Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/11/2024

As notificações no âmbito do nrau


A temática das notificações no âmbito do NRAU não tem tido, julga-se, a relevância que a sua importância e implicações impunham.

Com efeito, o sucesso ou insucesso dos variados procedimentos em que é necessário efetuar notificações dependem da correta ou incorreta elaboração destas.

E, note-se, que os efeitos de notificações incorretamente elaboradas e/ou efetuadas se podem vir apenas a verificar, por vezes, alguns anos após a sua realização.

O art. 9.º do NRAU, no seu nº 1, estabelece que as comunicações relativas à cessação do contrato de arrendamento, atualização de rendas e obras deverão ser efetuadas por carta registada com aviso de receção. Cartas que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, devem ser enviadas para o arrendado, pelo que, convém realçar, desde logo, que, no caso das pessoas coletivas, enviar a carta para a sua sede é uma solução errada, salvo se essa morada for o domicílio convencionado.

Mas, é depois no âmbito do art. 10º do NRAU, que se devem ter as maiores cautelas, porquanto do não cumprimento das vicissitudes aí previstas podem resultar situações de ineficácia das comunicações a que o mesmo alude.

Desde logo, o nº 1 deste artigo estabelece que as comunicações referidas no nº 1 do art. 9º do NRAU se consideram recebidas ainda que a carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. Contudo, este regime regra é, de pronto, afastado no nº 2 do art. 10º do NRAU para as comunicações que reputamos de mais importantes.

Na verdade, este nº 2, logo na sua alínea a), exclui do regime regra as cartas que constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização de renda, nos termos dos art. 30º e 50º deste regime. Mas também a sua al. b) exclui do previsto no nº 1 as cartas que integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos art. 14º-A e 15º, respetivamente, salvo se houver domicílio convencionado, prevalecendo, neste caso, o regime regra.

Temos pois que nas situações previstas nas al. a) e b) do nº 2 do art. 10º do NRAU as cartas não se consideram recebidas se forem devolvidas por o destinatário se ter recusado a recebê-las ou o aviso de receção ter sido assinado por pessoa diferente do destinatário.

O que fazer então nestas situações? O nº 3 do art. 10º do NRAU dá-nos a resposta, ou seja, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre o envio da primeira carta, sendo certo que a nova carta, ainda que volte a ser devolvida, se considera recebida no 10º dia posterior ao seu envio, bem como se considera recebida se o aviso de receção voltar a ser assinado por pessoa diferente do destinatário.

Há aqui que chamar a particular atenção para as cartas remetidas para as pessoas coletivas, quando não existe domicílio convencionado, atenta a jurisprudência dominante, designadamente, o Acórdão do STJ, datado de 19/10/2017, cuja relatora é a Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Com efeito, decorre deste aresto, predominantemente aplicado pelos Tribunais que, sendo a carta dirigida a pessoa coletiva e sendo o aviso de receção assinado por pessoa diferente de um seu legal representante, se considera que o mesmo foi assinado por pessoa diferente do destinatário, e, por isso, é necessário enviar a segunda carta prevista no nº 3 do art.10º do NRAU.

Esta matéria é da máxima relevância, pois, na maior parte dos casos, tratando-se de pessoas coletivas, o aviso de receção é, por via de regra, assinado por funcionários ou colaboradores da mesma e o não envio a segunda carta, que confira eficácia à primeira carta, faz com que a notificação se tenha como não efetuada.

Temos pois já aqui evidenciados alguns pontos de fundamental importância para que uma comunicação seja considerada efetuada e, por isso, eficaz.

Mas os cuidados não se podem ficar pelo cumprimento do previsto nos nºs 2 e 3 do art. 10º do NRAU. Importante é também não olvidar o art. 11º do NRAU para as situações em que há pluralidade de senhorios ou de arrendatários.

Comecemos pela pluralidade de senhorios, situação em que, por mais ínfima que seja a quota de cada um dos senhorios, as comunicações efetuadas por estes têm que ser subscritas por todos, sob pena de, não o sendo, serem ineficazes, conforme resulta, expressamente, do nº 1 do art. 11º do NRAU. É bem verdade que, em caso de não haver consenso entre os senhorios, ainda que a maioria esteja de acordo em efetuar uma determinada comunicação, basta um recusar-se a subscrever a mesma e já não poderá ser efetuada eficazmente.

Já no que respeita à pluralidade de arrendatários, haverá que atentar ao que vem previsto nos nºs 3 e 4 do art. 11º do NRAU, designadamente, neste último. Na verdade, resulta daqui que, estando em causa as comunicações previstas no nº 2 do artigo 10º do NRAU, já acima escalpelizadas, as mesmas têm que ser dirigidas a todos os arrendatários. Logo estas comunicações têm que ser efetuadas por cartas registadas com aviso de receção dirigidas a cada um dos arrendatários, porquanto, se tal não acontecer serão ineficazes.

