Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/23/2021

Execução de dividas actuais e futuras

 

DL 268/94 de 25/10

Artigo 6º
Dívidas por encargos de condomínio



1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.

2 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior.

Resulta do art. 1436º, al. e) do CC que são funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia, exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas. Atente-se que o legislador utilizou o termo «exigir» em detrimento de «pedir», dando-lhe desde logo uma conotação de obrigar ao cumprimento, e no limite, pleitear.

O Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 10/1/2003 decidiu que:
"I - As actas das reuniões das assembleias de condóminos constituem títulos executivos quando deliberem sobre o montante de contribuições devidas ao condomínio, já apuradas ou futuras, desde que sejam certas, líquidas e exigíveis.
II - O condomínio pode demandar, na mesma execução, vários condóminos que se encontrem em incumprimento."

Fundamentação
 
Dispõe o art. 45º do CPC que:
1- Toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
2- O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo.
 
Por sua vez, resulta da al. d) do art. 46º do CPC que entre outros, podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Nesta situação encontra-se a previsão do art. 6º nº 1 do DL 268/94 de 25/10 que estatui que “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante de contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
 
Por sua vez o art. 1º, nº 1, do mesmo diploma estabelece que “são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado.” O nº 2 do mesmo artigo acrescenta que “as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções”.
 
Ora, o que o supra referido DL veio fazer, conforme resulta do seu preâmbulo, foi «desenvolver alguns aspectos do regime da propriedade horizontal» com o «objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o (seu) regime (…) facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros». E um dos instrumentos de que o legislador se socorreu para atingir essa eficácia foi precisamente a de conferir força executiva às actas das reuniões das assembleias de condóminos, nos termos do supra citado art. 6º daquele DL. 
 
Adjectivam pois as citadas normas daquele DL preceitos de natureza substantiva do regime da propriedade horizontal, maxime as previstas nos art. 1424º, 1431º, 1436º e 1437º do CC. Com efeito, os condóminos devem contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, em regra em montante proporcional ao valor das respetivas frações (cfr. art. 1424º nº 1 do CC).
 
Por sua vez, caberá ao administrador elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano (al. b) do art. 1436º do CC), o qual deverá ser sujeito a aprovação em assembleia dos condóminos, convocada pelo administrador para a primeira quinzena de Janeiro de cada ano (cfr. art. 1431º do CC).
 
Aprovado o orçamento, caberá ao administrador cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns (e outras para as quais tenha sido autorizado - cfr. art. 1436º al. d) e h) do CC) e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (cfr. art. 1436º al. e) do CC), sendo que para o efeito, poderá agir em juízo contra o condómino relapso (cfr. nº 1 do art. 1437º do CC), instaurando desde logo acção executiva, para o que dispõe, como título executivo, da acta da assembleia em que se tenha deliberado as despesas e a contribuição de cada condómino para as mesmas.
 
A este propósito têm surgido divergências na jurisprudência quanto à expressão utilizada no referido art. 6º, nº 1, do DL 268/94 de 25/10 “contribuições devidas ao condomínio”. Afigura-se que tal expressão tanto abrange as “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio”, como as “contribuições já em dívida ao condomínio”, ou seja, quer as contribuições futuras, quer as contribuições já apuradas, em que se verifique ou venha a verificar falta de pagamento. Não se vislumbra justificação para distinguir. Neste sentido cfr. entre outros, Ac. da Relação Porto proc. nº RP200504210531258, de 21/04/2005 e de 24/2/2011, proc. nº 3507/06.2TBMAI-A.P1, Ac. TRL de 29./6/2006, proc. nº 5718/2006-6, e de 18/03/2010, proc. 85181/05.0YYLSB-A.L1-6, Ac. TRE de 17/02/2011, proc. nº 4276/07.4TBPTM.E1, acessíveis in www.dgsi.pt .
 
No entanto, as contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer outros montantes referidos naquele normativo têm de ser certas, exigíveis e líquidas (cfr. art. 802º do CPC) uma vez que estes três requisitos condicionam a admissibilidade da acção executiva.

Administrador judicial

Artigo 1435.º
(Administrador)

1. O administrador é eleito e exonerado pela assembleia.
2. Se a assembleia não eleger administrador, será este nomeado pelo tribunal a requerimento de qualquer dos condóminos.
3. O administrador pode ser exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções.
4 - O cargo de administrador é remunerável e tanto pode ser desempenhado por um dos condóminos como por terceiro; o período de funções é, salvo disposição em contrário, de um ano, renovável.
5 - O administrador mantém-se em funções até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor.

