Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

5/31/2022

Representação em Assembleia Universal

Numa sociedade comercial, um dos principais direitos dos sócios é o de participar nas deliberações dos sócios, sem prejuízo das restrições previstas na lei (vide art. 21º, nº 1, al. b) do CSC). Com efeito, o voto representa uma declaração de vontade que, em conjugação com outras declarações da mesma natureza, determina a formação da deliberação, esta, por seu turno, expressão da vontade unitária da assembleia geral. A vontade deste órgão é, por sua vez, dentro das matérias incluídas na sua competência, vontade imputável à sociedade.

Significa isto que nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por cláusula do contrato, do direito de voto, uma vez que a lei lhe garante o direito de participar nas deliberações dos sócios. O mesmo princípio é válido nas assembleias dos condóminos.

A tomada de deliberações de sócios em assembleia geral está regulada no art. 1432º, cujos nº 1 e 2 procedem a uma remissão geral para o disposto sobre assembleias gerais. Assim, a assembleia geral do condomínio, para se poder realizar, carece, como regra, de ser convocada, competindo essa convocação ao administrador, aos condóminos que representem pelo menos, 25% do capital investido ou a qualquer dos condóminos que pretenda recorrer do administrador e deve ser feita por meio de carta registada ou aviso com protocolo de recepção assinado pelos condóminos, expedida com a antecedência mínima de dez dias.

Nesta conformidade, “são nulas as deliberações dos sócios, tomadas em assembleia geral não convocada”, excepto “se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados” (cfr. art. 56º, nº 1, al. a) do CSC). Ou seja, desde que todos os sócios estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto, podem os condóminos reunir-se em assembleia geral, sem observância das formalidades prévias (vide art. 54º, nº 1 do CSC).

Dito de outro modo, as deliberações, em que o sócio tem o direito de participar, podem ser tomadas em assembleia geral, convocada ou não convocada. Neste último caso, desde que todos os sócios estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto.

As deliberações tomadas em assembleia geral convocada têm um ponto em comum com aquelas que são tomadas em assembleia universal: ambas resultam de uma reunião de sócios. Mas distinguem-se umas das outras quanto a um aspecto do seu procedimento: ao invés das primeiras, as segundas são adoptadas numa assembleia que não foi precedida de um acto de convocação, como deveria ter sido, dirigido a todos os sócios, mas em que todos estiveram presentes e, além disso, em que todos manifestaram vontade de que a assembleia se constituísse e deliberasse sobre determinado assunto.

Vemos, assim, que só ocorre uma assembleia geral universal mediante a verificação cumulativa de três pressupostos:

a) – Presença de todos os sócios – basta que esteja ausente um sócio para que a assembleia já não possa ser considerada universal;

b) – Assentimento de todos os sócios em que a assembleia se constitua – o encontro ocasional de todos os sócios não é, só por si, uma assembleia universal, porque falta a vontade destes de se constituírem em assembleia, assim como não se trata de uma assembleia universal a reunião de todos os sócios se algum ou alguns deles não quiserem que a assembleia se constitua;

c) - Vontade também unânime de que a assembleia a constituir delibere sobre determinado assunto; porém, uma vez decidido por unanimidade que a assembleia deliberará sobre tal assunto, a deliberação a tomar considerar-se-á aprovada quando reúna os votos necessários para o efeito nos termos gerais (que pode não ser – e não é em regra – a unanimidade (art. 54º, nº 2).

Conforme preceitua o art. 54°, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) “o representante de um sócio só pode votar em deliberações tomadas no número 1 se para o efeito estiver especialmente autorizado”.

O carácter expresso da representação voluntária não constitui aqui uma exigência nova e específica – pois para a deliberação formada em Assembleia Geral já estabelece o CSC nos diversos lugares em que se lhe refere, esse mesmo carácter (cfr. art. 189°, nº 4, para as Sociedades em Nome Colectivo, art. 249°, para as Sociedades por Quotas, e art. 380°, nº 1, para as Sociedades Anónimas).

Não se especificando quais os instrumentos que para a Assembleia Geral Universal hão-de legitimar a representação voluntária, deverão aceitar-se aqueles mesmos que são já admitidos em Assembleia Geral Ordinária ou Extraordinária.

No entanto, no caso da Assembleia Universal, impõe-se uma especificidade: a autorização constante da carta ou da procuração verbal outorgada ao representante, tem de o ser expressamente para o efeito. Ou seja, há que referir que o representante está autorizado para votar naquela Assembleia Universal em especial.

Conforme refere Pinto Furtado (Deliberações dos sócios, pág. 206), “é este o mínimo certamente exigível, e não parece que se requeira, além disso a especificação das matérias concretas sobre que se há-de deliberar, o sentido de voto, ou, sequer, a concreta assembleia ou deliberação unânime em que a representação será exercida.”

