Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/14/2023

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - I


I – A noção de Propriedade Horizontal
 
O regime da PH consagrado no CCP (doravante “CC”), nos art. 1414º a 1438º-A, não contempla a noção de PH. Nessa medida, só através da conjugação dos art. 1414º, 1415º e 1420º é possível chegar à caraterização de tal instituto. Deste modo, de acordo com o disposto no art. 1414.º do CC entende-se por PH como "As fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal” (1). 
 
Por sua vez, o art. 1415º do CC refere “só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, alem de constituírem unidades independentes, seja, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública” (2). Assim, ao titular da fracção autónoma de um prédio a lei atribui a designação de condómino, conforme o disposto no art. 1420. nº 1 do CC “O condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”, cumulando simultaneamente, dois direitos reais distintos – o de propriedade singular da sua fracção e o de compropriedade relativamente às partes comuns do imóvel (n º2). 
 
Decorre do disposto no art. 1422º n. 1 do CC que “Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis” (3). O legislador, no que diz respeito ao instituto da PH refere, no disposto do art. 1418º nº 1 do CC que a sua constituição depende de título constitutivo (4), onde são especificadas as partes comuns do edifício correspondentes às várias fracções, de modo a que sejam individualizadas e fixado o valor relativo a cada fracção, expresso em % ou ‰, sendo facultativa a menção de outras especificações constantes no título, designadamente – o fim a que se destina cada fracção ou parte comum; regulamento de condomínio (5), disciplinando o uso (6), fruição (7) e conservação quer das partes comuns, quer das fracções autónomas; previsão de compromisso arbitral para a resolução de litígios emergentes da relação de condomínio -, nos termos do nº 2. 
 
Não obstante, do disposto no art. 1429º-A e 1431º do CC que obriga à elaboração de um regulamento do condomínio, no caso de haver mais de quatro condóminos, disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns, cabendo a sua elaboração à assembleia de condóminos ou ao administrador de condomínio. Sucede que, o direito de propriedade individual de cada condómino está sujeito a ser derrogado pelo direito de viver em compropriedade. Inerente a este direito de propriedade individual, existe um direito de personalidade (8). 
 
O direito de personalidade, aqui encarado como direito subjectivo da autonomia privada, que permite ao seu titular em caso de ofensa ou ameaça à sua personalidade física ou moral, e independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a realização da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida, nos termos do art. 70º nº 1 e 2 do CC (9). Os direitos de personalidade são direitos fundamentais e por isso, constitucionalmente protegidos. Aqui salientamos a importância para as situações de verificação de colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, pelo que, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes, caso contrario, prevalece o que se considera superior, nos termos do art. 335º nº 1 e 2 do CC (10).

(Con)Viver em PH, apresenta-se como um desafio pela linha ténue que separa a defesa dos interesses próprios de cada condómino e aqueles que são comuns. A CRP nos termos do art. 25º nº 1 dá-nos conta que “A integridade moral e física das pessoas é inviolável.”, e art. 66º nº 1 e ss “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.”O direito ao descanso e ao repouso (11), tantas vezes colocado em causa, são direitos fundamentais. Recai, sobre cada cidadão, comummente, sobre cada condómino a tarefa de se defender e exercer todos os direitos legalmente protegidos e fazer-se munir dos meios de tutela colocados à disposição pelo legislador. 
 
O reconhecimento do direito ao descanso e ao repouso como direitos fundamentais e a colisão destes direitos com a relação de vizinhança – música, animais, obras, barulhos que excedam o considerado para uma habitação normal, e ainda o exercício de actividades económicas -, têm vindo a emergir em diversos processos judiciais a correr termos nos tribunais portugueses.

Notas

(1) Na definição de A. Menezes Cordeiro, “a coisa corpórea sobre que incide o direito de propriedade horizontal é composta por uma fracção autónoma e pelas partes comuns do edifício”, ApudNeto, Abílio, CC Anotado, 15.ª Ed. Revista e Actualizada, Abril de 2006, nota 2, p.1184; No entendimento de Henrique Mesquita “o que caracteriza a PH e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária”, ApudNeto, Abílio, ob.cit. nota 4, p. 1184.
 
(2) H. Mesquita refere que “a PH pressupões a divisão de um edifício através de planos ou secções horizontais, por forma que, entre dois planos, se compreendam uma ou várias unidades independentes, ou ainda através de um ou mais planos verticais, que dividam igualmente o prédio um unidades autónomas. Logo, em alguns casos, a chamada PH, pode ser propriedade vertical. A divisão através de um ou vários planos é a única possível quando se trate de edifícios de um só piso.”, ApudNeto, Abílio, ob. cit., nota 5, p. 1184.
 
