Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

1/15/2022

O cumprimento das obrigações

Conforme refere o art. 762° nº 1 CC, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que esta vinculado. Resulta assim pacífico afirmar-se que o cumprimento pode ser definido como a realização da prestação devida, pelo que, com a satisfação do interesse do credor, extingue-se a obrigação, com a consequente libertação do devedor. 
 
Ora o regime do cumprimento das obrigações obedece principalmente a três princípios gerais que têm referência na lei: 
  • o princípio da pontualidade;
  • o princípio da integralidade; e
  • o princípio da concretização e da boa fé.
O princípio da pontualidade
 
O princípio da pontualidade encontra-se consagrado no art. 406° nº 1 CC, que estipula que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (sobre o princípio da pontualidade no âmbito de um contrato promessa cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/01/2005, Processo n° 04B4389, in: http://www.dgsi.pt)
 
Deste princípio resulta a proibição de qualquer alteração à prestação devida. O devedor tem o dever de prestar a coisa ou o facto exactamente nos mesmos termos em que se vinculou, não podendo o credor ser constrangido a receber do devedor coisa ou serviço diferente, mesmo que possuam um valor monetário superior à prestação devida.
 
Excepto se o credor aceitar coisa ou serviço diferente extingue-se a obrigação, situação jurídica denominada por dação em cumprimento. Neste concreto, o cumprimento produz sempre em relação ao credor a extinção do seu crédito, como contrapartida da prestação recebida. Normalmente o cumprimento produz igualmente em relação ao devedor a libertação da sua obrigação, tendo eficácia extintiva da obrigação a que respeita. No entanto, em certos casos o cumprimento pode desencadear a sub-rogação do crédito (cfr. art. 589° e ss. CC), caso em que crédito não se extingue, antes se transmite para o terceiro que realiza a obrigação, ficando o devedor vinculado perante este.
 
Do princípio da pontualidade resulta também a irrelevância da situação económica do devedor, não podendo o devedor, com esse fundamento, solicitar a redução da sua prestação ou a obtenção de outro benefício. Dos art. 601° e 604° do CC consta que mesmo em caso de insuficiência, o património do devedor continua a responder integralmente pelas dívidas assumidas, apenas se excluindo da penhora certos bens que se destinam à satisfação de necessidades imprescindíveis (cfr art. 822° e 823° CPC).
 
Somente em certo tipo de obrigações periódicas pode haver uma alteração do montante fixado tomando em consideração a situação económica do devedor (cfr. art. 2004° e 2012° do CC (obrigações de alimentos) e o art. 567° do CC (indemnização em renda))
 
O princípio da integralidade
 
O princípio da integralidade encontra-se expresso no art. 763° nº 1 do CC e significa que o devedor deve realizar a prestação de uma só vez, ainda que se trate de prestação divisível. Se o devedor oferecer apenas uma parte da prestação, o credor pode recusar o seu recebimento sem incorrer em mora ("Quem nessa situação incorre em mora é o devedor", cfr. Bastos, Notas, volume III, pág. 216.)
 
A lei admite, aliás, que o credor decida exigir apenas uma parte da prestação, esclarecendo, que tal não impede o devedor de oferecer a prestação por inteiro (cfr. art. 763 nº 2 do CC). A regra geral é que só pode haver uma prestação em partes no caso de um acordo entre os contraentes nesse sentido. É o que ocorre nas obrigações fraccionadas (cfr. arti. 781° do CC) (O inadimplemento do devedor, quebrando a relação de confiança em que assenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justifica a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações previstas para o futuro, cfr. neste âmbito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2006, Processo n.º 05A3869, in: http://www.dgsi.pt), como a venda a prestações prevista no art. 934° do CC. 
 
Mas existem algumas excepções: 
 
O credor terá que aceitar o pagamento parcial no caso da imputação do cumprimento prevista no art. 784° nº 2 do CC, no caso de pluralidade de fiadores, que gozem do benefício da divisão (cfr. art. 649° do CC) e ainda quando exista compensação com divida de menor montante (cfr. art. 847° nº 2 do CC). Finalmente, poderá haver lugar ao pagamento parcial quando tal situação resulta dos usos ou da boa fé. 
 
