram contra e aos condóminos ausentes a possibilidade de exigirem ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.

Assim, são nulas as deliberações tomadas em reunião dos condóminos que infrinjam normas de caráter imperativo, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública, como exemplo as deliberações que violem o art. 1421º e 1422º do CC entre outros.

A deliberação cujo conteúdo colida com a norma imperativa é nula. Em caso de nulidade este vício poderá ser suscitado por qualquer interessado, condómino ou não, sem dependência do prazo (cfr. art. 286º do CC).

Deste modo, são anuláveis as deliberações da assembleia que, recaindo sobre o objecto que são da sua competência, incidam sobre as partes comuns do condomínio, ou seja, as normas que violem preceitos da lei material ou procedimental aplicáveis a regulamentos que se encontram em vigor.

Em conjunto das deliberações nulas e anuláveis temos ainda as deliberações ineficazes, cujo objecto dos assuntos excedem a esfera da competência da assembleia dos condóminos, seja porque dizem respeito à propriedade individual ou própria de qualquer proprietário, seja porque representam ou extravasam o domínio da administração individual que qualquer condómino tem sobre a sua fracção autónoma.

Também serão ineficazes, por exemplo, as deliberações que:
    • Admitem aos condóminos o direito de preferência na alienação de outras frações (cfr. art. 1423º do CC); 
    • As que autorizem inovações nas partes comuns do edifício que lesem a utilização, por parte de algum dos condóminos tanto das coisas próprias como as das comuns (cfr. art. 1425º, nº 2 do CC);
    • As privem um condómino do uso privativo de uma coisa, como tal considerada no título constitutivo da propriedade horizontal;
    • As que exijam obstar a que um condómino dê à sua fracção qualquer utilização lícita, desde que o título constitutivo não conste o fim específico a que a mesma se destina;
    • As que sujeitam ao regime das coisas comuns, sem ou contra a vontade do respetivo titular, uma parte do prédio, pertencente em exclusividade a um condómino, ainda que se trate de uma parte secundária da habitação, como seja, por ex., uma arrecadação ou arrumo, em lugar de parqueamento ou uma garagem».
Atento o que fica dito, entende-se outrossim que qualquer deliberação da assembleia de condóminos que tenha decidido afectar as receitas resultantes de um contrato de cessão de um espaço comum, ao pagamento de quotizações, ordinárias e/ou extraordinárias de que os próprios condóminos são devedores, prescindindo do assentimento de todos, padece do vício da ineficácia.

Com efeito, ao deliberar dessa forma, a assembleia de condóminos está a dispor do direito de propriedade dos condóminos sobre tais quantias, direito que não lhe pertence de todo, sendo certo que os mesmos não lhe cometeram a respectiva gestão, nem a afectação do mesmo resulta sequer de regulamento do condomínio. Assim, sem prejuízo dos autores ractificarem tais deliberações, os condóminos afectados pela ineficácia podem arguir tal vício a todo o tempo.