5/27/2022

O seguro contra o risco de incêndio

É obrigatório o seguro contra o risco de incêndio, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns. O seguro deve ser celebrado pelos condóminos, mas se não o for feito, dentro do prazo e pelo valor que tenha sido fixado em assembleia, deve ter-se o mesmo, obrigatoriamente efectuado pelo administrador do condomínio.

Nesta factualidade, importa desde logo realçar que, nos termos do art. 1436º do CC, deve ser o administrador a propor à assembleia o montante do capital seguro. O administrador, enquanto órgão administrativo do condomínio, pode celebrar este seguro sobre as fracções autónomas, em nome da tutela mediata da segurança, quer das outras fracções autónomas, quer das partes comuns do edifício. A repartição das despesas com o seguro segue o regime geral do art. 1424º do CC.

Para evitar a negligência dos condóminos, o legislador permite, rectius, impõe, esta ingerência na fracção autónoma, ficando o administrador com o direito de reaver dos condóminos o respectivo prémio. Este poder-dever do administrador justifica-se pela existência de um interesse comum do condomínio, mas que não é igual ao conjunto do interesse de todos os condóminos, distinguindo-se dele.

Se os condóminos não fizerem o seguro, ou celebrando-o por um valor inferior àquele que tiver sido fixado em assembleia, a realização deste pelo administrador é um poder-dever, isto é, um poder funcional e não um poder-opção. O legislador não visa proteger um interesse disponível ao encarregar um órgão administrativo do condomínio de se substituir aos condóminos, em caso de inércia da parte destes. O administrador tutela aqui o interesse colectivo. 

Rui Vieira Miller, A propriedade horizontal no código civil, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 243, considera que o art. 1429º do CC é uma norma que não é de interesse e ordem pública, pois foi ditada pelo exclusivo interesse privado dos condóminos que, assim, a podem afastar. O que o legislador pretendeu foi, "em virtude da importância de que tal garantia para todos se reveste e da conveniência em cobrir o maior risco de incêndio derivado da contiguidade de cada fracção, tornar a realização do seguro por iniciativa de qualquer condómino ou, na sua falta, do administrador, independentemente do consentimento expresso ou tácito dos interesses que, por força da lei, ficam vinculados a esse acto".

Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 164, não concorda "plenamente, com esta ideia. Esta norma foi ditada pelo interesse privado e exclusivo dos condóminos, não individualmente considerados, mas sim como interesse do grupo. Se assim o entendêssemos, o interesse colectivo seria de considerar disponível pelos condóminos, o que não acontece (precisamente porque é algo diverso da mera soma dos interesses individuais).  O que vale ainda mais para o administrador. O administrador é, apenas, um órgão de tutela deste interesse, e não seu titular. Muito menos pode, por isso, dispor dele".

No entanto,, o Ac. do TRL, de 6/5/2003, decidiu que:

1. A interpretação extensiva só é possível quando o intérprete conclua pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia.
2. Só é obrigatório o seguro da totalidade do prédio contra o risco de incêndio, não podendo qualquer dos condóminos eximir-se à sua efectivação ou escusar-se ao pagamento dos respectivos encargos.
3. Mas o seguro contra qualquer outro risco de destruição ou danificação do edifício é facultativo, podendo o mesmo incidir sobre a totalidade do prédio, mediante deliberação dos condóminos, nos termos do art. 1432º, nº 3, do CC, e podendo qualquer condómino efectuá-lo, embora restrito à sua fracção autónoma.

Atento o que ficou dito, o único seguro obrigatório é o de risco de incêndio (sendo todas as demais coberturas, facultativa) e é apenas este que o administrador deverá celebrar quando os condóminos o não hajam feito dentro do prazo e valor que para o efeito tenha sido fixado pela assembleia (cfr. art. 1429º, nº 2 do CC). Se o administrador celebrar, em nome dos condóminos faltosos, um seguro multi-riscos habitação ou multi-riscos condomínio, em detrimento do seguro obrigatório (risco de incêndio), só poderá exigir e reaver deles a parte do respectivo prémio correspondente apenas e só ao risco obrigatório
 
À luz destes ensinamentos, o administrador deve cuidar de proceder à competente elaboração de um protocolo com a listagem de todos os condóminos, a identificação das respectivas seguradoras, a indicação do montante do capital seguro, a validade do mesmo e o prazo limite a que se obrigam a comunicar a feitura da renovação, sob pena de, se considerarem em incumprimento, assistindo então ao administrador de proceder à sua feitura.

De salientar que, se posteriormente o condómino provar que, não obstante o atraso na entrega do comprovativo, possui o competente seguro, o administrador procederá ao cancelamento, assistindo-lhe o direito ao respectivo estorno, no entanto, porque este não corresponderá ao prémio total havido pago, o condómino será responsável por quitar a diferença entre o montante pago e o do reembolso.