No domínio da propriedade horizontal (PH), a usucapião, como fonte aquisitiva de direitos, só pode actuar nos estritos limites em que a PH se enquadra (art. 1263º, al. a) do CC), sobre fracções autónomas perfeitamente individualizadas no título constitutivo da propriedade horizontal (TCPH) e não sobre partes delas (arts. 1414º, 1415º, 1418º e 1420º do CC.).
No que respeita à área de uma determinada fracção, que venha sendo possuída pelos proprietários na sua totalidade, então deve, nessa parte, da fracção, reconhecer-se a aquisição a favor dos mesmos, por usucapião, por se tratar de fracção autónoma individualizada no tútulo constitutivo e por se ter demonstrado uma posse pelos proprietários, titulada, que durou pelo tempo bastante, e, por o antepossuidor, o construtor do prédio que o submeteu à propriedade horizontal, nos termos do disposto na al. a), do art. 1294º, 1251º, nº 1, do art. 1259º, nº 1 e 2, do art. 1260º, nº 1, do art. 1261º e art. 1262º, todos do CC.
Ressalva-se num Ac. do STJ de 05.05.2016, ”o registo predial, cujo objecto são factos jurídicos, tem por escopo principal dar a conhecer aos interessados a situação jurídica do bem, garantindo a segurança e genuinidade das relações jurídicas que sobre ele incidam, assegurando que, em regra, a pessoa que se encontra inscrita adquiriu validamente esse direito e com esse direito permanecerá para os seus futuros adquirentes”.
E conforme resulta do art. 7º do CRP, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e, pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Trata-se de presunção de natureza "tantum juris", ou seja ilidível, susceptível de prova do contrário (art. 350º do CC), como resulta, nomeadamente, do ensinamento dos Professores Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., 429, e A. Varela R.L.J., 122, a págs. 217 e 218.
Uma vez efectuado o registo, este ganha autonomia em relação ao título a partir do qual foi efectuado. Se bem que, de acordo com o estatuído no art. 7º, do CRP, a inscrição no registo predial faça presumir a titularidade do direito de propriedade, o certo é que essa presunção não abrange a área ou a definição da delimitação física do prédio. Afigura-se-nos ser entendimento pacífico que a presunção resultante da inscrição do direito não abrange a área, limites, estremas ou confrontações dos prédios descritos no registo pois que o registo predial, que não é constitutivo, não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio (neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 27/11/93, 5/7/2001, 4/5/2004, 8/10/2009 e 13/02/2014).
A presunção registral não abarca a composição e as confrontações da descrição predial, cingindo-se à existência do direito registado e à sua titularidade, bem como à existência de eventuais ónus registados e ainda de um núcleo mínimo essencial caracterizador da coisa. E bem se compreende o alcance limitado de tal presunção, na medida em que aqueles elementos da descrição, não são percecionados pela CRP que procede ao registo, antes derivam de declarações dos interessados, ainda que documentadas, mas sem a garantia de fiabilidade dos documentos que titulam a realização dos negócios com eficácia real, por falta da intervenção de uma entidade certificadora e dotada de fé pública na recolha e perceção dos dados de facto que vão instruir as declarações dos interessados.
Por isso, o que consta da descrição do registo predial quanto à área das frações autónomas de que os autores se afirmam donos, não está abrangido pela presunção legal vertida no art. 7º do CRP (cfr. se defende no Ac. do TRP de 30/05/2016, proferido no proc. 1817/11, onde também está em discussão a propriedade de um lugar de estacionamento).
A par destes elementos, existem outros que constam das descrições prediais e que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam, sob pena de não ficar a saber-se que concretos imóveis são objecto daquelas descrições e sobre os quais incidem inscrições registrais de direitos – por exemplo, em relação a uma fracção autónoma de um imóvel constituído em PH, o concreto andar em que se situa (1º, 2º, 3º…), se é direito, esquerdo, anterior ou posterior, se possui ou não logradouro exclusivo, se é destinada à habitação, a comércio, a arrumos ou garagem (Ac do TRC de 15.12.2016, proferido no proc. nº 6358/15 ) e onde é citado o Ac. do STJ de 12/2/2008, proferido no âmbito do processo 08A055, onde se escreveu: “Esse núcleo essencial da descrição não pode deixar de estar protegido pela presunção do artigo 7.º sob pena de se presumir a propriedade de coisa nenhuma.
