Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

10 maio 2024

Responsabilidade do administrador na realização de obras


O órgão «assembleia dos condomínios» (cfr. art. 1430º nº 1 CC), entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos administrativos relativos às partes comuns do edifício, responde concomitantemente pelas obrigações relativas a essas mesmas partes.

Sucede, no entanto, que não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo relativamente às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio ou do administrador de reparar as partes comuns.

Com efeito, a al. a) do nº 2 do art. 1422º do CC apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não emerge da factualidade provada, sem sequer está em causa na presente acção.

Por outro lado, a al. f) do art. 1436º do CC define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns. Em tal perspectiva, diga-se que, salvo deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, o administrador, enquanto órgão executivo do condomínio - que não pode invadir a esfera de competência deliberativa do condomínio através da respectiva assembleia -, não está directamente obrigado perante o condómino cuja fracção seja afectada por vícios ou patologias existentes nas partes comuns a realizar as obras de reparação necessárias à sua eliminação.

Na verdade, se é indiscutido que o administrador incorre em responsabilidade civil perante os condóminos ou perante terceiros, quando excede os limites das suas atribuições, quando faz mau uso dos poderes-deveres que a lei lhe confere, quando deixa de fazer o que a lei ou o regulamento do condomínio lhe impõem que faça ou, ainda, quando não dá cumprimento às deliberações da assembleia – e que lhe incumbe executar nos termos do art. 1436º, al. h) do CC -, já não incorre em responsabilidade civil se não providencia ele próprio pelas reparações urgentes nas partes comuns que causem danos em bens de terceiro ou na própria fracção autónoma de cada um dos condóminos. (1)

O administrador, a esse nível, pode fazer essas obras, mas não está obrigado a substituir-se ao condomínio e à respectiva assembleia e a executá-las, ainda que perante si sejam reclamadas; Ao invés, a responsabilidade pela execução de tais obras nas partes comuns, cabendo ao condomínio no seu conjunto, através da respectiva assembleia, a administração das partes comuns (art. 1430º, nº 1 do CC), e cabendo ao mesmo conjunto de todos os condóminos, na proporção do valor das suas respectivas fracções, suportarem as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício (art. 1424º, nº 1 do CC), recairá, pois, sobre o condomínio, entendido este como o conjunto de todos os condóminos. 

Aliás, um tal princípio decorre do preceituado no art. 1411º do CC, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir, na proporção das respectivas quotas, [no caso da propriedade horizontal, em função do valor relativo das suas fracções no valor do conjunto do edifício], para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum.

Destarte, como se salienta no Ac. do TRP de 16.01.2014, se é certo que inexiste norma legal expressa que consagre esta obrigação do condomínio quanto à reparação das partes comuns, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns, encetando as diligências necessárias a tal fim, designadamente deliberando sobre a sua realização e consequente adjudicação, incumbindo, depois, por seu turno, à administração, enquanto órgão executivo, providenciar pelo efectivo cumprimento de tal deliberação e consequente execução das obras de reparação ou conservação aprovadas.

Ora, se o condomínio, através da sua administração, toma conhecimento de que ocorreram infiltrações de águas e humidades no interior de uma fracção, provenientes, por exemplo, do respectivo terraço de cobertura, é evidente que terá de se considerar que sobre o condomínio impendia, por força da lei, o dever de actuar no sentido de proceder às obras de reparação no dito terraço comum que se mostrassem necessárias para pôr termo às aludidas infiltrações de águas e humidade nessa fracção, bem como, ainda, o dever de proceder à reparação dos danos já existentes no interior da fracção e que, conforme também informado, punham em causa a utilização da fracção para o fim a que a sua proprietária a destinava, ou seja o respectivo arrendamento, sob pena de responder pelos prejuízos decorrentes dessa sua omissão ilícita.

Por conseguinte, é de concluir que o condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo e cuidado que lhe eram exigíveis e possíveis na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família (art. 487º, nº 2 do CC), e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino dos danos que lhe sobrevieram como consequência directa da sua omissão ilícita e culposa quanto à realização das obras em causa.

No que se refere já aos administradores, e como resulta do que já antes se expôs, a sua responsabilidade perante o condómino, não decorre da não realização das reclamadas obras de reparação, pois que a tal não está obrigado, mas antes de não terem os mesmo, como deviam, segundo o mesmo critério do bom pai de família, ou seja de um administrador normalmente cuidadoso e diligente, nas circunstâncias do caso, na sequência da comunicação das infiltrações de águas existentes na fracção a partir do terraço comum e dos seus efeitos quanto à inviabilidade de uso da fracção atingida, providenciado, pelo menos, pela marcação, no mais curto espaço de tempo possível, pela realização de uma assembleia geral extraordinária de condóminos onde a reclamação fosse exposta e submetida à competente apreciação deliberativa dos condóminos.

