Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/01/2022

Renúncia à coisa comum


Nos termos do art. 1411º, nº 1, os comproprietários devem contribuir para as despesas, sem prejuízo da faculdade de se eximirem do encargo renunciando ao seu direito. Está-se aqui perante uma norma do regime da compropriedade que não se aplica, ex vi art. 1422º, nº 1, ao regime da propriedade horizontal. Nos termos do art. 1420º, nº 2, não é lícito ao condómino renunciar à parte comum como meio de se desonerar das despesas necessárias à sua conservação e fruição.

O condómino pode renunciar às coisas comuns (que não sejam imperativamente comuns), perdendo qualquer direito que tenha sobre a coisa comum, mas isso não o eximirá da obrigação de contribuir para as eventuais despesas. A renúncia é um negócio unilateral de disposição, através do qual uma pessoa extingue um direito de que é titular. Trata-se da renúncia pura e simples ou abdicativa (cfr. Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, pág. 365).

A renúncia ao direito sobre os bens comuns é perfeitamente lícita, mas absolutamente inidónea a produzir um efeito típico: a não vinculação do renunciante pelas obrigações derivadas da titularidade dos bens.

O condómino pode renunciar à sua fracção autónoma como meio de se desonerar das despesas. Neste sentido, Giuseppe Branca, Commentario del Codice Civile, 1955, pág. 315, considerando que o condómino, para evitar o pagamento das despesas, tem de renunciar à fracção autónoma. Outros autores defendem que o condómino pode renunciar ao direito sobre a coisa comum se simultaneamente renunciar ao direito sobre a fracção autónoma.

A renúncia liberatória (que só pode ter lugar quando o titular está vinculado ao cumprimento de uma obrigação propter rem) constitui um negócio oneroso, e realiza-se através de uma declaração unilateral receptícia, em que o devedor põe o seu direito à disposição do credor.

O nº 2 do art. 1420º - norma de carácter imperativo não alterada pelo DL nº 267/94 de 25/10 - que, na sua formação, apenas sofreu correcções de natureza formal, manteve fundamentalmente o regime da lei anterior.

Não se especificou, como nesta se fazia, a sujeição da propriedade horizontal ao regime da propriedade de coisas imóveis porque isso decorre necessariamente da natureza do instituto e da sistematização do Código. Pois se a propriedade horizontal só pode ter por objecto imóveis - mais propriamente, prédios urbanos -, e constitui uma modalidade do direito de propriedade, como tal regulada no respectivo título do Código Civil, manifesto é que está sujeita ao regime geral desse direito, em tudo que não esteja especialmente regulamentado, sem necessidade de expressa declaração da lei nesse sentido. 

Também se eliminou a ressalva, feita no parágrafo único do art. 10º do DL nº 40 333, de disposição legal em contrário do regime da incindibilidade dos direitos de propriedade singular e de compropriedade, porque igualmente não foi reproduzido o parágrafo segundo do art. 13º do mesmo diploma, designadamente a sua parte final que constituiria a excepção a que no preceito se aludia.

É que, na verdade, esta última disposição legal não contrariava o princípio da incindibilidade, como em nota ao artigo imediato se esclarecerá, além de que não seria concebível que a própria lei, depois de definir o traço mais característico da propriedade horizontal, admitisse que ele pudesse ser excluído.

A eliminação do advérbio "acessoriamente", que se lia no art. 10º do DL nº 40 333, acabou por outro lado com as dúvidas que se levantaram no domínio da lei anterior. Com efeito, embora a compropriedade continue a ser de natureza complementar - e nesse sentido teria sido utilizado o termo acessoriamente - na medida em que constitui um meio de fruição da propriedade singular, como já ficou salientado, a lei é bem expressa no sentido de que o conjunto desses dois direitos é o cerne do direito de propriedade horizontal.

Em bom rigor, não se pode falar de compropriedade relativamente aos bens comuns na propriedade horizontal, visto que o seu regime jurídico difere substancialmente do daquele instituto, como bem resulta do disposto neste artigo e ainda nos art. 1423º e 1425º.

Há por isso quem proponha a designação de condomínio, não especialmente referida àquela peculiar forma de compropriedade, mas para englobar o conjunto dos direitos inerentes à propriedade horizontal. 

Alguns sistemas legislativos têm acolhido expressamente esta nomenclatura vendo-se que a lei portuguesa que começou por não lhe ser hostil na medida em que designou por condóminos os titulares do direito de propriedade horizontal, a aceitou expressamente nos DL 267/94, 268/94 e 269/94, todos de 25/10.