A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador (cfr. nº 1 do art. 1430º do CC). No entanto, poderá dar-se o caso de a assembleia de condóminos não eleger administrador. Então, caberá ao tribunal nomear administrador, a requerimento de qualquer dos condóminos. Nos termos do art. 1435º, nº 2 do CC, se a assembleia de condóminos não eleger um administrador, este poderá ser nomeado pelo tribunal a requerimento de qualquer condómino, sem para tal carecer de convocar a assembleia.

Importa ressalvar que não existe nenhuma disposição na lei que imponha a um condómino ou a um terceiro que seja obrigado a desempenhar as funções de administrador por designação do tribunal. Se a pessoa ou entidade nomeada não aceitar o cargo a solução é propor nova nomeação. Por esta razão é de todo conveniente que o nome indicado ao juiz tenha consentido com a sua nomeação.

A lei anterior estabelecia ser competente para a nomeação o tribunal da situação do prédio, porém, omitindo qualquer referência a esse respeito, o código civilista implicitamente remeteu a solução do respectivo problema para as regras estatuídas na lei processual civil.

Neste concreto, a intervenção do tribunal destina-se a suprir a omissão cometida pela assembleia de condóminos, enquanto órgão de administração das partes comuns do prédio (cfr. art. 1430º, nº 1 do CC).

O processo adequado a tal nomeação judicial de administrador de condomínio é o previsto no art. 1428º do CPC. Trata-se de um processo de jurisdição voluntária, cuja tramitação é completamente distinta da do procedimento cautelar comum (cfr. art. 384º a 388º do CPC), pelo que não seria possível aproveitar a tramitação desta providência para obter a nomeação de administrador tida em vista no art. 1435º nº 2 do CC (cfr. art. 199º do CPC).

O condómino que pretenda a nomeação judicial do administrador indicará a pessoa que repute idónea, justificando a sua escolha, sendo citados os demais condóminos para contestar (cfr. art. 1428º do CPC), os quais, podem também indicar pessoas diferentes, justificando igualmente a indicação.

O administrador judicial tem os mesmos direitos e as mesmas obrigações que o administrador eleito pela assembleia de condóminos, podendo o tribunal a todo o tempo revogar ou modificar a decisão de nomeação do administrador.

Na falta de acordo entre os condóminos, a remuneração do administrador judicial será determinada pelo juiz juntamente com a nomeação.

O Ac. do TRL de 18/10/2008 decidiu que:
I - O pedido de nomeação judicial de administrador em propriedade horizontal tem como causa de pedir a inexistência de um administrador eleito, seja porque o condómino requerente não conseguiu reunir a assembleia, seja porque, tendo reunido, não foi possível eleger o administrador. Não sendo alegados tais factos essenciais, a petição inicial é inepta quanto a esse pedido. E nada indicando que ocorre uma tal situação de facto, sempre faltará o interesse em agir.
II - A ação de exoneração judicial de administrador do condomínio deve ser intentada apenas contra o administrador cuja exoneração se pretende e não também contra os demais condóminos, que são parte ilegítima, sem prejuízo da audição destes, nos termos do art. 1055.º, n.º 3, aplicável por via do art. 1056.º, ambos do CPC.
III - Nessa ação, deve ser alegado e provado que o réu é o administrador eleito pela assembleia de condóminos, o que carece de prova documental, bem como os factos atinentes à prática de irregularidades ou a negligência no exercício das funções de administrador.
IV - Verificando-se apenas algumas insuficiências e imprecisões na exposição da matéria de facto, não pode ser proferido despacho de indeferimento liminar.

Procedimento cautelar

Eventualmente um ou mais condóminos podem julgar necessária a nomeação de um administrador do condomínio com fundamentos e nos termos próprios do procedimento cautelar comum, ou seja, a nomeação urgente e provisória de um administrador tendo em vista proteger um direito que seja alvo de ameaça susceptível de lhes causar lesão grave e dificilmente reparável (cfr. art. 381º nº 1 e 2 e 387º nº 1 do CPC).

No entanto, importa salientar que a tramitação do procedimento cautelar comum é inadequada e inaproveitável para a nomeação judicial de administrador de condomínio prevista no nº 2 do art. 1435º do CC, a menos que esteja em causa a nomeação urgente e provisória de um administrador tendo em vista proteger um direito que seja alvo de ameaça susceptível de causar ao condómino ou condóminos lesão grave e dificilmente reparável.

O art. 381°, n° 1, do CPC dispõe que «sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória do efeito daquela decisão, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado».

O n° 1 do art. 387° explicita que «a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão». A decretação da providência pressupõe, pois, que se verifique a “probabilidade séria da existência do direito invocado” e “fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito”. Além disso, a providência requerida deverá ser adequada à salvaguarda do direito invocado.

O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado (cfr. nº 1 do art. 383º do CPC).