Se por exemplo, o montante devido consiste em € 1000 e o devedor prestar € 998, é controvertido na doutrina se a recusa do recebimento pelo credor origina um comportamento contrário à boa fé (neste sentido alguns autores portugueses e alemães, cfr. art. 762° nº 2 do CC e § 242 BGB: "Der Schuldner ist verpflichtet, die Leistung so zu bewirken, wie Treu und Glauben mit Rücksicht auf die Verkehrssitte es erfordern"). 
 
Trata-se de situações que têm de ser apreciadas caso a caso (cfr. Neto, Código Civil anotado, pág. 578-579).
 
Os princípios da boa fé e da concretização
 
Como já foi assinalado, o princípio da boa fé encontra-se referido no artigo 762° nº 2 do CC (§ 242 BGB). Desta norma resulta que para se considerar verificado o cumprimento da obrigação não basta a realização da prestação devida em termos formais, sendo antes necessário o respeito dos ditames da boa fé, quer por parte de quem executa, quer por parte de quem exige a obrigação. 
 
Fazem parte destes deveres o dever de protecção, informação e lealdade, podendo-se ainda mencionar a concretização como princípio do regime do cumprimento das obrigações. 
 
O princípio da concretização significa que a vinculação do devedor deve ser concretizada numa conduta real e efectiva. 
 
A lei prevê vários pressupostos para o cumprimento efectivo: capacidades das partes, disponibilidade das coisas dadas em prestação, legitimidade, lugar e tempo do cumprimento. 
 
Para que o cumprimento da obrigação possa efectivamente ocorrer haverá que respeitar toda a disciplina específica que regula o seu modo de realização. 
 
Capacidade para o cumprimento 
 
Do art. 764° do CC consta que não é exigido a capacidade do devedor, a menos que a própria prestação consista num acto de disposição. A capacidade do devedor é exigida se a prestação consistir num acto de disposição, como sucede sempre que o cumprimento implique a celebração de um novo negócio jurídico (como na hipótese da realização do contrato de escritura prometido em relação ao contrato de promessa de compra e venda), ou dele resulte directamente a alienação ou oneração do património do devedor. A lei protege o incapaz. 
 
Quando consiste num acto de disposição, o cumprimento não esta ao alcance do incapaz, devendo antes ser realizado pelo seu representante legal. Quando para a prestação se exija a capacidade do autor do cumprimento e este não a possua o cumprimento da obrigação pode ser anulado nos termos gerais (cfr. art. 125° e 139° do CC). 
 
Quando o cumprimento é realizado pelo devedor, o credor pode, porém, paralisar esse pedido através de uma excepção, demonstrando que o devedor não teve prejuízo com o cumprimento (cfr. art. 764 nº 1, 2ª parte CC). O credor tem de ter capacidade para receber a prestação. Se a prestação for realizada por um incapaz, o seu representante legal poderá solicitar a sua anulação e a realização de uma nova prestação pelo devedor. 

Legitimidade para o cumprimento

Em relação ao autor do cumprimento, a lei generaliza o princípio da legitimidade activa, atribuindo-a a todas as pessoas, quer estas tenham interesse directo no cumprimento da obrigação, quer não (cfr. art. 767° nº 1 do CC). Assim, a prestação pode ser realizada por terceiro, sem que o credor se possa opor. O terceiro só não terá legitimidade para cumprir se a prestação tiver carácter infungível, por natureza ou por convenção das partes (cfr. art. 767° nº 2 do CC), caso em que o credor não poderá ser constrangido a receber de terceiro a prestação, poden-do recusa-la e exigir que o cumprimento seja realizado pessoalmente pelo devedor. 
 
Se o terceiro tiver legitimidade para o cumprimento, o credor não pode recu-sar a prestação por ele oferecida, e se o fizer incorre em mora perante o devedor como se tivesse recusado a prestação deste (cfr. art. 768° n.º 1 e 813° do CC). A lei apenas admite a recusa por parte do credor se o devedor se opuser ao cumprimen-to, desde que o terceiro não tenha interesse directo na satisfação do crédito, por ter garantido a obrigação ou por qualquer outra causa (cfr. art. 768° nº 2 e 592° do CC). 
 
Se o terceiro for directamente interessado, o credor não pode recusar o cumprimento por este, mesmo com a oposição do devedor, dado que esta situação envolveria prejuízo para o terceiro. No entanto, a simples oposição do devedor ao cumprimento nunca obsta a que o credor aceite validamente a prestação do terceiro (cfr. art. 768° nº 2 do CC). A regra geral é, portanto, que o cumprimento por terceiro provoca a extinção da obrigação.
 
