Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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7/20/2021

Terraços em socalcos vs varandas

 

O terraço é uma cobertura plana de um edifício; a varanda (que a lei considera como coisa diferente daquele; cfr. art. 1360º, nº 2 do CC) é algo semelhante mas murada, com balaústres (que sustentam um peitoril) ou balcão e não é por estar por cima de outra fracção que é um terraço de cobertura; a ser assim, também a sala seria, na mesma, um terraço.

A função de uma ou outra coisa é diferente. O terraço serve apenas de cobertura de um andar inferior para proteger a casa aí existente, tal como o telhado serve a mesma função (aliás, não deixa de ser explícita a equiparação que o preceito legal aqui em discussão faz de telhado e terraço). Já a varanda é uma extensão da casa, um prolongamento da sala (geralmente) onde o dono pode colher luz solar e ar fresco, gozar a vista e fazer a sua vida social. Tendo em mente um prédio típico (como uma torre), com varanda por cima de varanda, será que cada uma delas, face à nova redacção do artº 1421º, nº 1, al. b) do CC, é um terraço a que se aplica a qualificação de coisa comum? Será que o solo de cada varanda é cobertura da fracção inferior? E se a varanda estiver fechada? Cremos que ninguém chegou a tal conclusão e, no entanto, estas varandas também estão sujeitas à chuvas, poeiras, folhas, etc. como qualquer outra cobertura.

No sentido aqui defendido pode ver-se o ac. do STJ, de 8 de Abril de 1997, e o da Relação de Guimarães, de 14 de Dezembro de 2006. Neste escreve-se que o terraço, na forma de varandas construídas em socalcos, não serve de cobertura ou protecção do imóvel visto na sua globalidade. Em sentido contrário pode apontar-se o ac. da Relação de Coimbra, de 23 de Setembro de 2008, onde se afirma que o legislador quis «nesta actual versão [que] passassem a estar abrangidos os chamados terraços de cobertura intermédios, isto é, os terraços que apesar de servirem de cobertura a alguma ou algumas fracções, se situavam ao mesmo nível doutra ou doutras fracções, podendo servir de pátio ou varandas a estas». Mas isto, salvo o devido respeito, é esquecer que varanda e terraço de cobertura são coisas diferentes e têm funções diferentes.

Na matéria de facto descreve-se o local em questão como varanda e sempre como varanda. As próprias partes assim a ela se referem tal como é isso que consta da descrição do Registo Predial (uma divisão assoalhada, cozinha, instalação sanitária e varanda). Concluímos daqui que a varanda dos autos não se integra na previsão do art. 1421º, nº 1, al. b), do CC. E não se presume comum porque ela está afectada ao uso exclusivo de um condómino (cfr. art. 1421º, nº 2, al. e) do CC).

Sendo assim, a conclusão que se tira é que uma varanda integra-se na fracção e a ele pertence. Logo, as despesas com a sua impermeabilização são por conta do respectivo proprietário. E nada de estranho existe nisto. O proprietário é responsável pela boa condição do apartamento e tem a obrigação de evitar que a sua má condição provoque danos aos demais vizinhos. É exactamente a mesma obrigação que o proprietário tem de evitar derrames de águas da sua casa de banho ou cozinha — e ninguém duvida que elas se integram na fracção e não pertencem às partes comuns do edifício..

Analisemos.

A problemática daqui incide sobre a dicotomia que é efectuada no Aresto, entre varanda e terraço, problemática essa que transcende a mera análise semântica, porquanto a funcionalidade material do espaço que aqui releva, se sobreporá à terminologia utilizada.

Dispõe o art. 1421º, nº 1, alínea b), do CC, que «1. São comuns as seguintes partes do edifício: b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.», acrescentando o seu nº 3 que «O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.».

Daqui deflui que os terraços de cobertura são parte, imperativamente comum, quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção, quando tiverem função análoga à do telhado, quando, por assim dizer, o substituam, porquanto como resulta da materialidade assente, o edifício está construído em socalcos e não tem telhado: todas as fracções são cobertura das fracções inferiores.

Deste modo, sendo todas as fracções cobertura das fracções inferiores, a varanda ou terraço de um apartamento será também cobertura do apartamento que constitui o andar imediatamente inferior, tratando-se deste modo de uma parte forçosa ou necessariamente comum por integrar a estrutura do edifício, sendo um elemento vital da sua construção, cfr Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição, 420.

