Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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5/09/2021

Definição de obras

Em situação da realização de obras, importa desde logo efectuar uma distinção entre obras de conservação e obras de manutenção, porquanto, será da inequívoca determinação desta diferenciação que se poderá definir o seu enquadramento relativamente à utilização do Fundo Comum de Reserva para as financiar.

O DL nº 555/99 de 16/12, que aprova o RJUE com a redacção mais recente aprovada pela Lei nº 118/2019, de 17/09, estatui no seu art. 89º, nº 1 (Dever de conservação) que "As edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético".

Por seu turno, o art. 4º nº 1 do DL 268/94 de 25/10, ressalva que "É obrigatória a constituição, em cada condomínio, de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios". E como determina o Ac. do TRL de 11/09/2020, "O fundo de reserva criado pelo art.º 4 do DL 268/94 de 25/10, é obrigatório por lei, sendo o seu valor o resultado das comparticipações de todos os condóminos, para ajudar a pagar as obras de conservação que sejam necessárias efectuar no futuro. O saldo da conta visa exclusivamente a realização de obras de conservação extraordinária nas partes comuns do edifício. A assembleia de condóminos fixa, anualmente, o valor percentual da comparticipação, que nunca será inferior a dez por cento da quota-parte de cada condómino nas despesas correntes do condomínio. O valor destinado ao fundo de reserva deve ser encaminhado para uma conta bancária autónoma." (sublinhado meu).

Atente-se que este competente ressalva «conservação extraordinária», tal significando, que as obras de conservação ordinária, serão as despesas de manutenção.

Muito embora o legislador não faça tal distinção, pelo menos, de forma directa, podemos encontrar um concreto exemplo no art. 1426º, nº 4 do CC, donde resulta que: "O condómino cuja recusa seja havida como fundada pode a todo o tempo participar nas vantagens da inovação, mediante o pagamento da quota correspondente às despesas de execução e manutenção da obra."

No entanto, importa sublinhar que a distinção entre obras de conservação e obras de manutenção. Segundo o iscte, "Do ponto da linguagem mais corrente, a diferença é mínima, em referência a equipamentos e espaços (edificados ou não):

– o termo conservação evoca o bom estado do equipamento ou do espaço em apreço – ou seja, o termo refere-se à integridade da coisa conservada;

– o termo manutenção refere-se ao que se faz para um equipamento estar capaz de funcionar ou um espaço ter condições de utilização – ou seja, o termo remete para a funcionalidade daquilo que é objeto de manutenção."

Despesas de conservação

São as despesas necessárias para manter o bom estado do equipamento ou do espaço em apreço, ou seja, o termo refere-se à integridade da coisa conservada, tais como, reparação telhado, pintura fachada, substituição tijoleiras, impermeabilizações, etc.

As obras de conservação destinam-se assim a manter uma edificação nas condições existentes à data do seu último licenciamento, designadamente as obras de restauro, reparação ou limpeza, que por se reportarem a intervenções de mera preservação da edificação, não envolvendo qualquer alteração, as mesmas estão isentas de procedimento de controlo prévio, existindo no entanto a obrigação do condomínio/condómino informar a câmara municipal que vai executar as mesmas até 5 dias antes do início dos trabalhos, devendo para tal utilizar o requerimento correcto.

As obras de conservação em imóveis classificados de interesse nacional ou interesse público e situadas nas respetivas zonas de proteção (consultar a alínea e) do nº 4 do art.º 4 do RJUE), são consideradas casos excecionais encontrando-se como tal sujeitas a um procedimento mais específico, devendo nesses casos ser formulado um pedido de admissão através do procedimento de comunicação prévia (cfr. o art.º 34 do RJUE).

O RAU (art. 11º) define os vários tipo de obras que podem ter lugar nos prédios urbanos usufruídos mediante contrato de arrendamento: 
Obras de conservação ordinária - reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública, e, em geral, as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração;
Obras de conservação extraordinária - ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano;
Obras de beneficiação - todas as restantes.

Despesas de manutenção

São as despesas necessárias para um equipamento estar capaz de funcionar ou um espaço ter condições de utilização, ou seja, o termo remete para a funcionalidade daquilo que é objeto de manutenção, tais como, manutenção elevadores, extintores, motores, etc…

Segundo a norma BS 3811: 1984, a manutenção é definida como sendo a combinação de acções desenvolvidas para conservar um edifício ou restaurá-lo para um estado em que ela possa desempenhar a sua função, são trabalhos realizados com o intuito de manter, restabelecer ou melhorar o edifício e seu envolvente, mantendo-o a um padrão aceitável, sustentando o valor e a utilidade do edifício.

