Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

6/23/2021

Usos do Fundo Comum Reserva

O FCR tem-se estatuído no art. 4 do DL 268/94 de 25/10, sendo portanto de constituição obrigatória, cujo seu valor é resultado das comparticipações de todos os condóminos, para ajudar a pagar as obras de conservação que sejam necessárias efectuar no futuro. Importa pois sublinhar que este aforro visa exclusivamente a realização de obras de conservação extraordinária nas partes comuns do edifício, competindo à assembleia de condóminos fixar, anualmente, o valor percentual da comparticipação, que nunca será inferior a 10% da quota-parte de cada condómino nas despesas correntes do condomínio. 
 
Acresce ressalvar que este fundo de reserva deve ser encaminhado para uma conta bancária autónoma. De salientar que as gestões das contas do condomínio devem ter-se necessariamente feitas com o consentimento do administrador e de um condómino nomeado pela assembleia para aquele efeito. 

Impondo o art. 4 nº 1 do DL 268/94 que o FCR apenas serve para custear as despesas de conservação do edifício, há que apurar a natureza das obras e por força do art. 2º, al. f) do DL 555/99 de 16/12 (RJUE) as obras de conservação são definidas como os obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução ampliação ou alteração, designadamente obras de restauro, reparação ou limpeza.
 
Como se vê o legislador utiliza no RJUE certos conceitos (obras de edificação de alteração ou conservação) que não coincidem com os conceitos utilizados no CC como noutra legislação avulsa (obras de conservação ordinária, extraordinária e beneficiação, inovações). Por exemplo, na PH, que nos ocupa, o legislador distingue as obras destinadas à conservação e fruição das partes comuns (cfr. art.º 1424º) das obras que constituam inovações que o legislador não define mas que exemplifica no nº 2 do art.º 1425º em relação a certos edifícios com pelo menos 8 fracções (ascensores, instalação de gás canalizado, colocação de rampas de acesso para mobilidade condicionada, colocação de plataformas elevatórias quando não exista ascensor com porta de cabine com dimensões regulamentares para pessoa em cadeira de rodas). 
 
Mas é sabido que as inovações não são apenas essas e que não existe uma coincidência entre os conceitos de inovações e obras de alteração tal como o legislador utiliza o conceito no RJUE e legislação adrede. As inovações materiais são transformações ou acrescentamentos à identidade estrutural do prédio mais ou menos importantes que se destinam a conservá-lo, a melhorá-lo, ou a dar-lhe aptidão para proporcionar ao utente certo uso recreativo, no caso do arrendamento não são uma forma de uso mas uma obra ou implantação destinada a manter ou elevar a qualidade ou a proporcionar algum recreio ao uso do arrendatário.
 
No CC, vista a obra sob o ponto de vista da despesa, encontramos o conceito de benfeitorias no art. 216º, nº 1, que são as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, distribuindo-as pelas necessárias, úteis e voluptuárias, umas são modificações na essência intrínseca da coisa porque se unem ou incorporam sem identidade própria na substância do prédio e outras são extrínsecas porque muito emboras unidas e incorporadas na estrutura do prédio não chegam a fundir-se na sua essência permanecendo com autónima identidade, e quanto a estas salvo estipulação em contrário no termo do contrato para efeitos de indemnização pelo senhorio é equiparado nos termos do art. 1046º do CC ao possuidor de má-fé com remessa para os art. 1273º a 1275º do CC, dizendo-se necessárias as indispensáveis à conservação da coisa e úteis as que não sendo indispensáveis a sua conservação lhe aumentam todavia o valor e o arrendatário como possuidor de má-fé tem direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que tenha realizado na coisa (1ª parte do art. 1273º, nº 1 do CC) e quanto às úteis tem direito a levantá-las se o poder fazer sem detrimento da coisa ou não o podendo a ser indemnizado segundo as regras do enriquecimento sem causa (2ª parte do art. 1273º, nº 1 do CC) ou seja o senhorio deverá prestar-lhe tudo quanto tenha obtido à custa do empobrecimento ou se a restituição não for possível o valor correspondente (cfr. art. 479º nº 1 do CC). 
 
O art. 29º da Lei 6/2006, para os contratos anteriores ao RAU ou ao DL 257/95, trouxe uma inovação porque segundo este preceito o arrendatário aquando da cessação do contrato e salvo estipulação em contrário passa a ter o direito a compensação pelas obras licitamente feitas nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé, contendo disposição idêntica o art. 1074º nº 5 do CC para os contratos posteriores. 
 
A disciplina descrita é meramente supletiva podendo ser afastada por convenção em contrário, como expressamente o declarou na primitiva formulação o art. 1046º nº 1, do CC, e ora se ressalva nos art. 29º, nº 1 da Lei 6/06 e 1074º nº 5, do CC, e esta cláusula sempre foi considerada legítima, legitimidade, ora reforçada, pelas ressalvas. Como o arrendamento é sempre remunerado pode, hoje em dia, estipular-se, legitimamente, no respectivo contrato, que corram por conta do arrendatário ou mesmo de terceiro, sem direito a compensação findo o contrato, as obras de conservação ordinária ou extraordinárias do prédio ou fracção, o que é valido para arrendamentos habitacionais ou não habitacionais.