Daí que se no registo um prédio vem descrito como tendo uma área descoberta, ou logradouro, ou como tendo, apenas, um terraço descoberto, tais elementos, – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal, confrontações e âmbito – fazem parte do referido núcleo essencial descritivo, que, no fundo são marcas diferenciadoras, ou de identificação, do prédio, que estão a coberto da presunção do art. 7º do CRP.” – no mesmo sentido de que a presunção registral deve estender-se aos elementos constantes das descrições prediais e que integram aquele âmbito mínimo ou núcleo essencial de identificação dos imóveis descritos, podem consultar-se os Ac. do STJ de 19/2/2013, proferido no proc. 367/2002.P1.S, de 20/1/2009, no proc. 3681/08, de 31/3/2004, no proc. 81/04, o Ac. do TRP de 24/9/2012, no proc. 174/09.5TBMDB.P1 e o Ac. do TRC de 18/2/2014, no proc. 527/11.9TBFND.C1.
A usucapião é uma das formas de aquisição originária dos direitos (reais de gozo, e nomeadamente do direito propriedade), cuja verificação depende de dois elementos: a posse (“corpus/animus)” e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse, nomeadamente nos termos dos art. 1251º e segs, 1256º e ss, 1287º e 1294º e ss, todos do CC, sendo que, nos termos do art. 1297º do mesmo Código, se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde cessação da violência ou desde que a posse se torne pública.
A posse adquire-se nos termos das diversas alíneas do art. 1263º do CC:
a) pela prática reiterada com publicidade dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito;
b) pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor;
c) por constituto possessório;
d) por inversão do título da posse.
A aquisição da posse pode ser originária ou derivada. No primeiro caso, a posse do adquirente surge ex novo na esfera da disponibilidade do sujeito, independentemente de uma posse anterior (nem quanto à existência, nem quanto ao âmbito ou conteúdo, nem quanto à extensão nem à área de incidência); dependendo apenas do facto aquisitivo. Na aquisição derivada a posse é transferida do anterior para o actual titular, fundando-se a deste na anterior posse, quanto à existência, ao âmbito ou conteúdo.
O acto de aquisição da posse, originária ou derivada, tem que conter os elementos que a integram, o corpus e o animus. Estando em causa a aquisição por usucapião de uma fracção na sua totalidade, nem sequer se coloca a questão debatida na jurisprudência e na doutrina da possibilidade/impossibilidade de aquisição por usucapião de partes de uma fracção.
No sentido de que não é possível, o Ac. do STJ de 13.12.2007, processo 07ª3023, onde se considerou que “na propriedade horizontal, - como bem referido no Acórdão recorrido - o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre fracções autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas (arts. 1414º, 1415º, 1418º e 1420º do CC.), pelo que estando a garagem e arrecadação inserida fisicamente no espaço que é pertença dos RR. (fracção “A”), não pode ela operar enquanto a situação de indivisibilidade se mantiver, o que só poderia vir a acontecer se entretanto se tivesse tornado possível a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
No entanto, a constituição de propriedade horizontal por parte de decisão do Tribunal, como flui do art. 1417º do CC, só é admissível em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário, a requerimento de consorte, e, mesmo assim, desde que sejam unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública. (requisitos previstos no art. 1415º do CC)”. Neste acórdão estava em causa o exercício do poder de facto sobre 21 m2 numa cave que constituía a fracção autónoma A. inscrita em nome do Autor com uma área superior a 21 m2, pelo que estava em questão a aquisição de parte de uma fracção.
No sentido em que a aquisição de parte de uma fração é possível, o Ac. do TRC de 09.05.2006, proferido no proc. 966/06, onde se entendeu ter sido adquirida por usucapião a propriedade de uns arrumos que estavam descritos no título constitutivo da propriedade horizontal como integrando uma determinada fracção. Também no sentido de ser possível a aquisição, por usucapião, tanto de parte de uma fracção autónoma como de uma coisa comum, M.Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil Português, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXIII, p. 118.
Podem entender os proprietários que a sua posse é titulada, porquanto a compra e venda foi celebrada por escritura pública. Diz-se posse titulada aquela que é fundada em qualquer meio legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico. É exemplo de posse titulada a que é fundada num contrato de compra e venda.