Na verdade, não podia a administração do condomínio à data deixar de saber que é sua incumbência convocar a assembleia de condóminos sempre que tal se mostre conveniente (como era, manifestamente, o caso, perante a reclamação por patologias nas partes comuns do edifício que lhe causavam danos significativos na fracção autónoma de sua propriedade – cfr. arts. 1431º, nº 2 e 1436º, al. a) do CC), sendo certo que à própria autora, por si só, não seria possível provocar a realização dessa assembleia, pois que para tanto seria necessário que a convocatória fosse subscrita por, um mínimo, de condóminos que representassem 25% do valor do prédio – cfr. art. 1431º, nº 2 do CC.

Por consequência, nestas circunstâncias, não convocando a administração a aludida assembleia extraordinária de condóminos como lhe foi solicitado e não estando o condómino em condições de o fazer por si só e declinando o administrador a possibilidade de o condomínio realizar essas obras – remetendo a sua realização para a iniciativa e responsabilidade do próprio condómino -, a esta última apenas lhe restava – para além da opção de ser ela própria a realizar as obras em causa e a suportar o risco quanto ao retorno de tal investimento, a que não estava, a nosso ver, manifestamente, obrigada (2) – a alternativa de aguardar a paulatina degradação da sua fracção pela continuação das infiltrações de águas na mesma e provindas das fachadas e do terraço comum de cobertura, com o consequente avolumar dos consequentes prejuízos.

Ora, com o devido respeito, uma tal posição não pode ser por nós sufragada.

O administrador pode responder civilmente perante os condóminos, nos termos gerais da responsabilidade civil (arts. 483°, 562° e 563º do CC). Deste modo a significar - e sempre no horizonte legal do que se consagra, em particular, também, nos art. 1436º (Funções do Administrador) e 1437º (Legitimidade do Administrador) do CC - que o administrador responde quando exceder os limites das suas atribuições, quando usa mal os poderes-deveres conferidos pela lei, ou quando não realiza aquilo que a lei ou regulamento impõem.

Pouco importa que os danos tenham sido causados pelo administrador directamente ou por terceiros encarregados por ele de efectuarem certas tarefas, quer provenham de actos positivos quer de omissões.

Quanto a saber, por exemplo, se o administrador é responsável se não realiza as reparações extraordinárias urgentes, o Ac. do TRC de 24/3/2015 decidiu que haverá de referir que estas reparações excedem a administração ordinária e, por isso, não entram na competência normal do administrador. É certo que o administrador tem o poder de intervir quando há uma reparação urgente e indispensável, mas não tem a obrigação. Tal significa que, se tal reparação não é ordinária, a actuação correcta é levar a sua matéria à primeira assembleia ou, se houver necessidade, convocar extraordinariamente a assembleia.

A sua obrigação é avisar e expor a necessidade urgente da reparação. Só no caso de ver e não avisar, haverá má administração, tornando-se, portanto, culpado (cfr. Rodrigues Pardal Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Código Civil e Legislação Complementar, 6ª Edição Revista e Actualizada, 1993, pp. 301-302 e 305-306).

Tal tessitura de apreciação pressuponente, significa que ao não realizar quaisquer obras que se hajam necessárias, implica uma omissão da responsabilidade do condomínio, mas não por parte do administrador que é apenas o órgão executivo do condomínio.

Ou seja, o administrador não pode, por si só, executar obras nas partes comuns do condomínio se para tal não for mandatado pela assembleia uma vez que tal constituiu um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe atribui. Conclusão que se retira da interpretação conjunta dos arts. 1436º e 1437º do CC.

No caso vertente, decidiu o RTP em Ac. de 23.4.2018 (972/14.8T8GDM.P1) que o administrador de condomínio, como consagrado, nunca poderia ser responsabilizado pela não realização de obras, para o efeito claramente urgentes, mas em referencial classificatório, manifestamente extraordinárias, mais ainda quando estejam dependentes da proacção actuante do condomínio, depois de ordenar o seu empreendimento.

Notas

(1) Vide, neste sentido, por todos, L. P. Moitinho de Almeira, “ Propriedade Horizontal ”, 2ª edição, pág. 118 e Abílio Neto, op. cit., pág. 363.

(2) Como referem em comentário ao art. 1427º do CC P. LIMA, A. VARELA, III volume, cit., pág. 437, «Quando, porém, não haja administrador, ou este se encontre impedido, e se mostre necessário proceder, com urgência, a reparações indispensáveis, qualquer dos condóminos pode tomar, por si, a iniciativa das obras, cujas despesas serão repartidas segundo os critérios estabelecidos no art. 1424º.» [sublinhado e negrito nossos]O que vale, pois por dizer, que, como já antes se salientou e ao contrário do sufragado na decisão recorrida, a iniciativa quanto à realização de obras urgentes terá de ficar na estrita disponibilidade e critério do próprio condómino [que pode entender que a situação de urgência justifica essa sua intervenção imediata, sem prévia autorização ou deliberação da assembleia ou do administrador], mas não lhe pode ser imposta ou exigida, nomeadamente por parte do condomínio ou da respectiva administração e para escusa da sua obrigação legal quanto à realização das mesmas.

