Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/17/2022

Alteração ao Código Civil

Lei nº 8/2022, de 10 de Janeiro


Alteração ao Código Civil, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966.

Artigo 1419.º
Modificação do título

1 — [...]
2 — A falta de acordo para alteração do título constitutivo quanto a partes comuns pode ser suprida judicialmente, sempre que os votos representativos dos condóminos que nela não consintam sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas fracções se destinam.
3 — O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular a que se refere o n.º 1, desde que o acordo conste de ata assinada por todos os condóminos.
4 — (Anterior n.º 3.)

Artigo 1424.º
Encargos de conservação e fruição

1 — Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções.
2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3 — As despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4 — [...]
5 — [...]
6 — Caso o estado de conservação das partes comuns referidas no n.º 3 do artigo 1421.º afecte o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns do prédio, o condómino a favor de quem está afecto o uso exclusivo daquelas apenas suporta o valor das respectivas despesas de reparação na proporção indicada no n.º 1, salvo se tal necessidade decorrer de facto que lhe seja imputável.

Artigo 1424.º-A
Responsabilidade por encargos do condomínio

1 — O condómino, para efeitos de celebração de contrato de alienação da fracção da qual é proprietário, requer ao administrador a emissão de declaração escrita da qual conste o montante de todos os encargos de condomínio em vigor relativamente à sua fracção, com especificação da sua natureza, respectivos montantes e prazos de pagamento, bem como, caso se verifique, das dívidas existentes, respectiva natureza, montantes, datas de constituição e vencimento.
2 — A declaração referida no número anterior é emitida pelo administrador no prazo máximo de 10 dias a contar do respectivo requerimento e constitui um documento instrutório obrigatório da escritura ou do documento particular autenticado de alienação da fracção em causa, salvo o disposto no número seguinte.
3 — A responsabilidade pelas dívidas existentes é aferida em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada, salvo se o adquirente expressamente declarar, na escritura ou no documento particular autenticado que titule a alienação da fracção, que prescinde da declaração do administrador, aceitando, em consequência, a responsabilidade por qualquer dívida do vendedor ao condomínio.
4 — Os montantes que constituam encargos do condomínio, independentemente da sua natureza, que se vençam em data posterior à transmissão da fracção, são da responsabilidade do novo proprietário. 

Artigo 1427.º
Reparações indispensáveis e urgentes

1 — (Anterior corpo do artigo.)
2 — São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.

Artigo 1431.º
Assembleia dos condóminos

1 — [...]
2 — [...]
3 — [...]
4 — A reunião prevista no n.º 1 deste artigo pode realizar -se, excepcionalmente, no primeiro trimestre de cada ano se esta possibilidade estiver contemplada no regulamento de condomínio ou resultar de deliberação, aprovada por maioria, da assembleia de condóminos.

Artigo 1432.º
Convocação e funcionamento da assembleia

1 — [...]
2 — A convocatória indicada no n.º 1 é efectuada através de correio electrónico para os condóminos que manifestem essa vontade em assembleia de condóminos realizada anteriormente, devendo essa manifestação de vontade ficar lavrada em ata com a indicação do respectivo endereço de correio electrónico.
3 — Na situação prevista no número anterior, o condómino deve enviar, pelo mesmo meio, recibo de recepção do respectivo e-mail convocatório.
4 — (Anterior n.º 2.)
5 — (Anterior n.º 3.)
6 — (Anterior n.º 4.)
7 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, se estiverem reunidas as condições para garantir a presença, no próprio dia, de condóminos que representem um quarto do valor total do prédio, a convocatória pode ser feita para trinta minutos depois, no mesmo local.
8 — (Anterior n.º 5.)
9 — As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, no prazo de 30 dias, por carta registada com aviso de recepção ou por correio electrónico, aplicando -se, neste caso, o disposto nos n.os 2 e 3.
10 — (Anterior n.º 7.)

11 — O silêncio dos condóminos é considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 9.
12 — (Anterior n.º 9.)

