Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/26/2024

Colocação antenas telhado

Tribunal: Relação Porto
Processo: 0720180
Data: 06-03-2007
Relator: Mário Cruz

Sumário:

I- A colocação de armário de transmissões e antenas no telhado, pelas suas dimensões, colocação e exposição alteram o arranjo estético e a linha arquitectónica do edifício.
II- Não pode ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenham em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte as partes comuns do edifício.
III- Dependem de aprovação da maioria dos condóminos, sendo que estes devem representar também dois terços do capital investido.

Texto integral: vide aqui

Tribunal: Relação Lisboa
Processo: 4853/2003-6
Data: 03-07-2003
Relator: Urbano Dias

Sumário:

De acordo com o nº 2 do art. 1024º do CC, o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes proprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento.
Isto significa que o contrato de arrendamento de uma parte comum de um prédio em propriedade horizontal só é válido se todos os condóminos estiverem de acordo, caso contrário o mesmo será nulo.

Texto integral: vide aqui

Do recurso para a Supremo:

Tribunal: STJ
Processo: STJ_07B3607
Data: 09-03-2009

Súmula:

A analogia tem de encontrar-se, portanto, dentro do regime específico das normas próprias da propriedade horizontal, e não dos regimes subsidiários dos direitos de propriedade e compropriedade.
Entendemos por isso não poder ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenha em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte partes comuns do edifício.
De resto, e à laia de complemento, sempre se dirá que um prédio constituído em propriedade horizontal não pode considerar-se um prédio indiviso, pelo que nos parece forçada, até por isso, a chamada à colação do regime previsto no art. 1024.º ao caso em presença.”

Texto integral: vide infra:

A analogia tem de encontrar-se, portanto, dentro do regime específico das normas próprias da propriedade horizontal, e não dos regimes subsidiários dos direitos de propriedade e compropriedade.
Entendemos por isso não poder ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenha em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte partes comuns do edifício.
De resto, e à laia de complemento, sempre se dirá que um prédio constituído em PH não pode considerar-se um prédio indiviso, pelo que nos parece forçada, até por isso, a chamada à colação do regime previsto no art. 1024.º ao caso em presença.”
Antes de mais, cumpre esclarecer que a questão de saber se o art. 1024º/2 do CC se aplica ou não à propriedade horizontal se restringe a determinar se é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, porque só essas podem ser tratadas como um “prédio indiviso”; só aliás em relação às partes comuns é que o art. 1420º/1 do CC afirma que cada condómino é “comproprietário”.
Não se confunde o arrendamento de uma fracção autónoma com o arrendamento de partes comuns.
O arrendamento de uma fracção autónoma, que pela própria natureza da propriedade horizontal implica a possibilidade de utilização, pelo arrendatário, das partes comuns, respeita ao exercício dos poderes de proprietário exclusivo de cada condómino. Mas, em tal eventualidade, essa utilização está sujeita às mesmas restrições que teriam de ser respeitadas pelo próprio condómino, proprietário da fracção arrendada.
Diferentes problemas levanta o arrendamento de partes comuns, que necessariamente afecta em termos que não resultam da função instrumental que desempenham relativamente à utilização das fracções autónomas. Por isso se coloca, desde logo, o problema de saber a quem cabe o poder de o decidir – ao administrador ou à assembleia de condóminos; e, competindo à assembleia, o de determinar como tem de ser aprovada a correspondente deliberação – unanimidade ou maioria, e que maioria.
Faz pois todo o sentido averiguar se o art. 1024º/2 do CC é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, no âmbito da PH.
Contrariamente ao acórdão recorrido, entende-se que é necessária a unanimidade dos condóminos (não se questionando, naturalmente, a possibilidade de tal unanimidade se manifestar pelo modo previsto no art. 1432º/5 do CC), nos termos conjugados do disposto no art. 1024º/2 e no art. 1420º/1, ambos do CC.
A aplicação destes preceitos não implica o reconhecimento de nenhum caso omisso, a preencher por analogia, mais ou menos próxima. O art. 1024º/2 contém uma regra própria do contrato de arrendamento; tal como as demais que a lei define para tal contrato, é aplicável no âmbito da PH, porque nenhuma regra específica deste instituto se lhe opõe, nem directa, nem indirectamente (como poderia na verdade resultar das normas definidas para a formação da vontade na assembleia de condóminos).
É incontestável, como aliás se viu já, que a lei regulou a administração das partes comuns, no âmbito da PH; não previu expressamente, porém, a formação da vontade de decidir celebrar um contrato de arrendamento de partes comuns.
É igualmente incontestável a qualificação legal da locação como acto de administração ordinária, desde que celebrada por prazo não superior a 6 anos; e que, no caso, não se põe o problema do significado efectivo do prazo convencionado, como se poderia colocar em relação a contratos de arrendamento que excluam (pelo menos por princípio) o direito do senhorio de denunciar o contrato para o termo do prazo.
Todavia, o mesmo art. 1024º do CC, que afirma essa qualificação, afasta desde logo dificuldades que criaria a sua articulação meramente formal com a atribuição a todos os comproprietários do direito de administrar a coisa comum. Não seria realmente aceitável que um comproprietário pudesse impor aos demais as consequências próprias da incidência de um arrendamento no prédio indiviso, já atrás apontadas.
São essas mesmas consequências, aliás, que materialmente justificam a adequação da regra da unanimidade ao arrendamento de partes comuns na PH; e que excluiriam liminarmente a conclusão de que a decisão de arrendar partes comuns, ainda que por prazo não superior a seis anos, figuraria entre os poderes do administrador da PH. Note-se, quanto a este ponto, que o art. 1436º do CC não confere ao administrador, genericamente, o poder de praticar actos de administração ordinária, antes conferidos à assembleia de condóminos (art. 1430º/1).
E, diga-se ainda, são essas mesmas consequências que afastam a hipotética afirmação de que seria incongruente exigir unanimidade para a prática de um acto de administração e não a impor relativamente a diversos actos especialmente relevantes, para os quais a lei se satisfaz com maiorias qualificadas. Assim, por exemplo, para as decisões de aprovação de “obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” (art. 1422º/3) ou que “constituam inovações” (art. 1425º/1), de alteração do uso, “sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma” (nº 4) ou de reconstrução, em caso de destruição do edifício que não atinja ¾ do seu valor (art. 1428º/2). Ou para as deliberações em que o legislador revela que preferiria a unanimidade – preferência que se manifesta ao exigir a inexistência de oposição – mas em que se satisfaz com a aprovação por maioria simples ou qualificada sem votos contra, como ocorre com a proibição de actos ou actividades não vedados pelo título constitutivo (art. 1422º/2 al. d)), com a autorização de divisão de fracções autónomas, quando não permitida no TCPH (art. 1422º/3-A), com a inclusão, no regulamento do condomínio, de critérios de repartição das despesas relativas a serviços de interesse comum (art. 1424º/2).
É manifesta em várias hipóteses a intenção do legislador de facilitar a administração do prédio; essa intenção, todavia, não o levou – como poderia ter feito por ocasião da revisão do regime da PH em 1994, que consabidamente teve em vista um aumento da eficiência na administração dos prédios submetidos a tal regime –, a afastar a regra da unanimidade para a decisão de dar de arrendamento partes comuns do prédio.
A terminar este ponto, relembra-se o que atrás se disse sobre a impossibilidade de fazer cessar a indivisão das coisas comuns; na verdade, essa impossibilidade justifica uma maior exigência para a aprovação de actos que, como o arrendamento, visam atribuir o direito de as utilizar.
As deliberações impugnadas na presente acção não obtiveram, pois, a unanimidade necessária para o efeito. Embora imediatamente com conteúdo diferente, todas se destinam a permitir o arrendamento de parte ou partes comuns do prédio dos autos.
Nos termos do disposto no art. 1433º/1 do CC, tais deliberações são anuláveis, “a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.
O exercício do direito de anulação de deliberações de uma assembleia de condóminos pode, naturalmente, ser abusivo, nos termos gerais do art. 334º do CC, como sustenta a recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A.
Ora a verdade é que, ainda que tivesse sido atendida pelo acórdão recorrido a sua pretensão de ampliação da base instrutória (cfr. acórdão recorrido, fls. 2386 e ponto 2.6 das alegações), e que os factos correspondentes fossem havidos como provados, ainda assim não procederia a alegação de abuso de direito.
Desde logo, nada no processo permite concluir, por exemplo – e o ónus da prova do preenchimento dos requisitos do abuso caberia aos recorrentes – que a actuação da autora (e demais recorridos) tenha de qualquer modo criado nos recorrentes a convicção fundada de que não iriam reagir contra a aprovação das deliberações impugnadas, de forma a que merecesse tutela a confiança assim gerada.
Para além disso, e porque só um excesso manifesto dos limites do direito de anulação, em violação das regras da boa fé, dos bons costumes e do fim social ou económico com que o mesmo é atribuído o tornaria abusivo, não seria a prova de que o arrendamento traria grandes vantagens ao condomínio e graves prejuízos à recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A. e aos serviços por ela prestados que permitiria concluir pelo abuso.
Deixando de lado as restrições de acesso aos locais ocupados, eventualmente não significativas, e a falta de prova de que a segurança do prédio é realmente posta em causa, os termos em que o risco para a saúde ficou assente é suficiente para se não poder concluir pelo manifesto abuso de direito, não sendo necessária, neste âmbito, a prova de que a instalação e funcionamento do equipamento no telhado do prédio é efectivamente prejudicial à saúde.
Recorde-se que não é esse o fundamento da invalidade das deliberações, mas sim a falta de unanimidade na sua aprovação; neste contexto, basta o risco de prejuízo para a saúde para excluir o abuso do direito de anulação.
Aqui chegados, nada mais há que analisar. A exigência da aprovação por unanimidade prejudica a apreciação das questões colocadas nas conclusões 2ª a 12ª das alegações dos recorrentes BB e outros (quanto às conclusões 2ª a 6ª, na parte em que excedem o que se disse já no ponto 9 deste acórdão) e nas conclusões 9ª a 15ª das alegações da recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A.
Nestes termos, decide-se:
a) Não conhecer do recurso interposto por Optimus – Telecomunicações, S.A., na parte em que respeita à impugnação da decisão de negar provimento ao agravo interposto em 1ª Instância;
b) Quanto ao mais, negar provimento a ambos os recursos, confirmando, ainda que por fundamento diferente, o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 19 de Março de 2009
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Lázaro Faria