09 maio 2024

Piscinas em terraços


Quais são as condicionantes a observar para a montagem de uma piscina no terraço de uma fracção autónoma num edifício constituído em regime de propriedade horizontal?

Autorização da assembleia dos condóminos

A PH caracteriza-se pela co-existência em simultâneo da propriedade singular – sobre a fracção autónoma e a compropriedade – sobre as partes comuns, constituindo assim uma figura distinta da compropriedade, sendo por isso alvo de tratamento pela lei em capítulo à parte. Resulta do nº1 do art. 1420º do CC que: “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns.

Em matéria jurídica dos direitos e encargos dos condóminos está especialmente vedado a estes prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício – art. 1422º, nº 2, al. a), do CC.

Por sua vez, em matéria de inovações, estabelece o art. 1425º do citado código que: “As obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio” – seu nº 1.“Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns” – cf. seu nº 2. Ou seja, o campo de aplicação de cada norma varia em função do tipo e natureza de obras realizadas.

No que respeita às que integram a qualificação de “inovações”, constata-se que as obras aqui previstas são aquelas que dizem respeito às partes comuns – cf. seu nº 2, conjugado com o nº 1, onde se exige a aprovação da maioria dos condóminos, devendo representar dois terços do valor total do prédio. Já se se tratar de obras nas fracções pertença exclusiva de um ou cada um dos condóminos rege o art. 1422º, nº 2, al. a).
 
Contudo, tratando-se de uma piscina insuflável (infantil) ou desmontável (portanto, sem partes fixas ao pavimento), não carecerá da autorização condominial.

Sustentabilidade

Antes de se projectar e instalar a piscina num terraço e antes de se considerar aspectos como os sistemas construtivos, os materiais a usar e custos envolvidos, é essencial avaliar a viabilidade da instalação e a capacidade de suportar o peso necessário. Importa, pois, primeiramente, aferir quais as cargas que a laje portante do terraço está dimensionada a suportar. Esta informação pode ser obtida junto do construtor, de um engenheiro de estruturas que consiga avaliar a qualidade dos materiais e o estado da habitação no tempo e no espaço, ou de instituições como o Laboratório Nacional de Engenharia Civil ou o Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

A cada 10 cm de altura da água, a carga no piso aumenta em 100 kg/m². Portanto, para uma altura de água de:
  • 20 cm, a carga será de 200 kg/m²;
  • 50 cm, a carga será de 500 kg/m²;
  • 100 cm, a carga será de 1000 kg/m².
Depois de conhecer a carga por metro quadrado transmitida pela piscina, é possível fazer uma primeira avaliação, comparando-a com as cargas acidentais de projecto dos pisos. Se a altura da água exceder 20 cm, a carga acidental de projecto (geralmente estimada em cerca de 200 kg/m²) pode ser excedida. No entanto, é importante notar que a carga acidental de projecto é geralmente considerada distribuída em toda a superfície do piso, enquanto a carga da piscina está localizada em uma área específica do telhado.

Alguns projectistas, para aumentar a segurança, podem considerar uma carga acidental de 400 kg/m² para terraços, pois são locais potencialmente lotados. No entanto, essa prática não é uma regra universal. Na ausência de documentação específica, por precaução, pode-se presumir que o piso do terraço foi projectado para suportar uma carga acidental de 200 kg/m².

Além do peso da água, é importante considerar o peso da estrutura da própria piscina. Enquanto para piscinas insufláveis esse peso pode ser negligenciado, para piscinas com estrutura fixa, como aquelas com sistemas de hidro-massagem, o peso estrutural pode variar em torno de 100 kg/m², a ser somado ao peso da água.

O aumento das tensões no piso também depende da superfície da piscina e da sua posição em relação às vigas e pilares da estrutura. A carga linear transmitida pela piscina ao piso também depende da forma da piscina em planta. No caso de uma piscina rectangular, a carga por unidade de comprimento que actua na faixa de piso considerada será constante. No caso de uma piscina circular, a carga linear será variável.

Em tese, e no caso de edifícios construídos mais recentemente, a capacidade de carga do terraço, geralmente corresponde a um mínimo de 200 kg por metro quadrado e pode atingir um máximo de 400 kg por metro quadrado. Nesta conformidade, caso os valores apurados fossem superiores, ter-se-ia de efectuar trabalhos estruturais, ou distribuir o peso por uma área maior.

Assim, para descobrir a capacidade de carga de um terraço, temos de multiplicar o valor fixo determinado pelo engenheiro de estruturas pelo tamanho total do terraço. Por exemplo, teríamos de multiplicar a capacidade de carga por metro quadrado de 200 kg x 20 metros quadrados de dimensão de terraço, resultando num peso total sustentável de 4 000 kg.

Legislação

Existe um vazio legal para as piscinas de lazer em condomínios, alojamentos locais ou espaços particulares para utilização doméstica.