Mas em causa o conceito de obras de conservação utilizado pelo legislador aquando da criação do Fundo de Reserva. Da panóplia de conceitos legais resulta que as obras de conservação ordinária e mesmo extraordinária têm na sua génese a ideia da necessidade de evitar ou impedir o agravamento da deterioração, destruição, perda da coisa, a indispensabilidade para a conservação do imóvel, ou seja, das características que o imóvel possuía aquando da sua construção ou reconstrução.
 
E, de novo o conceito de deterioração já acima suficientemente explanado que traz associadas as ideias de dano, decomposição, estrago. Mesmo que se entenda que as obras não possam qualificar de inovação, por não ter ocorrido uma alteração ou transformação estrutural no edifício, impõe-se concluir-se que se trata de obras de conservação sempre seria necessário que resultasse comprovada a existência de um qualquer dano, estrago, decomposição dos referidos materiais quer os de revestimento que incorporaram o chamado projecto de arquitectura quer os dos sistemas de rede eléctrica, iluminação e segurança. Contudo, como acima se disse há que provar a deterioração dos revestimentos e a deterioração destes últimos sistemas.
 
Deste entendimento, resulta a ideia de que os pavimentos, paredes, tectos, portas de entrada e evacuação existentes no hall de entrada comum do edifício, bem assim como os sistemas de rede eléctrica, iluminação e segurança aí existentes que já se encontrem deteriorados ou obsoletos (em face da idade do edifício), porque naturalmente danificados ou tecnologicamente desactualizados, resulta a conclusão de que tais obras não podem ser qualificadas de conservação, pelo que as despesas efectuadas inserem-se em melhoramentos do edifício, valorizando-o, por isso o seu custeamento não pode ser feito com o Fundo Comum de Reserva.
 
 

6/22/2021

Regras aplicáveis ao Alojamento Local


A Lei 62/2018, de 22 de Agosto, com entrada em vigor a 22 de Outubro de 2018, por se haver uma moratória de 2 anos para a aplicação de algumas normas aos alojamentos locais previamente existentes, alterou as regras aplicáveis aos alojamentos locais, dando mais poder às autarquias e aos condomínios, procurando manter a qualidade de vida dos moradores que partilham edifícios com alojamentos locais e bem assim, evitar o seu predomínio em certas zonas das cidades, preservando a habitação e a realidade social desses locais.

Destarte, começou-se primeiramente por ampliar o conceito de estabelecimento de alojamento local, considerando-se como tal todos aqueles que prestam serviços de alojamento temporário, nomeadamente a turistas, mas não só (ao contrário do que estava previsto na redacção anterior) mediante remuneração, neste sentido, incluindo-se nas modalidades de alojamento local, a modalidade de “quartos”, como a “exploração de alojamento local feita na residência do locador, que corresponde ao seu domicílio fiscal”, até um máximo de 3 quartos, presumindo-se ainda a existência de um “hostel” quando o número de utentes em dormitório seja superior ao número de utentes em quarto.

Assim, a capacidade máxima dos estabelecimentos de alojamento local, exceptuando as modalidades já referidas de “quartos” e “hostel”, fixa-se em 9 quartos e 30 utentes, no entanto, a capacidade máxima é determinada pela multiplicação do número de quartos por dois, acrescida da possibilidade de acolhimento de mais dois utentes na sala no caso das modalidades de “apartamentos” e “moradias”. Acresce ressalvar que em todas as modalidades, excepto nos “hostels”, caso a unidade tenha condições de habitabilidade adequadas, poderá comportar, no máximo, duas camas suplementares para crianças até aos 12 anos.

No mais, tiveram-se outrossim reforçados os poderes dos condomínios onde os estabelecimentos de alojamento local estejam instalados, de modo a proteger a qualidade de vida dos condóminos, porquanto considera-se que estes são susceptíveis de causar mais perturbações. Nesta conformidade, o condomínio pode deliberar fixar o pagamento de uma contribuição adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns, com um limite máximo de 30% do valor anual da respectiva quota, também se estabelecendo que o titular do alojamento local será o responsável pelas despesas com obras, necessárias para o cumprimento dos requisitos de segurança, que sejam realizadas nas partes comuns para adaptar ou licenciar o locado para esse fim.

Acresce sublinhar que cabe ainda dentro dos poderes da assembleia de condóminos efectuar o pedido de encerramento do alojamento local à autarquia, por deliberação, de mais de metade da permilagem do edifício, fundamentada na prática reiterada e comprovada de actos que perturbem a normal utilização do prédio e bem assim em actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos, sendo certo que a decisão final sobre o pedido de cancelamento será sempre do Presidente da CM territorialmente competente, com faculdade de delegação nos respectivos vereadores.