(3) H. Mesquita refere que “o que há de especifico no direito de propriedade sobre as fracções autónomas e apenas o facto de sobre tal direito impenderem restrições que não derivam do regime normal de domínio, mas que a lei estabelece ou permite em virtude de o objecto do direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, onde existem outras fracções pertencentes a proprietários diversos”, ApudNeto, Abílio, ob. cit., nota 7, p. 1184. Discorre do acórdão do STJ que, “As relações entre condóminos são de natureza real, sendo-lhes inaplicáveis os preceitos legais que regulam as relações de natureza obrigacional.”, ApudNeto, Abílio, ob. cit., nota 2, p. 1191. Mota Pinto, entende que “Quanto às partes comuns, cada um dos condóminos tem um direito de compropriedade e está sujeito ao regime desta (Mota Pinto, RDES, 21.º-113). A compropriedade que se verifica em relação as partes comuns é uma compropriedade forçada, no sentido de que não é possível sair da indivisão, ao contrário do que sucede na compropriedade normal.”, ApudNeto, Abílio, ob. cit., nota 4, p. 1191.

(4) De acordo com a publicação efectuada no BMJ “I - A falta de requisitos legalmente exigidos para a constituição da PH importa a nulidade do título que tenha sido celebrado e a sujeição do prédio em regime de compropriedade. II – Essa nulidade pode ser arguida por qualquer dos condóminos e pelo MP”, ApudNeto, Abílio, ob. cit., nota 11, p. 1186; Cfr. art. 1416º e 1417º CC, 5ª Edição, Almedina, setembro 2013.

(5) «Condomínio» é a situação jurídica em que se encontram vários sujeitos que, sendo contitulares de uma coisa materialmente unitária, têm direitos exclusivos sobre fracções juridicamente autonomizadas da coisa. É esta situação que se verifica, designadamente, em consequência da PH, em que “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício” (art. 1420°, nº 1 CC). O condomínio é, pois, distinto da contitularidade, situação em que os vários sujeitos são titulares de um mesmo direito.

(6) “O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família” (art. 1484°, nº 1 CC).

(7) O direito de fruição é a faculdade que tem o proprietário de uma coisa de retirar dela, em seu proveito, todas as suas utilidades e, designadamente, de receber os seus frutos e rendimentos. Outros direitos contêm a faculdade de fruição da coisa, para além da propriedade: assim, por exemplo, o usufruto (art. 1446° CC).

(8) Os direitos de personalidade encontram-se regulados no CC, nos art. 70° e ss. Ainda que uma pessoa não disponha de quaisquer direitos patrimoniais, ela é necessariamente titular do conjunto de direitos absolutos que respeitam às várias manifestações, físicas e morais, da sua personalidade: é a tal conjunto que se dá a designação de direitos da personalidade. Os art. 1474° e 1475° CPC, prevê ser possibilidade de se pedirem ao tribunal “providências destinadas a evitar a consumação de qualquer ameaça à personalidade física ou moral ou a atenuar os efeitos de ofensa já cometida”.

(9) No entendimento de Mário de Bruto “do nº 1 resulta que não é necessário que haja uma ofensa ilícita; basta a ameaça. Por outras palavras: não se exige o prejuízo efcetivo; é suficiente a possibilidade de prejuízo”,ApudNeto, Abílio, ob. cit., nota 2, p. 51., “embora a simples ameaça tenha de ser suficientemente séria para legitimar a tutela jurídica” (A.e ob. cits.); Segundo castro Mendes, “a responsabilidade civil a que se refere o nº 2 é a responsabilidade e indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados à família ou sucessores do defunto, não por pretensos danos causados a este mesmo”, ApudNeto, Abílio, ob. cit., nota 5, p. 51.