Artigo 1436.º
Funções do administrador

1 — São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:
a) [...]
b) [...]
c) [...]
d) [...]
e) Verificar a existência do fundo comum de reserva;
f) Exigir dos condóminos a sua quota -parte nas despesas aprovadas, incluindo os juros legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas pelo regulamento do condomínio ou por deliberação da assembleia;
g) [Anterior alínea f).]
h) [Anterior alínea g).]
i) Executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objecto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada;
j) [Anterior alínea i).]
l) [Anterior alínea j).]
m) [Anterior alínea l).]
n) [Anterior alínea m).]
o) Informar, por escrito ou por correio electrónico, os condóminos sempre que o condomínio for citado ou notificado no âmbito de um processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contra-ordenacional ou procedimento administrativo;
p) Informar, pelo menos semestralmente e por escrito ou por correio electrónico, os condóminos acerca dos desenvolvimentos de qualquer processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contra-ordenacional ou procedimento administrativo, salvo no que toca aos processos sujeitos a segredo de justiça ou a processos cuja informação deva, por outro motivo, ser mantida sob reserva;
q) Emitir, no prazo máximo de 10 dias, declaração de dívida do condómino, sempre que tal seja solicitado pelo mesmo, nomeadamente para efeitos de alienação da fracção.
r) Intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua actuação.
2 — Sempre que estiver em causa deliberação da assembleia de condóminos relativamente a obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação, a realizar no edifício ou no conjunto de edifícios, o administrador está obrigado a apresentar pelo menos três orçamentos de diferentes proveniências para a execução das mesmas, desde que o regulamento de condomínio ou a assembleia de condóminos não disponha de forma diferente.
3 — O administrador de condomínio que não cumprir as funções que lhe são cometidas neste artigo, noutras disposições legais ou em deliberações da assembleia de condóminos é civilmente responsável pela sua omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, se aplicável.

Artigo 1437.º
Representação do condomínio em juízo

1 — O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
2 — O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
3 — A apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos.»

Interpretação do nº 3 art. 1424º CC

Art. 1424º
(Encargos de conservação e fruição)

1 – Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções.
2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3 – As despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
 
Escreve Aragão Seia, in " Propriedade Horizontal", 2ª ed., 202, pág 129: " se no último piso houver um terraço de uso comum ou na cave existirem arrumos de todos os condóminos, ao lado de fracções utilizadas individualmente, todos os condóminos terão que suportar os encargos com as escadas que lhe dão acesso, embora as utilizem esporadicamente". E acrescenta: "não se pode considerar isento de responsabilidade pelos encargos de conservação e fruição das partes comuns do prédio, qualquer condómino cuja fracção esteja objectivamente em condições de ser servida por essas partes, só porque delas se não quer servir".
 
E claro é que a assembleia de condóminos sempre poderá deliberar a adopção de um critério equitativo/proporcional em função da regularidade ou da intensidade da utilização das partes comuns, como por exemplo dos diversos lanços das escadas comuns de acesso aos andares superiores (cfr. nº 2 art. 1424º do CC). Porém, neste caso concreto, o autor refere-se aos condóminos das fracções habitacionais. E se no prédio houverem fracções comerciais ou outras, sem acesso ao interior? 
 
Neste caso, torna-se patente que as escadas comuns servem exclusivamente algum ou alguns condóminos, não se prestando a poderem servir (também) as demais fracções autónomas do prédio (com saída directa para a via pública), pelo que não se encontram objectivamente em condições de afectação ao uso comunitário de todos os condóminos.
 
O nº 1 do art. 1424º, salvo disposição em contrário (leia-se, incluída no Título Constitutivo da Propriedade Horizontal), contém um princípio geral que se traduz na obrigação de todos os condóminos terem de suportar, na proporção do valor das respectivas fracções autónomas, as despesas necessárias à conservação, serviços de interesse comum e as de fruição das partes comuns do edifício (o nº 2 contém uma segunda excepção sobre a forma como ficam a cargo dos condóminos, a qual, para o caso vertente, não nos aproveita).

O nº 3 do art. 1424º contém uma terceira excepção, esta ao referido princípio ao estabelecer que as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem, i.e., dos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns (como sucede por exemplo com um terraço que serve de cobertura a apenas uma parte do prédio).

Há, porém, que distinguir, dentro dessas despesas, as chamadas (i) despesas de conservação/manutenção das (ii) despesas de reparação resultantes, não do uso normal das partes comuns do edifício pelos condóminos que delas se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção de espaços exteriores a essas partes comuns que não são utilizados por aqueles condóminos:

- as primeiras (i) ficam a cargo dos condóminos que usam e fruem dos lanços de escadas por serem eles os beneficiários exclusivos do mesmo e, em princípio, terem sido eles que deram origem ao desgaste ou deterioração dos materiais desses lanços;

- já as segundas (ii) ficam necessariamente a cargo de todos os condóminos por as reparações a realizar constituírem um benefício comum de todos eles (por exemplo, para se poder aceder ao telhado, parte imperativamente comum e ao serviço de todo o condomínio, necessário é utilizar os lanços de escadas).

