Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

5/23/2022

Obras indispensáveis e urgentes



Artigo 1427º
(Reparações indispensáveis e urgentes)

1 - As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.
2 - São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.

A realização de obras urgentes de reparação das partes comuns em ordem a evitar danos em fracção autónoma do edifício incumbe ao condomínio enquanto conjunto composto por todos os condóminos e enquanto contitulares dos direitos relativos a essas partes comuns e responsáveis pela respectiva conservação e reparação.

Além disso, os próprios administradores do condomínio, enquanto órgão executivo, poderão responder, a título pessoal, perante o proprietário afectado em consequência de patologias sobrevindas nessas partes comuns se, tendo conhecimento das mesmas e dos seus efeitos, não encetarem diligências para lhes pôr cobro, em particular não convocando assembleia extraordinária dos condóminos destinada a apreciação e deliberação sobre as obras de reparação necessárias.

Ao próprio condómino cuja fracção se mostre afectada assiste, à luz do preceituado no art. 1427º do CC, o direito de, por sua iniciativa, e perante uma situação de urgência, realizar essas obras de reparação; Todavia, esse é um direito ou faculdade que lhe assiste e não uma obrigação que lhe possa ser imposta ou exigida pelo administrador ou pelo condomínio.

Na verdade, se à luz do preceituado no art. 1427º do CC qualquer condómino, na falta ou impedimento do administrador, pode levar a cabo por sua própria iniciativa (e consequente vontade) as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns por forma a evitar a ocorrência de danos (ou o seu agravamento) na sua própria fracção – repercutindo, depois, o custo por si suportado pelos demais condóminos segundo os critérios previstos no art. 1424º do mesmo Código -, esse seu direito ou faculdade (que, repete-se, depende da sua iniciativa e da sua vontade em tal sentido, não correspondendo pois a qualquer dever ou obrigação do condómino) não escusa, nem exclui, manifestamente, os deveres que impendem, não só, sobre a administração do condomínio (enquanto órgão executivo das deliberações da assembleia de condóminos quanto às partes comuns, nomeadamente quanto a eventuais obras de reparação dessas partes do edifício), como, ainda, sobretudo, sobre os condóminos através da respectiva assembleia, enquanto órgão deliberativo integrado pelo conjunto de todos os condóminos, relativamente à administração e conservação das partes comuns (cfr. art. 1424º, nº 1 e 1430º do CC), por forma a que de tais partes comuns não decorram danos para terceiros, ou, ainda, para outro condómino, ao nível da sua própria fracção autónoma.

Como é consabido, na PH coexistem num mesmo edifício formando um conjunto incindível, os direitos de propriedade exclusiva dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas e os direitos dos mesmos condóminos sobre as partes comuns, por princípio definidos segundo o regime da compropriedade (cfr. art. 1420º, n.º 1 do CC). Destarte, ao lado de um direito de compropriedade sobre as partes comuns de que todos os condóminos são contitulares, cada condómino é proprietário exclusivo da sua própria fracção autónoma.

Como assim, cada um dos proprietários da respectiva fracção autónoma é titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, que lhe permite exigir de qualquer terceiro, seja ele outro condómino, seja ele um terceiro alheio ao edifício em propriedade horizontal, seja ele, ainda, o próprio conjunto dos condóminos, que se abstenha de actos que perturbem ou diminuam o pleno gozo e fruição da sua fracção. Este direito resulta do preceituado no art. 1305º do CC segundo o qual o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, sendo que esse direito, enquanto direito real absoluto, é oponível a qualquer terceiro.

Nestes termos e à luz do preceituado no art. 483º do CC a violação desse direito subjectivo pode importar a obrigação de o agente da violação indemnizar o lesado, caso se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil.

De facto, como se salienta no Ac. do TRP de 16.01.2014: «Para o efeito, o que releva é que tenha sido violado o direito de propriedade exclusiva ou singular, ou seja, afectada a fracção autónoma, e que o autor da lesão seja alguém estranho a esse direito de propriedade singular, independentemente de se tratar de um não condómino, de um condómino ou do próprio condomínio, os quais, em qualquer dos casos, são terceiros em relação ao direito real sobre o bem afectado e, portanto, estão sujeitos ao dever de non facere que a natureza do direito real do lesado lhe impõe».