(10) F. Cunha de Sá, discorre que “para haver colisão de direitos, têm de estar frente a frente dois direitos subjectivos, ou seja, o comportamento de cada titular tem de preencher, por hipótese, o seu direito, não só estruturalmente, na forma que lhe cabe, mas também na valoração jurídica que em concreto lhe dá sentido. De outro modo, poderíamos ter um conflito entre um direito, materialmente actuado, e um outro e diverso fenómeno, que poderia até consistir no abuso de um direito – mas não em colisão de direito, porque um dos sujeitos actuaria sem direito ou para lá do seu direito. Mas se isto é assim, resulta daqui que a colisão, como fonte de perturbação constante da ordem jurídica, teve de ser também juridicamente resolvida, ou pelo critério da prevalência, quando os direitos sejam desiguais ou de espécie diferente e, assim, seja possível considerar o estabelecimento de uma hierarquia entre eles, ou pelo critério da conciliação, quando todos os direitos sejam iguais ou da mesma espécie. No primeiro caso, só o direito superior pode ser exercido, ou só ele pode ser exercido integralmente, e o direito inferior não deve ser exercido, ou não deve ser exercido senão na medida em que tal exercício parcial já não colida com a produção do efeito próprio do direito superior; no segundo caso, os titulares devem ceder na medida do necessário para que todos os direitos produzam igualmente o seu efeito, e não haja maior detrimento para uns do que para outros. Vem isto a significar, em ultima análise, que a situação de colisão de direitos se traduz, em cada caso concreto, na fixação de preciso limite, a cada direito, o qual é juridicamente inserido na sua própria estrutura formal e que, assim sendo, a actuação do titular que impede os outros direitos, iguais ou da mesma espécie que o seu, de produzirem igualmente efeito, ou se o produzirem sem maior detrimento para o respectivo titular, ou, ainda, que obstaculizão exercício do direito que deva considerar-se superior, actua em excesso de direito, com falta de direito, viola a especifica proibição normativa do art. 335º. E, como tal, tem esta violação de entender-se como um puro e simples ilícito (forma) com todas as características diferenciais que se nos mostraram perante a diversa qualificação jurídica de abuso de direito”, ApudNeto, Abílio, ob. cit., nota 4, p. 277.

(11) “1. O repouso e o sossego que cada pessoa necessita de desfrutar no seu lar para se retemperar do desgaste físico e anímico que a vida no seu dia a dia provoca no ser humano é algo de essencial a uma vida saudável, equilibrada e física e mentalmente sadia. O direito ao repouso, ao sossego e ao sono são uma emanação da consagração constitucional do direito à integridade física e moral da pessoa humana e a um ambiente de vida sadio, constituindo, por isso, direitos de personalidade e com assento constitucional entre os Direitos e Deveres Fundamentais. 2. A nossa lei fundamental concede uma maior protecção jurídica a estes direitos do que aos direitos de índole económica, social e cultural, havendo entre eles uma ordem decrescente de valoração. É na lei ordinária existe um dispositivo que expressamente manda dar prevalência, em caso de conflito de direitos, àquele que for considerado superior (nº 2 do art. 335º CC.”, in,http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1e8ce6a3977120378025735500505f0c?OpenDocument; De acordo com a publicação efectuada no BMJ “I -Viola o direito ao repouso, que é um direito de personalidade, a produção de ruídos em fracção habitacional que, pela sua frequência e intensidade, ultrapassa a normalidade, incomodando todos quantos residem no prédio e têm de descansar. II –Sendo o repouso de um cidadão absolutamente indispensável à saúde e, portanto, à sua vida, é de fazer cessar imediatamente qualquer causa adequada à sua continuada lesão. III –Os condóminos lesados pela produção daqueles ruídos têm direito a ser indemnizados pelos danos morais derivados de tal ilícito.”, ApudNeto, Abílio, ob. cit., nota47, p. 55

Acção especial de prestação de contas


Em termos gerais, a obrigação de prestar contas decorre da obrigação de informação consagrada no art. 573º do CC. 

Existe obrigação de informação sempre que o titular de um direito tenha dúvidas fundadas acerca do seu conteúdo e alguém esteja em condições de prestar as informações necessárias para dissipar essas dúvidas. A determinação das pessoas obrigadas a prestar contas não consta da legislação processual civil, mas de disposições substantivas. Entre outros, estão sujeitos à obrigação de prestar contas: 

- O administrador de associação sem personalidade jurídica (art. 172º do CC);
- O procurador com poderes de representação (art. 262º do CC);
- O gestor de negócios (art. 465º do CC);
- O administrador de sociedade civil (art. 987º do CC);
- O mandatário (art. 1161º do CC). 

A ação de prestação de contas é um processo especial regulado nos artigos 941º e segs. do Código de Processo Civil destinado a apurar o montante das receitas e das despesas que foram cobradas ou efectuadas, mas não verificar se houve ou não incumprimento do contrato.

Fundamentação

O dever de prestar contas pela forma legal - em forma de conta corrente, com deve e haver e concluindo-se por um saldo -, emerge quando alguém administra bens alheios – art. 941º do CPC – e conexiona-se com o dever de informação do art. 573º do CC.

Constituem doutrina e jurisprudência pacíficas que o processo de prestação de contas comporta duas fases distintas. Na inicial decide-se, antes de mais e tão só, se o réu deve prestar contas. Na subsequente, se a decisão for afirmativa, há lugar à prestação de contas, definindo-se os termos em que a mesma se deve processar. Só depois de proferida decisão a impor a obrigação de prestar contas, é que o autor tem de ser notificado para contestar as contas apresentadas pelo réu (neste sentido, Ac. do STJ de 30.01.2001).