Neste mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 9/6/2016, com jurisprudência nacional fixada (Ac. do STJ de 1/6/2010, proc. nº 95/2000). Da decisão recorrida, defendia-se que o o nº 3 do art. 1424º do CC compreendia na sua previsão quer as despesas de manutenção quer as despesas de fruição de um terraço de cobertura, que é de uso exclusivo de um condómino, imputando tais encargos com partes comuns à responsabilidade dos condóminos que as usam exclusivamente, com exclusão dos demais condóminos.

O art.1424º nº 1 do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação dos condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.

As obrigações referidas neste artigo quanto às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, constituem um exemplo típico de obrigações “propter rem”, isto é, de obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem for titular desta. Dada a conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa: é obrigado quem for titular do direito real.

O nº 3 do art.1424º estabelece uma excepção ao princípio geral dizendo que: “As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”.

Quando a lei fala em escadas ou partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos quer referir-se, ao mencionar estes, às respectivas fracções autónomas, atribuindo a responsabilidade das despesas aos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns.

Mais diz aquele, que o legislador ao considerar os terraços como coisas comuns teve em vista a integração dos mesmos na estrutura do prédio e afectos à função de cobertura como de telhado se tratasse, seja de parte seja da totalidade do edifício. Fundamentalmente interessa a função de protecção do edifício contra os elementos atmosféricos. O mesmo princípio é válido para o vão de escadas que também integra a estrutura do prédio, com a função de acesso vertical, seja de parte ou da totalidade do edifício, e mesmo que destinado ao uso exclusivo de alguns dos condóminos, não deixando por isso de ser forçosamente comum pela função capital de acesso ao interior e/ou telhado do imóvel que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção.

Dúvidas não subsistem que as ditas despesas de manutenção são a cargo dos condóminos que usam e fruem do terraço (e por extensão interpretativa, dos lanços de escadas) por serem eles os beneficiários exclusivos do mesmo e, em princípio, terem sido eles quem deram origem ao desgaste ou deterioração dos materiais do mesmo terraço (leia-se também, lanços de escadas).

Argumenta-se ainda no competente Acórdão que "Ora as deficiências estruturais da obra e a manutenção de materiais situados em espaços não utilizados pelos condóminos do primeiro piso não podem implicar despesas que onerem apenas alguns condóminos já que as reparações a realizar serão benefício comum de todos os condóminos.

Assim, sendo as obras, a reparar no terraço, resultantes, não do uso normal das mesmas pelos condóminos que dele se servem em exclusividade, mas de deficiência na construção ou de não manutenção de materiais exteriores ao dito terraço, todos os condóminos devem participar no custo das reparações, na proporção do valor das suas fracções."
 
Algumas situações concretas:
 
I) Em um edifício com arrumos no sótão, todos os condóminos, sem excepção, contribuem para as despesas de conservação/manutenção e de reparação resultantes, não do uso normal dos lanços de escadas comuns do edifício pelos condóminos que deles se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção desses espaços ou partes comuns;
 
II)  Em um edifício sem arrumos no sótão, apenas os condóminos que fruem dos respectivos lanços, contribuem para as despesas de conservação/manutenção, mas nas despesas de reparação resultantes, não do uso normal das partes comuns do edifício pelos condóminos que delas se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção desses espaços ou partes comuns, são da responsabilidade de todos, mesmo quando não são utilizados por aqueles condóminos;
 
III)  Em um edifício com fracções que tenham saída directa para a via pública (i.e., fracções comerciais e análogas), apenas os condóminos que fruem dos respectivos lanços, contribuem para as despesas de conservação/manutenção, mas nas despesas de reparação resultantes, não do uso normal das partes comuns do edifício pelos condóminos que delas se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção desses espaços ou partes comuns, são da responsabilidade de todos, mesmo quando não são utilizados por aqueles condóminos;
 
Nestas exemplificações, a título meramente ilustrativo, consideram-se despesas de conservação/manutenção a pintura das paredes ou o arranjo de azulejos caídos das paredes ou tijoleiras partidas dos pavimentos; já as despesas de reparação cingem-se por exemplo, ao surgimento de fissuras quer nas paredes ou lanços de escadas...