Também no Ac. da mesma Relação, de 23/4/2018 decidiu que: "Este mesmo princípio que emerge do preceituado no art. 483º do CC será, ainda, a nosso ver, aplicável ao próprio administrador, como órgão do condomínio, sendo que não intercede entre este e cada um dos condóminos uma relação contratual, a título de contrato de mandato ou de administração, mas, quando muito, entre o administrador e o condomínio, enquanto conjunto de todos os condóminos e considerado este como um centro de interesses representativo desse conjunto dos condóminos, diverso e autónomo perante o interesse de cada um dos condóminos, individualmente considerados.

Significa isto que o titular de uma das fracções do prédio em PH que vê a sua fracção afectada em resultado de algo ocorrido nas partes comuns do edifício pode exigir a respectiva responsabilidade do condomínio ou do próprio administrador, a título pessoal, mas para tanto é suposto que ocorram todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam o facto (acção ou omissão), a ilicitude (violação de um direito subjectivo ou de qualquer disposição legal dirigida à protecção de interesses alheios), a culpa (enquanto juízo de censura), o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano"

Nestes termos, o órgão condomínio, entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos relativos às partes comuns do edifício responde concomitantemente pelas obrigações relativas a essas mesmas partes. Sucede, no entanto, que não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo relativamente às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio ou do administrador de reparar as partes comuns.

Com efeito, a alínea a) do nº 2 do art. 1422º do CC apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não emerge da factualidade provada, sem sequer está em causa na presente acção.

Por outro lado, a al. f) do art. 1436º define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns. Em tal perspectiva, diga-se que, salvo deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, o administrador, enquanto órgão executivo do condomínio - que não pode invadir a esfera de competência deliberativa do condomínio através da respectiva assembleia -, não está directamente obrigado perante o condómino cuja fracção seja afectada por vícios ou patologias existentes nas partes comuns a realizar as obras de reparação necessárias à sua eliminação.

Na verdade, se é indiscutido que o administrador incorre em responsabilidade civil perante os condóminos ou perante terceiros, quando excede os limites das suas atribuições, quando faz mau uso dos poderes-deveres que a lei lhe confere, quando deixa de fazer o que a lei ou o regulamento do condomínio lhe impõem que faça ou, ainda, quando não dá cumprimento às deliberações da assembleia – e que lhe incumbe executar nos termos do art. 1436º, al. h) do CC -, já não incorre em responsabilidade civil se não providencia ele próprio pelas reparações urgentes nas partes comuns que causem danos em bens de terceiro ou na própria fracção autónoma de cada um dos condóminos.

O administrador, a esse nível, pode fazer essas obras, mas não está obrigado a substituir-se ao condomínio e à respectiva assembleia e a executá-las, ainda que perante si sejam reclamadas; Ao invés, a responsabilidade pela execução de tais obras nas partes comuns, cabendo ao condomínio no seu conjunto, através da respectiva assembleia, a administração das partes comuns (cfr. art. 1430º, nº 1 do CC), e cabendo ao mesmo conjunto de todos os condóminos, na proporção do valor das suas respectivas fracções, suportarem as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício (cfr. art. 1424º, nº 1 do CC), recairá, pois, sobre o condomínio, entendido este como o conjunto de todos os condóminos.

Aliás, um tal princípio decorre do preceituado no art. 1411º do CC, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir, na proporção das respectivas quotas, [no caso da PH, em função do valor relativo das suas fracções no valor do conjunto do edifício], para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum.

Destarte, como se salienta no aludido Acórdão do TRP de 16.01.2014, "se é certo que inexiste norma legal expressa que consagre esta obrigação do condomínio quanto à reparação das partes comuns, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns, encetando as diligências necessárias a tal fim, designadamente deliberando sobre a sua realização e consequente adjudicação, incumbindo, depois, por seu turno, à administração, enquanto órgão executivo, providenciar pelo efectivo cumprimento de tal deliberação e consequente execução das obras de reparação ou conservação aprovadas."

Por conseguinte, é de concluir que o condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumprindo esse dever por omissão negligente do zelo e cuidado que lhe são exigíveis e possíveis na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família (cfr. art. 487º, nº 2 do CC), e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino dos danos que lhe sobrevenham como consequência directa da sua omissão ilícita e culposa quanto à realização das obras em causa.