A este propósito realce-se, ainda, a situação em que o arrendado constitui casa de morada de família, pois, também, nestes casos, nos termos do nº 1 do art. 12º do NRAU, as comunicações previstas no nº 2 do art. 10º do NRAU têm que ser dirigidas, em cartas autónomas, a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.

Aqui chegados podemos verificar que, de facto, aquando da elaboração de uma carta relativa, designadamente, às comunicações previstas no nº 2 do art. 10º do NRAU, haverá que adotar o máximo cuidado e atenção para não se correr o risco de, mais tarde, por vezes anos, sermos surpreendidos com a declaração de ineficácias de tais comunicações o que, para além da perda de tempo pode, também, criar situações irreversíveis por entretanto, por um ou outro motivo, aquele direito ter precludido, designadamente, decorrente das alterações legislativas constantes.

Vamos, agora, focar-nos em pouco no previsto no nº 7 do art. 9º do NRAU, ou seja, na possibilidade de resolução extrajudicial do contrato de arrendamento por falta de pagamento de renda, em que a comunicação é efetuada nos termos do nº 2 do art. 1084º do CC.

Comecemos pela sua al. d), a possibilidade de resolução do contrato de arrendamento por carta registada com aviso de receção quando existe domicílio convencionado, a que se aplica, por força do previsto, al. b) do nº 2 do art.10º do NRAU, o regime regra previsto no nº 1 do mesmo artigo, ou seja, ainda que a carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, a mesma considera-se recebida. Nestas situações, cumpridas as demais vicissitudes e demais exigências de elaboração e efetivação da comunicação não há necessidade de enviar uma segunda carta, ainda que a primeira não seja recebida.

Mas, para além da situação prevista na al. c) do nº 7 do art. 9º do NRAU, temos, também, as situações constantes das al. a) – Notificação avulsa - e b) – Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução - do mesmo número, havendo, nestes casos, que saber o que fazer quando o destinatário se recusar a assinar a notificação ou a receção do duplicado da comunicação ou quando não for possível localizar a pessoa a notificar.

A resposta a estas situações encontramo-la, respetivamente, nas al. a) e b) do nº 5 do art. 10º do NRAU.

Assim, no caso de recusa do destinatário em assinar a comunicação ou a receção do duplicado, o notificante lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada, conforme resulta da al. a) do nº 5 do art. 10º do NRAU.

Por sua vez, não sendo possível notificar o destinatário da comunicação, terá o senhorio que remeter carta registada com aviso de receção, para o arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que não foi possível localizar o destinatário; carta esta que se considera recebida no 10º dia posterior ao seu envio, tudo conforme resulta da al. b) do n.º 5 do art. 10º do NRAU. Significa isto que, neste caso, não sendo enviada esta carta registada com aviso de receção, a comunicação não se considera efetuada e, consequentemente, é ineficaz.

São pois estes, evidenciados de forma muito breve, os principais pontos a ter em atenção aquando de elaboração de uma comunicação para que a mesma possa ser eficaz e, consequentemente, sejam alcançados os efeitos pretendidos.

4/05/2024

Alterações ao regime do arrendamento urbano


As mais significativas alterações ao RAU trazidas pela Lei nº 56/2023 de 6710 (diploma mais habitação), são as que decorrem do disposto nos art. 34º, 35º e 36º deste diploma legal, sendo que o primeiro limita o valor da renda a praticar em novos contratos que incidem sobre imóveis relativamente aos quais tenham vigorado contratos de arrendamento celebrados nos cinco anos anteriores, com referencia a 07/10/2023 (data da sua entrada em vigor), enquanto que os segundo e terceiro alteram os art. 35º e 36º da Lei 6/2006, de 27/02, aplicáveis a arrendamentos habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do RAU.
 
Vejamos, assim, em concreto e na prática em que consistem essas alterações:
 
O disposto no art. 34º da Lei 56/2023 visa combater a especulação imobiliária nos novos contratos de arrendamento habitacional; para tanto, determina que um imóvel relativamente ao qual tenha sido celebrado um contrato de arrendamento entre 07/10/2018 e 07/10/2023, cessando este, a renda do novo contrato a celebrar, tendo por objeto este imóvel, não poderá ter um valor que ultrapasse o valor da renda do anterior contrato, acrescida de dois por cento, ou seja, se a renda do contrato anterior fosse € 1 000,00, a renda do novo contrato não poderá ultrapassar o montante de € 1 020,00.
 
De realçar, relativamente a este tema, que:
 
Este regime não se aplica a contratos cujo valor da renda não ultrapasse os limites da renda acessível previstos nas tabelas 1 e 2 do Anexo à portaria nº 176/2019, de 6/07;
 
Caso o contrato de arrendamento imediatamente anterior não tenha sido objecto de uma ou mais actualizações, legalmente permitidas, ao valor da renda, para efeitos da determinação da renda a aplicar a novos contratos, podem ainda ser considerados os coeficientes legais, desde que não tenham decorrido mais de três anos, sendo que, para este efeito, o coeficiente relativo ao ano de 2023 é de 1,0543;
 
Tratando-se de imóveis que tenham sido objecto de obras de remodelação ou restauro profundos, devidamente atestadas pela CM, ao valor da renda inicial dos novos contratos poderá acrescer o valor das despesas suportados pelo senhorio, com essas obras, até ao limite anual de 15%.
 