4/21/2024

Arvores e arbustos - art. 1366º CC



Tribunal: Relação Coimbra
Processo: 32/12.6TBSBG.C1
Data: 21/01/2014

Súmula:

I – O art. 1366º, nº 1, do C.C. limita-se a conceder ao proprietário do prédio a faculdade – e não a obrigação – de defender o seu direito, mediante recurso a “acção directa” e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, arrancando e cortando as raízes, troncos e ramos das árvores existentes em prédio vizinho e que se introduzam no seu prédio, desde que previamente o solicite ao dono das árvores e este o não faça dentro do prazo ali referido.

II – Se o proprietário do prédio invadido, podendo cortar – facilmente e sem grandes custos – as raízes, ramos e troncos que se introduzem no seu prédio, omite tal actuação, não poderá exigir ao dono das árvores qualquer indemnização dos danos que aquele facto lhe venha a causar, porquanto podia e devia ter actuado com vista a evitar a sua verificação.

III – O mesmo não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível, designadamente, por ser demasiada onerosa; nestas situações, recairá sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do C.C., seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

IV – O citado art. 1366º, nº 1, apenas concede ao proprietário do prédio afectado a faculdade de cortar os ramos, troncos e raízes que se introduzirem no seu prédio, não lhe facultando a possibilidade de entrar no prédio vizinho e arrancar as árvores que neste se encontram plantadas; assim, se o dano apenas podia ser evitado com o arranque das árvores, o proprietário lesado nada poderia ter feito para evitar a sua verificação e, como tal, tem o direito de exigir ao dono as árvores a respectiva indemnização.

Decisão:

Dispõe o art. 1366º, nº 1, do CC que “é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicialmente ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias”.