De acordo com as al. a) e b) do art. 1294º do CC a usucapião tem lugar, havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado 10 anos e se, de má fé, tiver durado 15 anos, sempre contados da data do registo.
Se por exemplo, o registo foi efectuado em Janeiro de 2003, à data da interposição da acção, 2015, e estão de boa fé, já tinha decorrido o necessário prazo de 10 anos para a usucapião. Não há dúvidas que entre os proprietários e a sociedade "X" foi celebrado um contrato de compra e venda relativamente à fracção habitacional, sendo que esta fracção tinha a área que ainda hoje detém. Foi esta fracção com a área ocupada pelos proprietários que a Sociedade construtora vendeu aos mesmos e estes compraram.
No entanto, os proprietários não dispõem de título relativamente à fracção garagem mas apenas relativamente à fração habitacional, pelo que a sua posse não é titulada, e neste caso o prazo para adquirir por usucapião, estando de boa fé, é de 15 anos. Para poderem adquirir por usucapião, só beneficiando da posse também exercida pelo construtor, uma vez que a posse por si exercida não o foi pelo tempo necessário à usucapião, tendo apenas decorrido 12 anos até à data da citação para a presente ação.
Mas é possível somar à sua posse a posse exercida anteriormente pela sociedade construtora. Nos termos do art. 1256º nº 1 do CC aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor. Para poder beneficiar deste instituto terá de alegar e provar actos de posse pelos antecessores.
O normativo apenas exige uma ligação sequencial legítima entre posses, podendo relevar tal ligação para efeitos de usucapião (art. 1287º CC) ou, v.g., para efeitos de melhor posse (art. 1267º nº1 al.d) e 1278º nºs 2 e 3 CC). As duas posses não têm que ser absolutamente homogéneas (cfr. Durval Ferreira, Posse e Usucapião, §135, que exemplifica: “assim, o comprador duma fracção de um condomínio pode juntar à sua posse da fracção, a posse anterior do edifício pelo construtor/vendedor, bem como a eventual posse do anterior proprietário/possuidor que ao construtor vendeu o terreno”).
Conforme se defendeu no Ac.STJ, de 3/6/92, Bol.418/773, não existem razões que distingam o caso do fraccionamento da propriedade singular ou comum original em fracções autónomas de propriedade horizontal, do seu fraccionamento em unidades autónomas completamente independentes, como acontece na divisão da propriedade rústica, quando possível.
No caso da divisão legal e fisicamente possível em unidades independentes, a posse inicial sobre a coisa transfere-se para as partes em que for decomposta e cada um dos sucessores (acedentes) adquire a posse que o antecessor tinha sobre a respectiva parcela, como parte do todo (Ac. do TRG de 26/05/2004, proc. 932/04).
O TCPH poderá ser alterado nos termos do art. 1422º-A, nº 1 e 2 e 4 do CC, por acto unilateral constante de escritura pública, não sendo necessária a intervenção de todos os condóminos. Se a PH pode ser constituída por usucapião (art. 1417º, nº 1 do CC), também poderá ser alterada através da invocação da usucapião (defendendo esta possibilidade, vide DURVAL FERREIRA, em “Posse e usucapião”, pág. 446-447, da ed. de 2002, da Almedina, apud Ac. do TRC de 9.05.2006).
No sentido de que pode ser adquirido por usucapião um lugar de estacionamento que integrava no título constitutivo outra fracção, o Ac. do TRC já citado de 9.05.2006, proferido no proc. 966/06.
E no sentido de que se pode adquirir por usucapião um lugar de estacionamento diferente do que consta do título de PH, o Ac. do TRP de 30.05.2016, proc. nº 1817/11, que confirmou a sentença recorrida que julgou improcedente o pedido dos AA. de reconhecimento da propriedade de um lugar de estacionamento situado a poente sul e julgou procedente o pedido reconvencional dos RR. no sentido do reconhecimento pelos AA. de que o seu lugar do estacionamento é o situado no lado nascente sul por ter sido o que estes quiseram comprar e sempre utilizaram há mais de 28 anos, embora não fosse o que constava no título constitutivo da propriedade horizontal como afecto à fracção habitacional por eles adquirida.