No que se refere ao administrador, e como resulta do que já antes se expôs, a sua responsabilidade perante o condómino não decorre da não realização das reclamadas obras de reparação, pois que a tal não estava obrigado, mas antes de não ter aquele, como devia, segundo o mesmo critério do bom pai de família, ou seja de um administrador normalmente cuidadoso e diligente, nas circunstâncias do caso, na sequência da comunicação das infiltrações de águas existentes na fracção a partir de uma parte comum e dos seus efeitos quanto à inviabilidade de uso da fracção atingida, providenciado, pelo menos, pela marcação, no mais curto espaço de tempo possível, pela realização de uma AGE onde a reclamação do condómino fosse exposta e submetida à competente apreciação deliberativa dos condóminos.

Na verdade, não pode a administração do condomínio à data deixar de saber que é sua incumbência convocar a AG sempre que tal se mostre conveniente (como é manifestamente, o caso, perante a reclamação do condómino por patologias nas partes comuns do edifício que lhe causam danos significativos na fracção autónoma de sua propriedade – cfr. arts. 1431º, nº 2 e 1436º, al. a) do CC).

5/18/2022

Obrigatoriedade de passar recibos

Os condomínios devem exigir sempre os recibos relativos aos pagamentos por eles efectuados, nomeadamente a fornecedores e prestadores, quer a dinheiro, quer através de cheque, ou por transferência bancária. No entanto, é grande o universo das entidades, que se escusam à emissão de recibos de quitação, com a argumentação de que a mesma não é obrigatória.

Na redacção dos art. 140º e 141º da Tabela Geral do Imposto do Selo, anteriormente à data da entrada em vigor do CIVA, tinha-se estabelecido, respectivamente, que estavam sujeitos à incidência do imposto do selo os “Recibos de valor desconhecido ou quitação geral sem designação de valor, mesmo que fosse recíproca entre duas ou mais pessoas” e os “Recibos, quitações ou quaisquer outros documentos comprovativos do pagamento de transacções ou serviços prestados e, bem assim, os que de algum modo envolvessem desobrigações de dinheiro, valores ou objectos”.

No entanto, a al. d) do nº 2 do art. 2º (Revogação e abolição de impostos), do DL nº 394-B/84, de 26 de Dezembro, diploma este que aprovou o CIVA), o qual, aboliu, a partir da data da entrada em vigor do mesmo Código (1 de Janeiro de 1986), entre outros artigos da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), os art. 140º e 141º, desde que, nestes dois últimos casos, os documentos aí referidos comprovassem o pagamento de operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado, ainda que dele isentas.

Ora, como facilmente se pode verificar, na leitura das disposições acima transcritas, não foram os recibos a ser abolidos mas sim a sua tributação em sede de imposto do selo.

No entanto, muitas foram as empresas que, aproveitando a abolição destes art. 140º e 141º da TGIS emitiram circulares pelos seus clientes, as quais, muito embora com algumas pequenas diferenças, referiam, de um modo genérico, o seguinte: “Considerando que o Regulamento do Imposto do Selo e o CIVA não estabelecem a obrigatoriedade da emissão de recibos à generalidade dos contribuintes, uma vez que a maior parte das transacções é geralmente suportada por facturas ou documentos equivalentes, nos termos do disposto no art. 28º [actual art. 29º] do CIVA, e também porque a grande maioria das formas de pagamento utilizadas disponibilizam documentos comprovativos dos valores entregues, nomeadamente os casos de cheques, e transferências bancárias, deixaremos de proceder ao envio generalizado de recibos respeitantes aos vossos pagamentos das nossas facturas.

É sabido que a própria Administração Fiscal, voluntária ou involuntariamente, também tem vindo a colaborar no “desprestígio” da figura do recibo, elegendo a factura como documento principal e prevalecente nas relações entre os contribuintes e o Fisco, actuação esta que atingiu o auge com a publicação do DL nº 197/2012, de 24 de Agosto, e a emissão dos Ofícios Circulados nº 30 136, de 19 de Novembro de 2012, e 30 141, de 4 de Janeiro de 2013.