Seguindo os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela e da jurisprudência que cita, considerou a sentença recorrida que o vizinho prejudicado pelas árvores não tem direito a ser indemnizado pelos danos delas decorrentes, a não ser que estivesse impedido de usar da faculdade que lhe é concedida pela norma acima citada.

Referem, efectivamente, Pires de Lima e Antunes Varela, que “…parece claro que o art. 1366º não atribui ao vizinho, prejudicado com as árvores, o direito de pedir uma indemnização ao dono delas (até porque o direito de corte ou de arranque não está dependente da existência do dano em concreto e pode, por conseguinte, ser exercido, em princípio, antes de tal dano se verificar) ou de obrigar este a fazer os cortes” (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed. Revista e actualizada (reimpressão), pág. 231.).

E é também nesse sentido que tem decidido a nossa jurisprudência maioritária, embora, por vezes, com algumas nuances ou restrições, como acontece com o Ac.do TRP de 09/03/2010 (proferido no processo nº 2899/05.5TBOAZ.P1), onde se admitiu a existência de um direito de indemnização, nos casos em que o proprietário lesado está impedido de proceder ao corte dos ramos ou raízes, nos casos em que o dono do prédio lesado não pode aperceber-se do desenvolvimento dos danos ou nos casos em que o dono das árvores não cumpre a sua obrigação de proceder ao respectivo corte quando tal lhe é solicitado pelo proprietário vizinho.

O legislador reconheceu claramente, na norma acima citada, a licitude da plantação de árvores e arbustos até ao limite da linha divisória, não impondo, portanto, qualquer distância relativamente a essa linha. Tê-lo-á feito por razões económicas, como referem Pires de Lima e Antunes Varela e tendo em vista a máxima rentabilidade dos terrenos. Mas, consciente dos riscos de invasão do prédio vizinho que tal situação implicava – já que o normal crescimento das árvores determina, com muita probabilidade, a extensão dos ramos, troncos e raízes para além da linha divisória do prédio onde foram plantadas – e não pretendendo impor ao proprietário vizinho a obrigação de tolerar a invasão do seu prédio, o legislador concedeu a este proprietário um meio expedito e rápido de defender a sua propriedade, estabelecendo, no citado art. 1366º/1, que este poderia arrancar e cortar as raízes que se introduzissem no seu terreno e o tronco e ramos que sobre ele propendessem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizesse dentro de três dias.

Concedeu, portanto, o legislador ao proprietário do prédio vizinho a faculdade de auto-tutelar o seu direito, mediante o recurso a “acção directa” (cfr. art. 336º do CC), sem restrições e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, bastando, para o efeito, que, previamente, solicite ao dono da árvore a actuação pretendida e que este o não faça dentro de três dias.

Por regra, a concessão dessa faculdade será, efectivamente, bastante para prevenir e evitar que aquelas árvores possam causar qualquer prejuízo ao prédio vizinho, por isso se entendendo que o proprietário lesado não terá direito a qualquer indemnização pelos prejuízos que tenha sofrido, sendo certo que os poderia ter evitado mediante o exercício da faculdade que, com essa finalidade, lhe foi concedida. Em tais situações, poder-se-á dizer que o prejuízo deriva directamente da omissão do proprietário lesado, não se justificando, portanto, a atribuição de qualquer indemnização.

Mas, a verdade é que existem situações onde não é razoável e não é legítimo impor ao proprietário vizinho o dever de exercer aquela faculdade e a consequente impossibilidade de ver ressarcidos os danos que sofreu por força de uma árvore que não é sua, da qual não retira qualquer benefício e que está a interferir com o seu direito de propriedade.

Não parece, desde logo, justo e razoável que o proprietário do prédio vizinho – que não retira qualquer benefício da árvore – tenha que assumir o ónus e encargo de estar em permanente vigilância sobre a evolução da árvore e de suportar os custos inerentes à remoção de raízes, troncos e ramos que se introduzam no seu prédio para evitar qualquer dano (custos que, em determinados casos, poderão ser elevados), enquanto o dono da árvore – que, em princípio, deveria ser o responsável pela sua vigilância e pela prática dos actos que se revelassem necessários para evitar danos a terceiros – se alheia dessa situação, à sombra e a pretexto da licitude da plantação da árvore junto à linha divisória.