Estamos, assim, em sede de terraços intermédios, abrangidos pela previsão legal inserta no apontado art. 1421º, nº 1, alínea c) do CC, tratando-se assim de uma parte comum de edifício constituído em propriedade horizontal, o que deita por terra a conclusão a que se chegou no Acórdão de que «O terraço de cobertura é a cobertura do edifício onde estão implantadas as fracções autónomas e não cobertura de cada fracção.».

O Acórdão atenta a configuração particular de um edifício que foi construído, como dissemos supra, em socalcos e, assim sendo, não podemos falar nesse terraço de cobertura global da propriedade onde se situam as fracções, mas antes em várias coberturas constituídas por estas mesmas fracções com os terraços ou varandas que delas fazem parte integrante, veja-se aliás a descrição predial uma divisão assoalhada, cozinha, instalação sanitária e varanda, sendo inócua esta designação face à construção onde se inserem as fracções, ex adverso do considerado pelo segundo grau que fez incidir a sua decisão numa dualidade aparentemente contrária quando conclui que o terraço serve apenas de cobertura de um andar inferior para proteger a casa aí existente, tal como o telhado serve a mesma função (aliás, não deixa de ser explícita a equiparação que o preceito legal aqui em discussão faz de telhado e terraço). Já a varanda é uma extensão da casa, um prolongamento da sala (geralmente) onde o dono pode colher luz solar e ar fresco, gozar a vista e fazer a sua vida social, quando no caso sub judice se apurou que todas as fracções são cobertura das fracções inferiores, de onde a tal varanda que ali se desconsiderou, sendo a mesma uma extensão da casa, incorpora a própria estrutura do prédio, independentemente de ser utilizada exclusivamente pelo respectivo condómino, cfr neste sentido Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª Edição, 74 «[O] telhado é a cobertura de um edifício, isto é, o dispositivo que permite protege-lo (…) Os terraços de cobertura são coberturas horizontais (…) A sua sustentação é um pouco diferente da das coberturas ordinárias dado que a sua constituição e finalidade também é diferente (…) Os terraços de cobertura, que tanto se podem situar ao nível do primeiro andar por servirem de cobertura, por exemplo, a uma garagem ou a um estabelecimento, como ao nível de qualquer outro ou até do último piso, cobrindo parte do edifício, mesmo quando estejam afectados ao uso exclusivo de um condómino, são parte comum».

Para o efeito é-nos indiferente a terminologia utilizada, de varanda ou terraço não só porque frequentemente ambos os vocábulos são usados como sinónimos, como também pela circunstância de na espécie a específica e particular construção do prédio impor que cada uma das fracções – no seu todo – são cobertura das fracções imediatamente inferiores, ou dito de outro modo, são o telhado umas das outras., de onde o tal prolongamento da fracção consubstanciada na varanda ou terraço, constituir, nos termos do normativo inserto no art. 1421º, nº 1, alínea b) do CC, uma parte comum e visto o problema nesta perspectiva, única possível, atenta a configuração material da propriedade, não se poderá manter a tese sufragada no Aresto impugnado, cfr inter alia os Ac STJ de 15 de Maio de 2012 (Relator Hélder Roque) e de 9 de Junho de 2016 (Relator Orlando Afonso), in www.dgsi.pt.

O art. 1420º, nº 1 do CC dispõe que «Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.», de onde resulta para cada um dos condóminos a obrigação de participar, na proporção do valor da sua fracção, nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, de harmonia com o preceituado no art. 1424º, nº 1 do mesmo diploma, apenas estando excepcionadas dessa comparticipação as despesas referidas no seu nº 3, isto é as “relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”, situação esta que transcende a configurada nos autos, «[O] que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas», apud Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil português, in RES, Ano XXIII, Nºs 1-2-3-4, 84.

Em face da materialidade apurada, as varandas/terraços são partes comuns.

Terraços comuns


Dispõe o art. 1421º, nº 1, alínea b), do CC, que «1. São comuns as seguintes partes do edifício: b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.», acrescentando o seu nº 3 que «O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.».