Pode-se assim afirmar que a manutenção é a combinação de todas as acções técnicas e administrativas que permitem que o edifício e seus elementos desempenhem, durante a vida útil, as funções para as quais foram concebidos. 

A manutenção não planeada será sempre reactiva ou correctiva; A manutenção planeada tem como objectivo o planeamento da intervenção, antes da ocorrência de anomalias, reduzindo a probabilidade de determinado elemento apresentar deteriorações que conduzem o seu desempenho abaixo das exigências estabelecidas. Esta divide-se em manutenção sistemática, manutenção condicionada e manutenção de melhoramento.

A manutenção sistemática (ou preventiva) têm por objectivo o planeamento das actividades, permitindo uma redução de trabalhos extraordinários e uma menor interferência com o normal funcionamento do edifício.  

A manutenção condicionada (ou predictiva) consiste na execução de actividades de manutenção, em função da análise do estado dos diversos elementos, planeando as inspecções e não as actividades a executar.

A manutenção de melhoramento consiste na execução de actividades que visam a melhoria das características iniciais, por modificação de alguns elementos do edifício e tem por objectivo evitar a insuficiente funcionalidade dos elementos. 

Despesas de fruição

São despesas inerentes ao uso, aproveitamento ou usufruto de alguma coisa, situação, oportunidade ou determinadas áreas ou espaços existentes no condomínio por parte de um ou mais condóminos, no seu particular ou colectivo interesse, tais como, salão de festas, piscina, sala convívio, parqueamentos, terraço, áreas afectas em exclusividade, etc...

Despesas com pagamento de serviços de interesse comum

São as despesas inerentes a todo o tipo de serviços que são prestados e destinados a satisfazer as necessidades do condomínio em geral e dos seus condóminos em particular, tais como, consumo de energia eléctrica, água, gás, jardinagem, limpeza, seguro multi-riscos condomínio, segurança, administração, etc.

Despesas com inovações

São as obras que constituam uma alteração do prédio tal como foi originariamente concebido, licenciado e existia à data da constituição da PH, sendo, pois, inovadoras as obras que correspondam a modificações estabelecidas na afectação ou no destino das coisas comuns, quer em sentido material, seja nas alterações introduzidas na substância ou na forma, quer quanto à afectação ou destino, nomeadamente económico, e que tanto podem beneficiar coisas comuns já existentes, como introduzir novas coisas comuns no edifício ou demolir antigas coisas comuns

São ainda inovações as obras que trazem algo de novo em benefício das coisas comuns já existentes, ou que as melhoram e, ainda, as que levam ao seu desaparecimento ou a modificações do seu uso

Linha arquitetónica

Reporta-se ao conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem, em maior ou menor grau, um cunho de identidade e a sua individualidade própria e específica, e que resulta do exercício daquela arte (a arquitectura) e o conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto físico e volumétrico do edifício.

Arranjo estético do edifício

Reporta-se prevalentemente com a imagem de arte e beleza que liberta, através do traçado e dos elementos ornamentais que constituem as notas uniformes e dominantes do edifício e que imprimem às várias partes do edifício e ao edifício no seu conjunto, do ponto de vista estético, uma determinada fisionomia unitária e harmónica, do ponto de vista arquitectónico.

Notas:

As obras de conservação em zonas classificadas ou em vias de classificação, devido à sua especificidade, podem ter de ser licenciadas, mesmo que seja uma simples pintura.

As obras que necessitem de ocupação da via publica, com a instalação de andaimes, contentores, tapumes ou depósitos, necessitam de licença de ocupação da via publica junto das entidades licenciadoras.

5/04/2021

Privação do uso da habitação

Se uma fracção autónoma sofrer infiltrações originadas numa pare comum, e o condomínio não providenciar pela realização em prazo razoável das obras da sua responsabilidade, e de cuja necessidade tenha conhecimento através do respectivo administrador, seja este último, ao não diligenciar, pelo menos, pela marcação de uma Assembleia Geral Extraordinária onde essa reclamação fosse discutida e votada – o que sempre seria indispensável para a sua aprovação e posterior realização -, ambos dão causa aos prejuízos sofridos pelo condómino por via da ausência de tais obras e, em particular, os que se referem à inviabilidade do uso e fruição da fracção em causa ou ao seu consequente arrendamento pelo respectivo proprietário, pelo que, sobre os mesmos impende uma obrigação de indemnização.

Aqui chegados, importará definir o montante indemnizatório a que terá o condómino direito, neste contexto de responsabilidade do condomínio e do seu administrador, seja a título (i) da privação do uso da fracção ou (ii) do aproveitamento inerente às vantagens que a disposição da fracção autónoma lhe proporcionava - como por exemplo, um arrendamento.