Legitimidade passiva

Quanto à legitimidade para receber a prestação, o art. 769° do CC estabelece que a prestação deve ser efectuada ao credor ou ao seu representante. Todas as outras pessoas são consideradas terceiros, pelo que a prestação que a estes for realizada não importará em princípio a extinção da obrigação, podendo o devedor ser condenado a realizá-la novamente (cfr. art. 770° do CC em conexão o art. 476° nº 2 do CC). 
 
No entanto, importa ressalvar que, se a prestação for realizada a terceiro, a obrigação não se extingue, podendo o autor da prestação exigir a sua restituição com fundamento no enriquecimento por prestação.
 
Existem, porém, alguns casos em que se verifica a extinção da obrigação com a sua recepção por terceiro (cfr. art. 770° do CC). São estas: (i) se tal tiver sido estipulado ou consentido pelo credor (al. a)); (ii) se o terceiro vier a adquirir legitimidade superveniente para a sua recepção, o que acontece se o credor ratificar o cumprimento (al. b)); (iii) Se vier a ocorrer posteriormente a junção na mesma pessoa das qualidades de credor da prestação e devedor da sua restituição, o que acontece se o terceiro adquirir posteriormente o crédito (al. c)), ou o credor for herdeiro de quem recebeu a prestação, por cujas obrigações responde (al. e)); (iv) se o credor não tiver interesse em novo cumprimento da obrigação, o que acontece ele vier a aproveitar-se do cumprimento (al. d)) e, finalmente, (v) se a lei considerar, por outro motivo, liberatória a prestação feita a terceiro (al. f)) 

Tempo do cumprimento

A doutrina portuguesa (e também a jurisprudência) distinguem entre dois momentos distintos: o momento em que o devedor pode cumprir a obrigação, forçando o credor a receber a prestação, sob pena de o credor entrar em mora, e o momento em que o credor pode exigir do devedor a realização da prestação, sob pena de o devedor entrar em mora. 
 
Os art. 777° e ss. do CC determinam tanto a pagabilidade como o vencimento da divida. Distinguem-se as obrigações puras das obrigações em prazo. As obrigações puras são aquelas cujo cumprimento pode ser exigido ou realizado a todo o tempo. As obrigações a prazo são aquelas em que a exigibilidade do cumprimento ou a possibilidade da sua realização é diferida para um momento posterior. A regra geral é a de as obrigações não terem prazo certo estipulado, sendo, portanto, obrigações puras. Neste caso o credor tem o direito de exigir a todo o tem-po o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela (cfr. art. 777° nº 1 do CC). 
 
Neste caso o devedor apenas entra em mora com a exigência do cumprimento pelo credor, nos termos do art. 805° nº 1 do CC. Pode, porém, acontecer que as partes ou a lei tenham estabelecido um prazo de cumprimento (cfr. art. 777° n. 1 proémio). Nesse caso, está-se perante obrigações com prazo certo, as quais se caracterizam por o decurso do prazo constituir o deve-dor em mora (cfr. art. 805° nº 2 al. a) do CC).
 
A possibilidade de a prestação ser realizada ou exigida em momento posterior constitui um benefício. Pergunta-se a quem compete o benefício do prazo. Nos ter-mos do art. 779° do CC a regra é a de que o benefício compete em princípio ao devedor. Isto significa que o credor não pode exigir a prestação antes do fim do prazo, mas o devedor tem o direito de proceder à sua realização a todo o tempo, renunciando ao benefício do prazo.

Lugar do cumprimento

Veremos agora onde deve ser realizada a prestação. É usual estabelecer no direito português, a propósito do lugar do cumprimento, uma distinção entre as obrigações de colocação, obrigações de entrega e obrigações de envio.
 
Na parte que nos aproveita, aplica-se apenas a segunda obrigação. Nas obrigações de entrega, o devedor tem efectivamente que entregar a coisa ao credor no domicílio deste, ou no lugar com este acordado (tratando-se de uma empresa de administração de condomínios, será no seu escritório). Neste caso a prestação só se considera adequadamente realizada se chega ao domicílio do credor dentro do prazo acordado, havendo mora do devedor no caso contrário (cfr. art. 804° do CC).
 
Prova do cumprimento
 
A prova do cumprimento compete em princípio ao devedor, uma vez que o cumprimento constitui um facto extintivo do direito do credor que deve ser demonstrado pela parte contra quem o crédito é invocado (cfr. art. 342° nº 2 do CC).
 