A conveniência de uma designação específica para essa peculiar forma de compropriedade resulta ainda do facto de poderem existir num prédio em regime de propriedade horizontal bens sujeitos ao regime geral da compropriedade. Veja-se neste sentido, José A. Negri, Dominio y condomínio en la propriedad horizontal, na Revista del Notariado, Buenos Aires, ano LIV, pág. 138.

A sua cisão é impossível em qualquer caso e quer a compropriedade recaia sobre coisas obrigatória e facultativamente comuns, desde que essa compropriedade seja indispensável ao gozo da propriedade singular. Deste modo, não apenas é ilícita nos casos expressamente referidos no nº 2 deste art. 1420º - que faz excepção às regras dos art. 1408º e 1411º, nº 1 - como ainda em todos os outros, designadamente no que se aponta no nº 2 do art. 1406º, não sendo, assim, possível a inversão do título da posse de um condómino (cfr. art. 1265º) relativamente a essas coisas comuns e a consequente aquisição, por usucapião, de quota superior à sua.

Da incindibilidade dos dois direitos decorre ainda que, constituído qualquer ónus sobre uma fracção autónoma em propriedade horizontal, ele abrange o conjunto deles, como, aliás,  expressamente referia a lei anterior. É que o conceito normativo de fracção autónoma aglutina a parte do edifício que é objecto de propriedade singular e os elementos desse prédio que, sendo necessário complemento estrutural e funcional daquela, têm a natureza de comuns.

Tipos de assembleias


A Assembleia Geral dos Condóminos é o órgão supremo do condomínio, de funcionamento intermitente e colegial, constituído pela reunião dos seus condóminos e terceiros titulares de direitos sobre as fracções autónomas, regularmente convocados para apreciação e decisão de assuntos de interesse comum, especificados na respectiva convocação.

As assembleias Gerias Ordinárias

As Assembleias Gerais Ordinárias são um dos principais eventos da gestão condominial e são reuniões que se realizam, obrigatoriamente, por lei, uma vez ao ano (na primeira quinzena de Janeiro), a qual tem como objectivos, (i) a discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano (cfr. art. 1431º, nº 1 CC), e (ii) eleição do administrador para o novo exercício administrativo (cfr. art. 1435º, nº 1 e 2, 2ª parte do CC).

Também terão carácter Ordinário, a ou as Assembleias que, mediante disposição do Regulamento do condomínio, aprovada por maioria simples, se realizem durante o ano, em datas concretas, por exemplo, quadrimestralmente ou semestralmente, nomeadamente, para aprovação do balanço das contas e eventual aprovação de um orçamento rectificativo das despesas a efectuar.

As assembleias Gerais Extraordinárias 

As Assembleias Gerais Extraordinárias, não possuem uma periodicidade específica definida, isto é, não possuem uma data exacta para se realizarem, pelo que, estas podem ter-se convocadas pelos condóminos ou terceiros titulares de direitos sobre as fracções autónomas, desde que estes, representem, pelo menos, vinte e cinco por cento do capital investido, ou seja, 25 ou 250 votos, consoante se delibere em percentagem ou permilagem (cfr. art. 1431º, nº 2 do CC), sempre que estes entendam haver necessidade de se discutirem determinados assuntos do interesse comum.

São também Extraordinárias as Assembleias Gerais que sejam convocadas, isoladamente, por iniciativa de qualquer condómino com o fundamento único de recorrer dos actos (de acção ou omissão) do administrador (cfr. art. 1438º do CC), no cumprimento das deliberações resultantes da Assembleia dos Condóminos ou dos poderes-deveres elencados, em especial, no art. 1436º do CC, e em geral, nas demais disposições que lhe sejam adstritas pelo lei ou pelo Regulamento.

As assembleias Gerais Universais

As Assembleias Universais são adoptadas numa assembleia que não foi precedida de um acto de convocação dirigido a todos os condóminos (conforme dimana dos nºs 1 e 2 do art. 1432º do CC) ou esse acto de convocação padeceu de algum vício (por exemplo, a convocatória não respeita os 10 dias de antecedência), mas em que todos os condóminos estiveram presentes e, além disso, em que todos manifestaram vontade que a assembleia se constituísse, aplicando-se com a devida analogia, o preceituado no art. 54°, nº 1, 2ª parte, do CSC.

Atento o que foi dito, para se poder falar de assembleia universal terão que se cumprir três requisitos: (i) A presença de todos os condóminos; (ii) O assentimento de todos os condóminos em que a assembleia se constitua. Não basta que todos os condóminos se reuniam ocasionalmente; dessa reunião terá que resultar inequivocamente o desiderato e assentimento de todos na constituição da assembleia; e (iii) A vontade unânime de que a assembleia a constituir delibere sobre determinados assuntos.