Já o art. 35º determina que os contratos abrangidos pelos art. 35º e 36º do NRAU (Lei 6/2006) já não transitam para o mesmo.
 
Significa isto que os contratos de arrendamento habitacional celebrados antes da entrada em vigor do RAU, ou seja, antes de 1990, desde que o arrendatário invoque ou tenha invocado um Rendimento Anual Bruto Corrigido do agregado familiar inferior a cinco Remunerações Mínimas Nacionais Anuais), actualmente € 57 400,00, que tenha idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, não transitam para contratos de prazo certo, continuando a reger-se pelas regras aplicáveis aos contratos de arrendamento de duração indeterminada, não podendo os senhorios denunciá-los sem justificação, nos termos da al. c) do art. 1101º do CC.
 
Por outro lado, com as alterações introduzidas pelo art. 36º aos art. 35º e 36º do NRAU, também, relativamente aos contratos abrangidos por estes artigos (o inquilino invoque ou tenha invocado baixo rendimento, idade ou deficiência), na falta de acordo, deixa de poder haver actualização extraordinária da renda nos termos da anterior redacção das al. a) e b) do nº 2 do art. 35º do NRAU, ou seja, para 1/15 do valor patrimonial do locado.
 
Com efeito, com a nova redacção dada ao nº 2 do art. 35º e ao nº 6 do art. 36º, ambos do NRAU, na falta de acordo quanto ao valor da renda, esta só pode ser actualizada nos termos do art. 24º do NRAU, ou seja, pela aplicação do coeficiente da actualização anual.
 
A propósito deste tema, convirá realçar que o mesmo diploma que, com as alterações introduzidas acaba por impedir a actualização extraordinária da renda nestas situações, prevê, no nº 2 do art. 35º, para as mesmas situações, não só a definição de medidas fiscais, incluindo isenção de IRS e IMI, como também da renda a fixar para o arrendatário a partir de 2024.
 
E de fato, em cumprimento do previsto nesta disposição legal, o DL nº 132/2023, de 27712, veio determinar, relativamente aos arrendamentos habitacionais a que se aplica este diploma, ou seja, os celebrados antes da entrada em vigor do RAU, o seguinte:
 
O valor da renda exigível ao inquilino e à que se encontrar em vigor à data da entrada em vigor deste diploma, podendo ser actualizada nos termos do art. 24º do NRAU, ou seja pela aplicação do índice de actualização anual para os arrendamentos habitacionais.
 
Sempre que a renda mensal destes contratos seja inferior a 1/15 do valor patrimonial tributário do locado, fraccionado em doze meses, o senhorio tem direito a um apoio financeiro, sob a forma de subvenção mensal não reembolsável;
 
O montante da compensação a atribuir ao senhorio, pelo IRHU, I.P. (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), corresponde à diferença entre o valor da renda mensal paga pelo inquilino e o valor correspondente a 1/15 do valor patrimonial tributário do locado, fraccionado em doze meses;
 
Sobre os montantes da compensação paga pelo IHRU ao senhorio não incide imposto sobre o IRS (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares) nem contribuições para a Segurança Social.
 
Finalmente, não poderemos deixar de abordar um problema resultante da incúria do legislador, pois, tendo procedido à alteração do nº 2 do art. 35º do NRAU, não teve em consideração que, tanto a actualização da renda relativa aos arrendamentos não habitacionais, prevista no nº 2 do art. 54ª do NRAU, como a dos arrendamentos habitacionais não abrangidos pelos art. 35º e 36º do NRAU, prevista na al. b) do nº 5 do art. 33º do NRAU, remetem para o critério previsto nas al. a) e b) do nº 2 do art. 35º do mesmo diploma.
 
Colocados perante esta situação, haverá que ponderar se fará sentido que, em caso de transição para o NRAU e actualização da renda de arrendamentos não habitacionais e de arrendamentos habitacionais em que o inquilino não invoque baixo rendimento, idade ou deficiência, não possa haver actualização da mesma segundo o critério previsto na revogada redacção das al. a) e b) do art. 35º do NRAU.
 
Entendemos que, além de não fazer sentido, a circunstância de, tanto o nº 2 do art. 54º, como a al. b) do nº 5 do art. 33º, ambos do NRAU, remetem a actualização da renda neles prevista para as al. a) e b) do nº 2 do art. 35º, tendo elas sido revogadas, parece-nos lícito defender que essa remissão é feita para a redacção que essas disposições tinham anteriormente à sua revogação.