Se a decisão for de cancelamento, a cessação de exploração implica a impossibilidade do imóvel ser explorado como alojamento local, independentemente da respectiva entidade, por um período fixado na decisão, num máximo de um ano. Aliás e ao contrário do que acontece nas restantes modalidades de estabelecimento de alojamento local, no caso dos “hostels”, a assembleia dos condóminos terá mesmo o poder de, em deliberação, autorizar ou não a instalação de “hostels” no edifício em regime de PH, sendo que a acta da assembleia de condóminos que autorize a instalação deve obrigatoriamente constar da comunicação prévia dirigida ao Presidente da CM.

Mais, são também reforçados os poderes das autarquias locais, porquanto, se antes bastava uma mera comunicação prévia para o registo de estabelecimento de alojamento local, exige-se agora que seja dirigida ao Presidente da CM uma comunicação prévia com prazo, obrigatória e condição necessária para a exploração de alojamento local.

Assim, a legalização do estabelecimento de alojamento local parte da omissão, pois se no prazo de 10 dias, ou 20 dias no caso de “hostels”, contados da apresentação da comunicação prévia com prazo, não houver oposição por parte do Presidente da CM, o registo é automaticamente remetido ao Turismo de Portugal. No entanto, o Presidente da CM territorialmente competente, com faculdade de delegação nos vereadores ou dirigentes, pode opor-se ao registo com os fundamentos previstos, como a incorrecta instrução da comunicação prévia com prazo, vigência do prazo resultante de cancelamento de registo ou violação das restrições à instalação decididas pelo município.

Ainda, enquanto antes competia apenas à ASAE fiscalizar o cumprimento do disposto no regime legal, instruir os respectivos processos e aplicar as coimas e sanções acessórios, actualmente também a CM tém competência para, nomeadamente, determinar a interdição temporária da exploração dos estabelecimentos de alojamento local e para aplicar as coimas aos proprietários de estabelecimento de alojamento local que operem na ilegalidade.

Por último, uma grande inovação que trouxe a Lei 62/2018 foi a possibilidade da CM poder limitar o número de alojamentos locais nas designadas “áreas de contenção”. Assim, com o objectivo de preservar a realidade social dos bairros e lugares, a CM territorialmente competente, pode aprovar, por regulamento e com deliberação fundamentada, a existência de “áreas de contenção”, impondo limites relativos ao número de estabelecimentos de alojamento local nesse território, sendo tais áreas reavaliadas de 2 em 2 anos. Por conseguinte, a instalação de alojamento local em “áreas de contenção” carece de autorização expressa da CM e o mesmo proprietário apenas pode explorar até sete estabelecimentos de alojamento local na mesma “área de contenção”. Esta limitação é válida apenas para novos registos, mas existe um regime transitório.

Ora, para evitar que, depois da entrada em vigor da Lei nº 62/2018, muitos proprietários avançassem com registos em zonas onde se prevê que possam vir a a ser impostos limites, a referida lei prevê ainda que os municípios podem suspender, por um máximo de um ano, a autorização de novos registos em áreas especificamente delimitadas. Atente-se que o registo de estabelecimento de alojamento local localizado numa destas “áreas de contenção” será pessoal e intransmissível, e, portanto, o título de abertura ao público caduca em caso de transmissão da titularidade do registo, cessação de exploração, arrendamento ou outra forma de alteração da titularidade da exploração e em caso de transmissão de capital social da pessoa colectiva titular do registo, acumulada ou não, em percentagem superior a 50%. Só assim não o será em caso de transmissão por sucessão.

O registo de estabelecimento de alojamento local, como dito anteriormente, passa a ser feito através de comunicação prévia com prazo, a que o Presidente da CM se pode opor, em substituição da mera comunicação prévia.

Finalmente, cumpre esclarecer que é obrigatório que todos os estabelecimentos de alojamento local tenham um livro de informações, uma placa identificativa e seguro multi-riscos. O livro de informações deve ser disponibilizado em português, inglês e mais duas línguas estrangeiras, deve conter as regras de funcionamento do estabelecimento (regras sobre a recolha e selecção de resíduos urbanos, funcionamento dos electrodomésticos, ruído e cuidados a ter para evitar perturbações que causem incómodo e afectem a tranquilidade e descanso da vizinhança), o regulamento com as práticas e regras do condomínio para a utilização das partes comuns, caso esteja inserido num edifício em PH e o contacto telefónico do responsável pela exploração do estabelecimento.

É, também, obrigatória a afixação de uma placa identificativa junto à entrada principal nos “hostels” e junto à entrada do estabelecimento, nos demais casos. Com relação à solidariedade e seguro de responsabilidade civil, o titular da exploração de alojamento local é solidariamente responsável com os hóspedes, relativamente aos danos provocados por estes, e que deve celebrar e manter válido um seguro multi-risco de responsabilidade civil, sob pena de cancelamento do registo do alojamento local.

Concluindo, estas alterações ao regime de autorização de exploração dos estabelecimentos de alojamento local visam controlar o seu rápido e contínuo crescimento em zonas, hoje, amplamente turísticas, evitando que se perca a realidade social de bairros característicos e as suas condições de habitabilidade.