Por outro lado, também existem situações em que o proprietário não pode actuar pelo modo que seria necessário para evitar o dano no seu prédio, o que acontecerá, designadamente, quando tal dano não pode ser evitado sem o corte da árvore, já que – temos como certo – o citado art. 1366º/1, não concede ao proprietário vizinho o direito de entrar no prédio vizinho para cortar a árvore que, pelo menos em parte, se encontra em prédio que não lhe pertence.

Mas, sem prejuízo de se apelar, em algumas dessas situações, ao abuso de direito, como se fez no Acórdão do TRC de 21/03/2006 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXI, tomo II, pág. 18), parece que o citado art. 1366º não poderá ser lido com o alcance e a amplitude de retirar, em todo e qualquer caso, o direito do proprietário vizinho à reparação dos danos que sofreu.

A este propósito e embora não se refira ao direito de indemnização, mas sim ao direito de o proprietário exigir que o corte seja feito pelo dono da árvore, refere Henrique Mesquita (Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, págs. 160 a 162.) que, apesar de ser normalmente entendido que este direito não existe, esse entendimento nem sempre proporciona a solução mais razoável, como acontece nos casos em que o proprietário vizinho não tem a possibilidade de proceder ao corte (como poderá acontecer quando as árvores estão plantadas junto de muros ou prédios urbanos). Assim, refere o citado autor, “em situações com esta configuração parece-nos razoável entender que ao proprietário lesado assiste o direito de impor ao dono das árvores a prática dos actos necessários a evitar os referidos danos. Com vista à justificação legal deste entendimento poderá dizer-se que o art. 1366º se aplica apenas quando ao proprietário do prédio vizinho seja fácil proceder ao corte das raízes, valendo, para as outras hipóteses, os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia; ou que aquele preceito tem apenas por objectivo legitimar a acção directa do proprietário lesado, mas sem excluir que ao dono das árvores se possam exigir os actos necessários a remover ou impedir agressões ao direito de propriedade dos vizinhos, que é um direito exclusivo (cfr. o art. 1305º); ou ainda que a infiltração de raízes em prédio alheio, por isso que é susceptível de originar, nas hipóteses que vimos analisando, prejuízos substanciais para o proprietário vizinho, se traduz numa emissão a que poderá aplicar-se por analogia o disposto no art. 1346º, senão mesmo o preceituado no artigo seguinte”.

Acompanhando, de algum modo, a doutrina de Henrique Mesquita, parece que o citado art. 1366º teve em vista duas coisas: estabelecer que é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória do prédio sem necessidade de respeitar qualquer distância e conceder ao proprietário do prédio vizinho a possibilidade de recorrer à acção directa com vista a eliminar as raízes, troncos e ramos que estão a invadir o seu prédio.

Sem se pronunciar, sequer, na norma citada, sobre possíveis danos causados pelas árvores em prédios vizinhos e sobre a possibilidade (ou não) de eles serem indemnizados, não parece que o legislador tenha pretendido eliminar em absoluto o direito do proprietário vizinho a ser ressarcido por esses danos (isso não resulta – pelo menos claramente – da letra da lei); o legislador terá apenas pretendido solucionar, de forma rápida e expedita, o conflito de vizinhança que, com muita probabilidade, iria surgir com a plantação de árvores junto à linha divisória, reconhecendo ao proprietário vizinho o direito de não tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos e troncos das árvores e concedendo-lhe o direito (mas não a obrigação) de atacar de imediato essa invasão, independentemente de a mesma lhe causar ou não qualquer prejuízo.

Naturalmente que, concedendo a lei ao proprietário vizinho, a faculdade de reagir àquela invasão em prazo muito curto – actuando ele próprio se o dono da árvore, depois de tal lhe ter sido solicitado, o não fizer em três dias – dever-se-á considerar que os prejuízos causados por tal invasão se devem à sua própria omissão, já que, podendo actuar e evitar o dano, não actuou, permitindo que o dano se produzisse. E, nesse caso, não se justificará, efectivamente, que possa vir a exigir ao proprietário das árvores a respectiva indemnização, tal como vem entendendo a doutrina e jurisprudência maioritárias.