Atente-se que, no âmbito, por exemplo, de um contrato de compra e venda, uma vez provada a celebração de compra e venda, em acção movida pelo vendedor ao comprador, fundada no contrato, visando a condenação do segundo no pagamento do preço, incumbe ao réu o ónus da prova do cumprimento desta obrigação legal (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/11/2003, Processo n.º 02B3469, in: http://www.dgsi.pt)
 
No entanto o cumprimento não pode ser provado por testemunhas (cfr. art. 395° do CC), pelo que o modo mais adequado de proceder a essa prova consiste em o autor do cumprimento exigir do credor uma declaração escrita de que recebeu a prestação em dívida. A essa declaração dá-se o nome de quitação, uma quitação que através dela o credor exprime que o devedor se encontra quite para com ele (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, CC anotado, volume II, pág. 34). Quando a quitação consta de um documento avulso, costuma dar-se a esse documento o nome de recibo. 
 
A quitação é um direito atribuído por lei a qualquer pessoa que cumpre a obrigação, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provido de reconhecimento notarial se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo (cfr. art. 787° nº 1 Cdo C). Pode-se assim exigir sempre do credor um recibo e, caso este não se disponha a passá-lo, o cumprimento pode legitimamente ser recusado (cfr. art. 787 nº 2 do CC). O recibo pode igualmente ser exigido mesmo depois de a prestação já ter sido efectuada (cfr. art. 787 nº 2 do CC).


1/06/2022

Condóminos não residentes

Sobre o administrador impende o dever de informação preceituado no art. 3º do DL 268/94 de 25/10, que estatui: "Na entrada do prédio ou conjunto de prédios ou em local de passagem comum aos condóminos deverá ser afixada a identificação do administrador em exercício ou de quem, a título provisório, desempenhe as funções deste", para que os condóminos não residentes possam por seu turno cumprir com o que dimana do art. 1432º, nº 9 do CC "Os condóminos não residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante".
 
Importa contudo ressalvar que, incorrendo o administrador em incumprimento da sua obrigação, tal acto de omissão não desobriga os condóminos do ónus que sobre os mesmos impende. Nesta factualidade, deverão estes procurar saber, nomeadamente junto da vizinhança, quem exerce as funções executivas efectivas ou provisoriamente. 
 
Caso aquele não tenha ainda sido eleito pela assembleia ou nomeado pelo tribunal, as funções são obrigatoriamente desempenhadas, a título provisório, pelo condómino cuja fracção autónoma represente a maior parte do capital investido (maior percentagem ou permilagem), salvo se outro condómino manifestar o desiderato de exercer o cargo, comunicando o mesmo aos demais condóminos. 
 
Ainda de sublinhar que, havendo dois ou mais condóminos em igualdade de circunstâncias (iguais percentagens ou permilagens), dimana do nº 2 do art. 1435º-A do CC que as inerentes funções recaem sobre aquele a quem corresponder a primeira letra na ordem alfabética utilizada na descrição das fracções autónomas constante do registo predial.

Cumprindo o administrador com a sua obrigação e incumprindo o condómino ausente com a que lhe cabe, sobre o administrador não impende qualquer obrigação de procurar outras formais ou informais formas de o contactar, nomeadamente para lhe enviar as convocatórias por carta registada (cfr. art. 1432, nº 1 do CC) e as actas por carta registada com aviso de recepção (cfr. art. 1432, nº 6 do CC). Havendo-se as cartas devolvidas, deve administrador cuidar de as manter, devidamente fechadas e em boa guarda.

Quanto a um outro qualquer domicílio do condómino, que não tenha sido facultado pelo mesmo, não deve ser considerado pelo administrador. Atente-se que, do cumprimento do nº 9 do art. 1432º do CC, impende sobre o referido condómino fazer prova de que cumpriu com a sua obrigação. A regra em direito é que, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo. É o que conceptualmente se designa de ónus de prova. O art. 342º do CC preceitua precisamente esta regra.

Nesta conformidade, importa relembrar que quando o legislador impôs que os condóminos não residentes devessem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante, visa este preceito também possibilitar a convocatória e bem assim, o envio de cópia da acta da assembleia, e, portanto, inculca um critério óbvio para a opção pela carta registada: a não residência no prédio em propriedade horizontal.