De salientar que o ponto 2.1 do Ofício Circulado nº 30 136 refere que a al. b) do nº 1 do art. 29º do CIVA é alterada, passando a determinar a obrigação de emissão de factura para todas as transmissões de bens ou prestações de serviços, incluindo os pagamentos antecipados, independentemente da qualidade do adquirente ou do destinatário dos mesmos, ainda que estes não a solicitem.

Atente-se, também, à redacção do nº 3 deste mesmo Ofício Circular: “Passa a constar, de forma expressa, no nº 19 aditado ao art. 29º do Código, a interdição da emissão e entrega de documentos de natureza diferente da factura, para titular as operações tributáveis.”

Porém, a Administração Fiscal (ou Tributária, como agora é denominada) é pródiga em surpresas, veja-se o teor da parte I. «Obrigação de emissão e de comunicação de recibo», do Ofício-Circulado nº 30 154, de 30 de Outubro de 2013, relativo ao Regime de IVA de Caixa, no que concerne ao seu ponto 1. «Pelos sujeitos passivos abrangidos pelo regime»: De acordo com o disposto no nº 2 do art. 6º do regime de IVA de caixa, é obrigatória a emissão de recibo no momento do pagamento total ou parcial da factura, ainda que esse pagamento preceda a realização das operações tributáveis. Assim, os sujeitos passivos que optem pelo regime apenas devem emitir e comunicar o respectivo recibo nos termos do referido artigo 6.º quando estejam em causa pagamentos referentes a operações abrangidas pelo regime e cujos adquirentes sejam igualmente sujeitos passivos de imposto.

Devemos, porém, reconhecer que por vezes a Administração Fiscal demonstra subscrever o que, na nossa óptica, são medidas correctas, como se pode observar no teor da seguinte doutrina:

Atente-se ao teor dos nº 3 a 6 da Informação Vinculativa, com Despacho de 24 de Novembro de 2006, relativa ao Processo nº F061 2006150, subordinada ao assunto “Facturas - Documentos de quitação”. «3. A questão objectivamente colocada prende-se com o documento de pagamento/quitação e não com o documento que suporta a operação, a não ser que o recibo seja o único documento, processado para aquela operação, não existe formalismo especial do ponto de vista fiscal.

4. São relevantes nesta matéria, nomeadamente o art. 787º do CC e os art. 40º e 476º do Código Comercial. O art. 787º do CC, refere que: "1 - “Quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo. 2 - O autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento".

5. Nos termos da citada disposição infere-se que o dever de dar quitação daquilo que se recebe apenas é obrigatório quando aquele que paga exige o respectivo recibo de quitação.

6. Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 476º do Código Comercial "o vendedor não pode recusar ao comprador a factura das coisas vendidas e entregues, com o recibo do preço ou parte do preço que houver reembolsado".»

Um pormenor que não pode deixar de ser tido em atenção é a exigência constante do nº 4 do art. 115º do CIRS, “As pessoas que paguem rendimentos previstos no art. 3º são obrigadas a exigir os respectivos recibos ou facturas”, que embora apenas seja aplicável às aquisições de bens e, ou, serviços efectuadas a sujeitos passivos que sejam Pessoas Singulares, o nº 2 do art. 132º do CIRC vem estipular que o disposto no nº 4 do art. 115º do CIRS é aplicável com as necessárias adaptações aos rendimentos sujeitos a IRC.

Importa abrir aqui um pequeno parêntesis para, a propósito do teor do nº 4 do art. 115º do CIRS acima explicitado, proceder à transcrição da seguinte doutrina:

Informação Vinculativa – Ficha Doutrinária
Diploma: Código do IRS
Art.: 3º, nº 6, 98º e 101º
Assunto: Prestações de Serviços - Sujeição a IRS dos rendimentos e Retenção na fonte
Processo: 993/12, com despacho concordante, datado de 2012-03-08 do Director-Geral

Conteúdo:

1. Nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do art. 3º do CIRS, são considerados rendimentos profissionais (rendimentos da categoria B) os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico.

2. Os rendimentos da categoria B ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no art. 18º do CIRC sempre que o rendimento seja determinado com base na contabilidade (cfr. nº 6 do art. 3º do CIRS).