Mas uma tal solução apenas se justificará quando o proprietário vizinho tem a possibilidade efectiva de actuar, ao abrigo do citado art. 1366º, de forma a evitar o dano e quando tal actuação lhe é exigível, como sucederá nos casos em que as raízes, ramos ou troncos podiam ser cortados facilmente e sem grandes custos. Só nessa situação se poderá dizer que o proprietário do prédio vizinho omitiu o dever e a actuação que lhe era permitida e que lhe era exigível, dando causa ou contribuindo, com culpa, para a produção do dano o que excluiria a eventual responsabilidade civil do dono da árvore, por força do disposto no art. 570º do CC.

Mas tal já não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível por ser demasiada onerosa e por não ser razoável fazer impender sobre o proprietário vizinho o ónus de suportar os custos inerentes (que, eventualmente, até podem ser superiores ao valor do dano que se pretende evitar), quando é certo que a árvore não é sua e dela não retira qualquer proveito.

Nessas situações, valerão, como refere Henrique Mesquita (cfr. excerto acima citado) os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia e, portanto, o dono das árvores terá a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do CC, seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

A lei reconhece, claramente, ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305º, do CC); a lei não impõe ao proprietário qualquer restrição emergente da plantação de árvores no prédio vizinho, no sentido de ser obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, troncos ou ramos dessas árvores, reconhecendo-lhe claramente (como decorre do art. 1366º/1) o direito de não tolerar tal invasão; portanto, tal invasão – não podendo ser imposta ao proprietário do prédio – configura uma lesão ou violação do seu direito de propriedade, pelo menos, a partir do momento em que manifesta a sua oposição; embora se deva considerar que, em princípio, o proprietário do prédio invadido não pode exigir qualquer indemnização ao dono das árvores pelos danos decorrentes do prolongamento das raízes, ramos e troncos, na medida em que, tendo a faculdade de proceder ao seu corte, estava na sua disponibilidade evitar a produção do dano, não poderá deixar de lhe ser reconhecido o direito à indemnização dos danos quando não lhe era possível actuar de forma a evitar a sua verificação ou quando tal actuação, apesar de lhe ser permitida, não lhe era exigível.

Ainda que seja lícita a plantação das árvores naquelas circunstâncias (ou seja, até à linha divisória), o dono das árvores não deixará de responder pelos danos que elas causem a terceiros, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 493º do CC e, portanto, se as suas raízes, ramos ou tronco invadirem prédio alheio e se o proprietário do prédio invadido estiver impossibilitado de proceder ao respectivo corte, ao abrigo do disposto no art. 1366º/11, ou se não lhe for exigível tal actuação, recai sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos causados com tal invasão.

À luz destes considerandos, o proprietário não é obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos ou troncos das árvores que pertencem a outrem e nenhuma justificação encontramos para impor ao proprietário o ónus de praticar todo e qualquer acto que seja necessário – e com a frequência que seja necessária – para evitar que aqueles causem dano efectivo no seu prédio e independentemente da natureza e da onerosidade desses actos, quando é certo que nenhum benefício retira daquelas árvores. A ser de outro modo, o proprietário em causa sofreria duas agressões no seu direito de propriedade, já que, além de o seu direito de propriedade estar a ser objecto de uma interferência que não é obrigado a tolerar, ainda teria que suportar os custos dos actos necessários para evitar que tal circunstância causasse danos efectivos no seu prédio. O que determina o citado art. 1366º/1, é que o proprietário tem o direito de praticar esses actos; mas não se determina que tenha a obrigação de os praticar sob pena de arcar com os danos que aquelas árvores lhe venham a causar, ainda que se considere, como acima se mencionou, que, podendo fazê-lo, sem grande esforço e sem grandes custos, actua com culpa e contribui para a verificação do dano, se omitir tal actuação e nada fizer para evitar o dano.