Nesta matéria, e no primeiro caso, pode o condómino reclamar o valor correspondente à totalidade das despesas que teve de suportar por se ter privado do uso da sua fracção, nomeadamente, com a necessária hospedagem em hotel, refeições e eventualmente transporte, para si e o seu agregado familiar; No segundo caso, pode o condómino reclamar o valor das rendas que poderia ter auferido (pelo seu valor mensal que seria pago pelos arrendatários da fracção) se o contrato de arrendamento que incidisse sobre a dita fracção se iniciasse ou prolongasse até ao termo da realização das obras.

Destarte, em situações como a que resulta da factualidade provada em que o titular do direito de propriedade sobre a coisa (imóvel), se pretende aproveitar das vantagens que o seu uso normal lhe proporcionava – seja o de habitação ou através do seu arrendamento e obtenção da respectiva renda – pode existir no primeiro caso e existe no segundo, em termos manifestos, um prejuízo ou dano decorrente dessa privação do uso.

Na verdade, como se refere no Ac. do STJ de 14/07/2016, é de considerar como «suficientemente demonstrada a realidade do dano, traduzido na privação do uso de um bem, quando o lesado concretizou e fundamentou, em termos factuais, qual a concreta utilidade que pretendia extrair do bem, especificando o concreto dano sofrido com a impossibilidade de locação do imóvel, por via dos defeitos que o afectavam, imputáveis a comportamentos da R - traduzindo-se tal utilidade específica, em consonância com o destino que lhe vinha sendo dado há vários anos, na colocação no mercado de arrendamento para fins comerciais, alegando-se qual o lucro cessante que em concreto se verificava: o montante das rendas de que o locador ficou privado em consequência do estado de conservação do locado.»

Embora esta decisão se contenha no arrendamento da fracção, igual princípio é válido para a privação do uso, com a diferença que o condómino não será indemnizado pelas rendas perdidas, mas pelas despesas sofridas.

Quanto à determinação do valor da indemnização a que o condómino tenha direito, a mesma será necessariamente apurada casuisticamente, porquanto existem outros elementos que, para efeitos de fixação equitativa da indemnização devida, não podem deixar de ser também ponderado:

- Se o bem se encontra para arrendar e é destinado a tal mercado do arrendamento e, portanto, a sua utilidade concreta é a obtenção do valor da renda mensal, colhe sentido utilizar como critério orientador, em termos de equidade, na fixação da indemnização devida o valor que presumivelmente o condómino poderia obter com o arrendamento da fracção em causa;

- Para efeito de prazos, ter-se-à que considerar a data da formal comunicação do condómino ao administrador da necessidade da feitura das obras, à qual, se seguiria a convocação da Assembleia de Condóminos, obtenção de orçamentos (para as partes comuns e para a fracção autónoma), adjudicação da obra (cujos trabalhos não se iniciariam certamente no imediato) e  duração das mesmas;

- Mais acresce que, após a realização dessas obras e voltando, pois, a fracção em causa a reunir condições para ser dada, de novo, em arrendamento pelo próprio condómino, é suposto, ainda, que o mesma viesse a conseguir obter novos interessados no arrendamento da fracção em causa, o que numa perspectiva tida por razoável e prudente, é de crer que, mesmo possuindo a fracção, após as obras, plenas condições para ser dada de arrendamento, não se lograria de imediato celebrar um novo arrendamento sobre a mesma, antes sendo expectável, segundo um critério de normalidade, que apenas o viesse a conseguir decorridos alguns meses após o termo das obras e consequente colocação no mercado de arrendamento;

- Por outro lado, ainda, quanto ao montante da renda, é de ponderar que sempre haveria que descontar a este valor bruto da renda provavelmente auferida o valor dos encargos tributários que, em termos de imposto sobre rendimentos prediais, necessariamente lhe correspondem e têm imperativamente de ser saldados pelo condómino-senhorio.

Por último, ainda, importa valorar que, no caso da privação do uso, para efeitos da determinação de uma eventual indemnização importa considerar se o condómino esteve de facto privado totalmente do gozo e fruição do imóvel, como sucede nos casos mais frequentes de total desapossamento do prédio. Se tal gozo e fruição foram apenas parcialmente restringidos, o valor a ser fixado será proporcional à privação do exercício do uso e fruição.

Neste circunstancialismo, esta situação não será plenamente equiparada aos casos em que o condómino tenha estado totalmente desapossado do bem e absolutamente privado do exercício de qualquer poder sobre ele, pelo que o mesmo apenas será ressarcido pelas despesas consideradas razoáveis e proporcionais, valorando em termos de equidade a realidade do dano sofrido com o nível de privação.