3. Nos termos do disposto no art. 115º do CIRS, os titulares dos rendimentos da categoria B são obrigados: a) a passar recibo, em modelo oficial (vide, Portaria nº 879-A/2010, de 29/11, que aprovou os modelos oficiais do recibo designado de recibo verde electrónico), de todas as importâncias recebidas dos seus clientes, pelas prestações de serviços referidas na alínea b) do nº 1 do art. 3º, ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas, bem como dos rendimentos indicados na alínea c) do nº 1 do mesmo artigo; ou b) a emitir factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens, prestação de serviços ou outras operações efectuadas, e a emitir documento de quitação de todas as importâncias recebidas.

4. Desta forma, de acordo com o previsto no art. 115º do CIRS, os titulares dos rendimentos desta categoria podem optar pela emissão de factura e correspondente recibo de quitação em alternativa à emissão do recibo em modelo oficial, decorrendo do nº 6 do art. 3º do CIRS que o momento da sujeição a tributação em IRS dos rendimentos desta categoria é distinto, consoante haja ou não a obrigação de emissão de factura ou documento equivalente por parte do titular dos rendimentos.

Vejamos, agora, os normativos que entendemos imporem a obrigatoriedade da emissão dos recibos pelas pessoas ou entidades beneficiárias dos respectivos pagamentos. O art. 373º (Assinatura), do CC, refere que “Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar”.

Por sua vez, o art. 787º (Direito à quitação), também ele do CC, estipula quem: “Quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo. O autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento”.

Atente-se, também, ao que preconiza o art. 476º (Entrega da factura e do recibo), do Código Comercial: “O vendedor não pode recusar ao comprador a factura das cousas vendidas e entregues, com o recibo do preço ou da parte de preço que houver embolsado”.

Outro articulado que não pode deixar de ser tido em consideração na análise da obrigatoriedade da existência dos recibos de quitação como documentos imprescindíveis para suporte dos lançamentos contabilísticos é a al. a) do nº 2 do art. 123º (Obrigações contabilísticas das empresas), do CIRC: “2 - Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário”.

Também a Comissão Executiva da Comissão de Normalização Contabilística, há alguns anos atrás, em resposta a uma questão que lhe foi apresentada acerca da possibilidade de deixarem de ser emitidos recibos, pois de acordo com o art. 28º, actualmente art. 29º, do CIVA, que estipula que as transacções comerciais devem ser suportadas por facturas ou documentos equivalentes e por o regulamento do Imposto do Selo não estabelecer a obrigatoriedade da emissão do recibo, respondeu do seguinte modo: “Por imperativos de organização contabilística e de controlo interno, esta Comissão entende que todos os registos contabilísticos devem estar suportados por documentos comprovativos de cada operação.

Este entendimento é aplicável à exigência de recibo de quitação das importâncias pagas, em conformidade com o disposto no art. 476º do Código Comercial, bem como no nº 3 do art. 98º [actual nº 2 do art. 123.] do CIRC, aprovado pelo DL nº 442-B/88, de 30 de Novembro.”

Como se verifica por esta resposta da CNC, os recibos são essenciais para que as empresas exerçam um eficaz controlo interno das operações. Neste entendimento não se pode deixar de solicitar a especial atenção para a redacção do art. 123º (Violação do dever de emitir ou exigir recibos ou facturas), do Regime Geral das Infracções Tributárias: "1 - A não passagem de recibos ou facturas ou a sua emissão fora dos prazos legais, nos casos em que a lei o exija, é punível com coima de € 150 a € 3750. 2 - A não exigência, nos termos da lei, de passagem ou emissão de facturas ou recibos, ou a sua não conservação pelo período de tempo nela previsto, é punível com coima de € 75 a € 2000."

Finaliza-se com a transcrição de jurisprudência que, no nosso modesto entendimento, resume, de um modo extremamente claro, a imperiosidade da existência de recibos de quitação relativos às importâncias pagas.

“Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 14.12.99. Contabilidade organizada – CIRC – Contabilidade – Meios de prova – Força probatória da contabilidade – Escrituração comercial – Documentos da escrita – Documentos de suporte contabilístico

"Todo o lançamento contabilístico tem por base um documento de suporte que constitui o respectivo fundamento e na falta do qual o facto não é admitido a registo. A escrituração comercial constitui meio de prova em caso de litígio (art. 44º C.Com.) pelo que os registos não devem apresentar-se desfalcados de suporte documental nem devem apresentar irregularidades (Recurso nº 2467/99).”