Sendo que: «O ónus da prova da realização das despesas arroladas nas contas apresentadas cabe ao respectivo apresentante das contas» – Ac. do STJ de 03.10.2003.

Acresce que: 
 
«(...) para que o arbítrio no julgamento das contas possa ser prudente e avisado, é lícito ao juiz proceder a actos de instrução, por forma a habilitá-lo a negar a aprovação de verbas de receita que lhe parecerem baixas e às verbas de despesas que reputar exageradas.
Com vista à observância do julgamento segundo o seu prudente arbítrio, o juiz deverá:
i) Colher as informações que entender convenientes;
ii) Mandar proceder às averiguações que considerar úteis;
iii) Incumbir pessoa idónea de dar parecer sobre as contas» - Ac. cit., apud ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, Vol. I, 322 e 323.

Finalmente importa ter presente que:

« A acção especial de prestação de contas destina-se, tão só, a apurar e aprovar o conjunto das receitas efectivamente obtidas, durante um período de tempo determinado, a partir do conjunto de bens alheios administrado pela pessoa obrigada a prestar essas contas e das despesas realizadas por esse administrador nesse mesmo lapso temporal e, caso seja apurado um saldo patrimonial positivo, condenar o prestador de contas a pagá-lo.

A acção especial de prestação de contas não constitui o meio próprio para aquilatar do mérito da administração dos bens alheios em referência ou para determinar se, com um outro tipo de gestão do património em causa, poderiam ser obtidas receitas que o não foram e condenar o prestador de contas a pagar um qualquer saldo patrimonial não efectivamente apurado» - AC. da RL de 19.03.2013.

Vale isto por dizer que, primeiramente (1ª fase), urge apreciar se o réu (administrador do condomínio) é, ou não é, obrigado a prestar contas. Depois, se for obrigado e se os autores (condóminos) não concordarem com as mesmas, é que, porventura, estes factos poderão ser alegados e ter a sua relevância, nos termos, vg. do disposto no artº 945º nº 2 do CPC.

Nesta conformidade, estabelece o art. 941º do Código de Processo Civil que "a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação de receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se".

A obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (art. 573º do CC) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.

Como afirmava Alberto dos Reis, in Processos Especiais, vol.I, 1982, pag.303, pode formular-se o princípio geral de que "quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses". Ou seja, a obrigação de prestar contas tem lugar todas as vezes que alguém trata de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios, (cfr. Acórdão do STJ de 1975).

Assim, nos termos do art. 943º, nº 2 do CPC "se o Réu contestar a obrigação de prestar contas o autor pode responder e apresentar provas” e o juiz decide. 
 
O TRE em Ac. datado de 03.11.2006 decidiu que: «I- O processo é adequado quando através dele se pretende conseguir o fim indicado pela lei, sendo através da petição inicial que se deve aferir o propósito do Autor e, consequentemente, a adequação do processo ao que nesse articulado foi expresso. II- O processo especial de prestação de contas é o adequado ao fim pretendido pelo Autor e que vem espelhado na petição porquanto na versão aí descrita, incumbiu a Ré de “administrar” o seu imóvel sem que ela o tivesse esclarecido acerca do destino que deu às receitas que ele supõe terem sido geradas com o respectivo arrendamento. III- Visando a prestação de contas a definição de um quantitativo como saldo, só o processo de prestação de contas será adequado a tal finalidade quando aquele seja uma incógnita, i.e. quando quem as requer não esteja inteirado, por ausência de informação por parte de quem as deve prestar, do montante das receitas percebidas ou do das despesas efectuadas ou mesmo de ambas.»
 
E como proficientemente se escreveu no Acórdão do STJ de 9.2.2006:
I - A obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (art. 573.º do CC) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito
II - Está obrigado a prestar contas o procurador que age com poderes de representação, administrando bens ou interesses do representado, independentemente da existência ou da natureza de negócio de que resultou a procuração.
III - Não é o fim para que a procuração é emitida nem o conteúdo dos poderes que dela constam como conferidos ao procurador, mas apenas os actos realizados, que justificam a prestação de contas.
IV - Do disposto nos art.s 1014.º (actual 941º) e seguintes do CPC infere-se que a prestação de contas só tem interesse para o requerente (representado) quando haja, em relação às partes, créditos e débitos recíprocos, não sendo de aplicar este processo quando o acto não tenha tido, nas relações entre mandatário e mandante, reflexos patrimoniais”.  (sublinhado meu).