No entanto, esta matéria não é tão pacífica quanto possa aparentar, porquanto, desde logo, no Direito anterior (DL 40333) o nº 2 do art. 1421º estatuia que eram comuns, "O telhado, assim como os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do último pavimento", portanto, em causa estavam apenas os terraços sitos no ultimo pavimento, em substituição do telhado. Com a aprovação do DL 267/94, esta norma passou para a al. b) do nº1 com a redacção supra, que por não devidamente especificada, deixou ao critério dos juízes determinar se um terraço intermédio era ou não imperativamente comum. Vide mais informação aqui: https://apropriedadehorizontal.blogspot.com/2021/07/o-art-1421-do-codigo-civil.html

Não obstante esta dualidade, o STJ fixou jurisprudência quanto à comunhão de todos os terraços. Contudo, importa salientar que os terraços de cobertura são parte, imperativamente comum, quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção, quando tiverem função análoga à do telhado, quando, por assim dizer, o substituam (neste sentido Ac. STJ de 6/11/2018).

Assim, se um edifício está construído em socalcos e não tem telhado, onde todas as fracções são cobertura das fracções inferiores, os terraços/varandas dos apartamentos, serão também cobertura dos apartamentos que constituem os andares imediatamente inferiores, tratando-se deste modo de partes forçosa ou necessariamente comuns por integrarem a estrutura do edifício, sendo elementos vitais da sua construção.

Em sentido diverso ocorre, se um edifício está construído com um ou vários terraços intermédios, ainda que com a função de cobertura, mas de galeria(s) (leia-se, passeios abrigados) ou de determinadas áreas do logradouro do prédio, os quais, por não se terem edificados no interesse de toda a construção e não se substituindo ao telhado, não são comuns.

4/13/2021

As partes comuns

As partes comuns são as elencadas no art. 1421º do C.Civ., que distingue entre as partes imperativamente ou necessariamente comuns (nº 1) e as partes presumidamente comuns (nº 2), sendo que as partes necessária ou imperativamente comuns são as partes estruturais do edifício, designadamente:

- o solo, os alicerces, as colunas e pilares e as paredes-mestras; 

- os elementos de cobertura, o telhado ou certos terraços; 

- os elos que permitem a circulação, a comunicação, ou a ligação espacial entre as várias fracções, e entre estas e as partes comuns do prédio ou as saídas para a rua;

-  entradas, vestíbulos, escadas e corredores — elos ou elementos comunicantes; 

- são ainda partes necessariamente comuns as instalações gerais, que estão funcionalmente afectadas ao uso comum. 

Temos, assim, uma afectação estrutural, uma afectação envolvente ou de cobertura, uma de comunicação e uma funcional, sendo que a enumeração prevista na lei não é taxativa, estes vectores servirão como critérios orientadores no caso de surgirem dúvidas sobre a natureza comum ou privativa de uma parte.

São partes presumidamente comuns os pátios e os jardins anexos ao edifício, os ascensores, as dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro e, por analogia, os locais destinados aos serviços comuns; as garagens e outros lugares de estacionamento. 

Materialmente estamos perante um critério de serviço comum: presumem-se comuns as coisas destinadas a proporcionar melhor habitabilidade a cada fracção autónoma. No entanto, importa sublinhar que esta presunção de comunhão do nº 2, do art. 1421º do C.Civ., é uma presunção, logo susceptível de ser ilidida mediante prova em contrário, a realizar no título constitutivo.

O art. 1421º, nº 2, al. e) do C.Civ., presume ainda comuns as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos. Neste sentido, a ausência de atribuição privativa da coisa no título constitutivo funciona como presunção da sua titularidade em comunhão.

Os condóminos têm, sobre as partes comuns, um direito de compropriedade, porquanto, na formulação legal do art. 1403º do C.Civ., existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Aliás, por força do art. 1404º do C.Civ., as regras gerais da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão sobre as partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal.

Quanto ao uso das coisas comuns, o art. 1406º do C.Civ. estabelece que, na falta de acordo, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se da coisa comum, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito, sendo que no uso das partes comuns, não são consentidos aos condóminos, nem àqueles que possam vir a ocupar a sua posição, v.g. um arrendatário ou um comodatário, excessos que venham a limitar ou a restringir o igual direito dos outros condóminos, desrespeitando os limites da normalidade e da razoabilidade, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. 

O igual direito dos outros condóminos não deve ser entendido como uso idêntico — já que a identidade espacial e temporal de utilizações concorrentes comportaria uma proibição substancial para qualquer condómino de fazer um uso particular da coisa comum —, mas antes deve ser avaliado abstractamente, de acordo com a relação de equilíbrio que deve ser mantida entre todas as possíveis utilizações concorrentes por parte dos participantes no condomínio.